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Psic: revista da Vetor Editora

versão impressa ISSN 1676-7314

Psic v.9 n.1 São Paulo jun. 2008

 

ARTIGOS

 

Habilidades lingüísticas no ensino fundamental em escolas públicas e particulares

 

Linguistic abilities of public and private elementary education schools

 

Habilidades lingüísticas en la enseñanza primaria en escuelas públicas y privadas

 

 

Neide de Brito Cunha *; Acácia Aparecida Ageli dos Santos **

Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve por objetivo averiguar as habilidades lingüísticas tal como mensuradas pela Escala de Avaliação de Dificuldades na Aprendizagem da Escrita (ADAPE), a Escala de Reconhecimento de Palavras e o teste de Cloze. Foi investigada também a variável tipo de instituição, levantando-se a hipótese de que os alunos das escolas públicas teriam mais dificuldades que os das escolas particulares. Participaram 266 crianças, de ambos os sexos, entre 8 e 13 anos, de terceiras e quartas séries, do Ensino Fundamental de escolas públicas, particulares e do SESI, em cidade do interior de São Paulo. O grupo foi classificado com DA média, de acordo com os critérios do ADAPE. Também se evidenciaram problemas quanto ao reconhecimento da grafia correta das palavras e quanto ao Cloze, as crianças ficaram no nível independente. Os resultados permitiram encontrar diferenças significativas entre os tipos de instituição nos escores dos sujeitos, nos três instrumentos.

Palavras-chave: Avaliação psicológica, Compreensão da leitura, Escrita, Dificuldades de aprendizagem, Teste de Cloze.


ABSTRACT

The aim of this study was to search for linguistic abilities assessed by the Escala de Avaliação de Dificuldades na Aprendizagem da Escrita (ADAPE), the Escala de Reconhecimento de Palavras and Cloze. The kind of school was also investigated, arising the hypothesis that the students from private would be worse than the public schools. The sample was composed by 266 children, boys and girls, aging from 8 to 13 years old, attending at the third and fourth grades of the elementary education of public, private and SESI schools in São Paulo, Brasil. The group was classified with average difficulty in accordance with ADAPE criteria. It was evidenced problems with the recognition of correct graphics of the words, and to the Cloze test the children was in independent level. The results showed significant differences between the kinds of school in the scores of the three instruments.

Keywords: Psychological assessment, Reading comprehension, Writing down, Learning difficulties, Cloze Test.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo averiguar las habilidades lingüísticas medidas por la Escala de Avaliação de Dificuldades na Aprendizagem da Escrita (ADAPE), la Escala de Reconhecimento de Palavras y el teste de Cloze. Fue investigada también la variable tipo de institución, levantándose la hipótesis de que los alumnos de las escuelas publicas tendrian más dificultades que los alumnos de las escuelas privadas. Participaron 266 niños de ambos sexos, entre 8 y 13 años, de terceros y cuartos grados de la enseñanza primaria de escuelas públicas, privadas y del SESI, en ciudad del interior de São Paulo. El grupo fue clasificado con DA medio, de acuerdo con los criterios del ADAPE. También se evidenciaron problemas en relación al reconocimiento de la grafía correcta de las palabras y en relación al Cloze, los niños fuero clasificados en el nivel independiente. Los resultados permitieron encontrar diferencias significativas entre los tipos de institución en las puntuaciones de los sujetos en los tres instrumentos.

Palabras clave: Evaluación psicológica, Comprensión de lectura, Escrita, Dificultades de aprendizaje, Test de Cloze.


 

 

Introdução

Vários modelos explicativos sobre a aquisição e o desenvolvimento da leitura e escrita foram desenvolvidos com base na Psicologia Cognitiva, fundamentados na teoria do processamento humano da informação. Esses modelos pressupõem a existência de objetos reais que podem ser medidos e modelados. Quando aplicados ao letramento, essa perspectiva sugere que os processos de leitura e escrita são subdivididos em subprocessos, cada um deles com uma função diferente (Irwin & Doyle, 1992).

