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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.16 no.1 Belo Horizonte abr. 2010

 

ARTIGOS

 

As percepções de jovens sobre os relacionamentos amorosos na atualidade

 

The perceptions of youths about love relationships in today’s world

 

Las percepciones de los jóvenes sobre las relaciones amorosas en la actualidad

 

Jacqueline Cavalcanti Chaves*

 

 


Resumo

O objetivo deste trabalho é discutir a heterogeneidade das percepções de jovens sobre os relacionamentos amorosos na atualidade. Para isso, foi usado um referencial teórico das ciências humanas e sociais, e foram realizadas doze entrevistas com jovens de 18 a 25 anos de idade, moradores da cidade do Rio de Janeiro, pertencentes às classes médias. A análise do material mostra como as percepções variam entre dois extremos: de um lado, há aqueles que veem os relacionamentos como semelhantes aos de outrora, de outro, os que percebem o campo amoroso como desordenado, instável, inseguro e frágil. Segundo os primeiros, cabe a cada um escolher a forma relacional que mais o apraz em cada momento da sua vida. Para os demais, é preciso perceber os sentimentos de desrespeito, desconfiança e intolerância que caracterizam muitas das relações, e tentar construir relacionamentos que sejam mais satisfatórios para ambos os parceiros.

Palavras-chave: amor; relação amorosa; gênero; juventude; contemporaneidade.


Abstract

This paper aims to discuss the youths’ heterogeneous perceptions of love relationships in today’s world. A theoretical framework based on human and social sciences was used, and twelve interviews were held with middle-class youths, aged 18 to 25, living in Rio de Janeiro. The analysis of the material shows how perceptions vary between two extremes: some see current relationships as akin to those of former times, while others perceive them as disorganized, unstable, insecure and fragile. The first group considers each person responsible for choosing the type of relationship that best suits him or her at each moment in life. To the other group, what matters is to notice the expressions of disrespect, mistrust and intolerance characteristic of many connections, and to attempt to construct relationships that are more satisfactory for both partners.

Key words: love; love relationships; gender; youth; the contemporary world.


Resumen

El presente trabajo pretende discutir las percepciones heterogéneas de los jóvenes sobre las relaciones amorosas en la actualidad. Para ello se utilizó un marco teórico basado en las ciencias humanas y sociales, y se realizaron doce entrevistas con jóvenes de 18 a 25 años, de familias de clase media de Río de Janeiro. El estudio muestra cómo las percepciones varían entre dos extremos: de un lado, los que ven las relaciones como similares a las de antaño; del otro lado, los que perciben el campo amoroso como desordenado, inestable, inseguro y frágil. El primer grupo considera que cada uno debe escoger el tipo de relación que más le place en cada momento de su vida. Para el otro grupo, es necesario percibir los sentimientos de falta de respeto, desconfianza e intolerancia que caracterizan muchas de las relaciones, y tratar de construir relaciones que sean más satisfactorias para la pareja.

Palabras Clave: amor; relación amorosa; género; juventud; contemporaneidad.


 

 

Introdução

A investigação das percepções de jovens sobre o atual quadro amoroso, isto é, dos modos como os jovens veem, sentem, imaginam e entendem as relações amorosas remete, antes de tudo, à compreensão que se tem de amor. Neste trabalho, partimos da ideia de que a noção de amor é datada, construída em contexto social, cultural, religioso, político e econômico específico. Logo, o significado do amor não é unívoco; as práticas amorosas são múltiplas e expressam determinadas noções de amor; o sentimento amoroso exprime uma concepção de amor específica. Afirmar isso implica dizer que o campo amoroso é dinâmico, que práticas e conceitos se interferem mutuamente, reforçando ou forjando amores diversos. Há inúmeros estudos que mostram como noção e prática amorosas foram sendo transformadas ao longo da História (Bauman, 2004; Chaves, 2001 e 2004; Costa, 1998; Duby, 1991; Gay, 1990; Giddens, 1993; Luhmann, 1991; e Vaitsman, 1994). Assim conhecemos, por exemplo, o amor platônico, o amor cristão, o amor cortês, o amor romântico e o amor líquido.

Entendemos que o amor pode ter significados divergentes para os indivíduos, que estes têm expectativas diversas com relação a ele, e níveis de satisfação diferentes quanto a uma mesma prática amorosa. Concordamos com Lejarraga (2002) quando a autora afirma que "os amores, enquanto experiências subjetivas, não são estruturas fixas nem universais, mas práticas linguísticas que se transformam no curso da história humana" (p. 13). Assinalamos uma máxima de La Rochefoucauld, que diz: "Existem pessoas que nunca teriam estado apaixonadas se não tivessem ouvido falar de amor" (apud Luhmann, 1991, p. 21). Essa máxima faz supor que o amor tem formas diferentes que são próprias a determinadas épocas, culturas e grupos sociais, que o amor deve ser aprendido e desenvolvido. A maneira como o indivíduo sente, expressa e vivencia o sentimento amor está relacionada a um conjunto de ideias, fantasias, imagens e discursos ao qual ele tem acesso, no qual ele é inserido por intermédio da sua família, dos meios de comunicação, e do(s) grupo(s) social(ais) ao(s) qual(ais) ele pertence.

