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versão impressa ISSN 1519-9479

Cogito v.3  Salvador  2001

 

FUNÇÃO PATERNA

 

O lugar sem pai ou um eixo para a subversão institucional

 

 

Carlos Pinto Corrêa1

Círculo Psicanalítico da Bahia

 

 


RESUMO

O autor faz uma revisão crítica do sistema estrutural das instituições psicanalíticas, e propõe que deixando o modêlo jurídico, possa ser re-pensada em termos dos discursos de Lacan. Com base em experiência de sua própria instituição, o Círculo Psicanalítico da Bahia, apresenta uma síntese de procedimentos para transformação da instituição psicanalítica.

Palavras-chave: Instituição, Formação psicanalítica, Discurso.


 

 

Cada ramo do saber humano ou das ciências está fatalmente ligado a um grande nome. Seja o fundador, uma figura singular, um pensador profundo, ou aquele que produziu algum tipo de avanço significativo para o saber. Sócrates e Platão na filosofia antiga, Thomas de Aquino e depois Hegel na reformulação da lógica, Pitágoras na matemática, Galileu Galilei na geografia, Shakespeare na literatura, Bach na música e Freud nos estudos sobre o inconsciente, são ícones que marcam e definem por si áreas de atuação do intelecto humano. Mas, nenhum saber possui uma relação tão intensa com a sua origem como a psicanálise.

Surgindo recentemente, a psicanálise foi marcada por circunstâncias e condições muito especiais. Sua criação é obra de um cientista que conseguiu revolucionar a psiquiatria e a psicopatologia, influenciando as ciências sociais e dando ao homem uma nova forma de ver a si e o mundo. Reuniu em torno de si os principais seguidores, sendo um mestre atento e atuante frente à conduta de seus discípulos aos quais exigia fidelidade. Por sua condição de judeu, em uma época de marcada competição étnica, sofreu como membro da minoria, pressão e preconceito, o que tornou seu grupo inicial recusado e defensivo. Além disso, a longa vida de Freud fez com que persistisse por muito tempo a presença marcante do fundador e idealizador. Isto foi determinante para que se estabelecesse uma apreciação simbiótica entre a figura do Freud fundador, de suas idéias e da psicanálise como espécie de doutrina de conhecimentos.

O modelo da primeira instituição psicanalítica, herdeira do comitê criado em 1912, defendia o discurso do mestre que predominava em Viena, foi transferido para a Inglaterra e se transformou em espécie de paradigma. Mas o discurso foi fragmentado com a busca e a imposição de novos mestres. Seja entre os diletos seguidores de Freud abarcados pela IPA, ou pelos inúmeros opositores que na tentativa de inovar ou revolucionar voltam e repetem o modelo original. Todas as instituições psicanalíticas são muito parecidas em sua estrutura. Mesmo Caruso que fugindo à ortodoxia, pensou em uma nova condição para o trabalho e formação dos analistas, acabou caindo na cilada institucional ao ampliar o Wiener Arbeitskreiss fur Thiefenpsychologie e mais ainda quando se uniu a Fromm e Charnowski pensando na libertária e democrática International Federation of Psychoanalytic Societies, reeditando uma nova espécie de IPA. Também Lacan, de início se propõe como um reformulador. Depois, alterando o exercício da já consagrada técnica psicanalítica, produz sua exclusão, ou um cisma na psicanálise francesa. Formulou e dissolveu sua escola, mas tanto ele quanto seus seguidores caem na repetição do modelo padrão.

A estreita vinculação entre um novo saber ou um novo apanhado de idéias psicanalíticas e um nome que as defende e acolhe os adeptos, ainda é a tônica destas organizações. Dito de outro modo pode-se afirmar que a difusão, a transmissão e o reconhecimento da psicanálise continuam ligados a um ideal e a um sistema identificatório. Há sempre um vínculo ao nome. Os próprios profissionais sentem necessidade de declarar sua identificação se dizendo freudiano, lacaniano, junguiano, kleiniano, ou os analistas desligados das instituições e destituídos do necessário pedigree encontram interessante e discutível posição quando se intitulam freudianos ecléticos, ou como afirmam alguns autores americanos, néo-freudianos.

