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Psic: revista da Vetor Editora

versão impressa ISSN 1676-7314

Psic v.9 n.2 São Paulo dez. 2008

 

ARTIGOS

 

Habilidades de linguagem oral e sua contribuição para a posterior aquisição de leitura

 

Oral language skills and its contribution to ulterior reading competence

 

Habilidades de lenguaje oral y su contribución para una adquisición posterior de la lectura

 

 

Alessandra Gotuzo Seabra Capovilla *; Natália Martins Dias **

Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Diante da importância da linguagem oral para posterior alfabetização, esta pesquisa investigou as relações entre habilidades da linguagem oral, avaliadas na pré-escola, e competência de leitura, avaliada ao término da 1ª série. Participaram 27 crianças, com idade média de 5 anos ao início do estudo, avaliadas na pré-escola em Prova de Consciência Fonológica por produção Oral (PCFO), Prova de Consciência Sintática (PCS), Teste de Discriminação Fonológica, Teste de Repetição de Palavras e Pseudopalavras (TRPP), Teste Infantil de Nomeação, Teste de Conhecimento de Letras (TCL) e Teste de Vocabulário por Imagens Peabody; e avaliadas na 1ª série no Teste de Competência de Leitura de Palavras e Pseudopalavras. Conforme análise de regressão, desempenhos em PCFO, TCL e TRPP exerceram efeito significativo sobre competência de leitura avaliada um ano depois, corroborando as relações entre linguagem oral e leitura, e evidenciando a consciência fonológica como melhor preditora de sucesso na aquisição da linguagem escrita.

Palavras-chave: Avaliação psicológica, Linguagem oral, Leitura.


ABSTRACT

Considering the importance of oral language to ulterior literacy, this research analyzed the relationships between oral language abilities, assessed in preschool level, and reading competence, assessed in the first grade. Twenty-seven children, with five years old at the beginning of the study, were assessed in preschool level with Phonological Awareness Test (PAT), Syntactic Awareness Test, Phonological Discrimination Test, Pseudowords and Words Repetition Test (PWRT), Naming Test, Letters Knowledge Test (LKT) and Peabody Picture Vocabulary Test; and they were assessed in the first grade with Pseudowords and Words Reading Competence Test. The regression analyses showed that the abilities evaluated by the PAT, LKT and PWRT exercised significant effect over the reading competence evaluated a year afterwards, corroborating the relations between oral language abilities and reading, and aim for the phonological awareness as the best predictor of success in the written language acquisition.

Keywords: Psychological assessment, Oral language, Reading.


RESUMEN

Frente a la importancia del lenguaje oral para una alfabetización posterior, este estudio investigó las relaciones entre habilidades de lenguaje oral evaluadas en el jardín de infantes y competencia de lectura, evaluada al final del primer grado. Participaron 27 niños con un promedio de edad de 5 años al inicio del estudio, evaluadas en el jardín de infantes en Prova de Consciência Fonológica por produção Oral (PCFO), Prova de Consciência Sintática (PCS), Teste de Discriminação Fonológica, Teste de Repetição de Palavras e Pseudopalavras (TRPP), Teste Infantil de Nomeação, Teste de Conhecimento de Letras (TCL) y Teste de Vocabulário por Imagens Peabody; y evaluadas en el primer grado en el Teste de Competência de Leitura de Palavras e Pseudopalavras. Por el análisis de regresión, los desempeños en PCFO, TCL y TRPP tuvieron un efecto significativo sobre la competencia de lectura evaluada un año después, corroborando las relaciones entre lenguaje oral y lectura, y evidenciando la consciencia fonológica como siendo la mejor predictiva del suceso en la adquisición del lenguaje escrito.

Palabras clave: Evaluación psicológica, Lenguaje oral, Lectura.


 

 

Introdução

Diversos estudos têm buscado compreender as relações entre linguagem oral e linguagem escrita (por exemplo, Aaron, Joshi & Quatroche, 2008; Bishop & Adams, 1990; Mann, Liberman & Shankweiler, 1980). Vários desses estudos têm evidenciado que alterações em habilidades de linguagem oral estão relacionadas a posteriores dificuldades na aquisição de leitura e escrita (Baker & Bernhardt, 2004; Capovilla & Capovilla, 2004a, 2004b; Santos, 1996; Schneider, Roth & Ennemoser, 2000), especialmente quando tais alterações envolvem a consciência fonológica, habilidade que se refere à capacidade de refletir sobre a estrutura fonológica da linguagem oral e alude, portanto, ao conhecimento e habilidade de identificar palavras, sílabas, rimas, aliterações e fonemas (Aaron, & cols., 2008; Capovilla & Capovilla, 2004a, 2004b). Tais investigações assumem relevância, uma vez que podem trazer contribuições que permitam identificar quais são as crianças que estão em risco de apresentar problemas de leitura e escrita e qual a melhor forma de intervenção para estas.

