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Psic: revista da Vetor Editora

versão impressa ISSN 1676-7314

Psic v.9 n.1 São Paulo jun. 2008

 

ARTIGOS

 

Consumo de drogas psicoativas em adolescentes escolares

 

The use of psychoactive drugs by teenagers students

 

Consumo de drogas psicoactivas en adolescentes escolares

 

 

Aline Sberse Sengik I, *; Silvana Alba Scortegagna II, **

I Prefeitura de Lagoa Vermelha
II Universidade de Passo Fundo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo investigou a prevalência do consumo de drogas psicoativas e o uso de medicamentos sem orientação médica em adolescentes de escolas públicas e privadas no interior do Estado do Rio Grande do Sul. Os participantes da pesquisa foram 178 estudantes do ensino médio, de ambos os sexos, entre 14 e 19 anos de idade. O instrumento utilizado foi um questionário de avaliação do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), de autopreenchimento, que foi adaptado, sendo constituído por 15 questões. Os resultados evidenciaram que as substâncias mais consumidas foram: maconha (10,7%), anfetamínicos (7,3%), ansiolíticos (3,4%), solventes (2,2%), anabolizantes (1,7%), cocaína (1,7%) e alucinógenos (1,1%). O relevante índice de usuários de maconha, bem como a facilidade com que o universo da droga se espalha, leva à necessidade de novas pesquisas e programas de intervenção para um trabalho mais adequado com essa população.

Palavras-chave: Drogas ilícitas, Psicotrópicos, Adolescentes, Pesquisas epidemiológicas.


ABSTRACT

This study researched the prevalence of psychoactive drugs, and their use without the guidance of a professional of health, by teenagers attending at the high school of public and private schools in the countryside of Rio Grande do Sul. 178 participants, boys and girls aged from 14 to 19 years old, were studied. The instrument used was a self responding questionnaire of assessment of CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), which was adapted, and with 15 specific questions. The results showed that the drugs most used are: cannabis (10%), amphetamines (7.3%), anxiolytics (3.4%), solvents (2.2%), anabolic-androgenic steroids (1.7%), cocaine (1.7%), and hallucinogens (1.1%). The relevant rate of the users of Cannabis, as well as the drug universe spreads facilities, leads to the necessity of new researches and intervention programs adequated to this population.

Keywords: Illicit drugs, Psychotropic drug, Teenagers, Epidemiologic researches.


RESUMEN

Este estudio investigó la predominancia del consumo de drogas psicoactivas y el uso de medicamentos sin orientación médica en adolescentes de escuelas públicas y privadas en el interior del Estado de Rio Grande do Sul. Los participantes de la investigación fueron 178 estudiantes de la enseñanza secundaria, de ambos sexos, entre 14 y 19 años de edad. El instrumento utilizado fue un cuestionario de evaluación del CEBRID - Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, adaptado y de auto respuesta, siendo constituido por 15 cuestiones. Los resultados mostraron que las sustancias más consumidas fueron: marihuana (10,7%), anfetaminas (7,3%), ansiolíticos (3,4%), solventes (2,2%), anabolizantes (1,7%), cocaína (1,7%) y alucinógenos (1,1%). El índice elevado de usuarios de marihuana, así como también la facilidad con que el universo de la droga de prolifera, alerta para la necesidad de nuevas investigaciones y programas de intervención para un trabajo más adecuado con esa población.

Palabras clave: Drogas ilícitas, Psicotrópicos, Adolescentes, Investigaciones epidemiológicas.


 

 

Introdução

O uso de drogas é uma prática humana antiga e universal. A partir dos anos 1960 o consumo de substâncias transformou-se em uma preocupação mundial, principalmente em decorrência de sua alta freqüência e dos riscos que pode acarretar à saúde (Tavarez, Beria & Lima, 2001). Observa-se que os casos fatais relacionados ao consumo de drogas, conforme dados da Interpol, passaram de 4.000, em 1988, para mais de 15.000, em 1992. A Organização Mundial da Saúde (OMS) a partir de então passou a recomendar o uso da terminologia "mortes relacionadas ao abuso de drogas", devido ao seu caráter genérico. Dessa forma, os dados revelam não apenas as situações de consumo crônico, mas também a intoxicação aguda, o uso não médico e o envenenamento (acidentes fatais, suicídios e homicídios). Entre as doenças relacionadas ao uso de drogas destacam-se, especialmente, as infecciosas, como a AIDS, as hepatites B e C e as endocardites bacterianas (World Health Organization, 1993).