Para que a aprendizagem dessas habilidades seja efetiva, segundo Duarte (1998), o professor de língua materna deve possuir o domínio da língua-padrão, fluência de leitura, nível adequado de maestria na expressão escrita e no conhecimento explícito. O autor destaca a necessidade de formação científico-pedagógica que lhe possibilite identificar, por meio dos critérios de diagnóstico relevantes, o nível de desenvolvimento atingido pelos alunos em cada uma das competências escolarizadas para intervir educativamente de modo a promover seu crescimento lingüístico harmonioso e pleno.

Uma dificuldade apontada nesse aspecto é a utilização de linguagem não padrão pelos alunos, que pode dificultar o processo de alfabetização, sobretudo quando não trabalhada adequadamente pelos professores. Assim, é importante que haja uma efetiva difusão dos conhecimentos lingüísticos e sociolingüísticos, por intermédio de formação de professores alfabetizadores (Barrera & Maluf, 2004).

Destaca-se, então, o papel da escola na transmissão da norma de maior prestígio sociocultural, a norma culta/padrão, a veiculada nos dicionários e gramáticas e utilizada na literatura, em jornais e revistas e na redação dos documentos oficiais do país (Ribeiro, 2004). O uso oral da língua materna, em situações informais do cotidiano, independe de escolarização, o mesmo não pode ser dito em relação aos usos da escrita e da fala em situações formais.

Para explicar a escrita foram formulados dois modelos por Escoriza Nieto (1998). Eles são fundamentados na diferença entre o desenvolvimento cognitivo como um processo natural (interno) ou como um processo influenciado pelo ambiente e intervenções educativas (externo).

No que se refere aos tipos básicos de processamento do conteúdo do material escrito, ou do processo de decifração textual, Kato (1987) cita duas posições teóricas diferentes de estudiosos das áreas de cognição e de inteligência artificial. A hipótese ascendente, linear e indutiva "botton-up", que é dependente do texto, deixando de lado o sujeito e a situação de enunciação. A segunda hipótese descendente, não-linear e dedutiva "top-down", depende do leitor, pois parte do conhecimento de mundo do indivíduo, para a decifração da palavra.

O leitor proficiente utilizará os dois processos, de acordo com o contexto, visando ao processamento adequado da informação durante a leitura. Leitores com um alto nível de conhecimento anterior têm uma performance melhor em um texto do que leitores com um baixo nível de conhecimento anterior sobre o assunto focalizado (Bitar, 1989; Nicholson, 1999).

Outros aspectos também são importantes, a saber, o propósito do leitor, a cultura social, o controle lingüístico, as atitudes e os esquemas conceituais. Por exemplo, se duas sentenças ou parágrafos têm o mesmo número de palavras, aquela contendo mais propostas levará mais tempo para ser lida. A compreensão envolve, antes de tudo, a extração das propostas de uma sentença ou passagem de texto. Elas são então combinadas para formarem uma representação estruturada e coerente que capture o modo como se relacionam umas às outras (Ellis, 2001; Kintsch & van Dijk, 1978; van Dijk & Kintsch, 1983).

As habilidades de leitura e a escrita, assim como a linguagem oral, são consideradas instrumentais para a vida social e acadêmica, consistindo no cerne da maior parte das pesquisas em dificuldades de aprendizagem (Sisto, 2001). Nesse caso podem haver intervenções, mas para que isso ocorra, é preciso que haja diagnóstico.

Foi também nessa direção que a pesquisa de Rossini e Santos (2001) verificou por meio do diagnóstico de 135 crianças, que do total, 45,9% tinham em maior ou menor grau, limitação intelectual e/ou presença de algum distúrbio neurológico que justificava as dificuldades escolares; 51,9% tiveram essa hipótese descartada e 2,2% tiveram diagnóstico indefinido. As autoras argumentaram que, no contexto pedagógico brasileiro, a idéia de fracasso escolar no ensino básico encontra-se associada à escola pública, sendo discutido como resultante de condições sociais e institucionais.

Também o trabalho de Cabral e Sawaya (2001) teve o objetivo de conhecer a atuação dos psicólogos diante das queixas escolares de crianças encaminhadas ao serviço público de saúde. Os resultados mostraram que esses profissionais compreendem a queixa escolar como um problema da criança pobre e de sua família, passível de ser analisado e tratado fora da situação escolar, na qual o fracasso é produzido.

