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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.21 no.3 Campinas jul./set. 2022

https://doi.org/10.15689/ap.2022.2103.21908.10 

ARTIGOS

 

Transtorno de Estresse Pós-traumático e funções executivas em adultos: uma revisão sistemática

 

Posttraumatic Stress Disorder and executive functions in adults: a systematic review

 

Trastorno de Estrés Postraumático y funciones ejecutivas en adultos: una revisión sistemática

 

 

Yaninis González-BracamonteI; Marco Antônio Silva AlvarengaII

IUniversidad Pontificia Bolivariana, Montería, Córdoba, Colômbia. https://orcid.org/0000-0002-1273-0399
IIUniversidade Federal de São João del Rei, São João del Rei-MG, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-1168-5733

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Transtorno do Estresse Pós-traumático (TEPT) é caracterizado por apresentar sintomas de desconforto e medo diante de situações diretas e/ou imaginadas em relação a experiências que ameaçam a integridade pessoal. As Funções Executivas (FE) são processos responsáveis pela análise de uma situação, tomada de decisão e ações voltadas à resolução de problemas. Sabe-se que o TEPT está associado a prejuízos em diferentes dimensões das FE. Deste modo, o presente estudo investigou a produção científica sobre o tema feita nos últimos 12 anos. Duzentos e três registros foram identificados e 18 deles cumpriram os critérios de inclusão. A avaliação das pesquisas incluídas nesta revisão apontou o comprometimento das funções executivas e a reabilitação neuropsicológica mostrou-se eficiente como estratégia de intervenção para adultos diagnosticados com TEPT. A ausência de informações sobre a intensidade dos sintomas presentes no TEPT foi uma limitação comum aos estudos encontrados nesta pesquisa.

Palavras-chave: estresse pós-traumático; funções executivas; adultos.


ABSTRACT

Posttraumatic Stress Disorder (PTSD) is characterized by symptoms of uneasiness and fear when faced with direct and/or imagined situations related to experiences that threaten personal integrity. Executive Functions (EF) are processes defined by situational analysis, making decisions and taking actions to solve problems. It is known that PTSD is associated with dysfunctions in different dimensions of EF. Accordingly, the present study investigated the scientific production on the subject considering the last 12 years. A total of203 records were identified, with 18 of them meeting the inclusion criteria. The evaluation of the studies included in this review showed the impairment of EF and that neuropsychological rehabilitation has proven to be an efficient intervention strategy for adults diagnosed with PTSD. The absence of information about the intensity of symptoms present in PTSD was a common limitation of the studies found in this review.

Keywords: posttraumatic stress disorder; executive functions; adults.


RESUMEN

El Trastorno de Estrés Postraumático (TEPT) se caracteriza por presentar síntomas de malestar y miedo ante situaciones directas y/o imaginadas en relación con experiencias que amenazan la integridad personal. Las Funciones Ejecutivas (FE) son procesos definidos por el análisis de una situación, toma de decisiones y acciones encaminadas a la resolución de problemas. Se sabe que el TEPT está asociado con disfunciones en diferentes dimensiones de la FE. De esta manera, el presente estudio investigó la producción científica sobre el tema en los últimos 12 años. Se identificaron 203 registros y 18 de ellos cumplieron los criterios de inclusión. La evaluación de los estudios incluidos en esta revisión mostró que el compromiso de las funciones ejecutivas, y la rehabilitación neuropsicológica, demostró ser eficiente como estrategia de intervención para adultos diagnosticados con TEPT. La ausencia de información sobre la intensidad de los síntomas presentes en el TEPT fue una limitación común de los estudios encontrados en esta investigación.

Palabras clave: estrés postraumático; funciones ejecutivas; adultos.


