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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.10 no.1 Porto Alegre abr. 2011

 

 

Revisão da apadtação, validação e normatização da escala de autoestima de Rosenberg

 

Revision of the adaptation, validation, and normatization of the Roserberg self-esteem scale

 

 

Claudio Simon Hutz1; Cristian Zanon

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi produzir normas de autoestima para crianças, adolescentes e adultos e atualizar as propriedades psicométricas da Escala de Autoestima de Rosenberg, adaptada por Hutz (2000). Participaram deste estudo 1.151 estudantes de ambos os sexos, do ensino fundamental, médio e superior da região sul do Brasil, com idade entre 10 e 30 anos (M=16,4). Todos os participantes responderam à escala coletivamente em sala de aula. Uma análise de componentes principais (rotação varimax) revelou que a melhor solução seria unifatorial, como a que foi anteriormente encontrada, em concordância com o resultado original de Rosenberg. A consistência interna da escala (alfa de Cronbach=0,90) foi satisfatória. Verificou-se uma correlação negativa entre idade e autoestima (r=-0,47) que provavelmente ocorre devido ao período de transição pelo qual passam os estudantes universitários.

Palavras-chave: Autoestima; Validade de construto; Normas.


ABSTRACT

The aim of the present study was to develop norms of self-esteem for children, adolescents, and adults, and to update the psychometric properties of the Rosenberg Self-Esteem Scale adapted by Hutz (2000). Participants were 1,151 elementary school, high school, and university students in southern Brazil. Participants answered the questionnaires in groups. A main component analysis (varimax rotation) extracted one factor. This result corroborated the findings by Hutz (2000), as well as the original findings of Rosenberg. Cronbach’s alpha was satisfactory (.90). The results also showed a negative correlation between self-esteem and age (r=-.47), which is probably explained by the transition period through which the university students must go through.

Keywords: Self-esteem; Construct validity; Norms.


 

 

Introdução

A autoestima representa um aspecto avaliativo do autoconceito e consiste num conjunto de pensamentos e sentimentos referentes a si mesmo. Trata-se, portanto, de uma orientação positiva (autoaprovação) ou negativa (depreciação) de voltar-se para si mesmo e, nesta concepção, a autoestima é a representação pessoal dos sentimentos gerais e comuns de autovalor (Kernis, 2005). A autoestima tende a ser estável ao longo do tempo e em diferentes contextos na vida adulta. Pelo menos na cultura ocidental, ela é um construto correlacionado positivamente à satisfação de vida (Diener & Diener, 1995) e alguns estudos têm demonstrado que ela se correlaciona negativamente com depressão (Orth, Robins & Roberts, 2008) e positivamente com indicadores de ajustamento emocional e utilização de estratégias de coping apropriadas (Kernis, 2005).

De forma geral, altos escores de autoestima associam-se a humor positivo e a percepção de eficácia em relação a domínios importantes para a pessoa (Branden, 1994). Por isso, talvez, alta autoestima geralmente indique saúde mental, habilidades sociais e bem-estar (Hewitt, 2009), enquanto a baixa autoestima está associada com humor negativo, percepção de incapacidade, delinquência, depressão, ansiedade social (Heatherton & Wyland, 2003), transtornos alimentares e ideação suicida (McGee & Williams, 2000). Ademais, Juth, Smith e Santuzzi (2008) verificaram que baixos escores de autoestima em pacientes crônicos foram importantes preditores de severidade de estresse e de sintomas referentes a asma e artrite reumatóide. Isso indica que mesmo sob condições adversas (como doenças, nesse caso) a autoestima pode ser um fator de proteção que amenize as complicações decorrentes de patologias.

Além disso, o estudo da autoestima na adolescência é também importante, porque observase que nessa faixa etária, além da relação positiva da autoestima com saúde mental, há correlações significativas e elevadas entre ela, rendimento escolar e aprovação social em praticamente todos os grupos étnicos e culturais (Steinberg, 1999). A autoestima é talvez a variável mais crítica que afeta a participação exitosa de um adolescente com outros em um projeto (Mecca, Smelser & Vasconcelos, 1989). Os adolescentes com baixa autoestima desenvolvem mecanismos que provavelmente distorcem a comunicação de seus pensamentos e sentimentos e dificultam a integração grupal (Coopersmith, 1989; Rosenberg, 1989).