 

EM NOME DA LEI

A instituição psicanalítica tem sido uma organização grupal que distingue, autoriza, mantém e repete o modelo familiar onde a presença e reconhecimento deste grande outro passará à institucionalização de uma garantia da manutenção de uma circulação controlada do poder. Daí um sub-produto inseparável desta personalização que é a legalização institucional. Os grupos estabelecem um complexo jurídico formado pelos Estatutos, Regimentos e Normas, aprovados em Assembléias Gerais e que passam a se constituir em uma espécie de superestruturas organizacionais em nome das quais tudo na instituição deve funcionar. O poder soberano da Assembléia (no sentido de reunião de pessoas para um determinado fim), que seria o momento do entendimento e desentendimento, cala no momento da criação coletiva e se amesquinha em uma votação controlada. Ergue-se uma lei e a palavra fica cassada.

Estranha arma esta para uso dos psicanalistas que se fundaram sob a égide da liberdade pela palavra e preferem trocá-la pela letra de uma lei que supostamente garante a persistência do grupo como um ramo do Direto Civil, regula as trocas internas como o Direito Comercial e possibilita as punições como o Direito Penal.

No início do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, ou seja, da seção de Minas Gerais do Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda, buscando diferenciar da Seção do Rio Grande do Sul, fomos apontados que a existência de um estatuto registrado em cartório garantia nossa existência legal. Logo nos reunimos e produzimos um Estatuto Mineiro. Em seguida fizemos a nova constituição para o transformado Círculo Brasileiro, que alguns anos depois, com a entrada de colegas do Rio de Janeiro, produziu uma nova revisão. Vieram os novos grupos e o Círculo da Bahia foi fundado com a aprovação de sua carta, galardão que logo nos deu uma semelhança com a criança registrada que passa a ter um nome oficial reconhecido. Da Bahia surgiram os grupos de Pernambuco, o CBP-Rio de Janeiro e o de Sergipe, todos com sua Constituição legal. Como os demais, tivemos nossa legislação refeita algumas vezes, nem sei quantas, mas até há pouco tempo tinha uma pasta cheia deles, ocupando muito espaço em meus arquivos.

Há algum tempo me pergunto que efeito tem realmente sobre nós os regulamentos escritos e o que temos ganhado com a troca do diálogo pela forma impessoal de comportamento e decisões burocráticas. De minha parte, creio que todas as vezes que a legitimidade é questionada e recorremos à carta legal, estamos em um tipo de crise qualquer. O encontro de uma lei, na maioria dos casos vale apenas como um corte unilateral, estribo para imposição de algo decidido anteriormente e que pode ser invocado apenas para manutenção de um “status quo” que cinge e empata nossa evolução. É como se frente ao perigo de percorrermos alguma cadeia significante indesejável, nos abrigássemos no real (a lei não significa, ela é). Uma coletivização filha da idealização que impede o analista de ser analista em sua instituição.

Nossas letras podem ser outras. Vejo uma instituição possível com apenas algumas poucas linhas de diretrizes marcando una conexão da instituição como o arcabouço social e legal onde estamos inseridos. Não imagino, entretanto, um sistema anárquico ou de desmandos, mas que a instituição psicanalítica possa ser libertada do modelo personalista e jurídico. Que seja um grupo pensante em Assembléia Permanente de modo que possa prevalecer da condição lógica de pensar e analisar sobre a submissão ao regulamento.

A instituição legal organizada se estrutura como uma proteção desde que há um imaginário sobre o futuro feito de questões previsíveis e solucionáveis pelo império da lei. Ao contrário, uma instituição que privilegia o saber ou a possibilidade de um funcionamento dinâmico e sem certezas, destitui esta suposta segurança, colocando a instabilidade e risco permanente à flor da pele, tal qual acontece nos grupos que operam sem garantias. E por que esta proposta de abrir mão dessa lei aparentemente tão segura? A experiência mostra com clareza que mesmo sendo de início um fator estruturante para os grupos que se iniciam ou reiniciam, os participantes nunca são salvos pela lei. Os regulamentos são comumente invocados como garantia de poder, conservadorismo ou continuismo. São cumpridos como ordem superior, mas de nada servem para reavaliar os conflitos, as dissensões e crises que tantas vezes solapam as instituições psicanalíticas. É uma fantasia julgar-se que os participantes ou a própria instituição possa ser salva pela lei. Ela se opõe ao domínio de um saber que pode apontar para uma evolução. Ninguém caminha sem sair da condição de equilíbrio estático que ocorre entre um passo outro. Daí nossa proposta de aceitar o fluir de um caminho que inclui acidentes e crises, como a própria vida, ou se preferem, como uma análise. E como tal, em vez de criarmos um sistema de repressão, valorizar um procedimento mais analítico.