Nesse contexto, é necessário que as dificuldades acadêmicas sejam identificadas, o mais precocemente possível, permitindo sua eventual superação. Assim, alguns instrumentos têm sido desenvolvidos para diagnosticar as dificuldades de aprendizagem referentes à linguagem. Dentre eles estão a escala Avaliação de Dificuldades na Aprendizagem da Escrita (ADAPE) desenvolvida por Sisto (2001) e a Escala de Reconhecimento de Palavras (Sisto, 2004), que possibilitam a identificação da fase de alfabetização de alunos do ensino fundamental. É importante assinalar que também conseguem detectar eventuais dificuldades de aprendizagem, na escrita, que esses alunos possam apresentar.

O teste de Cloze, desenvolvido por Taylor (1953), tem sido utilizado para avaliar a compreensão em leitura, uma vez que por meio dele se podem acessar as inter-relações estabelecidas entre o leitor e o texto escrito. Com esse instrumento também é possível identificar eventuais dificuldades de leitura (Kintsch & van Dijk, 1978; Condemarín & Milicic, 1994). A Escala de Bormuth (1968) estabelece três níveis de leitura para os testes de Cloze: abaixo de 44% de acertos, frustração; entre 44% e 57%, nível instrucional e acima de 57% leitor independente.

A seguir serão apresentadas algumas pesquisas que utilizaram os instrumentos ou estudaram os mesmos fenômenos que são analisados neste trabalho e que ampliam as discussões teóricas até aqui apresentadas. O levantamento das pesquisas foi realizado, em sua maioria, na base de dados www.bvs-psi.org.br. Optou-se por trabalhar prioritariamente com pesquisas brasileiras e decidiu-se por apresentá-las em ordem cronológica.

Sisto (2001), reconhecendo que a alfabetização é um processo bastante complexo que abrange, além da representação dos fonemas, também um processo relacionado à compreensão e expressão de significados, restringiu seu estudo às dificuldades de representação de fonemas, ou seja, da grafia de letras e palavras com base em um sistema lingüístico estruturado e que apresenta arbitrariedades, visando à construção de um instrumento para sua avaliação. O autor constatou as dificuldades mais comuns na escrita entre crianças de primeiras e segundas séries do ensino fundamental e elaborou o ADAPE, que já foi utilizado em várias pesquisas, apresentadas a seguir.

A pesquisa de Curi (2002) teve como propósito analisar os desempenhos em atenção e memória. Participou um grupo de 267 crianças, de 2ª e 3ª séries do ensino fundamental de escolas públicas de Campinas, com e sem dificuldades de aprendizagem na escrita e na leitura, tendo em vista que todas elas eram possuidoras de inteligência normal ou superior, diagnosticadas por meio do teste do Desenho da Figura Humana de Goodnough. Foram utilizados mais quatro instrumentos: o ADAPE, a prova de desempenho na leitura silenciosa de Inizan (1976), a prova de desempenho da atenção seletiva de Tonelotto (1998) e a prova de desempenho da memória imediata, adaptada pelo autor. Os resultados mostraram que as crianças de ambas as séries, com dificuldades de aprendizagem na escrita e com deficiências no desempenho em leitura, apresentaram baixos índices de atenção e memória. Já as crianças sem dificuldades na escrita e deficiência na leitura expressaram altos índices de atenção e memória.

O trabalho de Suehiro e Santos (2005) buscou evidências de validade de critério pela comparação de grupos divididos por dificuldades de aprendizagem (acentuada/média/leve/sem indícios), de acordo com a classificação do ADAPE e pelo nível de escolaridade para o teste de Bender - Sistema de Pontuação Gradual (B-SPG). Participaram 287 crianças, de ambos os sexos, entre 7 e 10 anos, das segundas e terceiras séries, do ensino fundamental de quatro escolas do interior de São Paulo, sendo duas públicas e duas particulares. Os resultados permitiram encontrar evidências de validade de critério para o Bender tanto nos grupos separados por dificuldades de aprendizagem quanto por escolaridade. Ao lado disso, foram constatadas diferenças significativas entre as pontuações totais dos testes, exceto para o sexo, nas variáveis focalizadas: idade, sexo e tipo de instituição, pública ou particular.

Foram analisadas, por Bartholomeu, Sisto e Rueda (2006), as relações entre os problemas emocionais e os erros na escrita de 88 alunos, de ambos os sexos, de 2ª série do ensino fundamental de uma escola pública, por intermédio do Desenho da Figura Humana por Koppitz (1976) e do ADAPE. Os resultados sugeriram que os problemas emocionais foram associados com os erros na escrita.