É possível que o desenvolvimento da autoestima dependa do sucesso da interação com pares. Por isso, outras variáveis, como traços de personalidade, que também podem influenciar essas interações, possivelmente afetarão a autoestima. Alguns estudos utilizando o modelo do Big Five, que concebe a personalidade a partir de cinco grandes fatores (McCrae & John, 1992), verificaram associações entre os cinco fatores do modelo e autoestima. Robins, Tracy, Trzesniewski e Potter (2001) avaliaram o grau dessas associações em uma amostra com milhares de participantes, homens e mulheres, de várias idades e etnias, em vários países. Os resultados mostraram correlações inferiores a r=0,20 de autoestima com: sociabilidade, realização e abertura à experiência. Eles observaram também correlações que variaram de r=0,20 a r=0,40 entre autoestima e extroversão; e correlações moderadas entre autoestima e neuroticismo/estabilidade emocional. Um estudo brasileiro (Zanon & Teixeira, 2007) corrobora essas correlações em relação à estabilidade emocional (instabilidade emocional/neuroticismo) e abertura à experiência. Em suma, esses dados sugerem que pessoas mais angustiadas, irritadiças, ansiosas (traços do fator neuroticismo) apresentam menores escores de autoestima que pessoas que buscam reforçamentos positivos por meio de interações sociais (traços que caracterizam o fator extroversão e socialização).

Com base na descrição dos estudos acima, pode-se concluir que ter uma visão positiva do self (alta autoestima) é algo importante e desejável, uma vez que sujeitos com essas características acreditam viver em um mundo onde são respeitados e valorizados (Heatherton & Wyland, 2003). Contudo, a autoestima não parece ser a causa da felicidade ou sucesso (Dawes, 1994). Segundo Hewitt (2009), a alta autoestima surge do reconhecimento positivo por pares e outros considerados significativos como pais e professores. Nesse sentido, intervenções que foquem no aumento de autoestima, por si só, podem ser ineficazes. Para Hewitt, condições que propiciem um funcionamento humano adequado, como senso de segurança e aceitação dentro do campo social, também promoverão aumento da autoestima.

O estudo da autoestima gerou uma vasta literatura internacional nas últimas décadas e a Escala de Autoestima de Rosenberg (Rosenberg, 1989) tem sido um dos instrumentos mais utilizados (Blascovitich & Tomaka, 1991, Heatherton & Wyland, 2004). No Brasil, esse instrumento foi originalmente adaptado e validado para pesquisa por Hutz (2000) e essa versão tem sido utilizada por vários pesquisadores. Avanci, Assis, Santos e Oliveira (2006) publicaram uma versão dessa escala adaptada para adolescentes. O objetivo do presente estudo é revisar as características psicométricas da Escala de Autoestima de Rosenberg adaptada e validada originalmente por Hutz (2000), replicar o estudo de validade de construto deste instrumento, e apresentar normas regionais para crianças, adolescentes e estudantes universitários.

 

Método

Participantes

Os participantes foram 1.151 estudantes (55% mulheres e 45% homens) do ensino fundamental, médio e superior, com idades entre 10 e 30 anos (M=16,4; dp=3,7). A amostra foi dividida em quatro grupos por faixa etária: dos 10 aos 12 anos (M=11,5; dp=0,5; 51 meninas e 61 meninos); dos 13 aos 15 (M=14,1; dp=0,8; 215 meninas e 180 meninos); dos 16 aos 19 (M=17,1; dp=1,1; 256 meninas e 196 meninos); e dos 20 aos 30 (M=22,3; dp=2,3; 111 mulheres e 81 homens). Os dados dos participantes deste estudo foram retirados do banco de dados das dissertações de mestrado de Brodski (2010), Pacico (2010) e Bandeira (2009). Essas faixas etárias levam em consideração aspectos evolutivos, séries escolares ou o fato dos participantes serem universitários. Todos os estudos dos quais os dados foram retirados estavam devidamente aprovados por comitê de ética registrado no CONEP e sua realização atendeu a todas as exigências éticas legais.

