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Psic: revista da Vetor Editora
versão impressa ISSN 1676-7314
Psic v.8 n.2 São Paulo dez. 2007
ARTIGOS
Avaliação longitudinal de leitura e escrita com testes de diferentes pressupostos teóricos
Longitudinal reading and writing assessment with tests based on different theoretical conceptions
Evaluación longitudinal de lectura y escrita con testes de diferentes presupuestos teóricos
Carolina Cunha Nikaedo *; Carolina Tiharu Kuriyama **; Elizeu Coutinho de Macedo ***
Universidade Presbiteriana Mackenzie
RESUMO
Diferentes abordagens de ensino de leitura e escrita apresentam pressupostos teóricos distintos para explicar a aquisição destas habilidades. O objetivo deste estudo foi verificar a correlação dos resultados em leitura e escrita entre dois procedimentos de avaliação: quantitativos e qualitativos. 52 crianças, com idade média de 7,1 anos (DP=0,5), matriculadas na 1ª série do ensino fundamental de uma escola pública foram avaliadas no início e final do ano letivo. Na avaliação quantitativa foram usados: Teste de Competência em Leitura de Palavras, Teste de Compreensão de Sentença Escrita e Teste de Nomeação de Figura por Escrita. A avaliação qualitativa foi conduzida pelos professores que classificavam o desempenho dos alunos em cinco estágios de desenvolvimento de leitura e escrita. Resultados mostraram correlações positivas significativas entre os três instrumentos quantitativos e destes com a avaliação qualitativa dos professores. No entanto, as avaliações dos professores tenderam a superestimar o desempenho de alguns alunos.
Palavras-chave: Leitura, Escrita, Avaliação, Alfabetização.
ABSTRACT
Distinct reading and writing instruction methods are based on different theories that explain how the acquisition of reading abilities occurs. This study aims to verify the correlation of reading and writing results of two different procedures of evaluation following quantitative and qualitative criteria. The study was conducted with 52 first graders from a public school. The students were assessed at the beginning and end of the year. The mean age was 7.1 (SD=0.5). The quantitative assessment was based on three tests: Word Reading Competence Test, Sentence Reading Test and Picture-Print Writing Test. The qualitative assessment was conducted by teachers who classified the students' performance according to different developmental levels. Results showed a significant positive correlation of the three quantitative assessment instruments and qualitative teachers` assessment. However, the teachers` assessment showed tendency to overestimate the performance of some students.
Keywords: Reading, Writing, Assessment, Literacy.
RESUMEN
Abordajes diferentes de la enseñanza de la lectura y la escrita presentan diferentes presupuestos teóricos para explicar la adquisición de estas habilidades. El objetivo de este estudio fue verificar la correlación de los resultados en lectura y escrita entre dos procedimientos de evaluación: cuantitativos y cualitativos. 52 niños con un promedio de edad de 7,1 años (DP=0,5), registrados en el 1º grado de la enseñanza primaria de una escuela pública fueron evaluados en el inicio y en el final del año escolar. En la evaluación cuantitativa fueron usados: Teste de Competência em Leitura de Palavras, Teste de Compreensão de Sentença Escrita y Teste de Nomeação de Figura por Escrita. La evaluación cualitativa fue realizada por los profesores, que clasificaban el desempeño de los alumnos en cinco estratos de desarrollo de la lectura y la escrita. Los resultados mostraron correlaciones positivas y significativas entre los tres instrumentos cuantitativos, así como también de esos instrumentos con la evaluación cualitativa de los profesores. Pese a eso, las evaluaciones de los profesores tendieron a sobrestimar el desempeño de algunos alumnos.
Palabras clave: Lectura, Escrita, Evaluación, Alfabetización.
Introdução
A avaliação da competência em leitura e escrita exige pressupostos teóricos sobre a evolução das habilidades cognitivas para diferenciar o estado inicial de não-leitor do estado final alcançado pelo leitor competente. Sem tal embasamento teórico não é possível avaliar as causas dos problemas de aprendizagem na leitura e escrita (Grégoire & Piérart, 1997).