 

EM NOME DO PAI

A fixação de um modelo via identificação onde se constrói um líder à imagem e semelhança do pai, e as instituições a partir do padrão prévio, nos parece uma espécie de contramão à evolução da teoria psicanalítica. Repassemos um pouco a história.

A partir da etiologia sexual da histeria, Freud2 formula sua teoria do trauma que coloca no fim da linha, ou seja, como a causa de tudo o pai. Nos anos vinte em substituição à teoria do trauma vamos encontrar a teoria da repetição, no qual o pai é destituído da condição de causador do trauma fundamental e parte para a descrição do princípio do prazer. De repente o rei está morto. O pai aparece como um sujeito falível, perdendo sua condição de modelo identificatório, deixando a criança no desamparo. Como consequências metapsicológicas, a teoria psicanalítica passa a tratar da organização pulsional do homem como um ser desejante. O masoquismo aparece como derivado da sujeição ao pai. Em “Uma Criança é espancada” de 19153 a questão do desamparo é reformulada pelas idéias de um privilégio possível a um irmão frente ao reconhecimento especial do pai, ratificando-se a preeminência do pai na constituição da realidade psíquica.

Em O Mal Estar na Civilização de1930, Freud4 , mostra que pela submissão insuportável imposta por um domínio sádico do pai, a psicanálise perde também seu poder de curar ou de resolver este mal estar. Este jogo de exercício de um poder impossível esclarece e tem sido muitas vezes usado como interpretação das crises nas instituições psicanalíticas. Mas, este é um interpretar inócuo, já que é inoperante e mantém uma repetição de um gozo mortífero, responsável pelo processo de fragmentação sado-masoquista das instituições. Nos parece ser tempo de pensar que as crises das instituições psicanalíticas interpretadas como a revolução da horda primitiva são reducionismo conformista que em nada tem nos ajudado. A repetição deve perder seu cunho fatalista para ser tomada como um gozo. As formas de aceitação da relação de poder têm sido sempre na direção de um sofrimento inevitável. Todos os autores psicanalistas, mesmo os reformadores são marcados por alguma espécie de submissão transferencial, sejam Lacan, Winnicott, Klein.

O pai da orda primitiva é invocado por Freud mais como o nome de Deus, que não é sujeito. É o cógito, que sendo onipotente e onisciente, ocupa todos os lugares, impedindo a ascensão dos sujeitos ao poder. É preciso que este pai perca sua condição real pela morte e passe ao simbólico para que os filhos se tornem sujeitos, ainda que marcados pela representação do Deus-pai morto.

Enquanto o pai da sedução, conforme descrito por Freud, trata de um pai real, até imposto ao sujeito, a questão da castração vai deslocando-o para uma condição referencial e seu nome (próprio) passa ao plural Nomes-do-pai, que designa os nomes de relação ao pai.

A expressão Nome-do-pai foi introduzida por Lacan em seminário de 19515 sobre “O Homem dos Lobos”, apresentado de modo corrente e que só vai receber a maiúscula e hífens em seu texto tardio de 1972 – O Aturdito6 . Retomando o estandarte a partir de Freud, ele vai em 19577 escrever que a interrogação “O que é o pai?” está colocada no centro da mente não resolvida, pelo menos para nós analistas.

Com Lacan podemos repensar o pai a partir dos três registros: R-S-I, como segue.

1. Como simbólico o pai é um significante, e em nenhum momento acessível, a não ser quando forjado em sua construção mítica como acontece em Totem e Tabu8. “Ele é o pai morto” e por isto mesmo conservado como significante.

2. O pai imaginário é o pai assustador, como descrito no Credo: “todo poderoso, criador do céu e da terra”, que pune mantendo a culpa. Com ele vive-se uma rivalidade fraterna que sucumbe ao recalcamento.