As drogas psicoativas agem no cérebro de várias maneiras. Os estimulantes fazem o cérebro funcionar mais rapidamente, colocando-o sob um estado de alerta exagerado. Causam euforia e bem-estar, com o conseqüente aumento da capacidade de trabalho. Como representantes principais desse grupo destacam-se as anfetaminas, o ecstasy e a cocaína. As drogas depressoras fazem com que o Sistema Nervoso Central (SNC) funcione de uma forma mais lenta, produzindo, assim, uma sensação de tranqüilidade e de desligamento da realidade. São exemplos desse tipo de drogas os tranqüilizantes e os barbitúricos. Os alucinógenos, por sua vez, atuam perturbando o funcionamento do cérebro. Eles não aceleram nem diminuem o ritmo do SNC, mas são capazes de provocar delírios, ilusões e alucinações acompanhados por relaxamento ou euforia. Alguns dos principais representantes desse grupo são a maconha, o LSD e o chá de cogumelos (CEBRID, 2007).

Estudos mais abrangentes sobre o uso de psicotrópicos entre jovens estudantes no Brasil são realizados pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID). Os dados mais recentes foram obtidos em 27 capitais brasileiras em 2004. (Galduróz, Noto, Fonseca & Carlini, 2005). Na capital do RS, por meio de uma amostra de 2.052 estudantes dos ensinos fundamental e médio, constatou-se que as drogas ilícitas mais utilizadas eram solventes (12,3%), maconha (10,9%) e cocaína (2,3%). Além disso, ficou evidente o uso de medicamentos sem receita médica, entre eles os ansiolíticos (5,0%) e anfetamínicos (4,5%). Houve predomínio de uso na vida entre o sexo masculino, com diferenças estatisticamente significativas para a cocaína e os esteróides anabolizantes. Já os afetamínicos e ansiolíticos são mais utilizados entre as mulheres (Galduróz e cols., 2005). A estimativa total do uso na vida de substâncias foi de 23,4%.

Esses resultados também foram obtidos em pesquisa sobre o consumo de drogas psicoativas por estudantes escolares de Assis, SP (Guimarães, Godinho, Cruz, Kappann & Junior, 2004). No entanto, pesquisadores evidenciaram que em Florianópolis, SC, e Pelotas, RS, há uma prevalência maior do uso na vida da maconha (19,9%) e (13,9%) em relação aos solventes (18,2%) e (11,6%), respectivamente (Baús, Kupek, & Pires, 2002; Tavarez e cols., 2001). Sobre a seqüência de drogas consumidas por usuários de crack, a maconha também foi apontada como a primeira droga ilícita a ser consumida. Após a primeira droga ilícita, uma série de outras substâncias antecederam o uso do crack, como o chá alucinógeno, a cocaína e as anfetaminas (Sanches & Nappo, 2002)

Os medicamentos, por sua vez, além de serem drogas aceitas e utilizadas mundialmente como um dos mais importantes recursos terapêuticos da medicina moderna, vêm sendo usados de forma abusiva, causando tantos males quanto aqueles causados por drogas de uso ilícito. Dentre tais prejuízos estão a dependência, a síndrome de abstinência e os distúrbios comportamentais e até mesmo a morte (Caldas, 1999; Nascimento, 2003). Dessa forma, torna-se fundamental o estudo dos efeitos e das conseqüências dessas substâncias, assim como a freqüente coleta de dados para estudos atualizados e tratamentos eficazes, visto o fato dessa questão representar um problema de saúde pública. Além disso, a circulação das substâncias psicoativas ilícitas, ou seja, usadas e comercializadas ilegalmente, torna-as cada vez mais acessíveis e atraentes a adolescentes estudantes, pois elas fazem uso de diversas formas de sedução (Abramovay & Castro 2005).

