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Pensando familias
versão impressa ISSN 1679-494X
Pensando fam. vol.25 no.2 Porto Alegre dez. 2021
ARTIGOS
Violência contra mulheres: 44 anos de pesquisa mapeados a partir dos softwares citespace e VOSviewer
Violence against women: 44 years of research mapped from citespace and VOSviewer
Cintia Loos Pinto1, I, II ; Juliana Maria Magalhães Christino2, I
I Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
II Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Viçosa (UFV)
RESUMO
Esta bibliometria visa avaliar como vem se desenvolvendo as pesquisas sobre a violência contra as mulheres. Esse tipo de violência geralmente acontece com núcleos familiares já em formação e afetam também profundamente as famílias das vítimas. Foram analisadas, através dos softwares bibliométricos Citespace e VOSviewer, 4576 publicações indexadas na base de dados da Web of Science durante o período de 1975 a 2019. Dentre os cinco autores mais produtivos todas são mulheres, destacando-se Raquel Jewkes. Os Estados Unidos sobressaem-se como o país que mais contribuiu com o avanço da temática em questão, valendo observar que o Brasil foi o quarto país mais produtivo a partir de seus pesquisadores da Universidade de São Paulo. Dentre as palavras-chave mais frequentes utilizadas pelos autores foram violence against women, domestic violence e intimate partner violence e o estudo mais citado pelos artigos analisados foi o de Garcia-Moreno (2006).
Palavras-chave: Violência contra mulher, Feminicídio, Bibliometria.
ABSTRACT
This bibliometry aims to evaluate how research on violence against women has been developed. This type of violence usually happened with families already in formation and also deeply affected the families of the victims. 4,576 publications indexed in the Web of Science database during the period from 1975 to 2019 were analyzed using bibliometric software Citespace and VOSviewer. Among the five most productive authors, all of them are women, especially Raquel Jewkes. The United States stands out as the country that most contributed to the advancement of the subject in question, it is worth noting that Brazil was the fourth most productive country from its researchers at the University of São Paulo. Among the most frequent keywords used by the authors were violence against women, domestic violence and intimate partner violence and the study most cited by the articles evaluated was Garcia-Moreno (2006).
Keywords: Violence against women, Feminicide, Bibliometry.
Introdução
A violência contra as mulheres é definida pelas Nações Unidas como qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em dano físico, sexual, dano psicológico ou sofrimento para as mulheres, incluindo ameaças, coerção, ou privação arbitrária de liberdade, tanto na vida pública como na vida privada (Data Folha, 2016). As causas destes crimes não se devem às condições patológicas dos ofensores, mas sim ao desejo de posse por parte destes acerca das mulheres as quais eles se relacionam (Gomez, 2014).
Para Freitas e Neto (2018) um cenário caótico assombra a realidade de muitas mulheres ao redor do mundo. Escuro e sangrento são os adjetivos comuns ao cotidiano silencioso que elas experenciam. Segundo esses autores, a questão tem proporções tão grandes que se pode afirmar que todas as mulheres durante sua vida sofreram algum tipo de violência pelo menos uma vez, seja ela de opressão e subordinação social, que se caracteriza como séria, complexa e multifatorial. Diante da gravidade de tais fatos, o conceito de feminicídio surge a partir de meados dos anos 1970, como uma nova maneira de indicar as mortes de mulheres por homicídio por conta da sua condição social de mulher, e ser oposição à aparente neutralidade do termo homicídio, que designava as mortes por assassinato sem a observação sobre as diferenças de sexo e gênero nestas mortes (Romio, 2017). No Brasil, um importante primeiro passo no combate à violência de gênero foi a criação da Lei Maria da Penha, lei 11.340, de 07 de agosto de 2006. Ela representa o maior avanço do ponto de vista legal, na defesa e garantia à vida das mulheres brasileiras. Seu principal objetivo é o de criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Outra forma de se olhar para o feminicídio é a partir das ponderações de Barrenechea (2012) que defende que ele tem íntima ligação com a forma com que o indivíduo constrói sua masculinidade. O ser humano toma modelos masculinos para seguir em sociedade por meios de socialização de agentes como a família, os meios de comunicação, escola, bairro, grupos de pares, casal, grupos religiosos, entre outros. A masculinidade é parte da identidade do homem que não é natural a ele, mas deve ser constantemente construída e reafirmada. Em outras palavras, significaria oposição e negação da figura feminina, que é a responsável por cuidar da família (Barrenechea, 2012).