 

 

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é caracterizado por sintomas intrusivos, involuntários, experiências cognitivas e emocionais negativas, e reatividade desadaptativa a partir de uma experiência direta, repetida, por observação ou lembrança de um ou mais eventos como morte real, ameaça, lesão grave ou violência sexual (American Psychiatric Association [APA], 2013; Clausen et al., 2020; Cloitre, 2020). A prevalência do TEPT varia de um país para outro a depender do processo diagnóstico e o tipo de evento traumático (Atwoli et al., 2015; Kessler et al., 2014). Goldstein et al. (2016), por exemplo, apresentaram uma prevalência de 4,7% de pessoas diagnosticadas com TEPT para uma amostra clínica investigada nos Estados Unidos da América (EUA), tomando em conta os últimos 12 meses e com manifestação proporcionalmente maior em mulheres (2:1). A prevalência do TEPT em amostras brasileiras varia entre 2,1 e 4,3% para manifestações dos sintomas referente aos últimos 12 meses e por toda a vida, respectivamente (Koenen, et al., 2017). Para verificar a diferença e a taxa de prevalência do TEPT em outros países ver Atwoli et al. (2015), Koenen, et al. (2017), Stein et al. (2015) e Zhou et al. (2020).

O TEPT pode ser identificado tanto em crianças quanto em adolescentes e adultos (Lewis et al., 2019; Stephanie et al., 2019). De modo geral, as pessoas que apresentam este diagnóstico experimentam pesadelos e recorrentes; mal-estar psicológico intenso e prolongado; evitação ou esforço para evitar recordações, pensamentos ou sentimentos angustiantes, assim como uma importante alteração do sistema de alerta para ameaças num período de quatro semanas ou mais (APA, 2013; Gilbar et al., 2020; World Health Organization [WHO], 2018).

O TEPT está relacionado a desordens afetivas, problemas comportamentais e alterações físicas tais como ideações suicidas (Livingston et al., 2020), depressão (Averill et al., 2017), distimia, uso de substâncias e dependência de álcool (Bremer et al., 2020), automutilação e tentativas de autoextermínio (Livingston et al., 2020), baixo autocontrole e personalidade Borderline (Pagura et al., 2010), comportamento agressivo (Zhou & Xinchun, 2020), abandono do trabalho (Jones et al., 2013), dores no corpo (Holbrook et al., 2001), derrames (Garton et al., 2017), dores de cabeça, pressão alta, asma, problemas pulmonares e artrite (Keyes et al., 2013; Scott et al., 2013). Muitos desses problemas, especialmente os afetivos e comportamentais, podem ser potencializados pela falta de suporte emocional (van der Velden et al., 2020).

Estudos pregressos também evidenciaram a relação entre o TEPT e mudanças cognitivas como problemas de concentração e atenção (Badura-Brack et al., 2015; Novakovic-Agopian et al., 2020; Uddo et al., 1993); perda de memória recente (Klein et al., 2003; Kunimatsu et al., 2019; Tischler et al., 2006; Uddo et al., 1993), memória prospectiva relacionada predominantemente à percepção de sinais de ameaça (Swain & Takarangi, 2021), redução da velocidade de processamento e prejuízo nas Funções Executivas (FE) (Calderon-Delgado et al., 2019; Darnell & Valentiner, 2020; Kunimatsu et al., 2019; Novakovic-Agopian et al., 2020; Woon et al., 2016).

As FE podem ser definidas como a habilidade temporal de organizar conduta, linguagem e raciocínio. As FE permitem resolver problemas tanto internos (representações mentais afetivas e cognitivas) como externos (interação do indivíduo com seu ambiente) ao auxiliar a inibição de informação irrelevante e por colocar em funcionamento o sistema de atenção sustentada e seletiva e a memória de trabalho - verbal e não verbal - antes, durante e depois da tomada de uma decisão (Iverson et al., 2020; Logue & Gould, 2014; Plass et al., 2019). Estudos têm evidenciado a relação entre prejuízos nas FE e diferentes psicopatologias, e como podem afetar o funcionamento adaptativo nas esferas pessoal, interpessoal, acadêmica e laboral (Snyder et al., 2015). Deste modo, foram desenvolvidas pesquisas em grupos de desordens específicas para compreender quais e como cada um dos processos relativos às FE encontram-se comprometidos. Diferentes métodos permitiram identificar dificuldades para gerenciar aprendizagens, estabelecer e planejar metas, monitorar tarefas, autorregular o comportamento orientado à resolução de problemas e flexibilidade cognitiva em pessoas diagnosticadas com TEPT (Clausen et al., 2020; Coitino-Bertagnolli, 2013; Snyder et al., 2015). Foram encontrados prejuízos das FE em provas de orientação espacial e déficits de inibição (Aupperle, Melrose et al., 2012; Polak et al., 2012; Snyder et al., 2015). A identificação desses comprometimentos pode orientar mais adequadamente o desenvolvimento de programas de intervenção e tratamentos direcionados às características pessoais (Iverson et al., 2020; Perone et al., 2019).

