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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.17 no.1 Itatiba jan./mar. 2018

https://doi.org/10.15689/ap.2017.1701.05.13157 

ARTIGO

 

Evidências de validade da versão adaptada para o português do questionário TPACK survey for meaningful learning

 

Validity evidence of the adapted portuguese version of the TPACK survey for meaningful learning

 

Evidencias de validez de la versión adaptada para el portugués del cuestionario TPACK survey for meaningful learning

 

 

Luiz Gustavo Ribeiro RolandoI; Daniel Fábio SalvadorII; Roberta Flávia Ribeiro Rolando VasconcellosIII; Maurício Roberto Motta Pinto da LuzIV

IInstituto Oswaldo Cruz - Fiocruz, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
IIFundação Cecierj, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
IIIUniversidade do Grande Rio, Duque de Caxias-RJ, Brasil
IVInstituto Oswaldo Cruz - Fiocruz, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Ancorado no modelo teórico Technological Pedagogical Content Knowledge, o presente estudo apresenta os resultados do processo de adaptação transcultural e verificação das evidências de validade para o instrumento TPACK Survey for Meaningful Learning. Participaram 472 professores de Biologia do Estado do Rio de Janeiro. Os resultados obtidos demonstraram que houve boa compreensão e aceitação das assertivas adaptadas. As análises estatísticas realizadas indicam que a versão brasileira apresenta evidências de validade e confiabilidade, possibilitando a disponibilização de um instrumento de avaliação inédito no contexto brasileiro, em relação a percepção do professor acerca das suas diferentes bases de conhecimento.

Palavras-chave: conhecimento; tecnologia educacional; validade.


ABSTRACT

Anchored in the theoretical Technological Pedagogical Content Knowledge model, this study presents results of the transcultural adaptation process and verification of validity evidence for the TPACK Survey for Meaningful Learning. A total of 472 Biology professors from the state of Rio de Janeiro participated in the study. Results showed a good understanding and acceptance of the adapted assertions. Statistical analyses indicate that the Brazilian version presents validity and reliability evidence, making it possible to provide an unprecedented evaluation tool in the Brazilian context, in relation to the professors' perception of their different knowledge bases.

Keywords: knowledge; educational technology; validity.


RESUMEN

Basado en el modelo teórico Technological Pedagogical Content Knowledge, este estudio presenta los resultados de la adaptación transcultural y verificación de las evidencias de validez para el instrumento TPACK Survey for Meaningful Learning. Participaron 472 profesores de Biología del Estado de Río de Janeiro. Los resultados mostraron que existe buena comprensión y aceptación de las asertivas adaptadas. Los análisis estadísticos realizados indican que la versión brasileña presenta evidencias de validez y confiabilidad, posibilitando la disponibilidad de un instrumento de evaluación inédito en el contexto brasileño, con relación a la percepción del profesor sobre sus diferentes bases de conocimiento.

Palabras clave: conocimiento; tecnología educativa; validez.


 

 

Nos anos de 1980, Lee Shulman e seus colaboradores identificaram que tanto as políticas públicas americanas quanto as subsequentes pesquisas acerca de sua efetividade falhavam por ignorar um aspecto central da sala de aula: o conteúdo (Shulman, 1986, 1987). No trabalho desenvolvido por Shulman, o problema central de investigação dizia respeito à transição enfrentada por um egresso de curso universitário para transformar sua expertise em determinado conteúdo de modo a torná-lo compreensível para alunos da educação básica. A partir dessa questão, Shulman postulou a existência de uma base específica de conhecimento relacionada ao ensino, o conhecimento pedagógico do conteúdo (do inglês Pedagogical Content Konwledge - PCK) (Shulman, 1986, 1987).

Segundo Shulman, os tipos particulares de conhecimento do conteúdo (por exemplo, Biologia ou Matemática) e as estratégias pedagógicas necessariamente interagem na mente dos professores (Shulman, 1987). O conhecimento pedagógico do conteúdo representa, portanto, a combinação do conteúdo e da pedagogia - maneira pela qual cada tópico específico é representado, adaptado e apresentado para instrução, respeitando as habilidades dos estudantes (Shulman, 1987).