O estudo de Suehiro (2006) teve por objetivo estabelecer eventuais diferenças segundo as variáveis idade, gênero e natureza jurídica da escola entre 287 crianças, de ambos os sexos, entre 7 e 10 anos, de escolas públicas e particulares do estado de São Paulo. Os instrumentos utilizados foram um questionário de identificação dos sujeitos e o ADAPE. Verificaram-se diferenças significativas entre a pontuação total do ADAPE e as variáveis idade, gênero e natureza jurídica da escola. Os resultados confirmaram os achados da literatura especializada consultada, que têm sugerido que as crianças que freqüentam ambientes favorecidos apresentam condições mais adequadas ao aprendizado, em detrimento daquelas que não têm os mesmos privilégios.

Em todas essas pesquisas foi demonstrada a sensibilidade para a captação das dificuldades de aprendizagem na escrita, pelo ADAPE, e evidenciada a relação dessas dificuldades com as outras variáveis medidas. Confirma-se, então, a consideração de Sisto (2001), de que a escrita é uma habilidade instrumental para a vida acadêmica e social. Ainda nessa direção, serão apresentadas pesquisas que a investigaram, sob várias perspectivas teóricas, mas que se valeram de procedimentos que oferecessem além do estímulo auditivo, também o visual, como proposto na atividade do reconhecimento de palavras.

Por meio de três estudos, Góes (1984) demonstrou a ocorrência de uma qualidade crescente das respostas, caracterizando níveis progressivos da criança em fase de alfabetização para lidar com as correspondências som-texto. Já Góes e Aragão (1992) observaram em crianças repetentes de classe de alfabetização que elas apresentavam desempenho inferior ou semelhante ao dos alunos ingressantes nas tarefas relativas à atenção, à dimensão sonora, ao emprego de termos básicos referentes à linguagem e à apreensão de funções da escrita. Com base nessas constatações, sugeriram que isso poderia ser superado com um trabalho pedagógico centrado na exploração de funções da linguagem escrita e de propósitos de textos, no uso efetivo da linguagem escrita, em tentativas de ler e escrever enquanto interlocução e no refinamento da consciência fonológica, em especial ante a exigência de transformação de palavras/frases escritas.

Pinheiro (1995) fez uma revisão da literatura sobre a dificuldade específica de leitura ou dislexia, sob duas perspectivas, a da identificação de déficits cognitivos e a abordagem do processamento de informação. Seus achados demonstraram que a dificuldade principal dos indivíduos disléxicos parecia estar associada a déficits na memória verbal e nos processos de segmentação e síntese de fonemas.

Por meio de uma pesquisa longitudinal, Rego (1995) investigou a influência de fatores metalingüísticos em 50 crianças de 5 a 8 anos, alfabetizadas pelo método silábico, que enfatiza o ensino das correspondências grafofônicas. Os resultados sugeriram que as explicações causais sobre a aquisição inicial da leitura são sensíveis, sobretudo, aos métodos de alfabetização.

Cabe observar que foram encontradas poucas pesquisas com um instrumento específico para reconhecimento de palavras. No entanto, verificou-se que elas trataram a escrita e a leitura concomitantemente. Isso ocorre porque esses processos têm sido tratados numa inter-relação, resultantes da ação do pensamento integrado, simultaneamente dinâmico e complexo (Pugh & Pawan, 1991; Santos, 1997). Nesse sentido, após terem sido apresentadas pesquisas com instrumentos para diagnosticar a identificação da fase de alfabetização, na escrita, serão apresentadas a seguir pesquisas que se utilizaram do Cloze como instrumento para avaliar a compreensão em leitura.

Fundamentado nas bases teóricas da lingüística textual, de cognição e do processamento da informação, Neves (1997) investigou o processamento da leitura em estudantes de sétima série do ensino fundamental, com o objetivo de verificar como o leitor organiza os seus conhecimentos para interagir com o texto. Foram aplicadas duas baterias de testes, sendo a primeira com testes de múltipla escolha e a segunda com uma adaptação da técnica de Cloze. Os resultados demonstraram que o conhecimento prévio do aluno é empregado de forma quase sempre inadequada.