O Ministério Público de São Paulo (2018) alerta que, em regra, a mulher sofre o ataque fatal em casa, e para cada três mulheres atacadas por um agressor com intenção efetiva do assassinato, uma morreu. Sobre o perfil das vítimas a maior incidência de feminicídio ocorre entre pessoas que têm ou tiveram uma relação de união estável, seguindo-se as pessoas que são ou eram casadas e em seguida pelas relações de namoro. Complementa também o Ministério Público de São Paulo (2018) que além de ser um crime brutal, cometido em regra “dentro de casa”, o feminicídio não é um crime “apenas” contra a mulher: ele é um crime que atinge a família e terceiros. Como vítimas indiretas tem-se os filhos e filhas ou genitora da vítima presentes no momento do ataque, em razão do sofrimento psicológico. Como vítimas diretas filhos e filhas, genitora e novos parceiros da vítima, quando também sofreram ataque/violência no contexto do ato de agressão.
A Organização dos Estados Americanos através da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2019) recomenda ao Estado brasileiro que fortaleça os mecanismos de prevenção e proteção com o objetivo de erradicar a violência e a discriminação contra as mulheres. Essa recomendação aponta para a importância de que sejam adotadas medidas abrangentes, organizadas com uma perspectiva de gênero e de natureza interdisciplinar, que abarquem componentes voltados para a eliminação de estereótipos discriminatórios dessa natureza. Assim, como as revisões de literatura e o exame de pesquisas anteriores são valiosas atividades no mundo acadêmico para propiciar o avanço do conhecimento e das teorias (Li, Ma & Qu, 2017), investigar como vem sendo a evolução das pesquisas sobre um determinado tema é contribuir de forma relevante para a fonte teórica de interesse. Deste modo, este presente estudo busca, portanto, responder a seguinte questão de pesquisa: como se configura o campo de estudos sobre a violência contra mulheres? Pretende-se que os resultados alcançados tragam luz acerca dos aspectos que vem sendo tratados a respeito desta temática, sinalizando principalmente quais são as referências que podem contribuir significativamente para o embasamento das futuras pesquisas, assim como a sugestão de estudos futuros.
Para tanto tendo em vista uma maior abrangência do entendimento das dinâmicas do campo de estudo e as características das publicações, optou-se por um estudo bibliométrico. Este artigo está organizado da seguinte forma: (i) a presente introdução (ii) apresentação dos procedimentos metodológicos de pesquisa; (iii) resultados e discussão e finalmente (iv) a apresentação das considerações finais sobre o estudo realizado.
Metodologia de Pesquisa
A presente pesquisa configura-se como um estudo do tipo bibliométrico, pois seu objetivo é a identificação de características, tendências e relações em um campo específico, neste caso o de estudos sobre a violência contra as mulheres. Dentre os resultados positivos que uma análise bibliométrica gera, considera-se principalmente o de facilitar a identificação das literaturas consideradas mais importantes do campo em estudo, assim como o levantamento das concentrações de pesquisas e tópicos emergentes.
A fim de otimizar o alcance do objetivo proposto a pesquisa bibliométrica será realizada utilizando o software CiteSpace e o VOSviewer. O primeiro é um aplicativo Java disponível gratuitamente para analisar e visualizar tendências emergentes e padrões de citação na literatura científica (Chen, Song, Yuan & Zhang, 2008). O CiteSpace, segundo Chen et al (2008) segue um modelo simples de comunicação acadêmica em que um corpo transitório de artigos científicos, coletivamente conhecido como frente de pesquisa, faz referência a um grupo de trabalhos na literatura, que é chamado de base intelectual. O VOSviewer também é um programa que foi desenvolvido para construção e visualização de mapas bibliométricos, permitindo que, através do visualizador, os mapas bibliométricos sejam examinados detalhadamente (Van Eck & Waltman, 2010). Este programa, segundo Van Eck e Waltman (2010) é executado em um grande número de plataformas de hardware e sistemas operacionais e pode ser iniciado diretamente da Internet.