Há evidências de relação entre diferentes habilidades de linguagem oral e a posterior aquisição de leitura e escrita. Bishop e Adams (1990), por exemplo, analisaram a relação entre compreensão sintática e extensão de fala e a alfabetização posterior. Foram avaliadas 83 crianças dos 4 aos 8 anos de idade que apresentavam atraso no desenvolvimento da linguagem, medido pela capacidade de compreensão sintática e pela extensão média da emissão de fala. Os resultados revelaram que tais medidas estão correlacionadas ao desempenho posterior na alfabetização. Para as crianças que tinham seus problemas solucionados por volta dos cinco anos de idade, o desenvolvimento da alfabetização era normal. No entanto, passada essa idade, as crianças que apresentavam distúrbios de linguagem oral tendiam a apresentar também problemas no processo de alfabetização.

Esses achados foram ampliados pelo estudo de França, Wolff, Moojen e Rotta (2004), os quais avaliaram 236 crianças de seis anos de idade e as dividiram em dois grupos, com base nos resultados da avaliação da aquisição fonológica. Aos 9 anos de idade, as crianças foram reavaliadas por meio de teste de ditado e produção textual. Comparando os resultados dos dois grupos, verificou-se diferença significativa na quantidade de erros cometidos na avaliação da escrita, sugerindo que a aquisição da linguagem oral é, de fato, um fator preditivo do desenvolvimento ortográfico.

Mann e cols. (1980) analisaram a memória fonológica, descrevendo a existência de uma correlação entre a habilidade de usar de forma eficaz representações fonéticas na memória de curto prazo e o processo de aprendizagem da leitura. Essa descoberta corroborou o envolvimento dos códigos da fala, ou seja, da estrutura fonológica no processo de leitura. Bradley e Bryant (1983), por sua vez, verificaram a relação entre consciência fonológica a alfabetização. Em seu estudo, foram avaliadas as capacidades de detectar rimas e aliterações de 400 crianças de 4 e 5 anos de idade ainda alfabetizadas. Os resultados mostraram que as pontuações em detecção de rima, em particular, previram o progresso das crianças na leitura e na ortografia quatro anos mais tarde.

Um estudo realizado por Magnusson e Naucler (1987) comparou, em tarefas de fala e consciência fonológica, dois grupos de crianças, sendo um grupo formado por crianças com distúrbio de linguagem e outro por crianças sem distúrbio. Os grupos foram comparados em três fases escolares, na pré-escola, no início e no final da 1ª série escolar. Os resultados revelaram que, independentemente do grupo, as crianças que apresentaram problemas de aprendizagem escolar foram aquelas que tinham um desempenho insatisfatório em compreensão da linguagem, produção sintática e tarefas de consciência fonológica.

Em outro estudo, consistente com os anteriores, Cardoso-Martins e Pennington (2001) investigaram a contribuição das habilidades de consciência fonêmica e de nomeação rápida para o desempenho em leitura e escrita. Participaram 146 crianças e adolescentes com idades entre 7 e 18 anos, avaliados em diversas medidas de leitura e escrita, inteligência, consciência fonêmica e nomeação rápida. Análises de regressão evidenciaram que ambas as habilidades, consciência fonêmica e nomeação rápida, contribuíram independentemente para as habilidades de leitura e escrita. Ou seja, enquanto a consciência fonêmica se apresentou mais associada à leitura por meio da decodificação fonológica, a habilidade de nomeação rápida pareceu estar mais relacionada à habilidade de leitura fluente. No entanto, os resultados sugeriram que a habilidade de nomeação rápida desempenhou um papel modesto na aquisição da leitura. Corroborando a importância da consciência fonêmica na ulterior aquisição da linguagem escrita, também Aaron e colaboradores (2008) afirmam que esta é a principal preditora da habilidade de leitura em crianças na fase inicial da alfabetização. Ainda segundo os mesmos autores, outra habilidade relevante como preditora da leitura se refere ao conhecimento de letras.