O estudo de Santos, Sampaio, Lukjanenko, Cunha e Zenorini (2006) objetivou investigar a relação entre as dificuldades em compreensão de leitura e escrita em alunos do Ensino Fundamental. Para tanto foi utilizado um texto com a técnica de Cloze e o ADAPE. Participaram 512 alunos, entre 7 e 14 anos, de segunda a quarta série de seis escolas particulares e onze escolas públicas do Estado de São Paulo. Foram consideradas as variáveis sexo, tipo de escola e série. Os resultados indicaram haver diferença estatisticamente significativa entre os sexos, com superioridade do sexo feminino, e também entre os alunos de escolas públicas e particulares, com superioridade destes últimos, para ambos os instrumentos e somente o ADAPE diferenciou a 2ª e a 4ª séries. Os escores do ADAPE, resultantes do número total de erros no ditado, correlacionaram-se negativamente com o número de acertos do Cloze. Esses resultados foram congruentes com a literatura da área, visto que demonstraram que quanto mais erros na escrita, menor a compreensão em leitura.

Levando em consideração as pesquisas levantadas, o presente estudo também se dispõe a fazer a mensuração das habilidades de escrita e leitura por meio desses instrumentos. Aventa-se a hipótese de que na variável tipo de instituição, os alunos das escolas públicas tenham mais dificuldades que os das escolas particulares nos três instrumentos. Tal consideração se deve aos resultados encontrados em pesquisas apresentadas anteriormente neste estudo.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 266 crianças, de ambos os sexos: 140 (52,6%) do sexo masculino e 126 (47,4%) do feminino. Do total da amostra, 118 (44,4%) freqüentavam a 3ª série e 148 (55,6%) a 4ª, sendo 66 (24,8%) de escolas particulares, 189 (71,1%) de públicas, quatro do Sesi (1,5%) e sete não informaram. Todas as escolas eram do interior do estado de São Paulo. As idades variaram de 8 a 13 anos (M=9,42; DP=0,808).

Instrumentos

Questões de identificação. Os sujeitos informaram, na mesma folha do Reconhecimento de Palavras, os seguintes aspectos: nome, idade, sexo, série e instituição de ensino a qual pertenciam.

Avaliação de Dificuldades na Aprendizagem da Escrita - ADAPE. É composto por 114 palavras e 60 delas apresentam algum tipo de dificuldade classificada como encontro consonantal, dígrafo, sílaba composta e sílaba complexa. Vale ressaltar que esse instrumento apresenta evidências de validade de critério e índices de precisão satisfatórios, obtidos por meio de dois estudos. Como resultado final do segundo estudo, a precisão do instrumento pelo método das duas metades de Spearman-Brown foi de 0,87 para as crianças-critério; 0,98 para a 1ª série; 0,98 para a 2ª série e 0,98 no geral e a consistência interna pelo alfa de Cronbach foi de 0,89; 0,99; 0,99 e 0,99, respectivamente para os 770 alunos estudados.

Os critérios de correção seguiram a escala de pontuação dos erros estabelecida pelo autor. Como não há critérios para a 4ª série, neste trabalho, foram empregados os mesmos da 3ª série, a saber: até 10 erros - Sem indícios de DA; de 11 a 19 erros - DA leve; de 20 a 49 erros - DA média; com 50 erros ou mais - DA acentuada.

Reconhecimento de Palavras - contém 55 palavras, que foram organizadas em ordem alfabética. Para cada uma delas foram criadas outras duas com erros gramaticais. Assim, consiste em um teste de múltipla escolha, com itens que têm três alternativas de resposta, das quais somente uma é correta. Esse instrumento apresenta validade de critério, obtida por meio de um estudo no qual a análise da variância entre as médias dos participantes indicou uma diferença estatisticamente significativa entre as séries (p<0,001), que foi verificada pelo teste de Tukey, o qual separou os escores nos grupos correspondentes às séries freqüentadas.