Mishra e Koehler (2006) ampliaram essa proposição de Shulman, sugerindo a inclusão de uma terceira base de conhecimento: o conhecimento tecnológico (Mishra & Koehler, 2006). Segundo os autores, as tecnologias teriam potencial de mudar a natureza da sala de aula, na medida em que possibilitavam representações e demonstrações cujas implicações pedagógicas poderiam ajudar a tornar o conteúdo mais acessível para o estudante. Segundo Mishra e Koehler (2006), não há uma solução tecnológica única que se aplique a todos os professores, cursos ou pontos de vista do ensino. A qualidade no ensino requer o desenvolvimento de uma compreensão matizada do complexo de relações entre tecnologia, conteúdo e pedagogia, e a utilização dessa compreensão para desenvolver estratégias e representações apropriadas, específicas para cada contexto (Mishra & Koehler, 2006). Os autores postularam então o modelo teórico Technological Pedagogical Content Knowledge (TPACK) ou Conhecimento Tecnológico Pedagógico do Conteúdo (CTPC), em português. Esse modelo apresenta três bases de conhecimento primárias (CC, CP, CT) e suas quatro interseções (CPC, CTC, CTP e CTPC), resultando em sete diferentes bases de conhecimento (Tabela 1).

Desde sua proposição, o modelo TPACK alcançou grande repercussão na comunidade internacional de pesquisa em educação (Chai, Koh, & Tsai, 2013; Koehler, Shin, & Mishra, 2012; Voogt, Fisser, Pareja Roblin, Tondeur, & van Braak, 2013). Um conjunto de estudos internacionais recentes resultou na gradativa elaboração de instrumentos para a mensuração das percepções de professores sobre seus conhecimentos das diferentes bases do modelo TPACK. Em um estudo inicial, realizado por Schmidt et al., (2009) desenvolveu-se um instrumento denominado "Survey of Pre-service Teachers' Knowledge of Teaching and Technology" com 75 assertivas. Porém o processo de análise fatorial só pôde ser aplicado a cada uma das sete subescalas (bases de conhecimento) isoladamente, devido ao elevado número de assertivas utilizadas e à pequena amostra de respondentes (124 professores). A aplicação da análise fatorial seguida da análise de consistência interna em cada uma das subescalas resultou na validação de 47 assertivas que possuíam índices adequados de validade e confiabilidade. Esse instrumento formulado por Schmidt et al. (2009) passou a sofrer modificações e a ser adaptado para outros contextos. Utilizando diferentes adaptações e combinações das assertivas formuladas por Schmidt et al. (2009); Chai, Koh e Tsai, (2010) e Koh et al. (2010) obtiveram evidências de validade, respectivamente, para quatro e cinco das sete bases bases de conhecimento envolvidas no modelo TPACK. Esses resultados podem ser considerados um avanço em relação aos obtidos por Schmidt et al. (2009), uma vez que a verificação das propriedades, dos respectivos instrumentos foi realizada por meio de técnica de análise fatorial exploratória, utilizando para isso todas as assertivas postuladas para cada uma das sete bases de conhecimento.

Após aplicar novos ajustes no instrumento, sobretudo em relação às designações das disciplinas lecionadas, Chai et al. (2011) obtiveram pela primeira vez evidências de validade para as sete bases de conhecimento envolvidas no modelo TPACK. Devido às características do processo de formação de professores em Singapura (local de realização da pesquisa), os autores utilizaram assertivas duplicadas, que se referiam ao conhecimento do conteúdo do professor para lecionar disciplinas diferentes: first teaching subject e second teaching subject. Uma posterior aplicação desse instrumento utilizando assertivas que lidavam exclusivamente com a principal disciplina que os professores lecionavam (first teaching subject) foi realizada com professores em exercício em Singapura (Koh et al., 2012). Mais uma vez o instrumento apresentou evidências de validade para as sete bases de conhecimento envolvidas no modelo TPACK, indicando possuir validade e confiabilidade (Koh et al., 2012). Esse instrumento foi então denominado TPACK Survey for Meaningful Learning, por seus autores (Koh et al., 2012) e utilizado em estudos posteriores em diferentes contextos, consolidando-se como o principal instrumento de avaliação das bases TPACK disponível na literatura (Koh & Chai, 2014; Liang, Chai, Koh, Yang, & Tsai, 2013; Liu, Zhang, & Wang, 2015).