Sendo as noções e as práticas amorosas expressões de contexto histórico específico, nesta investigação sobre as percepções de jovens dos relacionamentos amorosos na atualidade, de início, cabe assinalar algumas características de nosso tempo que parecem interferir na maneira como eles veem o campo amoroso. Embora outros aspectos importantes pudessem ser enfatizados, tais como a questão específica da cultura de consumo e a descentralização do sujeito moderno, escolhemos somente três deles em razão dos limites deste texto e da relevância que eles mostram ter na cultura de nossa época.

O primeiro aspecto diz respeito à nova forma de capitalismo, que teve início em torno do final da década de 1960. De acordo com Mancebo (2002), esse capitalismo tem como princípio básico o mercado. As relações de mercado se pautam na competição e otimização, limitam a intervenção estatal e buscam tornar mais eficiente o próprio governo. Com o objetivo de diminuir os gastos estatais, o Estado neoliberal se assemelha a um Estado mínimo no qual competências e funções antes assumidas pelo Estadoprovidência (de bem-estar) são devolvidas à sociedade civil (Mancebo, 2002, p. 107). Segundo Mancebo, o Estado neoliberal precisa contar com um "novo homem", "[...] com indivíduos que introjetem o valor mercantil e as relações mercantis como padrão dominante de interpretação do mundo [...]" (Ibidem). Desse modo, as relações sociais e políticas devem ser estruturadas pela lógica de mercado, e a motivação dos indivíduos deve se pautar por um "utilitarismo individual" (Ibidem). Sendo esse mercado extremamente competitivo, o indivíduo se vê imerso em um universo que tem como slogans a competência, a eficácia e a eficiência. Isso significa que não basta a ele alcançar os resultados esperados, é preciso realizar isso no menor tempo possível.

De acordo com Simmel (1967), em uma economia essencialmente monetária, a produção é voltada para o mercado, isto é, para compradores inteiramente desconhecidos. Por essa anonimidade, os interesses individuais tendem a prevalecer. Para o autor, na economia do dinheiro, a vida prática adquire uma exatidão calculista, os valores qualitativos são reduzidos a valores quantitativos, "o dinheiro [...] pergunta pelo valor de troca, reduz toda qualidade e individualidade à questão: quanto?" (p. 15). Segundo Simmel, ao introjetar o ideário da economia monetária, o indivíduo propende a desenvolver a atitude blasé, um embotamento do poder de discriminar, a qual faz com que o significado e os valores diferenciais das coisas sejam experimentados como destituídos de substância. As coisas aparecem ao indivíduo blasé em um tom uniformemente plano e fosco fazendo com que objeto algum mereça preferência sobre outro (p. 18).

No ambiente neoliberal, da economia monetária, altas doses de objetividade e pragmatismo são necessárias ao indivíduo para que ele possa responder às demandas que lhe são feitas. Ademais, afim de não ser excluído do sistema de produção e consumo, o indivíduo se vê forçado a conquistar uma flexibilidade que lhe permita acompanhar o princípio de mercado. Três consequências dessa nova forma de capitalismo parecem ter efeitos sobre as práticas e expectativas amorosas: 1) a desregulamentação, a flexibilização e a flutuação de regras e normas político-econômicas que passam a ser orientadas em função do mercado; 2) a responsabilização imposta sobre o indivíduo pelo seu próprio bem-estar assim como a ênfase dada à realização e supremacia dos interesses individuais; e 3) a facilitação da construção de relações humanas essencialmente utilitaristas nas quais o outro é colocado no lugar de instrumento ou meio de acesso à autossatisfação.

Um dos possíveis efeitos da nova forma de capitalismo sobre o relacionamento amoroso propriamente dito está exatamente no modo como muitos indivíduos se habituam a se relacionar com o outro. Por exemplo, conforme acontece na maior parte das vezes na prática do "ficar" (Chaves, 2001), o outro é visto como objeto de gozo, fonte de prazer próprio e diversão. Ainda que o outro não seja tratado como meio de acesso à autossatisfação, manter com ele uma relação amorosa estável pode ser percebido pelo indivíduo como um compromisso e uma responsabilidade a mais, tendo em vista as diversas obrigações e demandas que ele precisa responder na sociedade competitiva orientada pelas leis do mercado. Ao ter essa percepção, o indivíduo pode acabar por optar ter relações amorosas eventuais ou sem compromisso ou, mesmo que deseje ter um relacionamento estável, não se sentir capaz de fazer frente a mais esse investimento.

O segundo aspecto da cultura contemporânea que queremos assinalar é a ênfase dada ao aqui e agora, a um "presente contínuo" (Bauman, 1998, p. 113), a qual faz o longo prazo perder significância e contribui para que os compromissos duradouros sejam vistos como aprisionamentos. Ao se ampliar o valor do tempo presente, o longo prazo é percebido como desidratante, responsável pela perda de oportunidades, pelo atraso na realização de metas diversas, pelo esmaecimento do prazer que é atrelado à novidade no âmbito da sociedade de mercado e consumo. Além da novidade, nessa sociedade, o prazer e o frenesi são associados à mudança constante, à promessa de viver algo inusitado, à possibilidade de acumular mais e diferentes sensações.