Teste de Cloze (Santos, 2005). Foi utilizado um texto estruturado na forma do Cloze tradicional com os quintos vocábulos omitidos, substituindo-os por um traço proporcional ao tamanho da palavra omitida, que deveria ser recuperada pelo leitor para restituir o sentido completo à seleção. Esse texto foi especialmente montado para ser utilizado com crianças da faixa etária do ensino fundamental e também apresenta evidências de validade. O instrumento foi submetido a um estudo piloto com 314 alunos de ambos os sexos, de 2ª a 4ª séries, para verificar sua validade de critério. Os resultados obtidos indicaram que o texto, com total de 103 palavras, das quais foram omitidas 15, mostrou-se adequado para utilização na amostra pretendida. A análise da variância indicou haver diferença estatisticamente significativa entre as séries [F(3,314)=55,75; p=0,001]. Essa diferença foi justificada pelo teste de Tukey, que separou os escores das crianças nos grupos correspondentes às séries freqüentadas.

A análise da consistência interna apresentou índices de precisão satisfatórios, de acordo com as recomendações do CFP (2003), acima de 0,60, pois o alfa de Cronbach foi de 0,83 para as crianças estudadas. Procedeu-se também a análise da consistência interna por série, assim obteve-se o índice para a segunda série de 0,85, para a terceira série de 0,69 e para a quarta série de 0,72.

Critérios de Correção

Para o ADAPE foi atribuído um ponto para cada palavra grafada erradamente pela criança, pelas ausências de palavras, acentuação errada e uso indevido de maiúsculas e minúsculas. A pontuação de cada criança corresponde à soma dos erros cometidos, sendo o escore máximo de 114 pontos.

No Reconhecimento de Palavras, a cada acerto foi atribuído um ponto, sendo possível atingir o escore máximo de 55 pontos. Também no Teste de Cloze foi atribuído um ponto para cada acerto, sendo consideradas corretas as palavras que tiverem sido as mesmas usadas pelo autor do texto. Assim, o número de acertos máximos é de 15, correspondentes ao número de omissões.

 

Resultados e Discussão

A primeira parte dos resultados consistiu em avaliar a habilidade dos sujeitos nos instrumentos ADAPE, Reconhecimento de Palavras e Cloze. Os resultados das provas de estatística descritiva são apresentados na Tabela 1.

 

 

Identificou-se, no ADAPE, a média de erros do total de alunos (N=266) que foi de 30,25, com um desvio-padrão de 22,74. Com essa média, o grupo foi classificado com DA média, de acordo com os critérios desse instrumento.

Houve crianças que não erraram nada e outras que erraram tudo. Para essas últimas, as dificuldades na aprendizagem da escrita, considerando os modelos de processamento da informação, podem ter sua origem na falta de automatização dos processos, que não permitiriam que fossem se tornando hábeis para atender à demanda das atividades ou à falta de interação das funções especializadas para completar a tarefa. Há que se considerar que a escrita é uma tarefa de complexidade crescente, cuja execução requer processos cognitivos de ordem superior, sendo considerada como um processo contínuo de formulação e resolução de problemas (Escoriza Nieto, 1998; Irwin & Doyle, 1992).

As dificuldades de aprendizagem na escrita podem estar associadas, ainda, a problemas emocionais. Nesse sentido, na pesquisa de Bartholomeu, Sisto e Rueda (2006), com o ADAPE, as crianças com problemas de aprendizagem apresentaram características de ansiedade, pobre autoconceito, sentimentos de inadequação e culpa, impulsos agressivos mal-elaborados, preocupação pelos impulsos sexuais, dificuldades de comunicação e timidez.

Quanto ao Reconhecimento de Palavras, a média de acertos de 39,93. Verifica-se que, levando em consideração que a amostra é constituída de crianças da 3ª e 4ª séries e de escolas públicas e particulares, com idades entre 8 e 13 anos, também se evidenciam problemas quanto ao reconhecimento da grafia correta das palavras.

Os resultados das pesquisas arroladas neste trabalho, com o reconhecimento de palavras, demonstram que há ocorrência de uma qualidade crescente das respostas, caracterizando níveis progressivos da criança em fase de alfabetização para lidar com as correspondências som-texto. Em repetentes, verificou-se que não havia uma noção consolidada da representação de fonemas, sobretudo ao efetuarem transformações da palavra escrita (Góes, 1984; Góes & Aragão, 1992). Observou-se, ainda, que as explicações causais sobre a aquisição inicial da leitura são sensíveis aos métodos de alfabetização (Rego, 1995). Houve também a identificação da dificuldade principal dos indivíduos disléxicos, que parece estar associada a déficits na memória verbal e nos processos de segmentação e síntese de fonemas (Pinheiro, 1995, Curi, 2002).