Para execução desta pesquisa, foi utilizado como norteador dos procedimentos necessários para a análise bibliométrica o framework proposto por Prado, Alcântara, Carvalho, Vieira, Machado, e Tonelli, (2016). Esse passo-a-passo consiste em: (1) campo em estudo: (1.1) Escolha da(s) base(s) científica(s) ou periódicos; (1.2) Delimitação dos termos que representam o campo e (1.3) Operacionalização da busca e filtragem dos artigos. Assim, nesta pesquisa, o primeiro passo diz respeito à realização da busca a partir da base de dados Web of Science da Thomson Reuters, base que é considerada uma das mais completas e confiáveis cuja finalidade é promover a organização da produção científica segundo padrões rígidos de seleção (Prado et al, 2016). O quadro 1 apresenta um resumo dos procedimentos básicos de busca realizados.
A seguir, passou-se para o passo (2) Seleção e organização dos dados. Primeiramente, foi realizado o download das referências em formato planilha eletrônica (2.1), e, posteriormente, download das referências para utilização no software CiteSpace e VOSviewer (2.2).
Após a realização da etapa anteriormente descrita, foram selecionados pela Web of Science um total de 4.576 publicações que atenderam à filtragem determinada, sendo o intervalo de tempo das publicações o período de 1975 a 2019. Nesta etapa de análise e interpretações serão apresentadas características bibliométricas diversas como autores mais produtivos do campo, artigos e periódicos mais citados, países de origem das publicações, palavras-chave e etc, apresentados na forma de gráficos, redes e tabelas. Seguindo as orientações de Chen (2006), a Research Front (Frente de Pesquisa) é representada pelos artigos que foram acessados por meio da Web of Science (amostra de 4.576 artigos), já a Intellectual Base (Base Intelectual) é representada aqui pelas referências que foram citadas pelos artigos que foram mapeados na Web of Science, ou seja, as referências bibliográficas de cada artigo. Em seguida são expostos os resultados e feitas discussões sobre os mesmos.
Resultados e Discussão
Volume de Publicações ao Longo do Tempo
Com o objetivo de avaliar a evolução das publicações sobre a violência contra mulher desde a sua primeira indexação na base de dados da WoS, gerou-se o gráfico 1 exposto a seguir. Nele pode-se verificar que a primeira publicação ocorreu no ano de 1975 e apenas no ano de 1979 que outras 3 pesquisas surgiram. Essa primeira, denominada Evereday sexism + violence against women dos autoresCrachat, Prudence e Annieelm (1975) não foi citada nenhuma vez pela comunidade acadêmica. Já o artigo subsequente de Symonds (1979) intitulado Violence against women – myth of masochism foi o mais citado dentre os 3 publicados neste ano, alcançando 35 citações. Neste artigo é contestada a teoria masoquista de Freud que afirmava que as mulheres desfrutavam do sofrimento, buscando este artigo trazer outra ótica ao tema a partir da discussão de uma nova compreensão sobre a dinâmica de esposas que foram abusadas pelos maridos propensos à violência.
Esse discreto número de publicações que antecedem o ano de 1992, com um total médio anual de 2 pesquisas por ano (de 1975 a 1991), começa a modificar após o lançamento do livro de Radford e Russell (1992) denominado Femicide: The Politics of Woman Killing. Assim, neste ano um total de 14 pesquisas foram publicadas, indicando um maior interesse da comunidade acadêmica sobre o tema. No ano de 1995 foi publicado um dos mais importantes estudos sobre a violência contra a mulher. De autoria de Johnson (1995), intitulado Patriarchal terrorism and common couple violence – 2 forms of violence against woman, este artigo alcançou na comunidade acadêmica 1034 citações e ele sugere que algumas famílias sofrem explosões ocasionais de violência por parte de maridos ou esposas (violência conjugal comum), enquanto outras famílias são aterrorizadas pela violência sistemática masculina (terrorismo patriarcal).