Diferentes métodos de ensino têm como base pressupostos teóricos específicos que procuram explicar como ocorre a aquisição de leitura e escrita. Tais pressupostos teóricos são tentativas de caracterizar processos mentais envolvidos tanto na pronúncia, quanto na compreensão de palavras isoladas e sentenças (Ellis, 1995). As diferentes abordagens de alfabetização possuem certa eficácia e, de um modo ou de outro, possibilitam um número significativo de crianças a aprenderem a ler e escrever. A questão que se levanta é se algumas destas abordagens podem ser mais eficazes do que outras.
A fim de descrever o processamento cognitivo da leitura, independentemente do método de alfabetização, diferentes modelos têm sido propostos e o modelo de dupla rota para leitura é um dos mais estudado. Ellis e Young (1988) descrevem o modelo de dupla rota para explicar que a leitura ocorre principalmente por dois caminhos, ou rotas: a rota fonológica e a rota lexical. A rota fonológica, também chamada de perilexical, se caracteriza pela decodificação segmentada das palavras, por meio da conversão grafema-fonema (letra-som). Para que haja compreensão, a mediação fonológica é fundamental, e o significado é resgatado por meio da fala interna. Se usar apenas essa rota, o leitor pode não compreender o que está escrito pelo fato de não acessar o conteúdo semântico. Já a rota lexical permite o reconhecimento da palavra como um todo, não sendo necessária a conversão grafema-fonema, uma vez que a representação ortográfica das palavras estaria armazenada no input ortográfico. Nesse caso, o reconhecimento ortográfico é direto, e o acesso ao conteúdo semântico ocorre sem mediação fonológica, tornando a leitura mais rápida e eficaz. Se usar apenas esta rota, o leitor pode não ser capaz de ler palavras novas ou de baixa freqüência de ocorrência na língua.
Leitores competentes fazem uso das duas rotas. Palavras de alta freqüência são eficientemente reconhecidas e lidas via rota lexical, enquanto para leitura de palavras novas, pseudopalavras ou palavras de baixa freqüência, é necessária a conversão dos grafemas em seus fonemas correspondentes, sendo utilizada a rota fonológica. Diferentes métodos de alfabetização priorizam a utilização de uma das duas rotas. Assim, a abordagem fônica priorizaria a utilização da rota fonológica no início do processo de alfabetização, e a abordagem global, a utilização da rota lexical. A ênfase que é dada na utilização de cada uma das rotas e, consequentemente, no desenvolvimento e consolidação destas rotas vai diferenciar a alfabetização fônica da global (De Luca, Borelli, Spinelli & Zaccolotti, 2002).
A abordagem de ensino fônica prioriza, no início da alfabetização, a aprendizagem do som correspondente a cada letra, possibilitando a decodificação do material escrito predominantemente via rota fonológica. São propostas tarefas de instrução fônica, que ensinam a correspondência entre grafemas e fonemas na leitura e fonemas e grafemas na escrita. Além disso, são enfatizadas tarefas de instrução metafonêmica, como: discriminação e segmentação fonológica e silábica, reconhecimento de rimas e aliterações entre outras (Capovilla & Capovilla, 2002). Nessa abordagem, primeiro a criança deve ser fluente na habilidade de decodificação para, então, ler textos mais complexos. Portanto, no início da alfabetização a leitura ocorre via rota fonológica, em que cada letra é convertida em seu fonema correspondente e, a partir do suporte fonológico, ocorre a identificação e reconhecimento da palavra alvo. Nessa concepção, aprender a ler consiste essencialmente em adquirir competências para decodificar e o objetivo da leitura é permitir que o leitor compreenda, interprete e seja capaz de modificar um texto. Em suma, nessa abordagem, aprender a ler requer: compreender o princípio alfabético; aprender as correspondências entre grafemas e fonemas; segmentar seqüência ortográfica de palavras escritas em fonemas; segmentar seqüência fonológica em fonemas e utilizar regras de correspondência grafofonêmicas para decodificar uma informação (Cardoso-Martins e cols., 2005). Diferentes estratégias têm sido desenvolvidas por distintos pesquisadores e indicadas na alfabetização fônica em função da ênfase dada no tipo de instrução, tais como: analíticas, dedutiva, explícita, extrínseca, implícita, entre outras (Harris e Hodge, 1999).