Dados apontam que em vários países é principalmente na adolescência inicial que o uso de drogas lícitas e ilícitas se inicia. No Brasil, há uma tendência, desde a década de 1980, ao aumento do consumo de maconha, inalantes, cocaína e crack, especialmente nas grandes cidades (Marques & Cruz, 2000).

Sobre isso, cabe especificar o que se entende por adolescência. O termo apresenta diversos conceitos. Pode ser entendido como um tempo, uma moratória entre a infância e a maturidade, e alguns autores subdividem esse período em dois subperíodos: um iniciando aos 11 ou 12 anos e o outro, aos 16 ou 17 anos (Bee, 1997). Já outros a dividem em três etapas, a adolescência inicial, a adolescência propriamente dita e a adolescência final (Bloss, 1998).

A adolescência inicial se caracteriza pela decatexia dos objetos amorosos incestuosos e familiares. A libido objetal, que está solta, livre, clama por novas acomodações, busca novos objetos. Os valores, padrões e leis morais adquirem apreciável independência com relação à autoridade dos pais, tornando-se egossintônicos. O autocontrole ameaça entrar em colapso e, em casos extremos, ocorre a delinqüência, que varia em grau de intensidade e geralmente está relacionada à busca do objeto de amor, à tentativa de fuga da solidão, do isolamento e das depressões que acompanham as mudanças catéticas. A retirada da catexia objetal e a ampliação da distância entre o superego e o ego resultam num empobrecimento do último, vivido pelo adolescente como um sentimento de vazio, uma agitação interior que pode ser dirigida, na busca de alívio, para qualquer oportunidade mitigadora que o ambiente ofereça (Bloss, 1998). Assim, comportamentos de risco, como fazer sexo sem proteção, abusar do uso de drogas e de bebidas e dirigir em alta velocidade podem estar encobrindo sentimentos de vulnerabilidade (Bee, 1997).

O abuso de drogas pode ser uma resposta afetiva. O uso indiscriminado e sem finalidades terapêuticas é descrito pelo senso comum como ficar "na boa", "ligado", "animado", evidenciando a percepção do uso de psicoativos como uma tentativa, bem ou malsucedida de encontrar alívio para as dificuldades do dia-a-dia (Caldas, 1999). Dessa forma, consumir essas substâncias poderia ser uma estratégia para amenizar a tensão. A fase da adolescência exige a assimilação de uma grande quantidade de novas experiências físicas, sociais e intelectuais, o que se torna difícil para o jovem, por se encontrar em um estado de desequilíbrio. Os bruscos aumentos na taxa de depressão e a redução na auto-estima parecem estar associados ao acréscimo dessas novas demandas e mudanças com as quais ele terá que conviver (Bee, 1997). O adolescente sente necessidade de confrontar, experimentar limites e mesmo de transgredir, "abrindo" um espaço de conquista e de afirmação. A vontade de ter experiências novas coexiste com o desejo de testar tais limites (Silva & Deus, 2005).

Na adolescência propriamente dita há o encontro do objeto heterossexual, possibilitado pelo abandono das posições narcísicas e bissexuais, fazendo o adolescente se afastar definitivamente dos objetos de amor infantis e vivenciar conflitos intrapsíquicos importantes. "A auto-inflação narcísica mostra-se na arrogância e rebeldia do adolescente, em seu desafio às regras e no seu questionamento da autoridade dos pais." (Bloss, 1998, p. 124). Os progenitores, antes supervalorizados e não avaliados realisticamente pelo adolescente, passam, então, a ser subvalorizados, o que ocasiona um aumento no conflito ou, em outros termos, o negativismo na relação com eles. Desse modo, os pais passam a ter que encontrar um equilíbrio entre a oferta da segurança necessária e as exigências sob a forma de regras e limites claros, sem deixar de promover a independência do jovem (Bee, 1997).