Em um estudo mais amplo, com o objetivo de identificar os determinantes do sucesso na aquisição da leitura, Leybaert, Alegria, Deltour e Skindel (1997) avaliaram 310 crianças de 5 anos de idade, no terceiro nível maternal, em habilidades lingüísticas (vocabulário e discriminação auditiva), memória verbal, inteligência não-verbal, habilidades metafonológicas e conhecimento de letras. As crianças foram novamente avaliadas ao término da 1ª e 2ª séries em habilidades de leitura e ortografia. Os autores incluíram todas estas medidas em uma análise de regressão hierárquica e, além disso, buscaram identificar o efeito do nível socioeconômico (NSE) e tipo de escola sobre o sucesso ou fracasso na aquisição da linguagem escrita.

Ao término da 1ª série, e com a variabilidade ligada ao NSE, inteligência não-verbal e tipo de escola controlados, as habilidades lingüísticas produziram um aumento no poder explicativo do modelo de 6%, as habilidades metafonológicas produziram um aumento de 3% e o conhecimento de letras, um aumento de 3,5%. Ao término da 2ª série, as habilidades metafonológicas produziram um aumento no poder explicativo do modelo de 4,14 a 5,26%. Interessantemente, neste estudo, o tipo de escola deteve o maior poder preditivo de sucesso ou fracasso na aquisição da leitura, no entanto, o estudo permitiu concluir que as habilidades avaliadas no terceiro ano maternal exercem ação sobre a aquisição da leitura ao término da 1ª e 2ª séries (Leybaert & cols., 1997).

Visto que o processamento fonológico é um preditor confiável do desempenho ulterior na aquisição de leitura e escrita, conforme demonstrado nos estudos revisados, pesquisas têm sido conduzidas com o objetivo de verificar se intervenções sobre o processamento fonológico podem minimizar dificuldades de leitura e escrita. De fato, esses estudos têm evidenciado sistematicamente que as dificuldades em leitura e escrita podem ser atenuadas com a incorporação de atividades fônicas e metafonológicas em diferentes níveis escolares (por exemplo, Ramos-Sánchez & Cuadrado-Gordillo, 2004; Schatschneider & Torgesen, 2004; Schneider & cols., 1997). Estudos nacionais também têm evidenciado a pertinência de programas interventivos de remediação sobre habilidades fonológicas e metafonológicas em crianças com distúrbio específico de leitura (por exemplo, Capellini, Padula & Ciasca, 2004; Capovilla & Capovilla 2004a), assim como quando implementados em nível pré-escolar e nas fases iniciais da alfabetização (Silva, 2004).

Mais recentemente, Capovilla, Dias e Montiel (2007) demonstraram que a habilidade de consciência fonológica está relacionada ao desempenho escolar, mas o tipo de relação muda com a progressão das séries escolares. Assim, as habilidades de consciência fonológica apresentam maior importância relativa para a nota escolar no início da alfabetização. Além disso, a importância relativa de cada componente da consciência fonológica muda com a progressão da série, ou seja, componentes mais simples apresentam importância relativa maior nas séries iniciais de alfabetização, enquanto componentes mais complexos passam a exercer importância relativa maior na 3ª e 4ª séries.

Resumidamente, as pesquisas aqui sumariadas buscaram compreender a relação entre as dificuldades de linguagem oral e de linguagem escrita. De um modo geral, essas pesquisas evidenciaram que habilidades tais como compreensão sintática, extensão média de emissão da fala (vocabulário expressivo), uso de representações fonéticas na memória de curto prazo, nomeação e consciência fonológica relacionam-se com a posterior aquisição de linguagem escrita. A partir desses achados, pode-se concluir que, apesar da linguagem oral e da linguagem escrita serem habilidades relativamente independentes, a primeira serve de base para a aquisição da leitura e da escrita.

O presente estudo buscou ampliar os achados anteriores em crianças brasileiras por meio de um estudo longitudinal, investigando se diversas habilidades de linguagem oral, a saber, habilidades de consciência fonológica, consciência sintática, discriminação fonológica, nomeação, memória fonológica de curto prazo, vocabulário receptivo e conhecimento de letras, quando avaliados na pré-escola, possuem relação com a competência de leitura, conforme avaliada ao término da 1ª série do ensino fundamental. Além disso, o estudo buscou identificar, entre todas as habilidades mencionadas, qual ou quais podem ser consideradas melhores preditoras do desempenho ulterior em leitura.

