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Psic: revista da Vetor Editora
versão impressa ISSN 1676-7314
Psic v.9 n.2 São Paulo dez. 2008
RESENHA
Desenvolvimento sociocognitivo: estudos brasileiros sobre "Teoria da Mente"
Nelimar Ribeiro de Castro *
Universidade São Francisco
Sperb, T. M. & Maluf, M. R. (Orgs.) (2008). Desenvolvimento sociocognitivo: estudos brasileiros sobre "Teoria da Mente". São Paulo: Vetor.
Desde a década de 1980 o desenvolvimento da cognição social das crianças tem sido estudado sob o nome de teoria da mente. No Brasil, as pesquisas nessa área iniciaram-se na década de 1990, sendo um dos mais profícuos temas de estudo da Psicologia do Desenvolvimento. Em consonância com a literatura internacional as pesquisas brasileiras têm examinado vários aspectos da teoria da mente em diversas populações. Com o objetivo de apresentar os aspectos mais relevantes desses trabalhos Tania Mara Sperb e Maria Regina Maluf organizaram o livro Desenvolvimento sociocognitivo: estudos brasileiros sobre "Teoria da Mente", no qual, em oito capítulos, discutem o tema de forma ampla valorizando o aspecto multidisciplinar da área ou mesmo tempo que traçam um panorama das pesquisas brasileiras e apontam novas perspectivas de investigação.
No primeiro capítulo, Compreendendo os estados mentais: procedimentos de pesquisa a partir da tarefa original de crença falsa, Simone Ferreira da Silva e Maria Regina Maluf descrevem o desenvolvimento das pesquisas sobre a teoria da mente, desde seu início com chimpanzés, na década de 1970, e as primeiras pesquisas com crianças na década de 1980 até o momento atual. O objetivo central é apresentar as modificações na tarefa de crença falsa, o principal recurso metodológico para investigação da teoria da mente.
No segundo capítulo, De onde e para onde? As interfaces entre linguagem, teoria da mente e desenvolvimento social, Débora de Hollanda Souza discute a relação entre o desenvolvimento da linguagem e da teoria da mente. Baseada nas diferenças semânticas nas tarefas de crença falsa esta autora expõe os argumentos que reforçam essa relação enfatizando o papel das conversas sobre os estados mentais como promotoras do desenvolvimento da teoria da mente em crianças.
Pompéia Villachan Lyra, Antonio Roazzi e Andréia P. Garvey, no terceiro capítulo intitulado Emergência da teoria da mente em relações sociais, ocupam-se em descrever a influência da teoria da mente no desempenho social. Esse texto focaliza, sob aspectos filogenéticos e ontológicos, a emergência do cérebro social enquanto recurso evolutivo do homem. Para os autores a aquisição da teoria da mente e o desenvolvimento da dimensão interpessoal da consciência são aspectos co-emergentes.
Em seqüência, Michel Deleau, Maria Regina Maluf e Sara Del Prete Panciera, no capítulo O papel da linguagem no desenvolvimento da teoria da mente: quando e como as crianças se tornam capazes de representações de estados mentais, retomam a questão da relação entre linguagem e teoria da mente. Esses autores exploram as diferenças culturais sobre representação dos estados mentais como crença, intenção e emoção, e língua materna, além dos aspectos relevantes, para o desenvolvimento da teoria da mente, da sintaxe, semântica e pragmática.
No quinto capítulo, Reavaliando a emergência da teoria da mente: explorando o tipo de lógica por meio das justificativas, Suely de Melo Santana e Antonio Roazzi, contrapõem perspectivas teóricas diferentes para a formação da teoria da mente. Uma, de influência piagetiana que enfatiza a prevalência da cognição sobre o fenômeno social e, a outra, de base vygotskyana e caráter sociointeracionista, que remete à cognição como um produto da interação social. Desse contexto teórico, os autores investigam, em crianças brasileiras, o tipo de lógica (do desejo ou da razão) utilizada em tarefas de crença falsa durante o processo de aquisição da teoria da mente.
A relação entre o faz-de-conta e a teoria da mente: controvérsias teóricas e empíricas é o título do sexto capítulo que foi apresentado por Tania Maria Sperb e Luciane Carraro. Nesse texto a brincadeira de faz-de-conta é apresentada como uma atividade representacional, segundo perspectiva de Piaget e Vygotsky, e também metarrepresentacional, de acordo com os pesquisadores interessados no estudo da teoria da mente. A importância dessa temática centra-se no fato de que se a brincadeira do faz-de-conta constitui uma atividade metarrepresentacional ela poderia indicar compreensão da criança sobre a natureza da mente. Por esse caminho, tanto as teorizações quanto os estudos empíricos referentes à relação entre teoria da mente e brincadeiras de faz-de-conta foram explorados pelas autoras.
Sara Del Prete Panciera, Anegreice Valério, Maria Regina Maluf e Michel Deleau, no sétimo capítulo intitulado Pragmática da linguagem e desenvolvimento da teoria da mente: estudos com pré-escolares, priorizaram a influência da linguagem pragmática no desenvolvimento da teoria da mente, justamente por ser, entre os aspectos lingüísticos, o que menos tem recebido atenção. Nesse sentido, além de uma ampla revisão teórica descreveu-se dois estudos realizados com crianças brasileiras nos quais foram encontrados resultados semelhantes aos estudos internacionais: o desenvolvimento da pragmática relaciona-se positivamente com o processo de aquisição da teoria da mente.
Por fim, no oitavo capítulo, A teoria da mente na vida diária de indivíduos autistas, Alessandra Ghinato Mainieri e Tania Mara Sperb, também trabalhando com a linguagem pragmática, relacionaram-na com o uso de termos mentais e o desempenho em tarefas de crença falsa, nesse caso, em adultos autistas. Os resultados demonstraram a utilização de termos mentais e um desempenho satisfatório nas tarefas de crença falsa, mas concomitantemente à dificuldades na linguagem pragmática em determinadas situações lingüísticas. Devido à isso, os autores indicam a necessidade investigações mais amplas sobre as inferências sobre a capacidade metarrepresentacional.
Isso posto, deve-se considerar que os autores alcançaram o principal objetivo do livro, ou seja, apresentar de forma ampla e detalhada as principais pesquisas brasileiras sobre teoria da mente e uma revisão sobre as perspectivas teóricas atuais, demonstrando, desse modo, a sintonia das pesquisas nacionais com as internacionais. Assim sendo, este livro é indicado para os profissionais e pesquisadores de diversas áreas interessados no desenvolvimento sociocognitivo de crianças e pessoas com dificuldades desenvolvimentais, tais como pacientes autistas.
Recebido em: outubro/2008
Aprovado em: novembro/2008
Sobre o autor:
* Nelimar Ribeiro de Castro é psicólogo, mestre e doutorando no Programa de Pós-Graduação na Universidade São Francisco. Bolsista CAPES.