A ideia de um presente contínuo pode ser pensada como um encurtamento ou compressão do tempo que expõe o indivíduo a uma sensação frequente de ter que correr contra o tempo, de estar perdendo tempo e de o tempo estar passando mais rápido. Desse modo, parece ser mais difícil para ele despender algum tempo para alcançar uma meta ou planejar um investimento em longo prazo ou abrir mão de uma satisfação imediata em prol de uma realização futura. A compressão do tempo é provocada pelo avanço das tecnologias e da velocidade que elas alcançam; pelo encurtamento do tempo no qual as máquinas são consideradas obsoletas; pelo ritmo de consumo esperado pelo mercado e pela pressão (demandas) que é feita sobre o indivíduo; e, ainda, pela rapidez dos meios de comunicação e das inúmeras e diversas informações que são transmitidas. Esses fatores provocam uma aceleração no ritmo de vida, o qual é percebido, sobretudo, nas grandes cidades, e uma ênfase no tempo presente.

O terceiro e último aspecto aqui enfatizado como importante para se compreender o contexto atual no qual as noções e práticas amorosas são forjadas é o sentido e o valor dado à liberdade individual. De acordo com Mancebo, na atual forma de capitalismo, orientado pelo princípio de mercado competitivo, ocorre que "[...] o postulado liberal encontra-se profundamente exacerbado no ideário neoliberal, a partir de suas teses em defesa de um Estado não planificado, que possibilite aos indivíduos uma conduta plenamente livre" (Mancebo, 2002, p. 108). Há uma "hipertrofia da ‘liberdade individual’" (Ibidem) no sentido de haver uma ênfase na orientação do indivíduo em função do seu autointeresse, da sua liberdade de escolha e do alcance de seus próprios objetivos, independentemente dos objetivos, das necessidades, dos desejos e dos direitos do outro. Como afirma Enriquez (2003), "o indivíduo [...] é rei e reclama a mais completa liberdade [...]" (p. 14).

Mais especificamente, a concepção de liberdade individual que é valorizada na cultura ocidental contemporânea está relacionada a duas proposições: uma, viver como bem quiser e ser livre para se movimentar, e a outra, ter opções e ser livre para escolher. Essa concepção de liberdade rechaça qualquer forma de coerção ou de constrangimento vindos de um outro ou de si próprio. Isto é, o indivíduo quer ser e se sentir livre de quaisquer leis ou limites que restrinjam as suas possibilidades de buscar a satisfação das próprias necessidades e a felicidade privada. Segundo Bauman (1998), em nossa sociedade, o indivíduo espera ter uma liberdade livre de riscos, o desfrute de sua liberdade e um "final feliz" garantido, resultados assegurados.

 

Método e procedimentos da pesquisa

O objetivo deste artigo é discutir a heterogeneidade das percepções de jovens sobre os relacionamentos amorosos na atualidade. Para levar a cabo a investigação que deu origem a ele, foi usado um referencial teórico multidisciplinar, das áreas das Ciências Humanas e Sociais, e feita uma pesquisa de campo de abordagem qualitativa. Foram realizadas doze entrevistas, extensas e semiestruturadas, com jovens (seis moças e seis rapazes) de 18 a 25 anos de idade, moradores das zonas Sul e Oeste, especificamente da Barra da Tijuca, da cidade do Rio de Janeiro, pertencentes às classes médias. Os jovens participantes da pesquisa foram indicados por pessoas do círculo de amizades da autora, contactados por telefone, e, quando aceito o convite, entrevistados em suas residências – com exceção de duas jovens que foram entrevistas em seus locais de trabalho e uma jovem entrevistada na casa da autora. O local da entrevista era de escolha do participante. A duração das entrevistas variou de 40 minutos a 1 hora e 20 minutos. Todas elas foram gravadas e, depois, transcritas ipsis litteris por um profissional especializado. Posteriormente, o material coletado foi interpretado, empregando-se o método da análise de conteúdo. As seguintes questões norteadoras foram usadas para as entrevistas: o que é o amor para você? Quais são as suas expectativas no que diz respeito ao relacionamento amoroso? Do quê, de quem depende o sucesso de um relacionamento? Quais são os sentimentos necessários de ter em um relacionamento amoroso? O que te incomoda em um relacionamento amoroso? Como você acha que estão os relacionamentos amorosos nos dias de hoje, em nossa sociedade?

A discussão que se segue é um recorte do problema investigado. Tendo em vista os limites do presente texto, ela apresenta a análise de alguns dos resultados alcançados. Logo ela não esgota o material obtido com essas questões norteadoras e o referencial teórico usado. Isso significa dizer que são possíveis variações de leitura da questão estudada e que estão abertos caminhos para novas pesquisas.

Para facilitar a compreensão do leitor, ao longo da análise dos resultados, quando citadas, as falas dos entrevistados aparecerão editadas no que diz respeito aos vícios de linguagem e erros de português. As citações virão seguidas do nome (fictício) e da idade do jovem.

 

Resultados e discussão

A heterogeneidade das percepções: variações entre dois extremos

Apesar de, como será visto a seguir, a percepção dos jovens sobre o quadro amoroso na atualidade ser heterogênea, a noção que eles têm do amor pode ser delineada mesmo se sabendo que essa noção não é imutável e, em um universo mais amplo, também não é unívoca. Antes de tudo, o que se depreende das entrevistas é que, para esses jovens, o amor é contextual, como diz uma entrevistada: "É, eu já tive várias concepções sobre o que é o amor. E eu acho que isso é uma coisa que vai mudando, principalmente com a convivência com a outra pessoa" (Fabiana, 23 anos). Semelhante aos outros entrevistados, a fala dessa jovem expressa como o amor é um sentimento entendido e vivido de acordo com o momento ou período atual da vida de cada um. Ele pode mudar ao longo da vida, tomar formas diversas que variam conforme as crenças, necessidades, experiências, práticas e expectativas do indivíduo. Sendo a vida percebida como suscetível a uma série de mudanças (subjetivas e objetivas), a noção de amor, a forma como ele é vivido, representado e sentido também o é, caso contrário, "se você ficar parado você acaba... Sei lá. Morrendo ou não representando mais nada" (Bruno, 22 anos).