 

Método

Participantes

Participaram 27 crianças, sendo 13 do sexo feminino e 14 do sexo masculino. Ao início do estudo, por ocasião da primeira avaliação, em novembro de 2006, as crianças estavam matriculadas na pré-escola de uma escola municipal de uma cidade do interior do estado de São Paulo, com idade média de 6 anos e 2 meses. Na segunda avaliação, ocorrida em novembro de 2007, as mesmas crianças estavam matriculadas na 1ª série do ensino fundamental de uma escola municipal de uma cidade do interior de São Paulo e tinham idade média de 7 anos e 2 meses.

Instrumentos

Prova de Consciência Fonológica por Produção Oral

A Prova de Consciência Fonológica por Produção Oral ou PCFO (Capovilla & Capovilla, 1998) avalia a habilidade das crianças de manipular sons da fala, expressando oralmente o resultado dessa manipulação. A prova apresenta dez subtestes, incorporando a avaliação de componentes suprafonêmicos e fonêmicos: síntese e segmentação silábica, síntese e segmentação fonêmica, julgamento de rimas e aliterações, manipulação silábica e fonêmica e transposição silábica e fonêmica. Cada subteste é composto por dois itens de treino e quatro de teste. O resultado das crianças na PCFO é apresentado como escore ou freqüência de acertos, sendo o máximo possível 40 acertos.

Teste Infantil de Nomeação

O Teste Infantil de Nomeação (Capovilla, Montiel, Capovilla & Macedo, em preparação) consiste em 124 itens com desenhos de linha com diferentes graus de familiaridade, sendo a tarefa do sujeito dizer os nomes das figuras apresentadas pelo examinador. O teste é composto por um caderno de aplicação com uma figura por folha e uma folha de respostas. O caderno é manuseado pelo aplicador que anota a resposta do participante na folha de respostas, permitindo a posterior correção. Neste estudo foi computado o total de acertos, sendo o máximo possível de 124 pontos.

Teste de Discriminação Fonológica

O Teste de Discriminação Fonológica ou TDF (Capovilla & Capovilla, 2007) tem como objetivo verificar se a criança discrimina fonologicamente palavras que diferem em apenas um fonema. Nessa prova, é apresentado à criança um caderno de aplicação com 23 pares de figuras cujos nomes diferem em apenas um fonema, por exemplo, as figuras de "pato" e "gato". O aplicador dá a instrução à criança, dizendo que ela deve apontar a figura que ele nomear, posteriormente pronunciando o nome da figura, devendo a criança apontar a figura correspondente. É computado um ponto para cada resposta correta, sendo o máximo possível de 23 pontos.

Teste de Repetição de Palavras e Pseudopalavras

O Teste de Repetição de Palavras e Pseudopalavras, ou TRPP (Capovilla, no prelo), desenvolvido com base no teste de Gathercole e Baddley (1989), avalia a memória fonológica de curto prazo. Nesse instrumento o aplicador pronuncia para a criança seqüências com de 2 a 6 palavras, com intervalo de um segundo entre elas, sendo a tarefa da criança repetir as palavras na mesma seqüência. Há duas seqüências para cada comprimento, ou seja, duas seqüências com duas palavras, duas seqüências com três palavras e assim por diante. Posteriormente são apresentadas seqüências com pseudopalavras. Também há duas seqüências para cada comprimento, variando de duas a seis pseudopalavras por seqüência. Todas as palavras e as pseudopalavras são dissílabas, com estrutura silábica consoante-vogal. É computado um ponto para cada seqüência repetida corretamente.

Prova de Consciência Sintática

A Prova de Consciência Sintática - PCS (Capovilla & Capovilla, 2006) - é composta por quatro subtestes, sendo o primeiro Julgamento Gramatical, em que a criança deve julgar a gramaticalidade de 20 frases, sendo 10 gramaticais e 10 agramaticais. Entre as agramaticais, há frases com anomalias morfêmicas e inversões de ordem. No segundo subteste, Correção Gramatical, a criança deve corrigir 10 frases gramaticalmente incorretas, sendo 5 com anomalias morfêmicas e 5 com inversões de ordem. No terceiro, Correção Gramatical de Frases Agramaticais e Assemânticas, a criança deve, diante de 10 frases com incorreções tanto semânticas quanto gramaticais, corrigir o erro gramatical sem alterar o erro semântico. No quarto subteste, Categorização de Palavras, a criança deve categorizar 15 palavras, dizendo se uma determinada palavra é substantivo, verbo ou adjetivo. O escore total corresponde à soma dos acertos em cada subteste, até o máximo de 55 acertos.