No teste de Cloze, a média de acertos foi de 9,91. Pelos parâmetros de Bormuth (1968), as crianças dessa amostra se classificaram no nível independente, porque tiveram 66% de acertos, acima de 57% que conferem um nível de autonomia de compreensão do leitor.

Esses resultados sugerem que os leitores utilizaram os dois tipos de processamento da informação botton-up e top-down, durante o processo de decifração textual (Bitar, 1989; Kato, 1987). O uso do conhecimento prévio também pode ter ajudado os alunos a completarem as lacunas, salientando os papéis da aprendizagem e da memória (Nicholson, 1999). No entanto, cabe refletir que esses resultados consideram os alunos das escolas particulares e também os de 4ª série. Assim, pretende-se comentar mais detalhadamente os resultados por série e tipo de instituição para esse instrumento.

Em seguida, foram feitas análises por tipo de instituição. As análises estatísticas descritivas e a avaliação das diferenças entre as médias com o teste t de Student, por tipos de instituição, estão apresentadas na Tabela 2.

 

 

Observou-se que nas escolas particulares as médias nos três instrumentos indicaram melhor desempenho dos alunos em relação aos das escolas públicas (n=189), confirmando a hipótese levantada. As diferenças entre as médias, por tipo de instituição, apresentaram índices estatisticamente significativos para os três instrumentos. Cabe atentar para o fato de que o número de alunos das escolas particulares é bem inferior ao da escola pública, mas mesmo assim, foi apontada a competência desses instrumentos para discriminar as diferenças em relação aos tipos de instituição.

Os resultados do ADAPE reiteram os de Suehiro e Santos (2005) e Suehiro (2006) e reforçam os argumentos de que no contexto pedagógico brasileiro, o fracasso escolar no ensino básico encontra-se associado à escola pública. Assim, a atuação dos psicólogos, diante das queixas escolares de crianças encaminhadas ao serviço público de saúde, pauta-se na idéia de que a queixa escolar é um problema da criança pobre e de sua família. O foco da intervenção dos problemas apresentados é o atendimento individualizado das crianças e dos seus familiares (Cabral & Sawaya, 2001; Rossini & Santos, 2001).

A melhor performance das crianças das escolas particulares, no teste de Cloze, corroborou os resultados do trabalho de Santos, Sampaio, Lukjanenko, Cunha e Zenorini (2006). Um dos motivos que pode ter levado a esse resultado é o de o conhecimento prévio dessas crianças ser mais amplo sobre o assunto focalizado, no caso, a história infantil que foi o tema do teste. Também podem ter contribuído o propósito do leitor, a cultura social, o controle lingüístico, as atitudes e os esquemas conceptuais. Assim, as características do leitor podem ter sido tão importantes para a leitura como as características do texto (Ellis, 2001; Kintsch & van Dijk, 1978; Neves, 1997; Nicholson, 1999; van Dijk & Kintsch, 1983).

Pode-se depreender, também, do melhor resultado dos alunos das escolas particulares, que seus professores devem ser mais capacitados no domínio da língua-padrão, na fluência de leitura, e devem ter, em conseqüência, um nível mais adequado de maestria na expressão escrita e no conhecimento explícito. Assim, estariam cumprindo melhor o seu papel na transmissão da norma culta, deixando transparecer as distinções entre a língua falada e a escrita. De maneira inversa, o que pode acontecer na escola pública é que a utilização de linguagem não-padrão pelos alunos pode dificultar o processo de alfabetização, sobretudo se não é trabalhada adequadamente pelos professores. Uma maneira de minimizar esse problema seria a difusão dos conhecimentos lingüísticos e sociolingüísticos, por intermédio dos professores alfabetizadores (Barrera & Maluf, 2004; Duarte, 1998; Ribeiro, 2004).

Os alunos das escolas públicas podem, ainda, ler de forma fragmentada, com prejuízo para a significação do texto, apresentando problemas para a compreensão das ambigüidades lingüísticas e semânticas. Podem-se considerar, também, os achados da literatura especializada, que têm sugerido que as crianças que freqüentam ambientes favorecidos apresentam condições mais adequadas ao aprendizado, em detrimento daquelas que não têm os mesmos privilégios (Neves, 1997; Suehiro, 2006).