No entanto, algumas questões surgem dessas pesquisas. Não há consenso quais habilidades das FE devem ser observadas em pessoas com TEPT, assim como fatores de vulnerabilidade que poderiam explicar o comprometimento da FE e a emergência do TEPT em pessoas que passaram por situações traumáticas. Partindo-se do exposto, resulta pertinente propor como objetivo revisar as funções cotidianas comprometidas e o sucesso de programas de intervenção. Além disso, considera-se importante analisar os problemas socioafetivos assim como o desempenho cognitivo nas tarefas neuropsicológicas em adultos diagnosticados com TEPT e verificar fatores de vulnerabilidade para o surgimento do transtorno com subsequente prejuízo das FE.

 

Método

Fontes de informação e estratégia de busca

Esta revisão sistemática da literatura foi realizada seguindo as diretrizes de escrita propostas pelo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyzes-P 2015 (PRISMA-Statement) (Moher et al., 2015) por apresentar critérios abrangentes de execução, exterioridade, transparência, replicabilidade, redução de viés e fazer compilação de dados sobre um tema para a formulação de hipóteses (Bougioukas et al., 2019; Higgins et al. 2020). A variabilidade dos descritores tem como finalidade aumentar a sensibilidade da busca para os termos contidos nesta pesquisa (Siddaway et al., 2019).

A busca foi feita por meio dos seguintes descritores e marcadores booleanos: "executive functions" OR ""executive functioning" OR "EF" OR "executive dysfunction" AND "posttraumatic stress disorder" OR "PTSD" AND "neuropsychological assessment" OR "executive functioning assessment" OR "executive dysfunctioning assessment" OR "neuropsychological tasks" OR "executive functioning tasks" AND "adults OR adulthood". O descritor "posttraumatic stress disorder" não é referido de outra forma na literatura. As expressões "adults" e "adulthood" se referem a um período do ciclo vital. O descritor "neuropsychological assessment" apresentou variação devido às diferentes formas nas quais o termo aparece na literatura.

A revisão foi realizada de forma pareada e independente nos indexadores APA1 PsycNet, Cambridge Core, Elsevier, Google Scholar e PubMed/Medline. O período para a seleção dos artigos foi estabelecido de duas formas, a saber: 1. o levantamento de todos os artigos publicados a partir da data mínima presente nos indexadores - 1945 - até a data do início da pesquisa - 21 de julho de 2020 - para averiguar a existência de revisões sistemáticas com os mesmos descritores, e 2. constatada a ausência de revisões, os juízes geraram um relatório de citações anuais com os termos da pesquisa e estabeleceram como período inicial o ano que obteve, pelo menos, o dobro de citações em relação ao ano anterior, sugerindo aumento de interesse em pesquisas com essas variáveis simultaneamente. A etapa de busca foi realizada entre os dias 21 e 31 de julho de 2020.

Os arquivos encontrados nas buscas foram exportados ao Mendeley Desktop (Elsevier) para os procedimentos de nova seleção e extração. Em seguida, fez-se a sondagem das referências dos artigos incluídos como forma de ampliar o número de estudos de interesse.