Já na adolescência final, há uma maior unificação dos processos afetivos, uma sujeição à conciliação e ao adiamento, bem como o delineamento das preocupações realmente relevantes. O adolescente começa a fazer as acomodações necessárias, estabelecendo uma nova identidade, novos padrões de relacionamento social, novas metas e novos papéis. As principais mudanças já estão efetivadas, e foi alcançado um novo equilíbrio. As convulsões físicas da puberdade estão, em sua maioria, concluídas, e o sistema familiar modificou-se para permitir maior independência e liberdade. Esse período, no entanto, também tem suas tensões, pois a tarefa de formação de parcerias íntimas sexuais ou pré-sexuais constitui uma questão fundamental (Bee, 1997). O final da adolescência é, principalmente, uma fase de consolidação, não somente das relações amorosas, mas também da personalidade, podendo trazer maior estabilidade e uniformidade à vida emocional do jovem adulto.

Nessa fase de transformações físicas e emocionais e de tentativa de fugir das angústias e ansiedades causadas por tais mudanças, o jovem pode buscar refúgio no uso de drogas. As dificuldades com a imagem corporal, a intolerância com os familiares e a sensação de onipotência podem levar a tal comportamento de risco. Quanto maior o nível de saúde mental do jovem, mais ele tende a utilizar estratégias saudáveis para lidar com a angústia, ansiedade e fragilidade. O grupo, a quem o jovem recorre, embora contribua para a separação parental, constitui um fator de risco, à medida que funciona como uma caixa de ressonância, um amplificador dos comportamentos desviantes (Marcelli, & Braconnier 2007; Silva & Deus, 2005).

A cannabis hoje, considerada uma droga leve e aceita como um "mal menor" pela sociedade atual parece ter-se tornado um modo de socialização, pois está presente na rotina de muitos adolescentes. Esse fato torna-se preocupante, porque atrás da designação de drogas leves há um comportamento mais permissivo e flexível quanto ao seu uso e experimentação (Silva & Deus, 2005). Desse modo, não surpreende os resultados descritos nas pesquisas atuais.

Ante esses pressupostos, torna-se relevante conhecer o padrão de uso de medicamentos e de consumo de drogas para que haja um melhor reconhecimento da realidade da população na qual se pretende intervir. A proposta desse estudo é, portanto, verificar a prevalência do consumo de diversas drogas psicoativas e ilícitas, além do uso de medicamentos sem orientação médica, em escolares das redes de ensino público e privado de uma cidade do interior do estado do Rio Grande do Sul.

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 178 estudantes do ensino médio de escolas das redes pública e privada nos turnos da manhã e noite, de ambos os sexos, sendo 43,3% do gênero feminino e 56,7% do gênero masculino. As idades variaram de 14 e 19 anos. O critério de inclusão dos indivíduos na pesquisa foi que deveriam ser estudantes do ensino médio regular e técnico.

Instrumento

Foi utilizado um questionário fechado, de autopreenchimento, sem identificação do participante, composto por 15 questões objetivas, oito que abrangem cinco itens que averiguam: a) o uso de determinada substância (maconha, solvente, cocaína, crack, anfetaminas, sedativos, tranqüilizantes e alucinógenos); b) o uso de determinada substância há um ano; c) o uso de determinada substância há um mês; d) a idade de experimentação; e) a quantidade utilizada. As respostas às questões são apresentadas de forma dicotômica, afirmativamente ou negativamente. Exemplo do uso de determinada substância: Você cheira algum produto (solvente) para sentir um "barato" qualquer? (lança-perfume, loló, cola, gasolina, benzina, acetona, removedor de tinta, thinner, água-raz, éter, esmalte, tinta (não vale cocaína). ( ) sim ( ) não. Exemplo do uso de substância há um ano: De um ano pra cá você tem cheirado algum dos produtos citados para sentir um "barato" qualquer? ( ) sim ( ) não.

O questionário foi adaptado para o estudo a partir de um instrumento padronizado e amplamente testado no país, elaborado pelo CEBRID, baseado no modelo da Organização Mundial da Saúde (OMS) para pesquisa acerca do uso drogas, e aplicado no V Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino nas 27 capitais brasileiras (2004).

Para uma melhor compreensão do instrumento, foram utilizados os nomes populares das substâncias psicotrópicas, e não as suas denominações científicas, o que efetivamente facilitou o entendimento das perguntas. Além disso, vale destacar que as drogas referidas no material têm caráter ilícito e, por isso, não se incluiu o tabaco e o álcool, seguindo, inclusive, a classificação da OMS.