Diferentemente do método fônico, no método global o processo de aquisição de leitura deve ocorrer a partir de unidades maiores que sejam significativas para a criança com a associação direta entre palavras e significados (Azenha, 1999). O início da alfabetização requer a memorização de palavras ou orações e, só mais tarde, por meio de análises sucessivas, o leitor irá descobrir unidades lingüísticas simples. As atividades de leitura são elaboradas a partir de textos familiares e contextualizados. As crianças são estimuladas a adivinhar o que está escrito a partir de pistas contextuais; aprendem a construir e negociar o significado do texto. Em termos de rotas de leitura, nesta abordagem, a leitura inicial ocorre primordialmente via reconhecimento global da palavra, isto é, predominantemente pela via lexical. No início do processo de alfabetização o sistema de armazenamento ortográfico visual dá conta da memorização da forma gráfica das palavras, pois o repertório de vocabulário é composto principalmente por palavras com alta freqüência de ocorrência no material que a criança lê. De acordo com esse método, a leitura é definida como: o mesmo que compreender (Charmeux, 1994), atribuição voluntária de um significado a escrita (Foucambert, 1994), atribuição de sentido e interação entre o leitor e o texto (Smith, 1991), sendo caracterizada como um "jogo de adivinhações psicolingüístico" (Goodman, 1990). Entre os autores mais conhecidos no Brasil defensores do método global destacam-se Emília Ferreiro e Ana Teberoski. Para estas autoras, ler não é o mesmo que decodificar letras em sons, e a leitura não deve ser reduzida a decifração (Ferreiro e Teberosky, 1999).
Do ponto de vista da evolução da escrita, Ferreiro e Teberoski (1999) descreveram cinco estágios sucessivos da aprendizagem dessa habilidade. No estágio pré-silábico (1) as crianças fazem traços no papel sem a intenção de realizar o registro sonoro do que foi proposto, pois ainda não compreendem a relação entre o registro gráfico e o aspecto sonoro da fala. O nome do objeto que a criança atribui ao grafismo geralmente varia de acordo com o tamanho do objeto referido. Nos estágios silábico sem valor sonoro (2) e silábico com valor sonoro (3) há grande semelhança na escrita quando comparados entre si, sendo o ponto de diferenciação a intenção do produtor. A criança começa a tentar estabelecer relações entre o contexto sonoro e o contexto gráfico. Trata-se da primeira tentativa rudimentar de estabelecer relações entre marcas gráficas e sons e a criança passa a atribuir a cada letra, pseudoletra ou número o registro de uma sílaba falada. A utilização correta do valor fonético ocorre inicialmente a partir das vogais. Assim a palavra PATO, por exemplo, pode ser escrita AO. O estágio silábico-alfabético (4) caracteriza-se por uma fase de transição em que a criança não deixa de utilizar estratégias aprendidas nos estágios anteriores, mas passa a compreender a escrita em termos dos fonemas. Gradativamente há o aumento do número de letras na escrita. No estágio alfabético (5) cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores que as sílabas e sistematicamente a criança analisa a sonoridade dos fonemas antes de escrever. Ocorrem erros ortográficos, comumente observados em palavras de escrita irregular como TÁXI e palavras regra, como CASA. Esses erros são superados, segundo os defensores do método global, com o tempo e prática da escrita correta.
Os defensores da abordagem global criticam o método fônico, pois consideram que, ao enfatizar a correspondência entre letras e sons, o processo de aprendizagem da leitura torna-se simplesmente uma associação entre respostas sonoras e estímulos gráficos, sendo essa relação essencialmente mecanicista. No momento da alfabetização, se o processo de ler está desvinculado da compreensão para a criança, fica difícil depois juntar os dois (Azenha, 1999). Ferreiro e Teberosky (1999) também criticam a abordagem fônica por considerarem que a consciência fonológica desenvolve-se naturalmente ao longo do desenvolvimento infantil, não sendo necessários programas de alfabetização que façam o treino fonológico.