Critérios de elegibilidade

Os critérios de inclusão adotados foram: 1. artigos empíricos quantitativos que investigaram a relação entre TEPT e FE; 2. estudos revisados por pares; 3. pesquisas com avaliações e intervenções neuropsicológicas cujos participantes tivessem 18 anos ou mais, e 4. registros publicados entre janeiro de 2008 até 31 de julho de 2020. Foram excluídos(as): 1. revisões literárias; 2. pesquisas cujas variáveis eram o diagnóstico de TEPT e processos cognitivos não relacionados às FE; 3. estudos que investigassem outras condições clínicas como transtornos psicóticos, abuso de substâncias e/ou lesão cerebral; 4. comorbidade com sintomas depressivos e ansiosos graves de forma a interferirem na relação entre TEPT e FE, e 5. estudos de adaptação/validação de instrumentos.

 

Seleção de estudos e extração dos dados

Análise de qualidade e risco de viés

A análise da qualidade e a avaliação do risco de viés foi feita independentemente por dois juízes com qualificação na área de Psicologia para cada um dos artigos encontrados. Para esse fim, utilizou-se o JBI Critical Appraisal Checklist for Analytical Cross-Sectional Studies (JBI-CSS) formulado por Moola et al. (2020), inventário com 8 itens para os quais se atribui valor igual a zero (0) aos considerados ausentes nos artigos encontrados, um (1) para os presentes, dois (2) para os pouco claros e três (3) para os não aplicáveis à pesquisa.

Não há um ponto de corte para definir a qualidade das pesquisas e se elas devem ser incluídas ou excluídas de uma revisão sistemática. Por este motivo, os juízes optaram por manter investigações com ao menos seis itens (75% do total) identificados no checklist.

A avaliação de risco de vieses foi feita por meio do coeficiente Kappa Free-Marginal Multirater (Kfreee). O Kfree será utilizado na análise de concordância entre os avaliadores como alternativa ao Kappa de Fleiss que geralmente apresenta valores paradoxais como alta concordância entre juízes, mas baixos valores de Kappa (Gwet, 2014). Serão consideradas elegíveis as pesquisas que obtiverem ao menos 75% de acordo entre os juízes e o coeficiente Kfree com valor igual ou superior a 0,60.

 

Resultados

Identificou-se um total de 183 documentos no processo de busca, excluindo os duplicados (n=20). Dos textos completos remanescentes, 165 foram considerados inelegíveis, pois: (a) tratavam-se de pesquisas publicadas fora do período de inclusão estabelecido para esta revisão (n=35); (b) apresentavam estudos com amostras formadas por faixas etárias abaixo de 18 anos (n=19); (c) não estabeleceram a relação entre o TEPT e as FE ( n=20); (d) não havia resultado para medidas de TEPT e/ou das FE (n=45); (e) os participantes apresentavam sintomas ou transtornos psicóticos (n=5); (f) a amostra era composta por pessoas que sofreram traumatismo craniano (n=9); (g) havia problemas de abusos de substâncias (n=11); (h) relatava comorbidade com sintomas de depressão ou ansiedade mais graves que sintomas de TEPT (n=21). Dezoito estudos originais cumpriram os critérios de inclusão para esta revisão (ver Figura 1).

Por meio de análise independente entre juízes, 18 pesquisas encontradas satisfizeram o critério de qualidade para inclusão nesta pesquisa. Todas apresentaram seis (75%) ou mais itens do JBI-CSS. O menor índice de concordância geral entre os avaliadores foi de 75% (Kfree=0.67; intervalo de confiança [IC] de 95% [0.24, 1.00]) para o artigo de Nijdam et al. (2018), e o maior foi de 100% (Kfree=1.00) para os artigos de Aupperle, Allard et al. (2012), Bomyea et al. (2015), Hart el al. (2008), McDermott et al. (2016), Rivera-Vélez et al. (2014), Samuelson et al. (2014), Shucard et al. (2008), Twamley et al. (2009), Walter et al. (2010) e Wrocklage et al. (2016). As discordâncias foram resolvidas consensualmente entre os juízes. A sondagem feita a partir das referências dos artigos remanescentes não identificou potenciais estudos a serem incluídos na análise desta revisão.