Procedimentos

Após a aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Passo Fundo (CEP 048/2007), da autorização dos diretores das instituições escolares públicas ou privadas e da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por parte dos estudantes e de seus responsáveis, iniciou-se a coleta dos dados. A fim de obter a autorização dos pais ou responsáveis pelo aluno, a pesquisadora entregou o documento com o consentimento na secretaria das instituições ou para os próprios estudantes dois dias antes da realização da pesquisa. Os alunos que obtiveram o consentimento dos pais foram convidados, de forma aleatória, a participar do estudo. Os que concordaram em fazer parte do estudo responderam ao questionário, individualmente, em sala de aula. Àqueles que optaram por não preencher o questionário foram orientados a devolvê-lo em branco e depositá-lo em uma urna disponibilizada em cima de uma mesa. A aplicação do instrumento foi realizada pela pesquisadora sem a presença do professor e teve a duração aproximada de 10 minutos.

Na análise dos dados, o critério de classificação utilizado para estabelecer a freqüência do uso de drogas foi baseado em Galduróz e colaboradores, (2004) que segue a classificação proposta pela OMS: a) uso na vida: uso da substância psicoativa pelo menos uma vez na vida; b) uso no ano: uso da substância psicoativa pelo menos uma vez nos doze meses que antecederam a pesquisa; c) uso no mês: uso da substância psicoativa pelo menos uma vez nos trinta dias que antecederam a pesquisa; d) uso freqüente: uso da substância psicoativa seis ou mais vezes nos trinta dias que antecederam a pesquisa; e) uso pesado: uso da substância psicoativa vinte ou mais vezes nos trinta dias que antecederam a pesquisa. As variáveis dependentes estudadas incluíram a utilização, em cada uma das cinco categorias de uso, dos ansiolíticos, anfetamínicos, anticolinérgicos, barbitúricos, anabolizantes, xaropes à base de codeína e outros derivados opiáceos, além dos alucinógenos, inalantes e alcalóides. As variáveis independentes foram a idade, o gênero, o estado civil, o tipo de escola (pública ou privada), a renda familiar e se exercia ou não alguma atividade remunerada.

A análise dos dados foi realizada pelo programa SPSS 11.5, por meio de análise estatística descritiva, além do uso do teste qui-quadrado com nível de significância menor ou igual a 0,05.

 

Resultados

Do total de 280 alunos que potencialmente poderiam fazer parte do presente estudo, 85 (30%) não foram incluídos nele por não terem apresentado a necessária autorização dos responsáveis legais para a participação. Dos 195 questionários aplicados, 17 (9%) foram considerados não válidos por falta de dados e/ou por terem sido entregues em branco. A metodologia utilizada nesse estudo permitiu obter os seguintes resultados, apresentados nas tabelas 1 e 2.

 

 

Do total de 178 participantes, 101 (56,7%) eram do sexo masculino, 57 (32,0%) estavam na faixa etária de 16 anos, 64 (36,0%) freqüentavam o 2º ano do ensino médio e 140 (78,7%) freqüentavam as aulas no turno da manhã. Prevaleceram, no corpus, estudantes solteiros (94,9%), matriculados em escolas públicas (62,4%) e que não exerciam nenhuma atividade remunerada (74,7%) Quanto à renda familiar (44,9%) apresentaram renda superior a R$1000,00.

Os resultados relacionados às principais substâncias psicoativas e psicotrópicos utilizados pelos adolescentes, ao menos uma vez na vida, são apresentados na tabela 2.

 

 

Constatou-se, conforme a tabela 2, que as substâncias mais consumidas, alguma vez na vida, foram a maconha (10,7%); as anfetamínicos (7,3%); os ansiolíticos (3,4%); os solventes (2,2%) os anabolizantes (1,7%); a cocaína (1,7%) e os alucinógenos (1,1%).