Instrumento

O instrumento utilizado neste estudo foi a Escala de Autoestima desenvolvida por Rosenberg (1979). Esta é uma medida unidimensional constituída por dez afirmações relacionadas a um conjunto de sentimentos de autoestima e autoaceitação que avalia a autoestima global. Os itens são respondidos em uma escala tipo Likert de quatro pontos variando entre concordo totalmente, concordo, discordo e discordo totalmente. Neste estudo foi utilizada a versão adaptada para o português por Hutz (2000), cujos resultados iniciais já indicavam a unidimensionalidade do instrumento e características psicométricas equivalentes às encontradas por Rosenberg (1979). O instrumento encontra-se no Anexo I.

Procedimento

Os participantes responderam aos questionários em sala de aula. Inicialmente, foi realizado um rapport de apresentação da pesquisa e dos procedimentos, explicitando o caráter voluntário da participação. Alunos menores de 18 anos participaram do estudo apenas se os pais encaminharam termo de consentimento assinado.

Os questionários continham a Escala de Autoestima de Rosenberg e questões sobre idade, sexo, série e, no caso dos universitários, curso e semestre. O tempo para completar o instrumento é relativamente curto, menos de 10 minutos para a maioria dos participantes.

Resultados e Discussão

Para avaliar a estrutura fatorial da Escala de Autoestima de Rosenberg, realizou-se uma análise de componente principais, com rotação varimax. Foi utilizada uma rotação varimax porque a escala de Rosenberg é reconhecida internacionalmente como uma escla global (unifatorial) de autoestima (Heatherton & Wyland, 2004). Como pode ser visto na Figura 1 (scree plot), a solução de um fator é satisfatória para esse conjunto de itens. Os resultados da análise fatorial mostraram que o índice KMO foi de 0,91 e o teste de esfericidade de Bartlett foi significativo (p<0,001). O scree plot (Figura 1) indicou que a solução unifatorial, como esperado, seria a mais indicada. Essa solução produziu um fator com eigenvalue de 5,5 e explicou 54,6% da variância total. Esse resultado confirma o resultado original de Rosenberg, os principais achados da literatura internacional (Blascovich & Tomaka, 1991, Heatherton & Wyland, 2004) e os resultados anteriores encontrado por Hutz (2002). A consistência interna da escala, avaliada por meio do alfa de Cronbach foi de 0,90, o que também é similar ao que tem sido relatado na literatura. Os itens com as respectivas cargas fatoriais são apresentados na Tabela 1. A escala completa para fins de aplicação está apresentada no Anexo 1.

 

 

 

Para avaliar possíveis diferenças de autoestima entre as quatro faixas etárias, bem como diferenças de sexo, realizou-se uma análise de variância univariada (ANOVA) 4x2. Verificou-se interação entre sexo e grupos [F(3,1143)=3,60; p<0,02]. Testes t adicionais revelaram diferença de sexo significativa somente entre o grupo que compreendia a faixa etária dos 16 aos 19 [t(450)=3,83; p<0,001]. A média dos homens desse grupo (29,1) foi superior à das mulheres (26,4) (p<0,001; d=0,4). O "d" é uma estimativa de tamanho de efeito em percentagem de desvio padrão (Cohen, 1988). As médias e desvios padrão desses grupos são apresentados nas tabelas 2, 3 e 4.

Diferenças de gênero em autoestima têm sido objeto de numerosos estudos nas últimas três décadas e não há muito consenso na literatura. Porém, desde o início da década de 1990 há indicações de que as fontes primárias de autoestima são diferentes para homens e mulheres. Mulheres parecem ser mais afetadas por relacionamentos enquanto homens são mais afetados por sucesso e realizações (Stein, Newcomb & Bentler, 1992). Há também evidências de que mulheres apresentam insatisfação mais elevada com sua imagem corporal do que homens (Heatherton, 2001). Imagem corporal é um dos componentes da autoestima (Heatherton & Polivy, 1991) e, para citar um exemplo brasileiro, em estudo em vias de conclusão (Bandeira, comunicação pessoal), adolescentes do Rio Grande do Sul, do sexo feminino, apresentam o mesmo padrão de resultados encontrados por Heatherton (2001). Ainda nesse estudo, Bandeira (comunicação pessoal) encontrou uma correlação elevada (acima de 0,60) entre os escores da escala de Rosenberg e satisfação com o corpo. Diferenças de gênero em autoestima devem, portanto, ser vistas como contextuais e tratadas com alguma cautela.