3. O pai real é de apreensão mais difícil. É ele que intervém como agente da castração, já que rompe o logro do jogo fálico da criança com a mãe e se faz o preferido por ela.

Deixando a velha interpretação que toma as crises das instituições psicanalíticas como a revolta da horda primitiva e os movimentos renovatórios como tentativas de assassinato do pai, podemos tomar a figura do fundador ou o grande nome em torno do qual orbita cada instituição, como o fator estruturante interpretável a partir desses três registros. Assim fugimos do paradígma e da inevitável condição cultural. Isto nos permite rever a forma de estruturação institucional e, quem sabe, tentar novas formas.

Como grupo, a instituição deve girar em torno de um líder que mesmo sendo um modelo identificatório, deverá fatalmente estar também identificado ao ideal do grupo. Assim ele tem uma função significante S(n), inacessível e que oscila até como a representação de um ideal do grupo, em resposta ao ideal do eu dos participantes. Mesmo destituída de grande parte do seu poder absoluto, a instituição ainda exerce pelas escolhas, pelos regulamentos, função de pai real.

Por definição, a instituição está sempre presa à realidade. Instituir, do latim significa dar começo, estabelecer, fundar e dubiamente também criar. O nosso bom Aurélio9 ainda lembra no verbete Instituição, da “Instituição Canônica”, que é “a imposição dos poderes espirituais próprios de um cargo eclesiástico, feita por um superior hierárquico”. A organização psicanalítica não poderia ter melhor batismo do que ser chamada genericamente de instituição. Uma vez fundada e estabelecida, se torna coisa e paira como um estado que tem nos seus membros os súditos. E, eclesiástica, pela imposição do poder hierárquico. Aqui prevalece a figura do pai real, aquele que intervém concretamente como agente da castração, aquele que não atinge a subjetivação do ser pai.

Quando Lacan no estudo da relação objetal introduz o pai ternário RSI10 , o faz em função do Simbólico e do Imaginário, aqui devidamente imbricados. Há uma suposição sobre o pai real e o Nome-do-pai como o pai simbólico. “O Nome-do-pai é a capacidade normativizante do pai enquanto ele não se conforma a uma média, mas faz rachar as normas maternas para institui novas”11.

Como vemos, aquela atribuição de pai ao fundador, ao presidente ou ao chefão da instituição psicanalítica, difere muito do que poderíamos entender como psicanalistas pela função paterna. A contingência de exercício do corte, cobrando e exigindo em cima de uma realidade, é na verdade uma função materna. Pensando assim e fugindo do modelo antropológico que define as dissensões, podemos pensar que nossas instituições – vistas de um parâmetro psicanalítico-são ou devem ser, um lugar sem o pai.

 

CHE VOI ?

Feitas estas críticas tão simpáticas para alguns, a respeito da instituição psicanalítica uma pergunta óbvia há de surgir. E como se pode pretender uma outra instituição? Sem nos impormos a rigidez legal costumeira, estamos desde logo na falta. Ausência do palpável que garante e supostamente sustenta, mas partindo do princípio, ou seja, que o miolo é o (a), espaço inquietante que nos orienta para uma instituição que jamais se completa. Em seguida, em vez de pensarmos em um espaço dotado de carga libidinal própria, como o eu da segunda tópica, pensemos em nossos confrades e companheiros como seres desejantes de um saber que não visa mais o encontro do desencantado suposto saber, mas de uma coragem por se nutrir das dúvidas (que são também faltas) compartilháveis com nossos semelhantes. É a personificação do poder e a procura identificatória cedendo lugar a uma verdade buscada, que jamais será toda. Um impossível que nos remete ao real e que escapa ao saber.

Para fugirmos ao discurso da instituição canônica, podemos tentar uma visão topológica. Toda instituição psicanalítica está formada basicamente por três espaços superponíveis em suas extremidades, ou seja:

• ESPAÇO DE SUSTENTAÇÃO FORMAL, referente aos registros legais, um endereço, uma placa com nome, sala, telefone, gadgets eletrônicos, papéis, biblioteca, conta bancária, sala de reuniões e até um sanitário, tudo mantido pela contribuição financeira dos associados. Não apenas pedaços da realidade, mas entendidos como suporte para alegação nas crises, como algo que não é.