No que se refere ao uso da maconha, verificou-se um índice significativamente maior entre os alunos que estudavam no turno da noite (26,3%) em relação aos que freqüentavam aulas no turno da manhã (6,4%). Quanto à renda familiar não se constataram diferenças. No entanto, chamou a atenção o fato de que dentre os usuários, nenhum declarou renda inferior a R$350,00. O uso freqüente das substâncias mencionadas alcançou um percentil de 1,1%, enquanto o uso pesado alcançou o índice de 0,6%.

Com relação ao consumo de anfetaminas, não se verificou diferença significativa, (p=0,167) no que diz respeito ao sexo, já que os usuários femininos alcançaram 10,4%, enquanto os masculinos ficaram em 5,0%. No entanto, houve diferença significativa quanto ao tipo de instituição de ensino. A maioria dos usuários (14,9%) era de alunos de escolas da rede privada, enquanto apenas 2,7% eram estudantes de escolas públicas. Além disso, observou-se que a renda familiar geral supera os R$1000,00. O consumo médio das substâncias em foco no último ano foi de 6,7%, seguido por 1,1% no último mês, uma vez que 1,1% usava freqüentemente e 1,1% fazia uso pesado. Entre os medicamentos mais usados, destacam-se: Desobedi (1,7%), Inibex (1,1%), seguido por Hipofagin , Magrins , Moderex e Reactivan , com percentil de 0,6%.

Os ansiolíticos foram mais destacados pelos investigados de sexo feminino (6.5%), em comparação com o sexo masculino (1,0%). Outro dado que pode ser destacado é a idade. Os mais jovens, com 14 anos (21,4%) utilizaram mais as substâncias em foco. O uso no último ano foi de 3,4%, seguido por 1,1% de uso freqüente e 0,6% de uso pesado. Os medicamentos mais citados foram: Diazepam (1,1%), seguido por Lorax e Rivotril (0,6%).

Quanto aos solventes, apenas os investigados do gênero masculino apontaram utilização (4,0%), já as idades de experimentação da droga variou entre 12 anos (0,6%) e 15 anos (0,6%). Os produtos apontados foram: gasolina (1,1%), seguidos por acetona, cola, lança-perfume, thiner e tinta, com percentil de 0,6%. No último mês, o uso foi de 0,6%, caracterizado por uso pesado da substância. O uso dos medicamentos anabolizantes, assim como a utilização da cocaína, ao menos uma vez na vida, também foram destacados apenas pelo sexo masculino (1,7%).

Os alucinógenos (1,1%) foram utilizados por ambos os gêneros, e o índice não apresentou alterações significativas. O ecstasy foi o mais citado (1,7%), seguido por chá de cogumelo (0,6%). O uso dessas substâncias, no último ano, teve percentil de 1,1%, e 0,6% utilizou no último mês.

Questões relacionadas ao uso de anticolinérgicos, barbitúricos e xaropes à base de codeína não tiveram respostas positivas na amostra.

 

Discussão

Estudos revelam que é, especialmente, no início da adolescência que o uso das drogas inicia, fato esse que pode ser desencadeado pelo fácil acesso a elas (Abramovay & Castro, 2005; Marques & Cruz, 2000). Esses dados puderam ser observados na pesquisa, visto que a idade de 12 a 15 anos foi a mais destacada pelos participantes, no que se refere à experimentação das substâncias. O adolescente torna-se vulnerável ante as várias mudanças físicas e emocionais que ocorrem nessa fase. Busca o amor não mais em suas figuras parentais, mas em seus grupos de iguais (Bee, 1997). Sente-se sozinho e o vazio interno eleva a sua ansiedade confusional. Muitas vezes demonstra tensão e depressão que resultam num empobrecimento do ego. Assim, na busca de alívio dessas ansiedades torna-se um alvo fácil para a drogadição ou qualquer outra situação de risco (Bloss, 1998).