A partir do ano 2000 ultrapassou-se o ainda discreto número de mais de 50 artigos publicados e foram necessários oito anos para que a marca de mais de 100 ocorresse. Importante destacar que no intervalo de tempo de 2000 a 2007 é publicado o artigo mais relevante desta amostra, que é o estudo de Garcia-Moreno (2006). A pesquisa Prevalence of intimate partner violence: findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence foi citada por outras 1295 publicações, tendo como objetivo estimar a extensão da violência física e sexual por parceiros íntimos contra mulheres em 15 locais em dez países: Bangladesh, Brasil, Etiópia, Japão, Namíbia, Peru, Samoa, Sérvia e Montenegro, Tailândia e República Unida da Tanzânia. Os resultados mostram que a violência entre parceiros físicos e sexuais contra as mulheres é generalizada e que a variação na prevalência dentro e entre os contextos destaca que essa violência é evitável e deve ser tratada.
No ano de 2012 ultrapassou-se mais de 200 artigos publicados e com o transcorrer de apenas três anos esse número dobrou já que em 2015 foi atingido o total de 403 publicações. Dentre esse período portanto de 2012 a 2015 destaca-se a pesquisa de Breiding et al (2014) Prevalence and characteristics of sexual violence, stalking, and intimate partner violence victimization – National intimate partner and sexual violence survey, United States, 2011, que foi citada 355 vezes. Este estudo examina a violência sexual, perseguição e vitimização por violência por parceiro íntimo nos Estados Unidos usando dados de 2011, observando uma série de impactos negativos experimentados como resultado desta prática negativa.
Durante os três anos seguintes, 2016, 2017 e 2018 o aumento do número de artigos foi constante, alcançando neste último o total de 542 pesquisas. Com um total de 39 citações, o artigo mais citado deste período é o de Hamby (2016) denominado Self-report measures that do not produce gender parity in intimate partner violence: a multy-study investigation discute sobre a inconsistência metodológica existente nos relatórios de vitimização existentes. Por fim, em 2019 foram publicados 514 estudos sobre violência contra a mulher, o qual o artigo mais citado até o momento já é o de Johnson et al (2019). Com npve citações, a pesquisa Intimate femicide: the role of coercive control baseou-se em entrevistas do Australian Homicide Project com uma amostra de homens condenados por matar parceiras íntimos, examinando os antecedentes dos agressores e os contextos em que os assassinatos ocorreram. Os resultados mostraram que em metade deles não foram denunciadas as agressões físicas ou sexuais contra seus parceiros no ano anterior ao homicídio. Esses resultados levantam questões importantes sobre avaliações de risco e a tipificação da "mulher agredida", na qual muitas respostas políticas públicas dependem.
Autores Que Mais Se Destacaram no Campo de Estudos da Violência Contra Mulher
Iniciando a discussão acerca dos autores mais relevantes, merece destaque a informação de que 423 pesquisadores foram responsáveis pelos 4576 artigos desta amostra. O gráfico 2 apresentado em seguida expõe quais destes autores produziram um mínimo de 15 artigos acerca da temática da violência de gênero Despontando em produtividade com 38 publicações dos 4576 desta amostra, a autora Raquel Jewkes é diretora do programa global What Works to Prevent Violence, atua também como membro do Conselho Nacional contra a violência de gênero na África do Sul e está vinculada como professora honorária da Faculdade de Ciências da Saúde da University of Witwatersrand em Joanesburgo, África do Sul. Em segundo lugar de maior produtividade está a estudiosa Carmem Vives-Cases. Apresentando 32 publicações, a pesquisadora é professora titular da Universidad de Alicante, na Espanha, atuando na vice-presidência da Sociedade Espanhola de Epidemiologia.