No caso do Brasil, porém, o cenário parece ser bastante distinto. Uma recente revisão sistemática de literatura aponta que a pesquisa acerca do modelo TPACK, encontra-se aqui em um estágio inicial, pois apenas quatro, dentre os sessenta estudos analisados, aplicaram o modelo TPACK para aferir as percepções dos professores acerca da integração da tecnologia no ensino (Rolando, Luz, & Salvador, 2015). Além disso, não há, até o presente momento, um instrumento de avaliação que tenha sido submetido à verificação de validade e confiabilidade, embora este já esteja disponível em língua inglesa (Rolando et al., 2015).

A inexistência de um instrumento em língua portuguesa que possa aferir as bases de conhecimento envolvidas no modelo TPACK, despertou o interesse por encontrar, na literatura internacional, um questionário que reunisse as características necessárias para passar pelo processo de adaptação transcultural. Nesse sentido, o instrumento TPACK Survey for Meaningful Learning (Koh et al., 2012) se mostrou ser o mais apropriado para a realização de um processo de adaptação transcultural para a língua portuguesa, uma vez que possui lastro de testagem de suas propriedades, apresentando evidências de validade e confiabilidade, por meio de técnicas de análise fatorial e consistência interna para as sete bases de conhecimento previstas no modelo teórico TPACK (Chai et al., 2013; Voogt et al., 2013).

Baseado na proposição do modelo teórico TPACK, bem como no histórico de verificação de validade e confiabilidade do instrumento QTPACK, o objetivo do presente estudo é apresentar o processo de adaptação transcultural desse instrumento para a língua portuguesa, bem como as evidências de validade obtidas com as técnicas de análise fatorial confirmatória e análise da consistência interna.

 

Método

Participantes do Estudo

O presente estudo foi realizado no segundo semestre do ano de 2014. Participaram 472 professores de Biologia que atuavam em sala de aula. Todos os participantes estavam matriculados no programa de formação continuada de professores desenvolvido pela Secretária de Educação (RJ) em parceria com o Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Fundação Cecierj). Esses professores foram convidados via e-mail, pela coordenação do programa de formação continuada, a responder ao questionário de coleta de dados que estava disponível em um formulário on-line. A adesão era livre, pois a resposta não era obrigatória nem integrava as atividades de avaliação dos cursos. O período de coleta de dados durou duas semanas, durante as quais o link enviado por e-mail para acesso ao questionário permaneceu aberto para preenchimento. Este estudo foi aprovado em comitê de ética (parecer nº. 892.018) e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Instrumento

O questionário TPACK Survey for Meaningful Learning (QTPACK) elaborado por Koh et al., (2012) tem por objetivo aferir a percepção de professores sobre seu domínio de cada uma das sete bases de conhecimento previstas no modelo teórico TPACK. O QTPACK contém 29 assertivas em formato de escala de Likert de sete pontos (discordo fortemente, discordo, discordo levemente, não concordo nem discordo, concordo levemente, concordo, concordo fortemente). A sua formulação original em língua inglesa foi testada por meio de técnica de análise fatorial, obtendo-se evidências de validade e confiabilidade para as sete bases de conhecimento (Koh et al., 2012). Os resultados obtidos por Koh et al., (2012) para a análise fatorial foram: χ2 = 1,008.34, χ2/df = 2,88, p < 0,001, TLI = 0,94, CFI = 0,95, RMSEA = 0,06. Já a consistência interna das escalas foi testada por meio do teste coeficiente alfa de Cronbach, obtendo os seguintes resultados: CK (α = 0,91), PK (α = 0,94), TK (α = 0,89), PCK (α = 0,94), TPK (α = 0,95), TCK (α = 0,92), e TPACK (α = 0,94) (Koh et al., 2012).