Por outro lado, os defensores do método fônico afirmam que um método de alfabetização basicamente global, com ênfase na associação entre a palavra escrita e seu significado, exige que a criança descubra por si mesma que a escrita mapeia os sons da fala (Capovilla & Capovilla, 2000). Além disso, quando o leitor se depara com palavras novas ou desconhecidas, tenta adivinhar o que está escrito com base em seu repertório de palavras já conhecidas. Utiliza esta estratégia porque não adquiriu ainda a habilidade de decodificar grafemas em seus fonemas correspondentes.
O método global e o método fônico diferem entre si quanto aos pressupostos teóricos e, por conseqüência, nas estratégias utilizadas para avaliar o desempenho escolar de um aluno. Os defensores do método global priorizam avaliações que possibilitam descrever o estágio de leitura e escrita que a criança se encontra. Isso é feito a partir da análise qualitativa do padrão de leitura e escrita o que possibilita indicar em qual dos cinco estágios de leitura e escrita a criança se encontra. Já os críticos do método global propõem avaliações que possibilitem comparar os resultados de uma determinada criança com dados normativos. Para isso, utilizam testes padronizados que possibilitem análises quantitativas dos acertos e erros e criação de tabelas com dados normativos para cada série e tipo de escola. Entre os estudos com alunos do Ensino Fundamental de escolas particulares de São Paulo, destacam-se o de Macedo e colaboradores (2005) que criaram tabelas com dados normativos do Teste de Competência de Leitura de Palavras, e o de Nikaedo e colaboradores (2006) com o Teste de Compreensão de Sentenças Escritas.
O presente estudo teve como objetivo comparar e correlacionar os instrumentos quantitativos e qualitativos de avaliação longitudinal de habilidades de leitura e escrita, bem como comparar os resultados de estudantes de escola pública com dados normativos de estudantes de escola particular. A avaliação quantitativa foi realizada por meio de instrumentos psicométricos que já dispõem dados normativos de estudantes de escola particular (Macedo e colaboradores, 2005; Nikaedo e colaboradores, 2006). A avaliação qualitativa foi baseada na observação e descrição dos professores dos cinco estágios de alfabetização, seguindo os pressupostos do construtivismo adotados na abordagem global.
Método
Sujeitos
Participaram do estudo 52 alunos da 1ª série de uma Escola Municipal do Ensino Fundamental (EMEF) localizada na zona leste do município de São Paulo. Deste total, 22 eram meninas e 30 meninos com idade média de 7,1 anos (DP=0,5). A amostra foi formada a partir de escolha por sorteio dos alunos matriculados em diferentes turmas. Dessa forma, procurou-se minimizar o papel de cada professor separadamente.
Instrumentos
A avaliação do desempenho escolar foi feita a partir de dois tipos de avaliação: 1) avaliação quantitativa; 2) avaliação qualitativa.
Na avaliação quantitativa, foram utilizados três dos sete testes computadorizados da Bateria de Avaliação de Leitura e Escrita BALE-On-line (Macedo, Capovilla, Diana & Covre, 2002; Macedo, Capovilla, Diana, Orsati & Nikaedo, 2004), sendo eles: Teste de Competência de Leitura de Palavras, Teste de Nomeação de Figura Escrita e Teste de Compreensão de Sentença Escrita.
O Teste de Competência de Leitura de Palavras (TCLP) é composto por 78 itens, sendo os 8 itens iniciais treino, que são utilizados para garantir a compreensão da tarefa e não são considerados na pontuação total. Cada um desses itens possui uma figura e uma palavra ou pseudopalavra escrita abaixo, além das opções "CERTO" e "ERRADO". A tarefa do examinando consiste em julgar se a palavra corresponde corretamente ou não à figura e escolher a opção "CERTO", caso a relação esteja correta, ou escolher a opção "ERRADO", caso essa relação seja incorreta.
Os 70 itens são divididos em sete subtipos de pares figura-palavra, sendo: palavras correta regular (CR), correta irregular (CI), troca semântica (TS), troca visual (TV), troca fonológica (TF), pseudopalavras homófonas (PH) pseudopalavras estranhas (PE). O teste avalia o estágio de desenvolvimento da leitura ao longo das etapas do desenvolvimento da criança, sendo também utilizado para o diagnóstico diferencial de distúrbios relacionados à aquisição de leitura. Para descrição completa do teste, ver Macedo e colaboradores (2004, 2005).