• ESPAÇO DE TRANSMISSÃO, referindo-se a um saber que pode ser passado aqueles escolhidos, selecionados, e desejantes. Gente que se hierarquiza, se reconhece, outorga.

• ESPAÇO DE CRIAÇÃO E PRODUÇÃO, para circulação dos já iniciados, continuando seus estudos, produzindo seminários e textos.

A instituição psicanalítica é essencialmente o espaço da fala, na qual está a sua verdadeira razão de ser. Recusando-se um estatuto prévio regulador que seria a tentativa de se construir uma ética institucional, vamos ao pivô da função da fala, que é a subjetividade do Outro, como lembra Lacan. Este Outro que se convence e que mente12 . A suposta fala de sujeito a sujeito, uma fala que pode enganar, mas que possui algo também que não engane. Da necessidade de se estabelecer um real, um lugar que não engane, pode ter sugerido a inserção da lei como suposta garantia de uma objetividade (verdade) para sustentar a instituição. Foi assim também com Freud, quando introduzindo a noção de discurso a partir do estudo da paranóia, nos chamou atenção que o discurso de Schreber fugia ao registro do real, daí não verdadeiro. Retomando a ligação do discurso ao registro do real, Lacan mostrou que “no próprio interior do fenômeno da fala pode-se integrar os três planos do simbólico, representado pelo significante do imaginário, representado pela significação, e do real que é o discurso mantido realmente em sua dimensão diacrônica”13.

A noção de discurso começa a perder sua objetividade pretendida nas comunicações científicas e começa a ganhar sua dimensão inconsciente, quando se leva em conta que a construção do mesmo se opera sobre o fundamento da diversificação no registro da realidade, da geratriz do simbólico que é da metáfora. Da noção de f(x) Lacan elabora a noção de sítios permanentes e termos móveis, mostrando que sendo o discurso da realidade social da comunicação, apresenta mutações provocadas pelas determinantes da cadeia significante: significante, significado substituto. Os termos móveis ocupam posições estruturais, sendo elementos de toda cadeia falada na formação da série significante:

Mestre ou (S1);
Bateria significante ou (S2);
Sujeito barrado ou ($) e
Mais-de-gozar – resíduo da fala (a).

Os deslocamentos das séries móveis (significantes) se dão através dos sítios permanentes que correspondem a:

Elaboração tardia, as quatro variantes do discurso ocupou Lacan14 por volta dos anos 60 e conjugam uma estrutura permanente de todo discurso: verdade, agente, outro, produção, com o deslocamento das cadeias significantes, figurando os quatro discursos:

Mestre
Histérico
Universitário
Analista

Posto sob suspeição, o discurso recebido de acordo com o transmitido, sem a intervenção de outras significações diversamente recebidas, voltamos às nossas instituições para perguntar: Qual o discurso possível às instituições psicanalíticas? O discurso é o efeito do deslizamento de uma cadeia significante, sendo o sujeito produzido por esta cadeia em vez de ser o centro dela. Mutatis mutantis, a instituição psicanalítica também pode ser pensada como produzida pela cadeia significante, em vez de ser tomada como a causa eficiente do que os psicanalistas produzem nela e com ela.

Embora todos os deslocamentos sejam possíveis, para melhor compreensão no estudo das instituições, seria interessante tomar o sítio que está mais ligado à razão de ser da instituição, que é O AGENTE. Como tem sido estruturada desde sua invenção, a instituição psicanalítica tem basculado entre dois significantes como AGENTES: o SABER (S2), e o SIGNIFICANTE MESTRE (S1). O saber (S2) no lugar do agente define o discurso universitário:

Adotando o discurso universitário, a instituição vai se haver com um impasse na passagem do $ para o S1, pois este significante mestre expressa uma verdade que não existe. Partindo de um saber tomado como absoluto, chegamos ao impossível de uma verdade que o desmente.