Teste de Conhecimento de Letras

O Teste de Conhecimento de Letras - TCL (Capovilla, em preparação) - consta de um caderno de aplicação, no qual as 23 letras do alfabeto português são apresentadas à criança, uma a uma, em ordem aleatória. A tarefa da criança é nomear as letras em voz alta. As letras são apresentadas em fonte Times New Roman, tamanho 72, maiúsculas. O escore no teste consiste na freqüência total de letras nomeadas corretamente.

Teste de Vocabulário por Imagens Peabody (TVIP)

O Teste de Vocabulário por Imagens Peabody ou TVIP (Dunn & Dunn, 1981) avalia o desenvolvimento lexical no domínio receptivo, isto é, as habilidades de compreensão de vocabulário. Permite uma avaliação objetiva, rápida e precisa do vocabulário receptivo auditivo em ampla variedade de áreas, incluindo pessoas, ações, qualidades, partes do corpo, tempo, natureza, lugares, objetos, animais, termos matemáticos, ferramentas e instrumentos. Nesse estudo foi usada a versão hispano-americana de 125 itens, que pode ser aplicado em crianças a partir de 2a6m, adaptada, validada e normatizada no Brasil (Dunn, Dunn, Capovilla & Capovilla, no prelo) para a faixa de 2 a 14 anos. Há 5 itens de treino e 125 itens de teste, sendo que cada item é formado por quatro desenhos. Em cada item o aplicador pronuncia o nome de um dos quatro desenhos e a criança deve apontar o desenho correspondente. O escore no teste consiste na freqüência total de acertos.

Evidências de validade de todos os instrumentos de avaliação de linguagem oral, anteriormente apresentados, podem ser consultadas em Ferracini (2005) e Capovilla e Capovilla (2007).

Teste de Competência de Leitura de Palavras e Pseudopalavras

O Teste de Leitura de Palavras e Pseudopalavras, TCLPP (Capovilla & Capovilla, no prelo), avalia a competência de leitura silenciosa. Possui oito tentativas de treino e 70 de teste, cada qual com um par composto de uma figura e de um item escrito, sendo que a tarefa da criança é marcar com um X os pares figura-escrita incorretos.

Existem sete tipos de pares, distribuídos aleatoriamente ao longo do teste, com dez itens de teste para cada tipo de par, e os pares figura-escrita compostos de palavras corretas regulares e irregulares devem ser aceitas, enquanto as de incorreção semântica ou de pseudopalavras devem ser rejeitadas. O padrão de distribuição dos tipos de erros é capaz de indicar as estratégias de leitura usadas. Assim, para compreender a interpretação dos erros, é importante considerar quais estratégias de leitura podem ser usadas para ler cada um dos tipos de pares figura-palavra escrita do TCLPP. Os itens do tipo palavras corretas regulares (CR), vizinhas semânticas (VS) e pseudopalavras estranhas (PE) podem ser lidos corretamente por qualquer uma das três estratégias, entre logográfica, alfabética e lexical. Logo, caso o leitor tenha dificuldades em tais itens, isso sugere ausência das três estratégias de leitura. Já as vizinhas visuais (VV) e as vizinhas fonológicas (VF) não podem ser lidas pela estratégia logográfica, mas somente pela alfabética ou ortográfica, visto que, apesar delas possuírem uma forma visual parecida com a da palavra correta, elas devem ser rejeitadas. Logo, erros nesses itens sugerem ausência de leitura alfabética ou ortográfica.

As palavras corretas irregulares (CI) podem ser lidas pelas estratégias logográfica ou lexical, mas não pela alfabética, pois nesse caso a aplicação das regras de correspondência grafofonêmicas levaria a erros por regularização, e as palavras tenderiam a ser rejeitadas. Finalmente, as pseudopalavras homófonas (PH) somente podem ser lidas corretamente pela estratégia ortográfica, pois, se lidas pela logográfica, elas seriam aceitas, uma vez que possuem forma visual global semelhante à palavra correta, e, se lidas pela alfabética, também seriam aceitas, já que a forma auditiva resultante seria semelhante à da palavra correta. Assim, erros em pseudopalavras homófonas sugerem ausência de leitura lexical. Desta forma, o padrão de resposta ao teste tem elevado valor informativo para caracterizar a natureza particular da dificuldade de leitura de um determinado examinando (Capovilla & Capovilla, 2004b). Evidências de validade e dados de normatização do instrumento já foram publicados em estudo anterior (Capovilla, Varanda & Capovilla, 2006).