A terceira autora mais importante no tocante à expressivo número de publicações é Charlotte Watts. Responsável por 30 artigos que compõem essa amostra em estudo, essa pesquisadora é professora de Epidemiologia Social e Matemática na London School Hygiene Tropical Medicine, na Inglaterra, sendo a fundadora do Centro de Pesquisa sobre Violência de Gênero desta instituição. Em quarta colocação no rankeamento dos autores mais produtivos está a pesquisadora Jacquelyn Campbell. Totalizando 27 artigos, ela está vinculada à escola de enfermagem da Johns Hopkins University, sediada nos Estados Unidos. Essa autora é considerada como uma das líderes norte-americanas em pesquisa sobre violência doméstica ou violência por parceiro íntimo (VPI). Posicionando-se na quinta colocação, Judith McFarlane é responsável por também 27 artigos e está vinculada à Texas Woman’s University, nos Estados Unidos. Essa autora trabalha internacionalmente junto com o Unicef para projetar e avaliar programas comunitários que atuem na prevenção da violência contra mulheres pobres no Paquistão, local este onde está testando o desenvolvimento de habilidades econômicas através de microfinanciamentos como forma de intervenção para interromper o abuso.
Países de Afiliação dos Autores
A análise das informações dos países aos quais estão afiliados os autores deste conjunto de artigos avaliados pode contribuir para que se compreendam as regiões que mais colaboram para o avanço dos estudos sobre a violência contra a mulher. Em relação portanto aos 4576 artigos que compõem essa amostra em análise, foi possível identificar que seus autores estão afiliados em 77 países diferentes. A figura 1 revela um panorama das principais regiões que mais contribuem.
Através da análise do diâmetro dos círculos que representam cada país é possível apreender que os Estados Unidos diferenciam-se dos demais com grande vantagem pois o extenso diâmetro do círculo que o representa significa que os pesquisadores desta região são os que mais indexaram artigos desta natureza na Web of Science. Além desse diferencial, o anel escuro mais espesso significa que ele apresenta o maior valor de centralidade. Acerca desse termo vale nos reportarmos a Li, Ma e Qu (2017), que afirma que a centralidade de uma palavra, referência, sujeito ou objeto pode refletir que os mesmos são dotados de considerável relevância no campo de estudos em investigação caso apresentem valores iguais ou maiores que 0,1. Além dos Estados Unidos, a partir do diâmetro que os representa, sobressaem a Espanha, Inglaterra, Brasil, Canadá, Austrália, África do Sul, Suécia, México, Turquia, Itália e Índia em número de publicações e em centralidade Inglaterra, Espanha e Austrália respectivamente.
O quadro 2 apresentado em seguida expõe os cinco artigos mais relevantes de cada um destes principais países, pontuando, além de seu objetivo, o total de citações que essas publicações tiveram entre os 4576 artigos que compõem essa amostra. Vale observar que os Estados Unidos e a Inglaterra tiveram os mesmos artigos mais citados atribuídos aos seus pesquisadores o que indica uma constante parceria de co-autoria entre eles.
Instituições de Afiliação dos Autores
Como forma de compreender quais instituições de ensino e pesquisa são fontes importantes de geração de conhecimento acerca da violência de gênero, foi gerada a figura 2 que evidencia as que mais se destacam. A partir da análise do diâmetro do círculo que as representam, sobressaem-se as universidades de Valencia, na Espanha, e a Universidade de São Paulo, brasileira. Esse é o indicativo de que uma parcela relevante dos artigos da amostra em análise é oriunda desses centros de conhecimento. As universidades Johns Hopkins University, norte-americana e London School Hygiene Tropical Medicine, inglesa, também claramente contribuem com alta quantidade de pesquisas. Vale destacar ainda que a Johns Hopkins University apresenta ao seu redor um anel escuro espesso, indicativo de que suas pesquisas tem importante valor de centralidade, consequentemente contribuem consideravelmente para o avanço dos estudos do campo.
A coloração periférica mais escura da University Melbourne e da Monash University, ambas australianas, indica que a maioria dos artigos dessas instituições foram recentemente publicadas, apontando assim que esse tem sido um tema atual de interesse destas.
Palavras-chave Mais Frequentes
Segundo Xiang, Wang e Liu (2017) a palavra-chave é um substantivo ou frase que pode refletir o significado completo ou o conteúdo central de uma literatura. Segundo eles a rede de citações de palavras-chave pode refletir tópicos de pesquisa na área em estudo. Assim, a identificação das palavras-chave mais utilizadas no campo é fundamental para o norteamento adequado dos pesquisadores interessados no assunto em pauta já que permite que os mesmos encontrem com maior facilidade artigos que tenham relação com a temática.