Ao comparar o estudo com o menor número de participantes (n=18) e com o maior (n = 535), obteve-se uma mediana igual a 73 participantes e valor de amplitude igual a 517. Dos 18 artigos revisados, cinco avaliaram participantes somente do sexo feminino e quatro somente do masculino. Oito estudos apresentaram amostras formadas por ambos os sexos e apenas uma pesquisa não registrou o gênero dos participantes. Ao comparar o funcionamento executivo entre os gêneros, os resultados apresentaram diferenças entre homens e mulheres. Por exemplo, pacientes do sexo masculino com TEPT apresentaram desempenho pior nas tarefas de FE do que os controles expostos do mesmo gênero, enquanto os pacientes do sexo feminino com TEPT não foram significativamente diferentes em comparação aos controles femininos (Bell et al., 2006; Polak et al., 2012; Speck et al., 2000). Outras pesquisas demonstraram que mulheres com TEPT ou expostas a traumas apresentaram redução na velocidade de processamento e desempenho inferior provas de memória de curto e longo prazo, atenção e nas FE quando comparadas ao grupo controle (Aupperle, Allard et al., 2012; Rivera-Vélez et al., 2014; Twamley et al., 2009).

A mediana das médias de idade foi igual a 38,32 anos, 18 anos era a idade mínima e 75 a máxima para os participantes dos estudos encontrados. A idade máxima poderia ser maior caso a faixa etária tivesse sido relatada por Hart et al. (2008). A amostra do estudo conduzido por estes pesquisadores apresentava uma média de idade superior a 79 anos. Sete estudos não apresentaram as idades mínima e máxima dos participantes (Aupperle, Allard et al., 2012; Cohen et al., 2013; Eren-Koçak et al., 2009; Hart et al., 2008; Nijdam et al., 2018; Twamley et al., 2009; Wrocklage et al., 2016), dois não apresentaram a média e o desvio padrão das idades (Bomyea et al., 2015; Walter et al., 2010) e um não relatou nem a idade mínima e máxima, nem o desvio padrão para a média de idade (McDermott et al., 2016) (Ver Tabela 1). Não foram apresentados dados demonstrando o efeito da idade sobre os sintomas de TEPT e as FE ou o contrário.

A respeito do desenho metodológico foram identificados 14 estudos transversais e quatro prospectivos. Os desenhos foram feitos em função dos objetivos propostos. As pesquisas transversais intencionavam estabelecer a relação entre as variáveis TEPT e FE. As investigações prospectivas focaram no efeito das intervenções sobre os FE em pessoas com diagnóstico de TEPT. Como resultado nos estudos transversais, Yang et al. (2017) concluíram que os pacientes com TEPT mostraram graves comprometimentos nas tarefas de funcionamento executivo. Cohen et al. (2013) verificaram desempenho inferior tanto em domínios da FE como na velocidade de processamento ao comparar pessoas com TEPT e o controle.

Outras pesquisas transversais demonstraram que pacientes com TEPT tiveram mais erros de inibição comparados aos controles, diminuição da flexibilidade na resolução de problemas, além de apresentar déficits em concentração e memória, sugerindo uma dificuldade em empregar a memória de trabalho (Ainamani et al., 2017; Buodo et al., 2011; Falconer et al., 2008; Rivera-Vélez et al., 2014). Também foi possível checar que participantes com TEPT tiveram um desempenho inferior em tarefas de funções seletivas do lóbulo frontal (Hart et al., 2008), como nos processos atencionais, fluência verbal, velocidade de processamento e tempo de resposta (Eren et al., 2009; Wrocklage et al., 2016). Observou-se déficits atencionais relacionados ao processamento inibitório em veteranos de guerra diagnosticados com TEPT. Foi igualmente observado redução na capacidade de rastrear informações irrelevantes, maior atraso no reconhecimento facial e prejuízo na velocidade de processamento e FE (Shucard et al., 2008; Wrocklage et al., 2016).

Os resultados dos estudos prospectivos evidenciaram melhoria no funcionamento executivo, controle de interferência e da memória de trabalho, além da redução dos sintomas do TEPT ao decorrer das sessões (Bomyea et al., 2015; McDermott et al., 2016; Nijdam et al., 2018; Walter et al., 2010). No entanto, veteranos de guerra com TEPT crônico que realizaram treinamento cognitivo não apresentaram mudanças em relação ao TEPT e às FE quando comparados ao controle (Samuelson et al., 2009). Vale ressaltar que em nenhuma das pesquisas apresentou possíveis fatores de vulnerabilidade e preditores para o TEPT e os prejuízos da FE.