O Teste de Nomeação de Figuras por Escrita (TNF) avalia o desenvolvimento da competência de escrita em Português e a habilidade do examinando em escrever livremente palavras que correspondam corretamente às figuras, sem cometer erros de natureza ortográfica ou semântica. O teste contém 36 itens, sendo esta a pontuação máxima.
O Teste de Compreensão de Sentença Escrita (TCSE) avalia a compreensão de leitura de sentenças de complexidade lexical e sintática variada. Consiste em 46 sentenças escritas, sendo os seis itens iniciais utilizados como treino e a pontuação máxima de 40 pontos. Cada sentença é seguida de cinco figuras alternativas, sendo uma figura-alvo e quatro figuras distratoras. A tarefa consiste em ler a sentença e escolher a figura que melhor corresponde ao seu significado, ou seja, a figura-alvo. Para descrição completa, ver Nikaedo e cols., (2006).
A avaliação qualitativa dos professores já era adotada pela escola como forma de avaliação dos alunos nas séries iniciais de alfabetização. Trata-se da descrição do estágio de alfabetização que cada aluno se encontra em quatro momentos distintos ao longo do ano letivo: março (1), junho (2), setembro (3) e dezembro (4). No presente estudo são descritos apenas os resultados das avaliações feitas nos meses de março e setembro. Tais avaliações consistem em uma observação naturalística que o professor realiza com seus alunos, sendo atribuída uma cor equivalente ao estágio de alfabetização que a criança se encontra: azul, para o estágio pré-silábico; verde, estágio silábico sem valor sonoro; amarelo, estágio silábico com valor sonoro; laranja, estágio silábico alfabético e vermelho estágio alfabético.
Procedimento
Os testes foram aplicados coletivamente na sala de informática da própria escola, em sessões de 50 minutos. Cada subgrupo era formado por 15 crianças em média. Mesmo sendo feita avaliação coletiva, cada aluno realizou as atividades individualmente em um dos computadores. A avaliação qualitativa, que ocorreu em paralelo a testagem quantitativa, foi conduzida pelos professores e realizada na própria sala de aula. Foram observados os desempenhos dos alunos em atividades livres de leitura e escrita. Para possibilitar a análise dessa avaliação, as cores atribuídas aos alunos foram convertidas em valores escalares: número 1 para estágio pré-silábico; 2 para estágio silábico sem valor sonoro; 3 silábico com valor sonoro; 4, silábico alfabético e 5 estágio alfabético.
Resultados
Para apresentação e posterior discussão dos resultados, foram conduzidas análises estatísticas nos dois momentos em que os alunos foram avaliados. Foram conduzidas análises descritivas, a fim de verificar o nível de leitura no início e fim do ano, além de correlações entre os procedimentos de avaliação utilizados.
Na Tabela 1 segue sumariada a pontuação média dos alunos no início e final do ano. Análises descritivas demonstram o desempenho nos testes da BALE On-line nos meses de março e novembro, bem como na primeira e terceira avaliação dos professores, nos meses de março e setembro, respectivamente.
Foram conduzidos testes t para amostras pareadas a fim de verificar se a diferença entre a pontuação média inicial e final em todos os instrumentos possuía significância estatística. Resultados mostram que houve melhora significativa entre as duas avaliações na tarefa de escrita, avaliada através do TNF (p<0,007), e na avaliação que os professores fazem (p<0,003). Na leitura de palavras isoladas (TCLP), houve uma diferença de 10 pontos na pontuação média, porém tal aumento não foi estatisticamente significativo. Na tarefa mais complexa que envolve leitura e compreensão de frases (TCSE), não foi observada diferença significativa entre os escores dos dois momentos da avaliação. A Tabela 1 apresenta os valores médios de acertos no início e final do ano dos dois tipos de avaliação.