O QTPACK foi elaborado especificamente para aproveitar as tecnologias do século 21, de forma a enfatizar a capacidade dos professores em desenvolver as competências dos alunos, em relação a aprendizagem autônoma e colaborativa. Por isso, o termo "tecnologia" (technology, no original) empregado nas assertivas que compõem o QTPACK, está vinculado ao conceito de "tecnologias da informação e comunicação" (TICs), mais precisamente ao uso de computadores, softwares e competências baseadas na web. O termo "meaningful learning" utilizado na formulação das assertivas relacionadas ao conhecimento pedagógico se refere à utilização das cinco dimensões da aprendizagem significativa (ativa, cooperativa, construtiva, intencional e autêntica) propostas por Jonassen, Howland, Marra, & Crismond (2008). Segundo os autores, as tecnologias não podem ser utilizadas como veículos de entrega de informação pronta, mas deveriam sim, ser utilizadas para engajar e facilitar o pensamento dos estudantes. Nesse sentido, a tecnologia deve apoiar a construção do conhecimento, a busca ativa por informações, proporcionar que o estudante lide com contextos autênticos, bem como ser um meio de interação com outras pessoas (Jonassen et al., 2008).

Procedimentos

O processo de adaptação transcultural adotado combina um componente de tradução literal de palavras e frases de um idioma a outro, e um processo meticuloso de sintonização que contempla o contexto cultural e estilo de vida da população-alvo da versão adaptada (Reichenheim & Moraes, 2007). No presente estudo, utilizou-se o protocolo de adaptação transcultural em cinco estágios proposto por Beaton, Bombardier, Guillemin, e Ferraz (2000), conforme sumarizado a seguir. Foram realizadas duas traduções independentes (T1 e T2) do questionário original em língua inglesa para a língua portuguesa. Em seguida foi elaborada uma síntese (T12) pelos dois tradutores em conjunto com um terceiro indivíduo. Dois tradutores juramentados independentes realizaram duas retrotraduções para a língua inglesa (RT1 e RT2) da versão T12. Um comitê de experts composto por três doutores e um mestre, todos com experiência na área de formação de professores de Biologia e na integração de tecnologia no ensino analisou as cinco versões obtidas até então e consolidou a versão pré-final. Foram apreciadas duas categorias: o significado referencial (concordância em termos de tradução literal entre um item original e o retrotraduzido) e o significado geral (articulação de ideias entre um item original e sua retrotradução). A versão pré final do questionário foi respondida por 32 professores. Além de escolher uma opção na escala de Likert, cada respondente deveria parafrasear cada uma das 29 assertivas. De posse dessas respostas, o comitê de experts aplicou a técnica de análises de escalas visuais (IN: inalterado; PA: pouco alterado; MA: muito alterado; CA: completamente alterado) com o objetivo de identificar o nível de compreensão dos respondentes em relação às assertivas. Novos ajustes foram realizados na versão pré-final de forma a consolidar a versão brasileira do QTPACK a ser submetida à análise estatística.

Análise dos Dados

A versão brasileira do questionário foi disponibilizada por meio de um formulário on-line e respondida por 440 professores.

Para realizar a análise da consistência interna da versão brasileira do QTPACK utilizou-se o teste de coeficiente alfa de Cronbach, no software SPSS Statistics (v.22, Inc, Chicago, IL). A confiabilidade foi medida para toda a escala de 29 assertivas, bem como para cada uma das sete subescalas: CC, CP, CPC, CT, CTP, CTC, CTPC (ver assertivas que compõem cada subescala no Apêndice A).

Para a análise das evidências de validade da versão brasileira do QTPACK, foi empregada técnica de modelagem de equações estruturais (MEE), especificamente a análise fatorial confirmatória (AFC), uma vez que a análise exploratória já foi realizada com a versão original em língua inglesa duas vezes (Chai, Koh, Ling, & Tsai 2011; Koh, Chai, & Tsai, 2012). Os índices utilizados para avaliar o nível de ajustamento do modelo testado foram: qui-quadrado (χ2), Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA), qui-quadrado normalizado (χ2/df), Tucker-Lewis (TLI) e Comparative Fit Index (CFI) (Hair, Anderson, Tathan, & Black, 1998; Ribas & Vieira, 2011). Utilizou-se o software AMOS (v.22, SPSS Inc., Chicago, IL) que foi configurado com o método de estimação de parâmetros de máxima verossimilhança (maximum likelihood - ML), com estimativas padronizadas (standardized estimates). O método ML é robusto à violação do pressuposto da normalidade se a assimetria e achatamento das distribuições das variáveis manifestas não forem muito grandes (Marôco, 2010; Schermelleh-Engel, Moosbrugger, & Müller, 2003).