Na figura 3 é possível perceber, a partir do diâmetro referente a cada círculo que representa um termo, que as palavras violence against women, gender violence e gender são as três mais utilizadas pelos autores. Visualmente destacam-se também femicide e sexual violence. Importante destacar que nos 4576 artigos dessa amostra foram encontradas 6953 palavras-chave e que para a formação dessa rede deveriam ser selecionadas aquelas que tivessem ocorrido em pelo menos cinco artigos do conjunto total. Vale observar a presença de seis clusters nessa rede, representada por agrupamentos de diferentes colorações. Cada grupo está sendo formado, portanto, pelas palavras que mais possuem conectividade entre si nas publicações.
O cluster que contém como núcleo a palavra gender violence, é o que possui maior número de componentes, 14 no total. Fazem parte deste agrupamento as demais palavras: feminicide, feminism, gender equality, gender inequality, gender-based violence, HIV, intersectionality, masculinities, masculinity, patriarchy, prevention, sexism e South Africa. Já o cluster que agrupa o termo de maior destaque: violence against women (maior diâmetro que o envolve, representando maior frequência de ocorrência), possui as demais palavras: womens health, spouse abuse, risk factors, prevalence, pregnancy, nursing, intimate partner violence, domestic violence, child abuse, battered women e attittudes. Outro cluster evidenciado contém 10 itens: depression, family violence, femicide, homicide, mental health, mexico, qualitative research, sexual abuse, trauma e victimization. Como quarto cluster sobressai-se o que tem oito componentes: education, empowerment, gender, health, sexuality, violence, women e Bangladesh. Como penúltimo agrupamento apresenta-se o cluster: human rights, índia, media, rape, sexual assault, sexual harassment e sexual violence. Por fim, tem-se o menor cluster com apenas dois itens: abuse e woman.
Referências Mais Citadas
Nesta seção ficarão evidenciadas as principais referências que foram utilizadas como base do referencial teórico dos artigos em análise. As 4.576 publicações somam um total de 130.788 referências, sendo que estes documentos altamente citados podem ser considerados como fundamentais para o campo de estudos da violência contra mulher. Pela figura 9, avaliando o diâmetro de cada círculo que representa as referências destacadas pelo software Citespace, fica clara a relevância do artigo de Garcia-Moreno et al (2006) por ser este apresentado com a maior circunferência. Neste artigo os autores objetivaram estimar a extensão das condições físicas e de violência sexual entre parceiros íntimos contra mulheres em 15 locais em dez países: Bangladesh, Brasil, Etiópia, Japão, Namíbia, Peru, Samoa, Sérvia e Montenegro, Tailândia e República Unida da Tanzânia. Destaca-se nessa figura a coloração avermelhada na totalidade das referências evidenciadas, o que aponta que a base intelectual principal tem caráter mais atual, como por exemplo as publicações World health organization (2013), Devries (2013) e Stockl (2013).
Finalizadas as apresentações dos resultados a seção seguinte trata das considerações finais desta pesquisa.
Considerações Finais
O objetivo do presente estudo foi realizar uma análise bibliométrica sobre o campo de pesquisa da violência contra a mulher. Assim, foi realizada a busca para identificar quais foram os autores mais produtivos sobre o tema, principais artigos, rede de autores, bem como países e instituições que mais contribuíram para o avanço da temática, palavras-chave mais frequentes e referências bibliográficas mais citadas. Para atender aos objetivos propostos a busca foi realizada em uma das principais bases de dados científicos disponível à comunidade acadêmica, a Web of Science. A amostra foi constituída de 4576 artigos indexados nesta base, redigidos por 423 pesquisadores vinculados a 77 países e a 336 instituições de pesquisa.
Dando destaque aos pesquisadores mais produtivos, importante observar que todos os cinco com maior número de publicações são mulheres, dentre estas se sobressai Raquel Jewkes, vinculada à uma universidade sul africana e que, dentre seus 38 artigos publicados, ela foi 1º autora em 97% deles. O interesse desta pesquisadora concentra-se na prevenção à violência, atuando principalmente em regiões do continente africano.