Por fim, considerou-se o local onde os estudos foram realizados e o tipo de trauma. Pesquisas realizadas nos EUA se caracterizaram por avaliar as FE em amostras femininas com TEPT, vítimas de abuso sexual (Bomyea et al., 2015; Twamley et al., 2009), e amostras masculinas compostas por veteranos (Cohen et al., 2013; McDermott et al., 2016; Samuelson et al., 2009; Shucard et al., 2008; Wrocklage et al., 2016) e prisioneiros de guerra (Hart et al., 2008). Aupperle, Allard et al. (2012), na Escócia, e Rivera-Vélez et al. (2014), em Porto Rico, estudaram o TEPT em mulheres vítimas de abuso sexual. Buodo et al. (2011) avaliaram vítimas de acidentes de trabalho.

Nijdam et al. (2018), nos Países Baixos, pesquisaram vítimas de assaltos, acidentes, abuso sexual, desastres e guerras. Eren et al. (2009), na Turquia, publicaram uma pesquisa formada por participantes que experimentaram desastres naturais; Hurtado et al. (2019), Colômbia, com pessoas vítimas de conflitos armados, e Yang et al. (2017), China, em pacientes com câncer. Ainamani et al. (2017) investigaram o TEPT e FE em refugiados da Uganda.

 

Discussão

O objetivo desta revisão sistemática foi identificar a relação entre FE em adultos com TEPT, as habilidades avaliadas das FE, além de analisar a efetividade das intervenções descritas em estudos nos últimos 12 anos. Deste modo, respondeu-se à pergunta da presente pesquisa bibliográfica: pessoas diagnosticadas com TEPT apresentaram um desempenho significativamente inferior nas provas de funcionamento executivo quando comparadas aos controles. A avaliação neuropsicológica pode auxiliar na caracterização mais ampla do fenômeno, uma vez que a disfunção executiva pode representar uma fonte de incapacidade na vida cotidiana de pessoas com TEPT.

Verificou-se, concomitantemente, que houve melhoria no funcionamento executivo de pessoas com TEPT expostas ao treinamento cognitivo e à reabilitação neuropsicológica. Segundo Polak et al. (2012) poderia ser particularmente relevante investigar se o funcionamento executivo prejudicado teria outras implicações clínicas, pois as FE são cruciais para processar informações complexas, quanto à participação em intervenções terapêuticas de caráter cognitivo-comportamental. Dessa forma, os escores no funcionamento executivo poderão ser usados como prognóstico do tratamento.

As pesquisas relatadas apresentaram grande amplitude amostral. No entanto, a diferença entre o tamanho das amostras pode ser explicada pelo desenho metodológico empregado. Investigações com uma única avaliação geralmente alcançam um número amostral maior. Estudos com intervenções necessitam acompanhar os participantes em diferentes momentos, exigindo mais procedimentos de observação (Neuman, 2014). Apesar das amostras terem sido não probabilísticas e com validade externa reduzida (Bomyea et al., 2015; McDermott et al., 2016; Samuelson et al., 2009; Walter et al., 2010), entende-se que o tamanho amostral não constitui per se uma limitação dos estudos, pois os resultados estavam adequados às hipóteses alternativas. A randomização amostral poderia ter melhorado o poder de generalização dos resultados e nenhum dos estudos encontrados adotou esse procedimento de seleção amostral. Além disso, limites como a ausência de grupo controle no estudo de Nijdam et al. (2018) e comorbidade diagnóstica dos participantes no estudo de Falconer et al. (2008) representam fragilidades técnicas sobre a composição da amostra que precisam ser apontadas para futuras pesquisas.

