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Vínculo
versão impressa ISSN 1806-2490
Vínculo vol.9 no.2 São Paulo jul. 2012
ARTIGOS
Psiquiatria biológica, psiquiatria psicodinâmica e a integração bio-psico-social para o sucesso do tratamento
Edilberto Maia1
RESUMO
O autor inicia mostrando que no final do século XIX, o exame do paciente psiquiátrico estava sujeito às mesmas regras metodológicas do exame médico geral. Mostra que em 1913, Jarpers introduziu uma visão mais humanística do paciente, o que significa um retorno à empatia primitiva e à valorização semiológica das vivências internas do paciente. A partir desse ponto, Freud passa a influenciar a psiquiatria até meados da década de 50 do século passado, quando a psicofarmacologia teve grande avanço com a descoberta dos antipsicóticos e antidepressivos tricíclicos. O autor mostra a evolução da psiquiatria biológica nos últimos vinte anos, levando a sua aproximação tanto da neurologia como da psicologia. A seguir, estuda o nível de especialização dos hemisférios cerebrais e mostra as alterações do transtorno mental chamado TDAH. Ainda demonstra que uma abordagem puramente biológica é insuficiente com a consequente dificuldade de aplicar as classificações da DSM e CID. Ainda aborda a psiquiatria psicodinâmica e mostra que o tratamento psicológico tem como objetivo refrear a compulsão à repetição e convertê-la em recordação. Concluindo, expõe a necessidade da integração biopsicossocial para o sucesso do tratamento.
Palavras-chave: psiquiatria biológica, cérebro, psiquiatria psicodinâmica, repetição, interação biopsicossocial.
RESUMEN
El autor empieza explicando que al final del siglo XIX el examen del paciente psiquiátrico estaba sujeto a las mismas reglas metodológicas del examen médico general. Explica que en 1913, Jarpers presentó una visión más humanística del paciente, lo que significa un retorno a la empatía primitiva e a la valoración semiológica de las experiencias internas del paciente. Desde este punto, Freud empieza a influir en la psiquiatría hasta meados de los años 50 del siglo pasado, cuando la psicofarmacología tuvo un gran avanzo con la descubierta de los antipsicóticos y antidepresivos tricícliclos. El autor explica la evolución de la psiquiatría biológica en los últimos veinte años y su aproximación de la neurología e de la psicología. En la continuación, estudia el nivel de especialización de los hemisferios cerebrales y explica las alteraciones del trastorno mental TDAH. Explica también que un enfoque puramente biológico es insuficiente y hay una consequente dificultad de aplicar las clasificaciones de DSM e CID. El autor habla también de la psiquiatría psicodinámica y explica que el tratamiento psicológico tiene como objetivo frenar la compulsión a la repetición y conviértela en recordación. En la conclusión, expone la necesidad de integración biopsicosocial para el éxito del tratamiento.
Palabras clave: psiquiatría biológica, cerebro, psiquiatría psicodinámica, repetición, interacción biopsicosocial.
ABSTRACT
The author begins showing that at the end of the 19th century, the psychiatric patient's exam was held with the same methodology of a regular medical exam. He also shows that in 1913, Jaspers introduced a more humanistic view of the patient, which means coming back to the primitive empathy and to the semiological value of the patient's internal experience. From this point on, Freud influenced psychiatry until the 50s of the last century, when psycopharmachology had a great advance because of the discovery of antipsychotic and tricyclical antidepressive medications. The author shows the develepment of biological psychiatry in the last twenty years, which led it to being close to neurology and psychology. Next, he studies the level of specialization of the brain hemispheres and shows the changes caused by a mental problem called TDAH. He also demonstrates that a biological approach is not enough and that it is dificult to use the DSM and CID classifications. He also studies psychodinamic psychiatry and shows that the psychological treatment aims to stop the repetition compulsion and to turn it into remembrance. As a conclusion, the author emphasizes the necessity of the biopsychosocial integration for the sucess of the treatment.
Keywords: biological psychiatry, brain, psychodynamic psychiatry, repetition, biopsychosocial integration.
Introdução
No final do século XIX, o exame do paciente em psiquiatria estava sujeito às mesmas regras metodológicas do exame médico geral. O estudo semiológico do doente mental era através do modelo clínico médico, com a mesma busca etiopatogênica na anatomopatologia.
Em 1913, Jaspers (CAIXETA, 2004, p. 13), o psiquiatra que se tornou filósofo, introduziu uma visão mais humanística do doente mental. A proposta do exame psicopatológico de Jaspers pode ser sintetizada em dois princípios: um retorno à empatia primitiva que todo ser humano tem pelo outro, e que é submergida pela cultura, razão e ciência; e a valorização semiológica das vivências internas do paciente.
Quando estabeleceu as linhas da fenomenologia descritiva dos estados internos dos pacientes, Jaspers, provavelmente já vislumbrasse uma certa frieza "desumanizada ou desumanizante" com que eram tratados os pacientes na semiologia clássica.
A partir de sua fenomenologia descritiva inicial, muitos autores refinaram seu método. É quando Freud, através de sua teoria psicanalítica passa, através de seus conceitos, a influenciar grandemente a psiquiatria até meados da década de 50 do século passado, quando a psicofarmacologia teve grande avanço através da descoberta dos antipsicóticos e antidepressivos tricíclicos.