Em relação às regiões geográficas mais importantes de acordo com um ranqueamento feito a partir dos 10 países que mais publicaram, destaca-se o continente norte-americano representado pelos Estados Unidos (país com maior frequência de artigos na área) seguido do Canadá e México. Evidenciando o continente europeu, países como Espanha, Inglaterra e Suécia realçam-se com suas pesquisas. Já o sul-americano é muito bem representado pelo Brasil (4º lugar no ranking), a Oceania com a Austrália, o africano pela África do Sul e o asiático pela Índia. Importante destacar também uma rede de colaboração importante entre os pesquisadores dos Estados Unidos e da Inglaterra visto que todas as suas publicações mais citadas foram escritas em co-autorias com pesquisadores destas duas regiões.
Já as instituições de pesquisa que mais contribuíram para o crescimento dos estudos no tema foram a Universitat de Valência (Espanha), a Universidade de São Paulo (Brasil) e a Johns Hopkins Universit (Estados Unidos). Em relação à termos específicos, foi observado que violence against women, domestic violence e intimate partner violence estiveram, nessa ordem, fortemente presentes no grupo de palavras-chave dos 4576 artigos desta amostra. Avaliando quais dos termos tiveram explosão de citação pelos autores identificou-se que wife abuse, battered women e sexual abuse foram usados por vários anos consecutivos nas publicações avaliadas. Uma constatação importante feita foi que os termos femicide e feminicide foram pouco usados em comparação com os demais utilizados como palavras-chave das publicações.
O estudo mais citado na amostra foi o de Garcia-Moreno (2006), Prevalence of intimate partner violence: findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence e em segundo lugar a pesquisa de Ellsberg (2008), Intimate partner violence and women’s physical and mental health in the WHO multy-country study on women’s health and domestic violence: na observational study. Os trabalhos de Black (2011) Intimate Partner Violence and Adverse Health Consequences: Implications for Clinicians e Abramsky (2011) What factors are associated with recent intimate partner violence? Findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence também emergem como importantes fontes de consulta para os pesquisadores interessados na temática em questão, sendo as principais referências bibliográficas utilizadas como suporte teórico da amostra analisada.
A presente pesquisa não pretendeu generalizar os resultados referentes à esse tema, nem compreender toda a sua produção. No entanto, o objetivo da atual pesquisa consistiu em revisar publicações no banco de dados da Web of Science e desenvolver uma estrutura de análise para rastrear o início da discussão sobre a violência contra as mulheres. Assim, o presente estudo mostrou através de indicadores bibliométricos e análises de rede que é possível seguir a evolução de um campo científico, sua distribuição geográfica e disciplinar, autores hegemônicos e periódicos, além de identificar temas emergentes e em declínio.
Como limitações, em primeiro lugar, deve-se apontar justamente o fato de que a pesquisa foi limitada às publicações listadas em uma única base certamente não contém todas as publicações no campo da violência contra a mulher. Outros bancos de dados internacionais, como PubMed ou Scopus poderiam ter sido usados. Porém, a Web of Science é o banco de dados mais amplamente aceito e frequentemente usado para análises bibliométricas (Yang et al., 2013). Dessa forma considera-se como sugestão de estudos futuros o desenvolvimento de pesquisas bibliométricas usando outros bancos de dados para comparação dos resultados assim como estudos que busquem avaliar o impacto de tais crimes nas famílias das vítimas visto que, pelo menos dentre os artigos mais citados, não foram encontradas subtemáticas desta natureza.
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Endereço para correspondência
Cintia Loos Pinto
E-mail: cintialoosp@gmail.com
Juliana Maria Magalhães Christino
E-mail: julianam.prof@gmail.com
Enviado em: 07/04/2020
1ª revisão em: 15/04/2020
2ª revisão em: 16/03/2021
Aceito em: 30/04/2021
1 Doutoranda em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professora do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
2 Doutora em Administração pela Universidade Federal de Minas (UFMG) e professora do Departamento de Ciências Administrativas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).