No segundo caso, a posição do Agente está ocupada pelo S1 que pela posse do saber psicanalítico, pela escolha dos eleitos continuadores e pela via da identificação pretende estar na posse do Significante mestre (S1) definindo o discurso do mestre:

Com o discurso do mestre, vamos encontrar uma impossibilidade na passagem do significante mestre S1 para o saber, estando a produção no mais-gozar. Tem sido fácil observar em crises institucionais como o deslocamento entre o significante mestre e o saber se articula de modo a excluir o $, ou seja, barrando ainda mais os associados que pela exclusão deixam de ter acesso ao saber (coisa somente do mestre).

Nossa proposta é inovar, pensando qual outro modelo poderia então dar conta da instituição psicanalítica. Tomemos o discurso do analista:

Neste discurso o objeto causa do desejo está no lugar de agente. Existe um analista cuja função é estabelecer um tipo de vínculo em que ele é o agente, como semblante do objeto a, visando produzir S1, ou que o sujeito produza sua verdade. É, pois contrário ao discurso do mestre. A causa do desejo como agente, não se estabelece na instituição, pois o discurso analítico se dirige à cura e não ao paciente. O saber de si que se dá como verdade do sujeito, somente é possível pela via do espaço de suposto saber que o analista pode oferecer. Também não ocorre aqui a possibilidade deste semblante que se instaura como agente.

Resta-nos, portanto imaginar para a instituição o discurso histérico, tomando-se como Agente o $, que sugere um sujeito que mesmo constituído é reconhecedor de sua falta e vai se associar na busca de um significante mestre (S1), voltando à questão de um nome ainda representante do pai. A produção da instituição (S2) é realmente o saber veiculado sobre a forma da transmissão, ou da veiculação da informação bibliográfica entre os pares, sendo a verdade (a) sabida como inatingível.

Ou, como no enunciado para o histérico, o sujeito do inconsciente ($) ao interrogar os significantes-mestres (S1) revela o saber desta verdade: o senhor (masculino ou feminino) é por função castrado; a mestria sobre o corpo (o do outro e o próprio) é renúncia ao gozo. Essa interrogação produz os estigmas dessa castração.

Na verdade, Freud deu lugar e direito à histeria como vínculo social. A escrita freudiana é o saber da verdade da histeria finalmente advinda. Através do sintoma, do sonho, do ato falho e do chiste, o discurso histérico retoma o que o discurso do mestre recalcou. É um saber novo, inteiramente diferente do saber universitário. Sendo esta verdade parcial, só existe o sujeito que mente. Com Freud, o discurso histérico identificou-se com a psicanálise. Ele fez sua a interrogação que o histérico nos coloca: que quer uma mulher, um homem? Que quer esse outro?

Freud soube ouvir a resposta, descobrindo que não é da ordem da necessidade, nem de papeis a representar, nem de tarefas a cumprir, mas concerne diretamente ao desejo. O histérico quer um mestre, isto é, um pai enquanto mestre. Isto está bem claro no capítulo VII sobre identificação em “Psicologia das Massas e Análise do Eu”15 . Lacan responde a esta questão fazendo uma distinção radical entre o pai e o mestre, tomando as três funções ou dimensões que chama de Real, Simbólico e Imaginário.

Para abandonar o modelo original da instituição em que o pai e o mestre se fundiam é que tentamos pensar em uma nova forma de discurso possível e encontramos no discurso histérico um espaço que não possui o que nele é buscado. O difícil caminho da instituição psicanalítica está marcado na sua demanda original de um sujeito barrado, que buscando o senhor descobre-o castrado, faz uma produção intelectual estigmatizada por esta castração em direção a um gozo impossível.

 

Da teoria à prática

Das considerações apresentadas sobre o modelo da instituição psicanalítica, podemos nos aventurar em algumas consequências na prática do novo modelo.

1. Os Estatutos, regimentos e regulamentos deveriam ser sucintos fugindo a particularizações determinativas, atendendo à base legal para o necessário registro oficial, estabelecimento de conta bancária, e obrigações fiscais.

2. Seria criado um sistema de Assembléia permanente e soberana com poder decisório sobre todas as questões de funcionamento da instituição. A proporcionalidade de sócios para convocação e votação poderia ser revista.

3. Cada associado deverá ter um espaço próprio na instituição, se possível determinado por um nome ou cargo que conjugue o seu desejo com o interesse coletivo.