Para a análise da distribuição dos dados, foi realizado o teste de Kolmogorov-Smirnov, por meio de software GraphPad Prism V.5.

 

Resultados

Adaptação Transcultural

Durante a discussão das versões em português T1 e T2, optou-se por definir o termo "first teaching subject" como "principal disciplina que leciono" levando-se em consideração que a versão original do instrumento era dirigida a professores de Cingapura que ensinam mais de uma disciplina curricular. Os termos "think" e "thinking" foram traduzidos como "reflexão", já que a palavra reflexão seria mais relacionada à cultura escolar no Brasil. Os tradutores consideraram que os verbos "to can", "to know" e a expressão "be able" não foram empregados originalmente pelos autores do questionário, de forma a propositalmente diferenciar ações. Dessa forma, foi aplicada na maior parte das assertivas a expressão "sou capaz de" e, em casos específicos, "eu sei" ou "eu consigo". Assim, assertivas foram reescritas conforme as decisões tomadas, gerando a versão T12.

No estágio 4, o comitê de experts avaliou o nível de alteração das assertivas originais e das retrotraduzidas, aplicando a técnica de análises de escalas visuais. Ajustes foram propostos à versão T12. O termo "principal disciplina que leciono" empregado em grande parte das assertivas foi modificado para "Biologia", pois aquele termo poderia gerar interpretações errôneas já que, no Brasil, os graduados em Ciências Biológicas estão habilitados a lecionar Ciências no ensino fundamental e Biologia, no ensino médio. Na assertiva CTP4, optou-se por acrescentar um conjunto de exemplos (texto, gráfico, tabela, imagem, vídeo, história em quadrinhos) que ilustrassem o significado da expressão "construir diferentes formas de representação do conhecimento". Da mesma forma, optou-se por usar um conjunto de exemplos específicos para a Biologia na assertiva CTC1.

Após a realização da discussão entre os membros do comitê de experts e da aplicação das modificações sugeridas, uma versão pré-final foi obtida. Essa versão se manteve, em grande parte, fiel à versão T12 e foi respondida por 32 professores de Biologia. Ao realizar a análise das respostas parafraseadas, utilizando-se a escala visual analógica, o comitê de experts identificou a necessidade de alterar apenas oito das 29 assertivas. O verbo "conseguir" (assertivas CTPC1 e CTPC4), foi alterado para "sei", pois o primeiro induziu parte dos respondentes a relacionar possíveis barreiras externas ao seu conhecimento à execução da ação solicitada. Em relação à assertiva CTC2, o verbo "conheço" foi modificado para a expressão "sou capaz de", já que o verbo "conhecer" levou parte dos respondentes a se questionar se conheciam ou não uma suposta totalidade das ferramentas existentes para pesquisar sobre Biologia.

Decorridos os cinco estágios de adaptação transcultural, a versão brasileira do TPACK Survey for Meaningful Learning (disponível no Apêndice A) foi obtida e colocada em teste para verificação das evidências de validade e confiabilidade.

Evidências de Validade e Confiabilidade

A análise prévia mostrou que não houve ocorrência de dados perdidos no conjunto de respostas coletadas por meio do questionário. Todos os 440 respondentes assinalaram apenas uma das opções da escala de Likert para todas as 29 assertivas. Para a detecção de outliers univariados, os dados foram convertidos em escores padronizados (Escore Z). Do total de 12760 observações, foram encontradas 29 (0,23%) com valores padronizados entre 4 e 6. Nenhum dos outliers univariados identificados foi excluído, uma vez que os casos representam um percentual ínfimo das observações e não possuíam valores extremamente elevados.

Foi realizado o teste de Kolmogorov-Smirnov para verificar a distribuição dos dados. A tabela 2 apresenta as médias, desvios padrão e valores de assimetria e curtose para cada uma das 29 assertivas. Segundo Curran, West, e Finch (1996), em uma distribuição normal, a assimetria e a curtose possuem valores igual a zero; valores de assimetria 2 e de curtose 7 indicam distribuição moderadamente não normal; e valores de assimetria 3 e de curtose 21 indicam distribuição severamente não normal. De acordo com essa classificação, os dados analisados no presente estudo possuem distribuição moderadamente não normal (Tabela 2). Nesse caso, Hair et al. (1998) argumentam que se deve ampliar a relação de 5 a 10 respondentes por assertiva para uma proporção de 15 respondentes por assertiva, minimizando, dessa forma, o impacto do erro de amostragem. A relação entre respondentes e assertivas utilizadas em nossa análise é de 15,2 [440 respondentes/29 assertivas], o que satisfaz a proposta de Hair et al. (1998).