 

Considerações finais

Este estudo permitiu que se avaliasse preventivamente, durante o processo de escolarização, o desempenho em leitura e escrita de crianças de 3ª e 4ª séries. Os resultados obtidos indicaram que há diferenças de desempenho nos testes relativas aos tipos de instituição em que elas estudam. Para as crianças da escola pública, considera-se que as práticas educativas utilizadas muitas vezes ignoram as características de cada criança para que se possa dar a ela a atenção merecida.

Mas, como visto, há maneiras de ajudar os alunos com dificuldades de compreensão de leitura, como com a ativação do conhecimento prévio que eles já possuem e a relação deste com a nova informação trazida pelo texto. A atividade inferencial é uma habilidade que se amplia com a idade e está sujeita ao desenvolvimento cognitivo e às situações de aprendizagem. Para tornar-se um leitor competente, intervêm tanto as experiências, a motivação e o conhecimento do aprendiz, como as ajudas e os recursos que o educador proporciona, assim é importante entender os acréscimos nas capacidades de compreensão e fluência verbal que são desenvolvidos com a idade. Há que perceber também que grande parte do que se desenvolve não é apenas capacidade verbal, mas também capacidade para produzir estratégias úteis para compreensão e fluência verbais, que estão na interseção da aquisição da linguagem com a metacognição.

Há também maneiras de favorecer os aprendizes com dificuldades na escrita, pois foram mostrados vários fatores que interferem na aprendizagem dessa habilidade. Entre eles destaca-se o papel da escola na transmissão da norma culta, a importância da automatização no reconhecimento de palavras e o trabalho com a consciência metalingüística.

Conforme apresentado neste trabalho, a psicologia cognitiva vem permitindo avanços significativos, tanto no conhecimento da aquisição da linguagem, como no das dificuldades de aprendizagem. No entanto, constata-se que os Parâmetros Curriculares Nacionais ignoram, ou minimizam, a contribuição que poderia ser dada por muitos resultados de pesquisas contidos na literatura científica.

Considerando a importância dos aspectos apresentados em relação às dificuldades de aprendizagem e a necessidade de avaliação precoce das crianças em fase escolar, de forma a prevenir, e não apenas remediar o surgimento de dificuldades de aprendizagem associadas ao processo de escolarização, compreende-se que os testes são ferramentas úteis e necessárias. Vale destacar, contudo, que embora esses instrumentos possam ser considerados como instrumentos promissores de avaliação de habilidades lingüísticas, é preciso que mais evidências de validade sejam pesquisadas para propiciar a ampliação do conhecimento sobre as suas características psicométricas. Espera-se ainda que a realização de outras pesquisas supere as limitações deste estudo, principalmente no que se refere ao tamanho da amostra. Além disso, elas poderão contribuir para a ampliação dos conhecimentos na área e para aprimorar os procedimentos técnicos empregados na avaliação psicológica e os próprios instrumentos.

 

Referências

Barrera, S. D. & Maluf, M. R. (2004). Variação lingüística e alfabetização: um estudo com crianças da primeira série do ensino fundamental. Psicologia Escolar e Educacional, 8(1), 35-46.        [ Links ]

Bartholomeu, D., Sisto, F. F. & Rueda, F. J. M. (2006). Dificuldades de aprendizagem na escrita e características emocionais de crianças. Psicologia em Estudo, 11(1), 139-146.        [ Links ]

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Endereço para correspondência
Universidade São Francisco - Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45, 13251-040, Itatiba-SP.
E-mail: acacia.santos@saofrancisco.edu.br

Recebido em: fevereiro/2008
Revisado em: maio/2008
Aprovado em: junho/2008

 

 

Sobre os autores:

* Neide de Brito Cunha é bacharel em Letras. Mestre em Educação. Doutora em Psicologia - Área de Avaliação Psicológica Educacional, pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco e Docente da Graduação da Universidade São Francisco/Bragança Paulista e Itatiba.
** Acácia Aparecida Angeli dos Santos é psicóloga. Doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano pela USP e Docente da Graduação e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco/ Itatiba. Bolsista produtividade do CNPq.