Com o intuito de verificar a existência de correlações entre os escores na avaliação quantitativa e a avaliação qualitativa feita pelos professores, análises de correlação de Pearson foram conduzidas e revelam correlações positivas entre os três testes e a avaliação dos professores, tanto na primeira quanto na segunda avaliação, bem como entre elas. Só não foi observada correlação positiva entre os resultados da primeira aplicação do TCSE com: primeira aplicação do TCLP (r=0,25; p<0,071), e segunda avaliação do professor (r=0,10; p<0,479). A Tabela 2 apresenta os valores de correlação de Pearson e nível de significância entre os diversos testes nas diferentes aplicações.
Análise dos dados da primeira aplicação mostra que o TNF foi o que apresentou maiores correlações com os demais testes, sendo a maior correlação observada com a avaliação feita pelos professores (r=0,80; p<0,000). Já a análise do efeito de teste e reteste, mostrou correlações positivas entre as duas aplicações para todas as avaliações, e as maiores correlações foram obtidas entre as duas aplicações do TNF (r=0,66; p<0,000) e do TCSE (r=0,56; p<0,000). Na avaliação feita no final do ano letivo, resultados indicam correlações positivas entre as quatro provas. Tais resultados apresentam padrão similar ao da primeira avaliação. Novamente, a maior correlação observada foi entre o TNF e a avaliação dos professores (r=0,72; p<0,000). A fim de verificar o padrão de distribuição dos sujeitos nestes dois testes, foi gerado o correlograma ilustrado na Figura 1.
Embora tenha sido observada correlação positiva entre os resultados da segunda aplicação do TNF e a avaliação dos professores, é possível perceber que alguns sujeitos foram bem avaliados pelos professores, mas apresentaram um desempenho baixo no TNF. Assim, embora os participantes 43, 51, 12, 27 e 7 tenham sido classificados pelos professores como tendo alcançado o estágio alfabético, o número médio de itens escritos corretamente no TNF foi de apenas 10 palavras. Da mesma forma, os sujeitos 42, 35, 4 e 8 foram classificados como tendo alcançado o estágio silábico alfabético, também obtiveram pontuação abaixo de 10 itens corretos. Embora os professores façam distinção entre o estágio silábico sem valor sonoro e o estágio silábico com valor sonoro, inspeção visual dos dados revela que o desempenho dos sujeitos no TNF desses dois grupos foi muito parecido, com exceção do sujeito 5.
Discussão
Os dados apresentados mostram que houve correlação positiva entre os procedimentos quantitativos e qualitativos utilizados para avaliação de habilidades em leitura e escrita, sendo que alunos que obtiveram pontuação alta no início do ano, tenderam a pontuar mais alto no final do ano.
Em relação à avaliação quantitativa no início do ano letivo, só não foram observadas correlações entre o TCLP e o TCSE. Embora tais correlações sejam esperadas, pois os dois testes avaliam habilidades de leitura, a capacidade de abstração, nível de compreensão, vocabulário e analogias verbais são mais necessários na realização do TCSE do que no TCLP. Observando a pontuação nos testes, na primeira aplicação, nota-se que muitos alunos obtiveram pontuação semelhante ao de escolha ao acaso. Assim, embora tais crianças estejam na primeira série, possivelmente não desenvolveram ainda habilidades básicas para a leitura e escrita. De fato, a pontuação média no TCSE aumentou apenas em 2 pontos. Tais resultados indicam que ao longo de um ano escolar o progresso destes alunos foi pouco evidente, indicando que habilidade de leitura ao término do ano estava aquém da necessária para compreensão de frases simples e curtas.
O desempenho na escrita avaliada por meio do TNF mudou significativamente ao longo do ano. Na primeira avaliação, os alunos foram capazes de escrever corretamente apenas 5% do total de palavras. Na segunda avaliação, houve um aumento significativo sendo que as crianças escreveram corretamente 30% das palavras solicitadas. Embora tenha havido um aumento, a pontuação obtida pelas crianças desta escola pública, encontra-se significativamente abaixo daquela de crianças de escola particular.