As diferenças com os pais, trazem conflitos externos e internos que podem chegar a um ponto de confusão insuperável. Considerando a sua total incapacidade para lidar com isso, o jovem mostra-se inseguro e descrente em relação ao papel exercido pelos responsáveis. Essa fuga desregrada e a falta de compreensão por parte de seus familiares podem ser fatores decisivos na opção por determinada substância. Embora isso possa acontecer com ambos os sexos, de acordo com estudos a prevalência entre as substâncias ilícitas de modo geral é maior entre sujeitos do sexo masculino, enquanto os psicotrópicos sem orientação médica são mais utilizados pelo sexo feminino. Além disso, as pesquisas apontam para um aumento do uso na vida da maconha, superando a utilização de solventes, sendo seguidos pelo abuso de ansiolíticos e anfetamínicos sem receita médica (Baus e cols., 2002; Guimarães e cols., 2004; Nascimento, 2003; Tavarez e cols., 2001).

Tais dados foram ratificados na amostra da pesquisa. Vale destacar, que mesmo em se tratando de uma cidade do interior, a maconha ultrapassou o uso de solventes, o que vêm acontecendo também nas grandes capitais. Pode-se ainda pensar que isso se deva a uma maior flexibilidade por parte da sociedade atual, visto ser a maconha considerada uma droga "leve" (Silva & Deus, 2005).

Os anfetamínicos, por sua vez, surpreenderam pelo fato de terem ultrapassado, em utilização, os ansiolíticos, o que vai de encontro à maioria dos resultados apresentados nos grandes centros, como em Porto Alegre (Galduróz e cols., 2005; Guimarães e cols., 2004; Tavarez e cols., 2001). Além disso, não houve diferença significativa no que diz respeito ao sexo. Já na capital gaúcha, foi constatado um maior o uso desses medicamentos por meninas. Pode-se supor, dessa forma, que a preocupação com a estética do corpo faz os adolescentes buscarem medicamentos, mesmo sem receita médica, com objetivo de emagrecerem e se assemelharem a seus ídolos, que possuem um modelo de beleza ditado pela modernidade. As dificuldades com a imagem corporal e a sensação de onipotência só fazem aumentar as angústias dos jovens (Bloss, 1998). Por fim, destaca-se que o uso de anfetaminas alcançou um índice mais elevado entre estudantes de escolas privadas, o que leva a pensar que o poder aquisitivo é um fator relevante para a aquisição e utilização de medicamentos emagrecedores sem receita médica.

 

Considerações finais

O consumo de substâncias psicoativas sempre existiu, variando somente a quantidade, o tipo de substância e o modo de uso. A cada momento se conhece uma "mistura" nova, uma droga com maior efeito, alterando a sensopercepção, exercendo função excitatória ou depressiva do Sistema Nervoso Central. O dinamismo e a rapidez com que o uso e o acesso às drogas têm alcançado na atualidade tornam necessário um maior entendimento sobre as conseqüências que essas substâncias podem trazer, para o que são fundamentais coletas sistemáticas de dados acerca da sua utilização, já que esse se constitui em um sério problema de saúde pública. Isso não significa que essa seja uma tarefa fácil. Sabe-se que a abordagem dessas questões envolve fatores sociais, culturais que jamais poderão ser discutidos individualmente, mas sim com uma abordagem interdisciplinar e com a participação de todos.

Finalmente, o significativo número de jovens participantes desse estudo que fizeram uso da maconha torna imprescindível tratar o assunto com muita seriedade, abrindo novas perspectivas de investigação, propondo medidas de intervenção de caráter psicossocial que venham a contribuir para a saúde mental da população jovem, até mesmo porque a maconha pode representar uma porta de acesso a outras substâncias causadoras de intensa dependência física e psicológica, as quais podem até mesmo levar à morte.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Universidade de Passo Fundo, Curso de Psicologia/IFCH, Campus I
BR 285, Bairro São José. Fax (54)3316-8330. CP 611. 99001-970
E-mail: silvanalba@upf.br

Recebido em: fevereiro/2008
Revisado em: maio/2008
Aprovado em: junho/2008

 

 

Sobre os autores:

* Aline Sberse Sengik é psicóloga da Prefeitura de Lagoa Vermelha (RS). Graduada na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Especialista em Psicologia da Saúde (UPFRS).
** Silvana Alba Scortegagna é docente na Universidade de Passo Fundo (UPF-RS). Mestre em Educação (UPF-RS). Aluna do Programa de Doutorado em Psicologia da Universidade São Francisco (USF-SP).