Procedimento

O estudo consistiu em duas etapas. Na primeira etapa, em novembro de 2006, quando as 27 crianças freqüentavam a pré-escola, elas foram avaliadas individualmente em todos os instrumentos de avaliação de aspectos da linguagem oral, ou seja, Prova de Consciên-cia Fonológica por produção Oral, Teste Infantil de Nomeação, Teste de Discriminação Fonológica, Teste de Repetição de Palavras e Pseudopalavras, Prova de Consciência Sintática, Teste de Conhecimento de Letras e Teste de Vocabulário por Imagens Peabody. Os testes foram aplicados em sala disponibilizada pela escola, durante o período escolar regular, sendo aplicado um único teste por dia a cada criança. O tempo de aplicação variou entre os testes, com média de 20 minutos para cada sessão de avaliação. Na segunda parte deste estudo, em novembro de 2007, um ano após as primeiras avaliações, as mesmas 27 crianças foram avaliadas com o Teste de Competência de Leitura de Palavras e Pseudopalavras. A aplicação foi coletiva, na própria sala de aula, durante o período escolar regular. O tempo médio de aplicação foi de 40 minutos.

 

Resultados e Discussão

Inicialmente, foram conduzidas análises estatísticas descritivas para cada instrumento, considerando os escores totais e nos respectivos subtestes. A Tabela 1 apresenta as estatísticas descritivas para os instrumentos de avaliação da linguagem oral.

Esses escores médios podem ser tomados em comparação com os resultados obtidos em estudo anterior (Ferracini, 2005), o qual também avaliou crianças de cinco anos de idade nos mesmos instrumentos anteriormente apresentados, excetuando-se o TCL. Considerando apenas a comparação das médias sem estatística inferencial, de modo geral a presente amostra obteve desempenho aquém dos encontrados por Ferracini (2005) na PCFO, total e em todos os subtestes, excetuando o item 1, no qual a amostra deste estudo se desempenhou melhor que a amostra daquela autora. Além disso, a presente amostra apresentou desempenho inferior também em nomeação, TDF, TRPP palavras, pseudopalavras e total. O desempenho do TVIP foi levemente superior na presente amostra em relação ao estudo de Ferracini (2005). Os dados mais consistentes entre ambas as pesquisas, com leves variações no escore médio, foram os relativos à PCS, total e subtestes.

Essa comparação não sustenta afirmações conclusivas, principalmente considerando que a presente amostra é pequena, restrita a uma única escola e não foram conduzidas análises inferenciais, porém permite levantar algumas hipóteses. Por exemplo, algumas habilidades avaliadas, por exemplo, consciência fonológica, estão muito aquém dos resultados encontrados por Ferracini (2005), enquanto outras, por exemplo, vocabulário receptivo, ao contrário apresentaram-se mais desenvolvidas na presente amostra do que na da autora mencionada. Há outras, ainda, que apresentaram praticamente uma equivalência em ambas as amostras, como a consciência sintática. Tais discrepâncias podem sugerir que algumas habilidades necessitam de instruções explícitas para serem adquiridas, enquanto outras parecem se desenvolver de modo mais natural ou automático, levando, portanto, a diferenças entre escolas. Estudos futuros devem focalizar esta possibilidade e testar tais hipóteses.

 

 

A Tabela 2 ilustra estatísticas descritivas para o TCLPP. Estudo prévio (Capovilla & Dias, 2007) já havia avaliado o desempenho de estudantes da 1ª série do ensino fundamental em competência de leitura, utilizando-se também do TCLPP. Em comparação com aqueles resultados, a presente amostra apresentou desempenho levemente superior na média geral e subtestes CR, CI, VS, VV e PE e desempenho inferior nos subtestes VF e PH. Isso pode sugerir, em relação à pesquisa anterior, que a amostra deste estudo ainda apresenta algumas dificuldades importantes na leitura pela estratégia alfabética (cometimento de erros em itens VF) e que não há processamento lexical, indicando ausência de leitura pela estratégia ortográfica (cometimento de erros em PH).