Esta revisão considerou pesquisas com participantes adultos (18 anos de idade ou mais). Apesar do TEPT se manifestar em crianças e adolescentes, o quadro tende a permanecer pela vida adulta (Chaby et al., 2020) com vários desdobramentos negativos (Negele et al., 2015; Nilaweera et al., 2020). Este poderia ser um dos motivos pelos quais pacientes com TEPT no estudo de Samuelson et al. (2009) não se reabilitaram. Não houve comparação entre diferentes faixas etárias e a manifestação do TEPT nas pesquisas relatadas. Essa informação seria de grande utilidade para compreender a evolução do quadro e quanto as FE prejudicadas auxiliam na manutenção dos sintomas do TEPT. Desse modo, compreender-se-ia quais abordagens seriam adequadas para o TEPT em diferentes momentos de vida (Su & Stone, 2020), considerando as FE como um elemento importante para o sucesso das intervenções.

Relativo ao sexo, os estudos epidemiológicos suportam a razão de duas mulheres para cada homem identificadas com TEPT. Explicações sobre a diferença entre os sexos têm surgido ao menos nos últimos 15 anos. Uma revisão sistemática conduzida por Christiansen e Berke (2020) apresentou evidências apoiando fatores genéticos e hormonais como preditores à vulnerabilidade ao trauma e diferença entre homens e mulheres explicadas pela variação hormonal. No entanto, as autoras afirmaram que variáveis psicossociais são importantes na compreensão do processo de exposição e trauma. Ademais, não há, até o momento, considerações acerca de como as FE e sexo influenciam a manifestação do TEPT ou modificam seu curso. De todo modo, a distribuição entre os sexos nas pesquisas envolvendo TEPT e FE devem ser consideradas, pois houve estudos nos quais isso não aconteceu, como os de Aupperle, Allard et al. (2012) e Wrocklage et al. (2016). A diferença entre os sexos pode favorecer a interpretação e generalização dos resultados considerando as FE prejudicadas assim como o surgimento e a manutenção do TEPT. Ademais, o entendimento do sexo como fator de vulnerabilidade poderá auxiliar planos de intervenção.

A diferença entre subgrupos (nível socioeconômico, educacional, entre outros) é um fator que poderia interferir na manutenção do TEPT e no resultado do funcionamento executivo. O desempenho das tarefas de FE foi comparado somente com os controles, não tendo sido feito entre pessoas do mesmo grupo de pessoas diagnosticadas com TEPT. Desse modo, limita-se o entendimento de como outras variáveis psicossociais poderiam influenciar a associação entre TEPT e FE. A literatura informa que a persistência dos sintomas agrava o funcionamento desadaptativo (O'Donnell et al., 2007). No entanto, as pesquisas relatadas não apresentaram como o tempo de sintomatologia do TEPT poderia afetar as FE.

De outro modo, não foram apresentados outros fatores de risco para o desenvolvimento e manutenção do TEPT e os prejuízos da FE. Em bem verdade, os estudos presentes nesta revisão não focaram em compreender esses aspectos. Os participantes foram identificados tendo ou não o diagnóstico de TEPT. No entanto, algumas pesquisas têm evidenciado que a alta expressão do neuroticismo - traço de personalidade associado à emocionalidade negativa - pode ampliar o efeito das memórias traumáticas (Breslau & Schultz, 2013; Ogle et al., 2017; van den Hout & Engelhard, 2004). Ademais, maior manifestação da afetividade negativa prediz baixo desempenho em tarefas que envolvam memória de trabalho e controle inibitório (Crow, 2019; Saylik et al., 2018), componentes das FE. Deste modo, poder-se-ia perguntar se o comprometimento das FE em TEPT aconteceria devido a maior de expressão do neuroticismo e como este traço de personalidade manteria os prejuízos da FE e o TEPT. Como o neuroticismo é caracterizado por maior impulsividade, esta característica pode interferir no desempenho de tarefas cognitivas, especialmente as que exigem persistência atencional, além de contribuírem para uma avaliação distorcida de eventos como potencialmente ameaçadores (Fang & Chung, 2019).