Após a análise preliminar dos dados, foram obtidos os coeficientes de consistência interna da estrutura fatorial constituída pelas 29 assertivas que compõem as sete subescalas (bases de conhecimento TPACK). A consistência interna apresentou elevado nível de confiabilidade para o conjunto de assertivas utilizadas na versão brasileira do QTPACK (α = 0,923), bem como para as sete bases de conhecimento: CC (α = 0,846), CP (α = 0,854), CT (α = 0,851), CPC (α = 0,853), CTP (α = 0,878), CTC (α = 0,752), CTPC (α = 0,759). Todos os coeficientes excederam o valor mínimo recomendado de α = 0,70 (Hair et al., 1998; Nunnally, 1967), indicando que o conjunto de variáveis é consistente. Portanto, é esperado que a versão brasileira do QTPACK apresente precisão em qualquer ocasião que for utilizada.

Foram encontradas correlações positivas entre todas as bases de conhecimento (Tabela 3), indicando que essas relações poderiam ser analisadas por meio de técnica de modelagem de equações estruturais, mais especificamente pela análise fatorial confirmatória.

A figura 1 apresenta o modelo estrutural utilizado na AFC. A análise fatorial confirmatória apresentou índices satisfatórios de ajuste do modelo (Goodness-of-Fit Measures) em relação à amostra estudada (χ2 = 906,126, χ2/df = 2,545, p < 0,001, TLI = 0,909, CFI = 0,920, RMSEA = 0,059). Os valores obtidos para cada um dos índices são considerados satisfatórios (Hair et al., 1998; Ribas & Vieira, 2011).

 

 

A correspondência entre as assertivas e seus respectivos fatores é apresentada na tabela 4. Em amostras com tamanho acima de 350 respondentes são necessárias cargas fatoriais de 0,30 para se obter resultado significativo (p < 0,05) (Hair et al., 1998). Todas as cargas fatoriais obtidas no presente estudo foram superiores a 0,50 (Tabela 4), demonstrando elevado grau de correspondência entre as variáveis observáveis (assertivas do questionário) e seus respectivos fatores (bases de conhecimento TPACK). Isso indica que essas variáveis latentes, ou seja, as bases de conhecimento predizem adequadamente a variação das assertivas respondidas pelos professores. Esse resultado informa que a versão brasileira do QTPACK possui evidências de validade, indicando que o conjunto de medições acuradamente representa o conceito de interesse.

 

Discussão

As análises estatísticas realizadas indicam que a versão brasileira do TPACK Survey for Meaningful Learning possui evidências de validade e confiabilidade da mesma forma que a versão original obteve.

O protocolo de adaptação transcultural utilizado determina que a versão resultante deve apresentar resultados que evidenciem confiabilidade e validade (Beaton et al., 2000). No que tange à consistência interna, os resultados obtidos indicam que a versão adaptada do questionário para a língua portuguesa possui confiabilidade. Além disso, esses resultados são próximos aos obtidos com a versão original do instrumento: CK (α = 0,91), PK (α = 0,94), TK (α = 0,89), PCK (α = 0,94), TPK (α = 0,95), TCK (α = 0,92), e TPACK (α = 0,94) (Koh et al., 2012).