 

 

O padrão de acertos observado é indicativo de que a presente amostra se utiliza primordialmente da estratégia logográfica de leitura, com estratégia alfabética em um nível ainda muito incipiente de desenvolvimento. Essa afirmação pode ser inferida a partir da constatação de que os itens mais fáceis para essa amostra foram aqueles que podem ser lidos por qualquer uma dentre as três estratégias de leitura (PE, VS e CR), seguidos pelos itens que requerem leitura alfabética ou ortográfica (VV, VF). Em complemento, o item CI pode ser lido corretamente pela estratégia ortográfica e também pela logográfica, no entanto, o padrão de desempenho em PH é indicativo de que a presente amostra ainda não está utilizando o processamento lexical na leitura deste tipo de item; ao contrário, a baixa taxa de acerto em PH pode ser sugestiva de que os alunos estão tentando decodificá-lo, embora essa afirmação não possa ser tomada como conclusiva, pois o escore médio nesse item situou-se muito próximo da faixa de acertos ao acaso. Assim, sumariando, e parcialmente condizente com pesquisas prévias (Capovilla & Dias, 2007), os estudantes aqui avaliados possuem estratégia ortográfica bem-estabelecida, estratégia alfabética muito incipiente e ausência de leitura via estratégia ortográfica.

Com o objetivo de verificar o efeito de cada uma das medidas de linguagem oral avaliadas na pré-escola sobre a competência de leitura (representada pelo escore total no TCLPP) ao final da 1ª série, realizou-se uma análise de regressão linear múltipla. Foram inseridas como variáveis independentes o escore total na Prova de Consciência Fonológica por produção Oral (PCFO total), escore total no Teste de Nomeação (Nom-Total), escore total no Teste de Discriminação Fonológica (TDF Total), escore no Teste de Repetição de Palavras e pseudopalavras total (TRPP Total) e em cada parte, ou seja, pseudopalavras (TRPP-Pseudo) e palavras (TRPP-Pal), escore total na Prova de Consciência Sintática (PCS-Total) e escores totais no Teste de Conhecimento de Letras (TCL) e Teste de Vocabulário por Imagens Peabody (TVIP). Optou-se pelo método Stepwise para seleção das variáveis que apresentassem melhor ajuste ao modelo.

A Tabela 3 apresenta um sumário dos modelos resultantes da regressão. A análise possibilitou a identificação de três modelos, uma vez que o primeiro inclui somente a PCFO Total; o segundo, PCFO Total e TRPP-Pseudo; e o terceiro compreende as duas variáveis já mencionadas acrescido pela variável TCL. Verifica-se que o terceiro modelo foi o que apresentou maior coeficiente de determinação (R2 = 0,54), o que elucida que este explica aproximadamente 54% da variância em competência de leitura. Ou seja, as habilidades de consciência fonológica, conhecimento de letras e a capacidade de memória fonológica de curto prazo explicaram até 54% da habilidade de competência de leitura um ano depois. O coeficiente de determinação ajustado para a população foi de 0,47 (analogamente à compreensão anterior, a variância nas habilidades de linguagem oral inclusas no modelo explica 47% da variância em competência de leitura no ano seguinte). O ajuste do modelo foi significativo no nível de p = 0,001.

 

 

Com relação aos coeficientes de regressão para cada medida do modelo em pauta, verificou-se que todos assumiram nível de significância estatística, apesar do número amostral pequeno que compõe este estudo. Esses resultados são pertinentes e apontam uma importante tendência no que tange aos efeitos observados das habilidades de linguagem oral, avaliadas na pré-escola, sobre o desempenho em competência de leitura, avaliados na 1ª série do ensino fundamental, corroborando parcialmente os achados prévios de outros estudos (Leybaert, Alegria, Deltour & Skindel, 1997). A Tabela 4 sumaria os principais resultados, apresentando os coeficientes de regressão não-estandardizados (B) e estandardizados (Beta) para cada medida de linguagem oral incluída no modelo, assim com as estatísticas t e o nível de significância associado (p). Como se pode verificar, o maior coeficiente de regressão (beta) esteve associado à PCFO, ou seja, para essa amostra essa medida foi a melhor preditora da competência de leitura ao final da 1ª série do ensino fundamental, seguida pela habilidade de conhecimento de letras e, por fim, da habilidade de memória fonológica de curto prazo. Esse resultado corrobora os apontamentos teóricos de Aaron e colaboradores (2008), os quais sugerem que a consciência fonêmica, principalmente, e a habilidade de conhecimento de letras constituem bons preditores da habilidade de leitura de crianças no início da alfabetização.