De forma geral, os resultados encontrados nesta revisão apontam a necessidade de aperfeiçoamento contínuo nos processos de conceituação, diagnóstico e tratamento do TEPT. Para uma intervenção bem-sucedida se deve considerar os acontecimentos traumáticos e as possíveis repercussões que possam derivar dessas experiências, dentre elas, as disfunções executivas (Crespo & Gómez, 2012). Também se observou a necessidade de aumentar os programas de treinamento ou intervenção. A literatura mostrou melhoria do funcionamento executivo dos participantes ao decorrer das sessões de tratamento (Bomyea et al., 2015; Nijdam et al., 2018; Walter et al., 2010). Deste modo, os sintomas do TEPT também poderiam ser reduzidos, apesar de não haver evidências claras sobre esta relação de causalidade, necessitando mais pesquisas na área.

Mesmo assim, nenhum dos estudos considerou a gravidade dos sintomas do TEPT, mas sim sua presença ou ausência. Muitos instrumentos utilizados para acessar as FE dificultaram a comparação dos resultados entre as amostras analisadas, motivo pelo qual não se procedeu a uma meta-análise dos dados. Partindo desses limites, considera-se necessário adaptar instrumentos para a avaliação das FE orientadas especificamente ao grupo de pessoas com diagnóstico de TEPT. Finalmente, apesar de haver dados epidemiológicos brasileiros sobre o TEPT (Atwoli et al., 2015; Koenen, et al., 2017; Zhou et al., 2020) não foram encontradas pesquisas no Brasil que relacionassem TEPT e as FE, o que torna o tema parte da agenda de investigações em território nacional.

 

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPG-Psi, UFSJ) e à Assessoria de Assuntos Internacionais da UFSJ. Nossos agradecimentos também a Vitor Neves Guimarães (Graduate Research Fellow, Neurodevelopmental Sciences Laboratory, University of Louisville) pela leitura e contribuições para o aprimoramento do texto.

Financiamento

A presente pesquisa não recebeu nenhuma fonte de financiamento sendo custeada com recursos dos próprios autores.

Declaração de participação da elaboração do manuscrito

Declaramos que todos os autores participaram da elaboração do manuscrito. Especificamente, os autores Yaninis González Bracamonte e Marco Antônio Silva Alvarenga participaram da redação inicial e final do estudo do trabalho - revisão e edição.

Disponibilidade dos dados e materiais

Todos os dados e sintaxes gerados e analisados durante esta pesquisa serão tratados com total sigilo devido às exigências do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos. Porém, o conjunto de dados e sintaxes que apoiam as conclusões deste artigo estão disponíveis mediante solicitação ao autor principal do estudo.

Conflito de interesses

Os autores declaram que não há conflitos de interesses.

 

Referências

Um arquivo com 18 referências incluídas nesta revisão e podem ser acessadas por meio do link: https://www.researchgate.net/publication/357803905_Referencias_da_revisao#fullTextFileContent

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Endereço para correspondência:
Yaninis González-Bracamonte
Universidade Federal de Sao Joao del Rei (UFSJ)
Praça Dom Helvécio, 74, sala 2.12B, Dom Bosco
36301-160. Sao Joao del Rei, MG
E-mail: alvarenga@ufsj.edu.br

Recebido em novembro de 2020
Aprovado em março de 2022

 

 

Sobre os autores -
Yaninis González-Bracamonte é Psicóloga Clínica e visitante internacional no Departamento de Psicologia, Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), pesquisadora associada ao Laboratório de Pesquisa em Saúde Mental (LAPSAM) e Laboratório de Pesquisa, Ensino e Extensão da Cognição, Cotidiano e Desenvolvimento (CODE.Lapex), Minas Gerais, Brasil.
Marco Antônio Silva Alvarenga é Professor Adjunto do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), orientador e coorientador do Programa de Pós-Graduação de Psicologia da UFSJ. Laboratório de Pesquisa em Saúde Mental (LAPSAM) e Laboratório de Pesquisa, Ensino e Extensão da Cognição, Cotidiano e Desenvolvimento (CODE.Lapex), Minas Gerais, Brasil.
1 Neste caso, o acrônimo APA se refere à American Psychological Association.

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