O amor é compreendido como um sentimento muito forte e profundo por um outro, que aproxima dois indivíduos, que faz com que eles queiram estar juntos. "Querer estar junto ao outro" é uma ideia central que se repete nos discursos dos jovens, sobretudo dos rapazes. Então, amar é querer estar com o outro, é uma noção intimamente articulada, ou melhor, misturada à de relacionamento. Ao falar de "amor", referem-se necessariamente a "relacionamento amoroso". Amor é "uma relação mais madura" (Fabiana, 23 anos), ou seja, não existe em si, pronto e acabado, é um sentimento relativo construído no/pelo relacionamento, "vem muito da amizade, da convivência" (Bruno, 22 anos). Dizer que o amor vem da convivência, antes de tudo, significa afirmar que ele é mais do que pura atração física. Essa compreensão do amor se aproxima da ideia de Enriquez (2003) de uma "construção amorosa" que exige tempo e traz dificuldades inerentes a ela. A partir dos discursos dos jovens, pode-se dizer que o amor é mais racional no sentido de levar em consideração o exterior para a sua existência e permanência, é menos idealizado e mais pragmático, posto que acontece a partir de um conjunto de fatores (na convivência) que o torna possível e relativo, como afirma esta jovem: "Eu acho que o amor é uma coisa muito relativa. Eu acho que, em alguns momentos da sua vida, você não amaria determinadas pessoas" (Bianca, 19 anos).
Articular amor e amizade/convivência implica em pensar que ele exige de cada um dos indivíduos um esforço para se sentir/ manter determinados afetos pelo outro, tais como "carinho" e "benquerer", e para criar condições concretas a fim de viabilizar o relacionamento, tais como "objetivos comuns", "compartilhamento de experiências" e "preservação da individualidade". Então, saber ceder, compreender e, fundamentalmente, respeitar o outro são considerados requisitos importantes. Na definição dos jovens, além desses requisitos, também deve haver atenção, confiança, honestidade, cuidado e preocupação com o outro. Podemos dizer que o amor assim entendido pressupõe um esforço mútuo e recíproco; uma flexibilidade e uma capacidade de negociar e, se necessário, mudar regras e atitudes; além de demandar de cada um dos parceiros um trabalho psíquico e mental constante. Estes devem atentar a todo instante para os seus desejos, as suas ações e expectativas, as suas dificuldades e satisfações com o intuito de avaliar e negociar internamente, com ele mesmo, o encaminhamento da relação.

No que se refere especificamente à percepção dos jovens sobre os relacionamentos amorosos na atualidade, no conjunto das entrevistas, ela oscila entre dois extremos. De um lado há avaliações tais como: "normal", "equilibrado", "nenhum distúrbio" e "como sempre". De outro lado: "muito mal", "uma putaria", "complicado", "uma bagunça", "uma zona" e "o caos total". Para os primeiros não existe qualquer "distúrbio profundo" que afete os relacionamentos; eles continuam acontecendo da mesma maneira que os de décadas atrás, das gerações de seus pais e avós. Essa forma de perceber as relações é mencionada por alguns poucos rapazes. Para uma maioria, sobretudo feminina, há mudanças significativas caracterizadas pela instabilidade, incerteza e insegurança que se têm nos relacionamentos, e pela incompreensão, pelo desrespeito e pelo descompromisso existentes entre os indivíduos.

 

O mesmo

Para os rapazes que veem os relacionamentos amorosos dos dias de hoje como iguais aos de seus pais e avós, o que há são namoros monogâmicos e fiéis, e relações esporádicas pautadas pela procura de prazer físico sem compromisso, como diz este jovem:

Acho que não tem nenhum distúrbio, nada que afete a sociedade de uma maneira profunda. "Nossa! Está tendo uma revolução!" Acho que normal. Acho que têm os dois lados. De um lado, namoro como acontecia entre meus pais, meus bisavós. O lance de estar sempre com a mesma pessoa. E, de outro lado, a liberdade para você sair para a noite e curtir (Augusto, 20 anos).

Embora falem da similitude entre as formas relacionais de outrora e as atuais, esses rapazes fazem referência a duas mudanças: a liberdade da mulher e a diminuição da troca de parceiros. Eles mencionam o fato de hoje a mulher ter mais liberdade no campo amoroso, já que elas podem tomar a iniciativa de se aproximar do outro e buscar ativamente a satisfação amorosa e sexual. E observam também que, quando comparado às décadas de 1970 e início de 1980, hoje há uma diminuição na troca, "rotatividade" de parceiros. É o que aparece na fala desse entrevistado: "Só muda isso. Acho que [os relacionamentos] estão normais. Acho que a única coisa que muda é esse lance da rotatividade. Antes, eu acho que [a rotatividade] era maior, e hoje está mais contido" (Daniel, 19 anos). Uma razão dada por eles para sua percepção de uma diminuição na troca de parceiros é a ameaça de contaminação do vírus da aids.