A análise fatorial confirmatória baseada na máxima verossimilhança permitiu verificar que as bases de conhecimento postuladas a priori no modelo TPACK são distintas. O uso de máxima verossimilhança pode subestimar as cargas fatoriais e as correlações entre os fatores durante análises confirmatórias, sobretudo em estudos cujas variáveis são categóricas ordenadas de natureza discreta em decorrência do uso de escalas de Likert (Hauck-Filho, 2016). Estudos recentes indicam que estimadores, como quadrados mínimos não ponderados e quadrados mínimos ponderados robustos, podem ser mais robustos do que a máxima verossimilhança (Asún, Rdz-Navarro, & Alvarado, 2016). No entanto, no presente estudo, o uso da máxima verossimilhança resultou em cargas fatoriais superiores a 0,5 para todos os itens. A utilização da Máxima Verossimilhança, portanto, pôde ser empregada, com a vantagem de permitir comparações entre os resultados obtidos com a versão brasileira do QTPACK e aqueles relativos à versão em língua inglesa. De fato, os resultados obtidos no presente estudo são semelhantes aos obtidos com a versão original do instrumento (χ2 = 1,008.34, χ2/df = 2,88, p < 0,001, TLI = 0,94, CFI = 0,95, RMSEA = 0,06) (Koh et al., 2012), o que permite afirmar que a versão adaptada para língua portuguesa possui evidências de validade e, portanto, presta-se a aferir empiricamente as sete bases de conhecimento envolvidas no modelo teórico TPACK.

Os estágios de adaptação transcultural percorridos, neste estudo, possibilitaram o exame minucioso das 29 assertivas que compõem o QTPACK. Além da obtenção de evidências de validade desse instrumento, a possibilidade de se comparar os dados coletados no contexto local (Brasil) com outros contextos internacionais é uma grande vantagem proporcionada pelo processo de adaptação transcultural, bem como pelo uso da mesma escala de assertivas.

Considera-se que pesquisadores e profissionais que lidam com processos de formação de professores podem se valer da versão brasileira do QTPACK como um instrumento diagnóstico no desenvolvimento profissional de professores. O QTPACK poderá ser ainda utilizado para avaliar programas de formação quanto à sua eficiência no aprimoramento das diferentes bases de conhecimento dos professores.

Uma possível limitação do presente estudo foi a utilização do termo "Biologia" nas assertivas que o mencionam. De fato, a versão original do QTPACK não estava vinculada a uma única disciplina. Dado o caráter essencialmente disciplinar da formação de professores que atuam do segundo ciclo do ensino fundamental e no ensino médio (em geral formados em carreiras específicas), acredita-se que o termo "Biologia" poderá ser substituído pelo termo referente à disciplina curricular de interesse (Química, Matemática, Português, etc.) em versões específicas do QTPACK. Em relação ao conteúdo abordado, entende-se que a versão brasileira do QTPACK poderá ser adaptada para diferentes disciplinas curriculares, substituindo-se também exemplos pertinentes nas assertivas que mencionam recursos educacionais (CTC1 e CTC3).

Acredita-se, ainda, que este trabalho contribuirá para a abertura de novas frentes de pesquisa que utilizem do modelo TPACK no Brasil, não somente como um referencial teórico, mas que investiguem o entendimento de como as diferentes bases de conhecimento do professor se influenciam mutuamente e influenciam a prática docente. Estudos futuros poderão, por exemplo, avaliar como as tecnologias da informação se entrelaçam com processos pedagógicos modernos, baseados em aprendizagem ativa, autônoma e colaborativa, que focalizem o ensino de conteúdos específicos do currículo.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Luiz Gustavo Ribeiro Rolando
Laboratório de Avaliação em Ensino e Filosofia das Biociências
Av. Brasil, 4365, Pavilhão 108, sala 31, Manguinhos
CEP 21040-360, Rio de Janeiro. 21-25621831
luizgustavoribeirorolando@gmail.com.

Recebido em dezembro de 2016
Aprovado em março de 2018

 

 

Sobre os autores
Luiz Gustavo Ribeiro Rolandoé Doutor em ensino de Biociências e Saúde pelo Instituto Osvaldo Cruz - Fiocruz e editor da Revista Científica EAD em Foco.
Daniel Fábio Salvador é professor associado doutor da Fundação Cecierj - Rio de Janeiro - RJ, autor e atual professor coordenador da disciplina Tecnologias Educacionais para o ensino de Biologia e Ciências do Consórcio CEDERJ.
Roberta Flávia Ribeiro Rolando Vasconcellos é professora e pesquisadora na Unigrario e foi coordenadora do setor de Biologia da diretoria de extensão da Fundação Cecierj - Rio de Janeiro - RJ.
Maurício Roberto Motta Pinto da Luz é pesquisador adjunto e chefe do Laboratório de Avaliação em Ensino e Filosofia das Biociências do Instituto Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz.

 

 

Apêndice A

 


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