 

 

Estatísticas de resíduo, considerando, sobretudo, o Centered Leverage Value, não demonstram a existência de outliers. Analogamente, estatísticas de diagnóstico de multicolinearidade não identificaram variáveis colineares, de modo que os resultados da análise de regressão podem ser interpretados com relativa segurança.

De modo geral, este estudo corrobora os anteriores, uma vez que evidenciou as relações entre habilidades de linguagem oral, avaliadas na pré-escola, e a competência de leitura, avaliada ao término da 1ª série do ensino fundamental, provendo evidências de que algumas habilidades podem ser consideradas preditoras do desempenho subseqüente na alfabetização. Ademais, também em consonância com a literatura (Aaron & cols., 2008), entre as habilidades avaliadas, a consciência fonológica, mais especificamente a consciência silábica, conforme matriz de correlações, figurou como melhor preditora do desempenho em leitura na 1ª série do ensino fundamental.

 

Considerações finais

O presente estudo delimitou as relações entre habilidades de linguagem oral, avaliadas na pré-escola, e competência de leitura na 1ª série do ensino fundamental. Sucintamente, verificou-se que houve, na presente amostra, predomínio da leitura via estratégia logográfica, e que a habilidade de síntese silábica, conforme avaliada na pré-escola, foi a que melhor se correlacionou à habilidade de leitura ao final do primeiro ano de alfabetização, embora outras relações também tenham sido estabelecidas.

A análise de regressão linear múltipla possibilitou verificar que as habilidades de consciência fonológica, conhecimento de letras e memória fonológica de curto prazo exerceram um efeito importante sobre a competência de leitura avaliada um ano depois. Ou seja, essas três habilidades da linguagem oral, avaliadas na pré-escola, explicaram até 47% da variância no desempenho em competência de leitura ao final da 1ª série e, portanto, podem ser consideradas boas preditoras desta habilidade. Estudos futuros devem testar esses achados com amostras maiores. Ainda sobre a Análise de Regressão, o melhor coeficiente de regressão associou-se ao escore total na PCFO, ou seja, a habilidade de consciência fonológica pode ser considerada a melhor preditora da competência ulterior em leitura, conforme dados da literatura de modo geral (Aaron & cols., 2008; Cardoso-Martins & Pennington, 2001; Magnusson & Naucler, 1990).

Sugere-se a realização de novos estudos, que possam acompanhar as crianças por um maior período de tempo, o que permitiria investigar as possíveis relações entre habilidades de linguagem oral na pré-escola e desempenho em leitura pelas estratégias alfabética e ortográfica nas 2ª, 3ª e 4ª séries, verificando que habilidades avaliadas em idade pré-escolar podem ser consideradas boas preditoras da competência de leitura também nestas séries escolares. É importante considerar, ainda, que o presente estudo contou com algumas limitações metodológicas, entre elas a pequena amostra de sujeitos, como já apontado anteriormente, e sua restrição a uma única escola da região. No entanto, espera-se que esses achados possam estimular novas pesquisas, em continuidade ao que foi aqui delineado.

Finalizando, cabe relevar que estudos, como o apresentado, são de extrema relevância, na medida em que identificar os preditores de desempenho quando no ensino fundamental possibilitará a avaliação e identificação precoce de crianças pré-escolares em risco para dificuldades na aquisição da leitura. Esse conhecimento deverá levar ao desenvolvimento de procedimentos de intervenção que, aplicados a estas crianças, possam estimular tais habilidades, prevenindo ou minimizando dificuldades futuras na alfabetização.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Rua Catequese, 32, São Paulo, SP, 05502-020, Telefones: (11) 3097-9758, (11) 9883-9636.
E-mail: alessandra.capovilla@mackenzie.br

Recebido em outubro de 2008
Revisado em novembro de 2008
Aprovado em dezembro de 2008

 

 

Sobre as autoras:

* Alessandra Gotuzo Seabra Capovilla é docente do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie - Bolsista de Produtividade CNPq.
** Natália Martins Dias é psicóloga e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie - Bolsista FAPESP.