Em uma primeira leitura, vemos que os fatos de a mulher ser mais ativa na abordagem afetivo-sexual e mais direta ou afirmativa no que se refere à relação sexual são vistos positivamente por esses rapazes. Nesse contexto, eles ressaltam a possibilidade de "pegarem" mais mulher, de aumentarem as chances de consumar uma relação sexual e de fazerem menos "esforço" para que isso ocorra. Em uma segunda leitura, percebemos como esses jovens introjetaram o valor mercantil do neoliberalismo, como reproduzem a lógica do consumo, como enfatizam os próprios interesses e como eles acabam por coisificar a mulher, tornando-a um objeto descartável que lhes proporciona prazer fácil. Nota-se também a contradição entre a prática de "pegar mais mulher" e o discurso da mudança de comportamento (diminuição na troca de parceiros) decorrente da ameaça de contaminação do vírus da aids.

Além de facilitar a construção de relações nas quais o outro é colocado no lugar de instrumento, de meio de acesso à autossatisfação, a maneira como esses rapazes avaliam e expressam a sua percepção do campo amoroso da atualidade reproduz uma perspectiva tradicional e machista das relações afetivo-sexuais. O machismo aparece, por exemplo, no discurso deste jovem: "Eu tenho um amigo desses que ‘fica com várias, e é muito engraçado porque ele se orgulha de dizer o número [de com quantas ele ‘ficou’]. No entanto, ele acha que as mulheres que ‘ficam com’ vários numa noite são sujas. Muito machismo isso" (Fábio, 20 anos). A fala desse jovem mostra a desigualdade entre os gêneros que, de acordo com Chaves (2008), "ainda persiste no discurso e na prática" e expressa como "determinados modelos de gênero aprisionam mulheres e, também, homens, e limitam as suas esferas de ação e formas de satisfação [...]" (p. 635).

Conforme mostram estudos sobre as transformações nas relações amorosas (Chaves, 2001 e 2004; Giddens, 1993; Goldenberg, 2006; Vaitsman, 1994; entre outros), a longa, complexa e ainda atual luta de homens e, principalmente, de mulheres pela conquista de relações mais igualitárias e satisfatórias é aqui percebida como algo menor. A ênfase está na questão sexual e quantitativa (número de parceiros e alternância entre eles), isto é, na vantagem que eles podem vir a ter com a mudança de costumes e valores. É o que diz este jovem quando perguntado sobre o que ele acha da mulher tomar a iniciativa da aproximação: "Eu acho legal. Quando isso acontece, eu acho que eu me dei bem. É menos esforço para mim. Já tenho meio caminho andado [para conseguir ‘ficar com’ a pessoa]" (Augusto, 20 anos). A forma como as mudanças são percebidas reduz a complexidade das transformações amorosas ocorridas ao longo da história e os impactos que elas produzem na vida íntima dos indivíduos. É dessa complexidade que outros jovens entrevistados falam.

 

O caos

Para aqueles que são mais críticos em suas análises sobre os relacionamentos amorosos na atualidade, principalmente entre as moças, há mais problemas, instabilidade e insegurança nas relações. É o que aparece, por exemplo, no discurso desta entrevistada:

Mas que as pessoas estão com problemas para se relacionar estão. Porque todo mundo, todas as pessoas com as quais eu começo a conversar sobre isso, falam isso. Todo mundo fala isso. Que as pessoas têm problemas de relacionamento. Hoje em dia, na nossa idade, é o que mais aparece (Bianca, 19 anos).

Alguns dos jovens, sobretudo aqueles do sexo feminino, veem o quadro amoroso da atualidade com ceticismo. Entre outras razões, assim o percebem por causa da generalização e banalização da infidelidade, a qual, na visão de algumas jovens, tornou-se "moda", e da dificuldade que sentem em encontrar um parceiro amoroso no qual confiem e com quem possam construir uma relação satisfatória para ambas as partes. De acordo com Chaves (2008), para muitos jovens, "fidelidade e confiança estão necessariamente relacionados e formam uma esperada equação que se traduz em: relacionamento sério = ser fiel com o outro, ter confiança mútua" (p. 629). Segundo a autora, a infidelidade, ainda que praticada por homens e mulheres, "é percebida como uma ameaça à confiança que se tem no outro" (Ibidem), e, com ela, surge um ambiente de insegurança e instabilidade nas relações. Algumas dessas percepções aparecem, por exemplo, no discurso dos seguintes entrevistados quando eles falam sobre os relacionamentos na atualidade:

Acho que está uma zona. As pessoas não confiam nas outras pessoas. Não existe mais uma confiança, uma reciprocidade entre as pessoas. As pessoas, os jovens chifram as outras pessoas (Ângela, 23 anos).
Eu acho que o namoro perdeu muito aquela coisa, assim, de você levar o namoro a sério, de ser uma coisa importante [ênfase]! De as pessoas se entregarem. Hoje em dia, eu acho que tem muito pouco isso. Hoje em dia, numa roda de amigos, assim, não digo que são os meus amigos nem os do meu namorado, mas agora a moda é trair namorada, trair namorado (Fabiana, 23 anos).