Testes post hoc (Tuckey) revelaram que o grupo com participantes de 13 a 15 anos apresentou uma média de autoestima mais elevada, que diferiu significativamente do grupo de 16 a 19 anos (p<0,001; d=0,2). Revelaram também que os níveis de autoestima dos participantes com idades entre 20 e 30 anos eram significativamente inferiores aos de estudantes com idades entre: 10 e 12 anos (p<0,001; d=1,4); 13 e 15 (p<0,001; d=1,5); 16 e 19 (p<0,001; d=1,2). Deve-se observar que essas diferenças não são simplesmente significativas do ponto de vista estatístico. Diferenças que envolvem tamanhos de efeito muito grandes, maiores do que 1 desvio padrão, chegando a atingir 1, 5 desvios padrão no caso da dos estudantes entre 13 e 15 anos com os estudantes universitários, são clinicamente relevantes, pois indicam alterações importantes na autoestima entre os grupos etários. Ela indica uma redução de grande magnitude na autoestima. As diferenças de média encontradas entre as faixas etárias são corroboradas por uma correlação (Pearson) entre idade e autoestima, que revelou uma associação negativa entre as variáveis (r=- 0,47).

 

 

 

 

Concluindo, a análise fatorial demonstrou que a Escala de Autoestima de Rosenberg, na sua atual versão, segue apresentando validade de construto, e que uma solução unifatorial, como proposta por Rosenberg (1989) e anteriormente observada por Hutz (2000), é mais apropriada. A consistência interna foi equivalente ao encontrado há uma década e é muito satisfatória. É interessante observar, porém, o declínio nos escores de autoestima entre os estudantes universitários. As diferenças encontradas com relação aos estudantes de ensino médio e fundamental são muito grandes e indicam que a vida acadêmica está sendo experienciada como um momento de dificuldade por muitos estudantes. Alguns estudos (Bardagi & Hutz, 2009; Bardagi & Hutz, 2008) já têm apontado para dificuldades crescentes sendo vivenciadas por estudantes universitários em virtude da indecisão profissional, falta de perspectivas de carreira, e têm mostrado que isso tem levado a altos níveis de evasão e abandono de cursos. Além disso, é importante considerar que o período do ensino superior é um período de transição que envolve muitas tarefas potencialmente desestabilizadoras (Arnett, 2000). Os resultados deste estudo mostram a necessidade de investigar com mais profundidade a situação de estudantes universitários e as razões que estão levando a uma redução tão elevada em sua autoestima. Embora os resultados deste estudo confirmem o que já vinha sendo observado em outras pesquisas, eles apontam também para a gravidade da situação ao quantificar o problema. A redução observada na média dos estudantes do ensino médio em relação a dos estudantes universitários requer o desenvolvimento de trabalhos específicos para diagnosticar com precisão a origem do problema e para encontrar formas de intervenção que previnam a queda na autoestima.

 

Referências

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Recebido em maio de 2010
Reformulado em fevereiro de 2011
Aceito em maio de 2011

 

 

Sobre os autores:

Claudio Simon Hutz: graduado em Psicologia pela Universidade de Haifa (1973), mestre em Psicologia – University of Iowa (1979) e doutor em Psicologia – University of Iowa (1981). Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi presidente da ANPEPP e do IBAP e participou em comissões da CAPES, CNPQ, FAPERGS e FAPESP. Foi chefe de Departamento, coordenador do Programa de PG em Psicologia e diretor do Instituto de Psicologia da UFRGS. Suas linhas de pesquisa são nas áreas da Psicologia Positiva, Desenvolvimento Social e da Personalidade e Avaliação Psicológica
Cristian Zanon: graduado em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria (2006), mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2009) e atualmente é doutorando em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Avaliação Psicológica, atuando principalmente nos seguintes temas: Psicometria, Psicologia Positiva, Traços de Personalidade, Ruminação e Reflexão.


1Endereço para correspondência:
Endereço para correspondência: Claudio Hutz, Programa de PG em Psicologia da UFRGS, Rua Ramiro Barcelos, nº 2.600. Bairro Santana – CEP 90035-003 – Porto Alegre, RS – Brasil.
E-mail: claudio.hutz@terra.com.br
Os autores agradecem a Marucia P. Bardagi pelas contribuições dadas a este artigo. Esta pesquisa foi parcialmente financiada pelo CNPq.


 

Anexo 1

 

 

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