4. Evita-se o sistema personalista e a concentração decisória. O presidente será substituído por um comitê. Situações novas e complexas determinam o estabelecimento de comissões que possam estudar e ajudar na solução dos impasses.

5. O espaço da criação supõe o novo e uma originalidade possível. A existência dos Núcleos de Estudos permite agrupamentos de sócios por afinidades pessoais e interesses emergentes de estudo teórico, pesquisa ou revisão clínica.

6. O sintoma não pode ser esquecido, já que a própria instituição é uma espécie de sintoma. Como Lembra Eny Iglesias16 “a instituição deve ser pensada como um recurso do analista para suportar a psicanálise e o lugar do analista, pois este é o espaço para dar conta dos restos transferenciais das análises, comunicar o que não foi falado e dar novas formas simbólicas ao indizível através da produção científica, da escrita, do testemunho sobre a permanente passagem para o tornar-se analista que se vivência no espaço do inacabamento”.

7. Não se pressupõe que uma nova estrutura institucional resolva o problema de conflitos e dificuldades já tão conhecidas entre analistas. Pensamos em uma estrutura que não os favoreça e que possua novas possibilidades para convívio com divergências pessoais e uma estrutura que suporte melhor as contradições e oscilações dialéticas próprias da evolução de entes falantes e pensantes.

8. A circulação dos associados por outras instituições ou os convites para visitas e palestras a colegas de fora, favorecem o arejamento das relações e o despertar para trabalhos inovadores e criativos.

9. O associado se compromete a somente deixar a sociedade ou se demitir após prestar seu depoimento frente a uma comissão especialmente designada. Todas as saídas serão objeto de reflexão sobre possíveis descaminhos institucionais.

10. A instituição não se dissolve ou termina. Rompimentos mais graves e cisões sempre revelam pessoas ou pequenos grupos que assumem como possíveis continuadores.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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________ – Uma Criança é Espancada – 1917 – ESB vol. XVII, Rio, Editora Imago 1976.         [ Links ]

________ – O Mal Estar na Civilização –1930 – ESB vol. XXI, Rio, Editora Imago 1976.         [ Links ]

_________ – Totem e Tabu (1913) ESB vol. XIII Rio, Editora Imago, 1974.         [ Links ]

________ – Psicologia de Grupo e Análise do Ego (1921) – ESB vol. XXI, Rio, Editora Imago, 1974        [ Links ]

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KAUFMAN, Pierre – Dicionário Enciclopédico de Psicanálise – Rio Jorge Zahar, 1996.         [ Links ]

_________ – L´Eturdit – 1872 – Scilicet n.4 Paris Seuil, 1973        [ Links ]

_________ – Seminário IV A Relação de Objeto (1957) – Rio Jorge Zahar, 1991.         [ Links ]

_________ – Seminário RSI. – Inédito        [ Links ]

_________ – Televisão (1974) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.         [ Links ]

_________ – Seminário III As Psicoses (1955/56) Rio de Janeiro: Jorge Zahar 1992        [ Links ]

_________ – Seminário XVII O Avesso da Psicanálise (1969/70) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.         [ Links ]

IGLESIAS, Eny Lima – A Instituição Psicanalítica: restos e produções (1999) Anais da Jornada do CPB Salvador CPB 2000.         [ Links ]

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda – Dicionário da Língua Portuguesa- Século XXI – Rio de Janeiro.         [ Links ]

 

 

1 Psicanalista. Membro Fundador do Círculo Psicanalítico da Bahia
2 Etiologia da Histeria, 1896
3 Uma Criança é Espancada 1917
4 O Mal Estar na Civilização (1930)
5 Seminário sobre O Homem dos Lobos, apud KAUFMAN, Pierre
6 L´Eturdit (1872)
7 Seminário IV A Relação de Objeto (1957)
8 Totem e Tabu (1913)
9 Aurélio Buarque de Holanda – Dicionário da Língua Portuguesa
10 Seminário RSI- Inédito.
11 Seminário IV A Relação de Objeto (1957)
12 Televisão (1974)
13 Seminário III – As Psicoses (1955/56)
14 Seminário XVII O Avesso da Psicanálise (1969/70)
15 Psicologia de Grupo e Análise do Ego (1921)
16 A Instituição Psicanalítica: restos e produções (1999)

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