O ceticismo transparece ainda quando esses jovens associam a instabilidade das relações ao aumento e à facilidade de a separação acontecer, mais, de o casamento terminar pouco tempo depois de ter sido consumado. Esta última percepção dos jovens é contradita pelo panorama da década de 1990 das Estatísticas do Registro Civil traçado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com esse panorama, houve um prolongamento da duração dos casamentos antes da dissolução. A média de duração das uniões terminadas em dissolução aumentou de 9,5 anos (1990) para 10,5 anos (2000). Porém, no que diz respeito à facilidade de a separação acontecer, no âmbito jurídico, essa percepção é confirmada pela Lei nº 11.441 sancionada pelo presidente da República em 2007. Essa lei facilitou a realização da separação ou do divórcio, que agora podem ser feitos por meio de escritura pública, em qualquer tabelionato do País, desde que sejam de natureza consensual e não envolvam filhos menores de idade ou incapazes (IBGE, Estatísticas do Registro Civil, 2007).

No que se refere à percepção dos jovens de haver um aumento de separações, segundo os dados do IBGE, na avaliação da série compreendida entre 1997 e 2007 (último resultado divulgado), houve pouca oscilação nas taxas de separação judicial. No entanto, em 2007, tanto as separações judiciais quanto os divórcios tiveram crescimento no seu volume total. No ano de 2007, quando a instituição do divórcio no Brasil completou 30 anos, as taxas de divórcio atingiram o seu maior valor na série mantida pelo IBGE desde 1984. De acordo com esse instituto, considerando a soma das separações e dos divórcios diretos sem recursos no ano de 2007, aproximadamente, para cada quatro casamentos realizados, houve uma dissolução. Ainda seguindo a análise dos resultados das Estatísticas do Registro Civil de 2007 feita pelo IBGE, há uma elevação das taxas de divórcio facilitada pela lei supracitada. Isso significa que muitos homens e mulheres optam por formalizar suas dissoluções pelo divórcio direto, ou seja, sem passar por uma separação judicial anterior.

Por último, contribuindo para a percepção dos jovens sobre o número de dissoluções amorosas, para o IBGE, a elevação das taxas de divórcio revela "uma gradual mudança de comportamento na sociedade brasileira, que passou a aceitar o divórcio com maior naturalidade e a acessar os serviços de justiça de modo a formalizar as dissoluções" (IBGE, Estatísticas do Registro Civil, 2007). Entendemos que essa maior aceitação do divórcio é um dos fatores que concorre para que a finitude seja um dos elementos que caracteriza o quadro amoroso da atualidade. Como afirmam Féres-Carneiro e Magalhães (2005), "Os sujeitos cada vez mais consideram a possibilidade de dissolução do laço conjugal desde a sua inauguração, mesmo quando o elemento central da união do casal é o sentimento amoroso, com todas as suas prerrogativas e promessas de eternidade" (p. 112).

De acordo com os jovens entrevistados, a maior instabilidade e insegurança nas relações acontecem em decorrência de vários fatores que estão interligados: o aceleramento do ritmo de vida; os problemas financeiros pessoais; a maior liberdade e independência da mulher; o enfraquecimento ou a flexibilização da moral; a facilidade com que a relação sexual acontece; a mercantilização das relações; a busca de prazer imediato; o descompromisso entre os indivíduos e o receio de se envolver amorosamente com o outro; o processo de individualização centrado na valorização do próprio bem-estar, na busca de autorrealização e autossatisfação; e a menor compreensão e tolerância com o outro. Entendemos que esses fatores assinalados pelos jovens favorecem a flexibilização de normas e regras que norteiam os relacionamentos, fazendo com que eles se tornem autorregulamentados, e provocam sentimentos de precariedade, instabilidade, desconfiança e incerteza diante das relações. Uma das consequências que surge daí é o que diz esta jovem: "É, está na moda não se envolver. É incrível o número de pessoas traumatizadas assim! Homens travados e mulheres com trauminhas" (Bianca, 19 anos).

Apesar de os jovens apontarem para esses fatores, explicitarem o modo como a sociedade, de maneira geral, interfere na construção de práticas e expectativas amorosas, muitos entre eles acabam por privatizar e particularizar a questão amorosa. Assim, o sucesso ou o fracasso de um relacionamento é atribuído às capacidades ou dificuldades internas do indivíduo. Nesses casos, pouco se leva em conta os efeitos que os fatores supracitados têm sobre as práticas cotidianas, as expectativas criadas, as habilidades socioafetivas desenvolvidas, e a real possibilidade de coletivamente se mudar tais fatores. As ideias que acabam predominando e atravessando seus discursos são as de que o indivíduo não sabe se relacionar ou ele é muito reprimido, ou ele é estranho, ou ele é complicado, ou ele está fora do seu tempo. Ideia semelhante a essas aparece, por exemplo, quando este jovem explica por que está mais difícil encontrar um parceiro amoroso hoje: "Acho que, às vezes, é uma deficiência sua que você não aceita e, então, você diz que está mais difícil de encontrar pessoas. [...] Acho que é um defeito individual que acaba influenciando no teu relacionamento" (Daniel, 19 anos).