Dados obtidos a partir de outros estudos permitem a comparação do desempenho de alunos de escolas públicas e particulares. Macedo e colaboradores (2005) analisaram o desempenho de 412 crianças de escolas particulares no TCLP. Os resultados dos alunos do presente estudo foi menor em 5 dos 7 subtipos de pares figura-palavra quando comparados a crianças do Pré 3 de escola particular. Ou seja, a média de acertos de crianças do ensino infantil particular foi superior ao desempenho das crianças na 1ª série do ensino público.
Outro estudo publicado recentemente com dados de crianças de escola particular (Nikaedo e cols., 2006) confirma as diferenças de desempenho observadas entre os dois grupos de escolas. A média de acertos encontrada para 1ª série do ensino particular no TCSE é de 33 pontos. No presente estudo, a pontuação média ao final do ano letivo não atingiu 12 pontos. Tais dados apontam para o fraco desempenho dos alunos da rede pública quando comparados a crianças do ensino particular em tarefas de leitura e compreensão de texto.
Em relação à avaliação qualitativa, analisando o desempenho dos alunos no mês de março, observa-se o predomínio dos estágios 1 e 2 de leitura. Dessa forma, a maioria dos participantes não havia atingido o estágio silábico com valor sonoro, ou seja, crianças no início da 1ª série não eram capazes de estabelecer relações entre o contexto sonoro e o contexto gráfico das palavras. Ao final do ano letivo, aproximadamente 54% da amostra atingiu, de acordo com os professores, o estágio 5 ou estágio alfabético.
Dos 22 alunos de uma das turmas, por exemplo, no mês de março apenas um aluno foi avaliado como tendo atingido o estágio 5, e 15 estavam no estágio pré-silábico (1). Já na avaliação realizada pelo professor em setembro, dez alunos atingiram o estágio alfabético, sendo hábeis em analisar a sonoridade dos fonemas e escrita de palavras regulares, e apenas duas crianças mantiveram o desempenho dentro do estágio 1, ou pré-silábico. Assim, apenas pouco mais da metade dos alunos ao final do primeiro ano do ensino fundamental alcançou o estágio 5, já que seria esperado, em função do programa pedagógico, que todas as crianças tivessem alcançado esse estágio.
Conclusões
A análise dos dados apresentados neste estudo revelou correlação positiva entre os procedimentos quantitativos e qualitativos de avaliação longitudinal de leitura. Embora tenham sido observadas correlações positivas entre os diferentes testes, os resultados da avaliação qualitativa indicaram que alguns sujeitos já haviam alcançado o estágio alfabético, o desempenho nos testes quantitativos foi abaixo do esperado. Dessa forma, a partir dos resultados quantitativos, alguns alunos que já teriam alcançado o estágio 5, de acordo com os professores, deveriam ser indicados para um programa de intervenção pedagógica.
Ainda que as avaliações qualitativas realizadas pelos professores possam apresentar maior validade ecológica, à medida que utilizam outros critérios de avaliação, os resultados obtidos podem ser superestimados. Dessa forma, a utilização de instrumentos padronizados e normatizados apresenta algumas vantagens, tais como: os resultados não estão tão sujeitos ao julgamento subjetivo de cada professor; possibilitam caracterizar melhor o padrão de leitura e escrita de cada estudante; permitem a elaboração de estratégias específicas de intervenção em função das dificuldades apresentadas pelos alunos; possibilitam o estabelecimento de medidas objetivas de comparação entre escolas com metodologias e orientações pedagógicas diferentes; permitem o acompanhamento mais preciso do desenvolvimento do escolar ao longo do ano.
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Endereço para correspondência
E-mail: carolinanikaedo@gmail.com / carol-tk@uol.com.br / umacedo@uol.com.br
Recebido em: julho/2007
Revisado em: setembro/2007
Aprovado em: novembro/2007
Sobre os autores:
* Carolina Cunha Nikaedo é psicóloga, mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atua como psicóloga clínica e professora de especialização em psicopedagogia.
** Carolina Tiharu Kuriyama é psicóloga, mestranda em Distúrbios do Desenvolvimento e bolsista de mestrado da CAPES.
*** Elizeu Coutinho de Macedo é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo. Atua como professor do programa de pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie.