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Psicologia em Revista
versão impressa ISSN 1677-1168
Psicol. rev. (Belo Horizonte) v.12 n.19 Belo Horizonte jun. 2006
ARTIGOS
Contribuições do inventário fatorial de personalidade (IFP) para a avaliação psicológica de pacientes onco-hematológicos com indicação para o transplante de medula óssea
Contributions of the personality factorial inventory (PFI) for psychological assessment of onco-hematological patients undergoing bone marrow transplantation
Rodrigo Sanches PeresI,1; Manoel Antônio dos SantosII,2
IUniversidade Federal de São Carlos
IIUniversidade de São Paulo
RESUMO
O presente estudo objetiva avaliar a personalidade de pacientes com indicação para o transplante de medula óssea (TMO). Para tanto, um grupo de dez adultos portadores de doenças onco-hematológicas foi submetido à aplicação de uma bateria de testes psicológicos. Serão focalizados os resultados do emprego do inventário fatorial de personalidade (IFP), instrumento nacional voltado à avaliação de 15 fatores de personalidade. Os dados foram coletados e avaliados em conformidade com as recomendações da literatura científica. Os resultados indicam que o IFP foi de grande utilidade para o delineamento das características de personalidade dos examinados e forneceu subsídios relevantes para o direcionamento do atendimento multidisciplinar oferecido a eles.
Palavras-chave: Personalidade, Avaliação psicológica, Psico-oncologia, Psicologia hospitalar.
ABSTRACT
This paper aims at evaluating the personality of patients undergoing bone-marrow transplantation (BMT). Thus, a group of ten adult onco-hematological patients were submitted to the application of a series of psychological tests. The paper, however, focuses on the results of the use of the Personality Factorial Inventory (PFI), a Brazilian instrument designed for the assessment of 15 personality factors. The data collection and evaluation were executed in compliance with the scientific literature recommendations. The results indicate that IFP was very useful for the patients personality characteristics evaluation, and supplied relevant subsidies to improve the multi-professional services offered to them.
Keywords: Personality, Psychological assessment, Psycho-oncology, Hospital psychology.
O transplante de medula óssea (TMO) é um procedimento médico complexo, utilizado freqüentemente nas duas últimas décadas para o tratamento de uma série de enfermidades graves, sobretudo doenças hematológicas, oncológicas e onco-hematológicas, quando as terapêuticas convencionais não oferecem um bom prognóstico (Thomas, 2000). O método envolve a infusão, por via intravenosa, de suspensões de células-tronco com o propósito de reverter o funcionamento medular patológico (Pasquini & Ferreira, 1990). Assim, oferece possibilidade de recuperação a pacientes que, anos atrás, estariam condenados à morte.
Contudo, o TMO não deve ser considerado um método plenamente resolutivo. Trata-se, na realidade, de um procedimento agressivo, que pode tanto recuperar o receptor quanto conduzi-lo ao óbito. Esse paradoxo ocorre, basicamente, porque a imunossupressão, induzida pelo regime de condicionamento que antecede a infusão, torna o organismo temporariamente vulnerável a uma série de complicações que oferecem riscos à manutenção da vida. Por isso, o tratamento é visto de forma ambivalente pelo paciente e seus familiares: ora como uma ameaça, ora como uma salvação (Contel et al., 2000; Lesko, 1989).
Até a primeira metade dos anos 1980, diversas pesquisas científicas tiveram como objeto os aspectos biomédicos do TMO. Graças aos resultados oriundos dessas pesquisas, o procedimento deixou de ser visto como uma técnica experimental e passou a ser considerado um método convencional. Na década de 1990, houve uma significativa mudança no foco dos estudos voltados ao TMO, em virtude da necessidade de se compreender melhor a influência dos fatores psicológicos na sobrevida de pacientes submetidos a essa terapêutica (Andrykowski, 1994).
A maior parte dos estudos com esse enfoque aponta que o apoio social e familiar, os recursos adaptativos do paciente e as estratégias de enfrentamento adotadas para lidar com a doença são alguns dos mais importantes preditores da reabilitação pós-TMO (Andrykowski et al., 1995; Colon et al., 1994; Jenkins et al., 1991). Outros autores sugerem que a personalidade do indivíduo se afigura como um fator determinante nesse processo (Andrykowski et al., 1994; Fromm et al., 1996; Molassiotis et al., 1997; Neuser, 1988; Sullivan et al., 1999a; Wettergren et al., 1997; Wolcott et al., 1986).
Por essa razão, pode-se concluir que a personalidade dos candidatos ao TMO torna-se uma variável importante para o adequado planejamento da assistência a lhes ser dispensada. Seguindo esse raciocínio, conforme Andrykowski (1994), a investigação das características de personalidade de sujeitos com indicação para o referido procedimento mostra-se de grande relevância. Não obstante, na literatura científica especializada, há um número reduzido de pesquisas dedicadas especificamente a essa temática.3 Em razão disso, considerou-se pertinente um estudo com o intuito de fornecer contribuições iniciais para o preenchimento dessa lacuna.
Objetivo
O presente estudo tem como objetivo principal avaliar a personalidade de pacientes adultos portadores de doenças onco-hematológicas com indicação para o TMO.
Método
Desenho metodológico
O enfoque idiográfico foi aqui privilegiado, uma vez que, como apontam diversos autores (Hall et al., 2000; Lazarus & Monat, 1984), destaca-se como o mais proveitoso para subsidiar a avaliação da personalidade. Assim, os dados coletados foram submetidos a análises qualitativas, descritivas e exploratórias. Seguindo as diretrizes do método clínico de pesquisa, optou-se por avaliar exaustivamente um grupo relativamente reduzido de sujeitos, mediante o emprego de um conjunto de técnicas específicas.
Participantes
Participaram deste estudo dez sujeitos, cinco homens e cinco mulheres. Todos atendiam aos critérios de inclusão preestabelecidos, a saber: a) ser portador de doença onco-hematológica, com indicação para o TMO; b) ser maior de 18 anos; c) ser vinculado ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP); d) não possuir antecedentes psiquiátricos, nem suspeita de déficit intelectual; e) concordar em colaborar na pesquisa, formalizando sua anuência mediante a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido.
O recorte temporal foi o critério utilizado para a definição do número de participantes. Desse modo, elegeram-se para o estudo os sujeitos admitidos consecutivamente na referida instituição no período de dez meses destinado à coleta de dados (de agosto de 2002 a maio de 2003), que se enquadraram nos critérios de inclusão estabelecidos. Todos foram solicitados a participar da coleta de dados. Nenhum deles se recusou a atender a tal solicitação. O Quadro 1 apresenta uma breve caracterização dos avaliados em termos da idade, escolaridade, estado civil e diagnóstico.
Instrumentos
A literatura científica especializada aponta que certas limitações são inerentes aos testes psicológicos (Anastasi & Urbina, 2000; Cunha, 2000). Portanto, a adequada apreensão do conhecimento visado num processo de avaliação psicológica depende usualmente da combinação de diferentes recursos investigativos. Optou-se, em razão disso, por submeter os participantes à aplicação de uma bateria de instrumentos psicológicos. Para os fins deste estudo, todavia, serão focalizados os resultados da utilização de apenas um deles, o inventário fatorial de personalidade (IFP), adaptação modificada do Edwards personal preference schedule (EPPS), sistematizado em 1953 e revisto em 1959 por Allen L. Edwards.
O instrumento visa especificamente à investigação de 15 necessidades ou dimensões da personalidade, como se vê no Quadro 2, e tem como fundamento as contribuições teóricas de Murray (1959). O IFP possui uma subescala de validade, que permite verificar se os itens foram respondidos devidamente, e uma escala de desejabilidade social, que indica se o examinado tentou se apresentar conforme os desejos de outras pessoas (Pasquali et al., 1997).
A propósito, o examinado deve responder aos 155 itens que compõem o IFP, escolhendo uma única alternativa dentre as opções de uma escala do tipo Likert, composta de sete pontos que variam progressivamente de 1 ("nada característico") a 7 ("totalmente característico"). Os itens são de fácil compreensão, de modo que, embora extenso, o instrumento é de aplicação simples e relativamente rápida. Ademais, em contraste com outros inventários que se prestam a objetivos análogos, o IFP possui propriedades psicométricas adequadas, pois foi validado e padronizado para a população brasileira. Em virtude disso, obteve parecer favorável no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Satepsi) do Conselho Federal de Psicologia (CFP).
Incluiu-se o IFP na bateria de testes com o intuito de coletar informações capazes de permitir o delineamento dos principais fatores de personalidade dos examinados, focalizando sobretudo suas necessidades psíquicas. O instrumento foi escolhido para cumprir essa função por privilegiar a investigação de traços acerca dos quais os sujeitos podem, teoricamente, possuir um maior conhecimento consciente. Considerou-se tal particularidade extremamente relevante diante dos objetivos propostos, uma vez que os demais testes adotados priorizavam a avaliação de aspectos mais inconscientes da personalidade.
Técnica de coleta e avaliação de dados
Os participantes foram avaliados individualmente numa sala reservada, nas instalações do HCFMRP-USP. A coleta de dados dividiu-se em três sessões de cerca de uma hora e dez minutos cada, realizadas no início da internação pré-TMO. A utilização do IFP, entretanto, ocorreu apenas na terceira sessão e consumiu, em média, 40 minutos. A aplicação do instrumento foi conduzida em conformidade com as recomendações técnicas de Pasquali et al. (1997): para os sujeitos alfabetizados (n=7), o instrumento foi auto-aplicado; para os não-alfabetizados (n=3), foi utilizada a aplicação assistida.
Estratégia de avaliação e interpretação dos dados
Os dados oriundos da utilização do IFP foram apurados manualmente pelo pesquisador. Para tanto, foram inicialmente calculados os escores brutos obtidos pelos sujeitos nas subescalas. Executou- se, a seguir, a conversão dos escores brutos em escores percentílicos, mediante o emprego das tabelas de normas apresentadas no manual do instrumento. Depois disso, o perfil de necessidades de cada um dos examinados foi elaborado. Por fim, procedeu-se à redação da síntese interpretativa, levando em conta a articulação do conjunto dos resultados. Os procedimentos de avaliação descritos pelos autores do instrumento foram, portanto, rigorosamente seguidos.
Aspectos éticos
O estudo foi autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCFMRP-USP e se pautou pelos parâmetros preconizados nas resoluções que regulamentam a atividade científica envolvendo seres humanos, no país. A participação dos examinados foi voluntária, de modo que, antes do início da coleta de dados, como já se disse, todos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. O pesquisador se disponibilizou a prestar atendimento psicológico focal aos sujeitos, caso os procedimentos realizados viessem a causar uma mobilização emocional mais intensa.
Resultados
A maioria dos avaliados (n=7) atingiu escore extremo alto na subescala "desejabilidade social", o que sugere que possuem uma acentuada tendência a se apresentar às pessoas segundo as expectativas alheias e não de acordo com suas reais características. Pode-se cogitar, assim, que os participantes tenham respondido ao IFP sob o jugo de tal tendência. Desse modo, fez-se necessário interpretar com cautela o conjunto dos resultados obtidos, sintetizados no Quadro 3. Para tanto, empregou-se como parâmetro principal a convergência dos indícios fornecidos, a partir da avaliação dos escores das demais subescalas.
No entanto, todos os examinados (n=10) atingiram escore "médio" na subescala "validade". Esse dado indica que a tarefa solicitada foi efetivamente compreendida e adequadamente executada. Pode-se afirmar, por essa razão, que o material oriundo do emprego do IFP, no presente estudo, é efetivamente válido. Levando-se em conta que a maior parte dos sujeitos (n=7) obteve escore "extremo alto" na subescala "assistência", parece plausível propor que uma marcante propensão a tratar as pessoas com compaixão e ternura os caracteriza. Possivelmente essa propensão se encontra associada a uma necessidade premente de receber atenção e afeto nas relações interpessoais, pois o escore da subescala "afiliação" foi "forte" ou "extremo alto" na maioria dos casos (n=7).
Contudo, metade dos avaliados (n=5) obteve escore "extremo baixo" na subescala "afago". Supostamente, tais indivíduos, a despeito de valorizarem o afeto dos amigos e familiares, mantêm com eles relações pouco consistentes. O fato de um número reduzido de sujeitos (n=3) ter atingido escores "forte" ou "extremo alto" na subescala "intracepção" aponta que, usualmente, agem de forma prática, racional e objetiva e assim norteiam suas condutas em função de elementos externos e não de motivações internas. Em certa medida, esse dado referenda a hipótese precedente, pois a primazia da razão sobre a emoção pode contribuir para o estabelecimento de relacionamentos superficiais.
Os escores obtidos na subescala "deferência" indicam que, no grupo avaliado, não há um perfil uniforme no que se refere a essa necessidade. Parte dele (n=4) procura demonstrar respeito e admiração às figuras de autoridade, ao passo que outra parte (n=3) não apresenta essa característica. Todavia, a maioria dos indivíduos pesquisados (n=6) atingiu escore "extremo baixo" na subescala "dominância", o que sugere que a preocupação em prestigiar superiores possivelmente se encontra associada a uma acentuada falta de confiança nas próprias potencialidades.
Essa hipótese parece se confirmar, tendo em vista que os participantes obtiveram, em sua maioria (n=6), escore "extremo baixo" ou "fraco" na subescala "autonomia", pois esse dado aponta que, geralmente, os sujeitos não resistem às coerções e oposições e, assim, tendem à passividade e à dependência. Uma parcela significativa dos examinados tende a se resignar e a se submeter às forças exteriores quando encontra barreiras que obliteram a concretização de seus planos e, em situações extremas, pode até mesmo apresentar tendências autodestrutivas, visto que os escores "extremo alto" e "forte" foram os mais comuns (n=6) na subescala "denegação".
O escore "extremo baixo" obtido na subescala "desempenho" por metade dos sujeitos (n=5) sustenta essa linha de raciocínio, já que sugere que eles não buscam, com diligência, a realização de seus próprios objetivos e se mostram pouco capazes de superar, com vigor, os infortúnios impostos pelo mundo externo. Paradoxalmente, porém, a maioria deles (n=7) atingiu escore "extremo alto" na subescala "persistência", o que sugeriria, a princípio, que tendem a subjugar as dificuldades com obstinação e a vencer tenazmente os empecilhos que tornam mais custosa a realização de suas metas.
No entanto, esse dado pode ser entendido como reflexo da acentuada tendência do grupo a se apresentar às pessoas de acordo com as expectativas destas, pois não é convergente com os indícios fornecidos pela interpretação dos escores das demais subescalas. Uma parcela significativa dos avaliados (n=6) possui supostamente pouco interesse em estabelecer vínculos amorosos e exercer a sexualidade com indivíduos do sexo oposto, visto que atingiu escores "extremo baixo" na subescala "heterossexualidade".
Escores "extremo baixo" também foram verificados em mais da metade dos casos (n=6) na subescala "agressão", o que denota que a maior parte dos sujeitos encontra dificuldades para expressar agressividade. Além disso, um número reduzido deles (n=2) atingiu escores elevados na subescala "mudança", sugerindo, assim, que procuram pautar suas vidas em referenciais estáveis. Também parecem pouco vaidosos, já que obtiveram, em sua maioria (n=6), escore "extremo baixo" na subescala "exibição". Por fim, o escore "extremo alto" foi o mais freqüente (n=6) na subescala "ordem", o que denota que valorizam, talvez demasiadamente, a organização dos objetos que os cercam.
Discussão
Apesar de apresentar necessidades latentes de afiliação, deferência e apoio, a maioria dos participantes deste estudo encontra dificuldades para estabelecer relacionamentos sociais, familiares e amorosos. Sullivan et al. (1999b) obtiveram resultados semelhantes numa pesquisa desenvolvida junto a mais de uma centena de pacientes onco-hematológicos com indicação para o TMO, pois observaram que a fragilidade afigurava-se antes mesmo do adoecimento como a tônica dos vínculos afetivos de seus avaliados.
Almeida (1998) e Torrano-Masetti (2000) verificaram que indivíduos submetidos ao TMO caracterizam-se usualmente por uma acentuada imaturidade afetiva e uma marcante instabilidade emocional, mas são capazes de elaborar cognitivamente os estímulos oriundos da realidade externa. Baker et al. (1997) e Rodrigue et al. (1993) reportam achados análogos a esses, já que não notaram, em candidatos à referida modalidade terapêutica, indícios da ocorrência de transtornos psicopatológicos de caráter psicótico.
Os participantes do presente estudo tendem, em sua maioria, a se resignar perante as forças exteriores. Uma parcela significativa dos sujeitos avaliados por Neuser (1988) e Sullivan (1999a) apresentou características semelhantes. Essa tendência geralmente compromete a adaptação do sujeito à doença e ao tratamento. Por isso é considerada pela literatura científica especializada um dos principais fatores psicológicos associados à morbidade e à mortalidade em pacientes submetidos ao TMO (Andrykowski et al., 1994; Molassiotis et al., 1997; Pearman, 1998; Soussain & Amiel- Lebigre, 1992).
Tais achados foram discutidos com a equipe multidisciplinar responsável pela assistência aos examinados. Considerou-se pertinente, então, desenvolver intervenções junto aos pacientes e seus familiares, com o intuito de fomentar a utilização de estratégias de enfrentamento capazes de favorecer a adaptação à nova realidade imposta pela doença e pelo tratamento e, conseqüentemente, prevenir eventuais complicações decorrentes de fatores psicológicos. Este estudo aponta, portanto, que a avaliação da personalidade de candidatos ao TMO pode, de fato, contribuir para o aprimoramento da assistência oferecida a eles.
O IFP se mostrou plenamente adequado ao objetivo proposto e pode ser considerado uma ferramenta valiosa para o trabalho do psicólogo. Infelizmente, porém, trata-se de um recurso investigativo ainda pouco conhecido, de utilização restrita, e, como qualquer teste psicológico, apresenta certas limitações. Talvez a principal delas seja a grande quantidade de itens, o que pode tornar a aplicação, sobretudo se assistida, bastante cansativa. O fato de uma versão abreviada do instrumento ter sido lançada recentemente confirma essa observação.
Conforme Lopes e Amorim (2004) e Jacquemin (1995), o ambiente hospitalar se mostra promissor para a avaliação psicológica, talvez porque essa prática, quando desempenhada em conformidade com as diretrizes científicas preconizadas pela literatura especializada, subsidie a identificação das necessidades de uma clientela que geralmente chega ao psicólogo por encaminhamento médico e, em razão da presença de queixas físicas, não apresenta uma demanda emocional claramente definida.
Considerações finais
Os resultados obtidos são, de maneira geral, compatíveis com aqueles encontrados nos poucos estudos desenvolvidos até o momento sobre a personalidade de pacientes onco-hematológicos com indicação para o TMO. Oferecem contribuições, ainda que iniciais, para o avanço do conhecimento científico acerca do objeto em questão. Novas pesquisas se fazem necessárias para que se possa corroborar ou refutar com segurança as análises ora introduzidas.
A análise dos dados coligidos mediante o emprego do IFP subsidiou a compreensão de importantes aspectos da personalidade dos examinados. Ademais, forneceu elementos para o aperfeiçoamento da assistência oferecida a eles. Entretanto, a combinação de diferentes recursos investigativos é o procedimento mais indicado, desde que executado de forma parcimoniosa e reflexiva, para que se possa atingir a adequada apreensão do conhecimento visado num processo de avaliação psicológica.
Por fim, a avaliação psicológica no contexto hospitalar tende a promover uma articulação entre a pesquisa e a assistência, contribuindo tanto para a produção do conhecimento quanto para o atendimento das necessidades da clientela. Outros autores, como Bruscato e Benedetti (2004), também defendem essa tese, propondo que a pesquisa faça parte do cotidiano do psicólogo hospitalar e não seja uma atividade desvinculada da prestação de serviços, visto que pode fomentar o desenvolvimento de novas práticas nas situações em que o profissional não encontra respaldo teórico capaz de auxiliá-lo.
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Texto recebido em janeiro/2006
Aprovado para publicação em setembro/2007
1Psicólogo pela Faculdade de Ciências e Letras de Assis Unesp, mestre e doutorando em Psicologia, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto USP, docente da Universidade Federal de São Carlos. e-mail: rodrigosanchesperes@yahoo.com.br
1Nomes fictícios, a fim de se preservar a identidade dos participante.
2Psicólogo, mestre e doutor em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP, docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto USP. e-mail: masantos@ffclrp.usp.br.
3Uma pesquisa bibliográfica desenvolvida mediante a consulta a importantes bases de dados científicas disponíveis on-line (MedLine, PsycInfo, Web of Science, Lilacs e IndexPsi), indica que, de 1981 a 2001, foram publicados em periódicos especializados apenas quatro artigos voltados à avaliação da personalidade de pacientes com indicação ou submetidos ao TMO (Peres & Santos, no prelo).