Pensamos que, assim como esse jovem interpreta o desencontro amoroso, a participação de cada um dos indivíduos no desenho das configurações amorosas e no exercício da sua prática é importante e inegável. Entretanto, entendemos que a construção dos relacionamentos deve ser compreendida com base em uma perspectiva mais ampla. Isto é, na vivência amorosa, o indivíduo não deveria ser simplesmente e unicamente colocado no lugar do protagonista responsável pelo modo como as relações afetivo-sexuais ocorrem. Fazer isso é correr o risco de culpabilizar cada um dos indivíduos e retirar da sociedade, como um todo, a capacidade de forjar formas relacionais diversas. Ao ser colocado nesse lugar, muitas vezes, o indivíduo pode acabar se sentindo "defeituoso" e incapaz de se relacionar com o outro. Acaba acreditando que a sua relação amorosa é menor quando comparada às histórias de arroubo apaixonado que são veiculadas e vendidas pela sociedade de consumo.

Ao privatizarem e particularizarem a questão amorosa, ao culpabilizarem cada um dos indivíduos, singularmente, pelo fracasso ou pelas dificuldades do relacionamento amoroso na atualidade, ou seja, ao colocarem a responsabilidade por eventuais fracassos, exclusivamente ou preferencialmente, no plano individual, esses jovens ignoram a carga de responsabilidade e de demandas que é depositada sobre aqueles no capitalismo desorganizado da atualidade. Certamente esse sistema não justifica por si só as ações do indivíduo, mas há que se pensar que pesa sobre ele uma série de cobranças e exigências com as quais ele tenta lidar.

Se, por exemplo, o número de separações aumenta, em parte, talvez seja porque a lógica de mercado aprova, estimula e habitua o indivíduo a procurar viver em função da satisfação do próprio desejo, o qual logo que satisfeito perde sua potência e seu encantamento, fazendo com que o indivíduo se dirija para, deseje algo novo e diferente. Se tantos jovens valorizam a quantidade de pessoas com quem "ficaram" em uma noite, pode-se compreender isso entendendo, assim como o faz Bauman (2004), que hoje se vive "num mundo em que a seriedade de algo é representada apenas por números, e, portanto, só pode ser apreendida dessa maneira" (p. 38). Ainda, que prevalece a tendência "a tratar os outros seres humanos como objetos de consumo e a julgá-los, segundo o padrão desses objetos, pelo volume de prazer que provavelmente oferecem e em termos de seu ‘valor monetário’" (op. cit., p. 96). Se a infidelidade "virou moda", parece contribuir para isso o fato de a sociedade do espetáculo transformar a exibição em um atributo fundamental para a existência e, nessa exibição performática, "a predação do corpo do outro" (Birman, 2000, p. 167) é uma maneira de exaltação e glorificação de si mesmo. Com base nessas ponderações, pensamos que perceber e refletir sobre as características da cultura em que se vive pode ajudar os indivíduos a se sentirem menos céticos, "defeituosos" e "traumatizados", e a, coletivamente, forjarem outras formas relacionais.

 

Outras variações

No conjunto heterogêneo das percepções dos jovens sobre os relacionamentos amorosos na atualidade, entre a visão do mesmo e a do caos, uma outra percepção que mais se destaca é a do adiamento na consumação de um casamento. Alguns dos entrevistados enfatizam o fato de frequentemente ocorrer um prolongamento ou uma fixação em determinada "fase" da vida amorosa, tal como a da experimentação, ou "ficação", e a do namoro. Esse adiamento é entendido por eles como o resultado de um forte processo de individualização no qual o indivíduo prioriza a sua liberdade. O jovem deseja "aproveitar" mais a vida, o que significa viver em busca de mais e maiores prazeres, e manter a própria liberdade, livre de quaisquer limitações ou constrangimentos que possam ser impostos por um parceiro amoroso fixo. Ademais, esse adiamento é compreendido por eles também em razão da valorização de outras dimensões da vida. Assim, para além da vida amorosa, enfatiza-se a satisfação de outras esferas da existência, tais como a profissional e a financeira. Entre outros depoimentos, tais percepções são expressas nestes:

Não é só aproveitar mais a vida de sair, mas também de estudar. Hoje em dia, todo mundo quer estudar, quer se formar, antes de pensar nessas coisas. Antigamente não. Por exemplo, minha avó. Minha avó casou com 15 anos, 16 anos, 17. Muito nova. Ainda não tinha uma estrutura de vida. Eu acho que é isso. Hoje em dia, todo mundo está querendo mais se fazer, se fortalecer na vida. Mais do que casar. Primeiro garantir um emprego, se formar, ter realmente uma vida, para poder se sustentar sozinho (Eunice, 20 anos).
Eu acho que tudo foi retardado [adiado] um pouco por causa desse negócio de ser de ninguém [de não haver compromisso]. Você começa a namorar um pouco mais tarde. Muitos amigos meus não namoram, inclusive eu. Então você casa mais tarde. A maioria das pessoas está casando mais tarde (Fábio, 20 anos).

Essa percepção dos jovens é confirmada pelos dados do IBGE. Na comparação das Estatísticas do Registro Civil de 1997 e 2007, houve um adiamento dos casamentos e também uma diminuição no número de casamentos entre solteiros, tanto para homens quanto para mulheres de 15 a 24 anos de idade. De acordo com a avaliação dos resultados das Estatísticas do Registro Civil de 2007, ainda que a análise dos dados dos casamentos por estado civil dos cônjuges evidencie a preponderância de casamentos entre indivíduos solteiros, há uma tendência de declínio constante da proporção de casamentos entre solteiros no País, passando de 90,1%, em 1997, para o patamar atual de 83,9%. Entretanto, apesar de o adiamento do casamento existir para ambos os sexos, comparativamente, as mulheres casam mais cedo do que os homens. No período entre 1997 e 2007, enquanto a maior taxa de casamentos entre solteiros, por grupo de idade do homem, passou de 20-24 anos para 25-29 anos, entre solteiros, por grupo de idade da mulher, a maior taxa permaneceu no grupo de 20-24 anos de idade.

A valorização feita por muitos jovens de outras dimensões da vida, além da amorosa (o que, segundo os jovens entrevistados, contribui para a opção de adiar o casamento), aparece na pesquisa Conjugalidade dos pais e projetos de vida dos filhos frente ao laço conjugal (Féres-Carneiro apud Ramalho, 2006). De acordo com esse estudo feito com jovens de 19 a 30 anos de idade, pertencentes às classes média e média alta, os projetos profissionais estão mais presentes nos planos e preocupações dos jovens do que a vida conjugal. Em outros estudos, tais como os de Chaves (2004) e Lipovetsky (2000), também é enfatizada a importância dada por homens e, principalmente, por mulheres à formação acadêmica, à carreira profissional, à independência financeira, e às possibilidades de autossatisfação e de autorrealização por meio de outros planos da existência, diferentes do amoroso. Essa perspectiva é expressa ainda na pesquisa de Chaves (2007) com 32 jovens (22 do sexo feminino e 10 do sexo masculino) de 14 a 24 anos de idade, moradores de uma comunidade pobre da cidade do Rio de Janeiro. Segundo a autora, o casamento e a constituição de uma família fazem parte do projeto de futuro de metade dos jovens. Por outro lado, com exceção de um rapaz e de duas moças, todos os jovens fazem planos de uma vida nos quais os temas do trabalho, estudo, profissão e condição financeira estão presentes (todos os temas juntos ou com variação entre eles).

 

Considerações finais

Tendo em vista as percepções dos jovens entrevistados sobre o quadro amoroso da atualidade, vê-se que não há uma homogeneidade de opiniões nem uma clara e forte dominância de alguma delas. Nesse quadro plural, o sentimento de indignação emerge do discurso de vários dos entrevistados, fazendo com que o percebamos como se fosse um pêndulo que se movimenta de uma extremidade a outra, um marcador que mede a proximidade de um ou outro ponto. Para aqueles que acham que está tudo normal, a indignação é zero. Não há o que mudar, não se tem pelo que lutar no campo amoroso. O que existe é várias e diversas opções, e o trabalho do indivíduo é escolher uma delas, aquela que mais o apraz no momento específico de sua vida. Para aqueles que percebem e nomeiam as transformações ocorridas nesse campo, ou melhor, que enxergam nele aspectos negativos e complexos, a indignação é uma curva ascendente que pode chegar a dez e que expressa o mal-estar com a fragilidade dos vínculos humanos, com a falta de confiança e respeito em relação ao outro. É o que diz, por exemplo, esta jovem entrevistada, quando fala sobre o modo como vê os relacionamentos amorosos nos dias de hoje:

As pessoas não são amigas, as pessoas não estão preocupadas com as outras pessoas, e isso acaba se refletindo nos relacionamentos. Você se preocupa com aquela pessoa? Fica se preocupando? Você sabe o que ela está sentindo? Preocupou-se com ela? Você sabe quais são os defeitos dela? Você sabe se ela tem qualidade e defeito? As pessoas não veem. Elas estão preocupadas em se satisfazer (Ângela, 23 anos).

Embora, muitas vezes, os jovens indignados se sintam desorientados e céticos, alguns deles acreditam que algo pode mudar e que vai mudar. No entanto, a perspectiva de mudança sinalizada por eles é frágil e nebulosa como se, na verdade, acreditassem pouco nisso. Mencionam a possibilidade de mudança sem assinalar as forças e as ações necessárias para viabilizar este movimento. Nessas horas, os sentimentos mais fortes que transparecem são os da impotência e da insegurança. A transformação esperada parece dever surgir de fora, resultado da ação de um outro. Ao mesmo tempo, paralelamente a esses sentimentos, nas experiências vividas e narradas por esses jovens se percebe tentativas concretas de lidar com as dificuldades que surgem nas suas experiências e perspectivas amorosas. Na busca de estratégias e significados que orientem, organizem e deem sentido aos seus relacionamentos amorosos, esses jovens encontram, no atual contexto social, político-econômico e cultural, elementos que os ajudam. Nesse sentido, as mesmas características que contribuíram para mudar e desestabilizar as relações amorosas possibilitam que elas ocorram. Assim, as formas relacionais amorosas da atualidade se caracterizam, em grande parte, pela flexibilização de normas e regras que passam a ser autorregulamentadas e avaliadas constantemente; pelo valor atribuído à autossatisfação e autorrealização; pela ênfase dada ao tempo presente, à novidade e à liberdade individual; e pelo maior pragmatismo e contextualização dos relacionamentos.

 

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Recebido: setembro de 2009
Aprovado: abril de 2010

 

 

* Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora efetiva do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC), do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, professora do IBMR – Laureate International Universities do Rio de Janeiro, e da Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro. E-mail: jcchaves2@terra.com.br.

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