Psiquiatria Biológica
A psiquiatria biológica, que é num modelo de psiquiatria que procura entender a doença mental em termos da função biológica do sistema nervoso central, tem sido particularmente importante no desenvolvimento de tratamentos baseados em medicamentos para os transtornos mentais. Aqui podemos citar os inibidores seletivos de recaptação de serotonina, descobertos nos anos 80, e os antipsicóticos atípicos, nos anos 90 do século passado, medicamentos esses com menos efeitos colaterais que os anteriores.
Os últimos vinte anos foram de grande evolução para a psiquiatria biológica, levando a psiquiatria a se aproximar mais da neurologia e da psicologia, surgindo a neuropsicologia, a qual passa a aplicar a psicologia e a neurologia no estudo das relações entre o cérebro e o comportamento humano, dedicando-se a investigar como diferentes lesões causam déficits em diversas áreas da cognição humana, ou seja, passou a estudar as funções mentais superiores.
Funções mentais superiores ou executivas
As funções mentais superiores ou executivas referem-se a um conjunto de funções mentais responsáveis pelo processamento humano da informação. Integradas, dão as condições de interpretação, comportamento, comunicação e relacionamento consigo mesmo, com as outras pessoas e com o mundo. Podem ser definidas como as habilidades de solução de problemas cotidianos de forma geral. Prejuízos nessas funções geram alterações de comportamento.
São três os sistemas ou unidades funcionais relacionados às funções executivas ou superiores:
a) Unidade de regulação sono-vigília, ligada a funções básicas;
b) Unidade para obter, processar e armazenar informações ligadas a funções como memória, pensamento e linguagem;
c) Unidade para programar, regular e verificar a atividade mental ligada às funções cognitivas.
Esses sistemas funcionam de maneira integrada, pois é a intercomunicação deste conjunto de funções que permite que o cérebro desempenhe adequadamente suas funções com o próprio organismo e com o exterior.
A execução dessas funções mentais depende da existência e funcionamento de determinadas regiões do cérebro. Por exemplo, a atenção e a memória estão vinculadas intimamente ao sistema reticular ativador e ao hipocampo, já cortex frontal está relacionado com o controle dos impulsos e do comportamento social.
Avaliação neuropsicológica
A proposição é avaliar, identificar e detectar a integridade das funções mentais superiores, tais como atenção, consciência, memória, linguagem e inteligência. A avaliação neuropsicológica consiste na utilização de exame clínico, observação do comportamento, relatos da família, isso tudo aliado a outras ferramentas diagnósticas como exames de neuroimagem, tais como tomografia computadorizada, ressonância magnética e SPECT.
Hemisférios cerebrais
Os hemisférios cerebrais possuem certo nível de especialização. Enquanto o hemisfério esquerdo é usualmente dominante e está associado às habilidades linguísticas, análise racional, memória verbal e linguagem, o hemisfério direito controla primordialmente a atenção, percepção, memória espacial, esquema corporal, relacionamento social, habilidades artísticas e reconhecimento de faces.
Como exemplo de um transtorno que mexe com a atenção, concentração, impulsividade, comportamento e afetividade é o TDAH, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.
Com o objetivo de entender o quadro clínico e o funcionamento do cérebro de um portador de TDAH, têm sido usadas diversas técnicas em estudos de neuroimagem. A psiquiatra Isabella Ganem Salomão de Souza expõe em seu artigo sobre TDAH (Revista Dr. Paul Jassen- Atualizações em Neurologia, 2012) que enquanto os estudos estruturais demonstram alterações morfométricas em regiões do córtex pré-frontal, do estriado, do cerebelo e do corpo caloso associadas à sintomatologia do TDAH, os estudos funcionais apontam para disfunções em circuitos frontoestriatais e frontoparietais envolvidos em funções executiva.
Outro quadro estudado pela Psiquiatria Biológica é o Alzheimer, que evidencia alterações cerebrais, tal como acontece com o TDAH. Para efeito de exemplificação, apresentamos o quadro abaixo com as alterações causadas ao cérebro de pessoas com Alzheimer.
Os psiquiatras que ficam presos apenas no modelo neurobiológico se distanciam do paciente como pessoa, como psiquismo, e por isso não conseguem captar toda a complexidade do psiquismo não estabelecendo uma hipótese diagnóstica multifatorial, prejudicando com isso e tratamento.
Hoje, está provado que uma abordagem médica puramente biológica está fadada ao fracasso, não apenas relacional, mas também técnica, pois em psiquiatria e em todas as especialidades, fatores psicológicos desempenham um papel fundamental tanto na patogenia quanto no tratamento.
Uma abordagem puramente biológica ou descritiva é, portanto, insuficiente, e isso, talvez, explique porque as classificações do DSM e CID são tão dificilmente aplicadas na prática.
Psiquiatria Psicodinâmica
A partir daqui abordar-se-á um tema da psicanálise considerado difícil, porém, que ocorre com frequência, mas, nem por isso, corriqueiro. Trata-se do ambiente familiar e de como as primeiras relações de amor podem interferir na formação da personalidade do sujeito, dando o tom de como ele vai se comportar afetivamente consigo mesmo, com as outras pessoas e com o mundo. Esse tema é chamado de "Repetição".
Apesar de todo o esforço consciente ou inconsciente que fazemos para nos diferenciarmos e sermos "nós mesmos", adquirindo uma "identidade própria" que represente para nós algo original, bastará uma análise atenta para evidenciar a marca do "jeito de ser" e alguns comportamentos "típicos" de membros de nossa família extensa de origem.
A repetição, embora ocorra na vida de todas as pessoas e suas famílias, raramente é alvo da devida importância, sobretudo pelo fato de não se dar conta do quanto existem padrões interacionais repetitivos no ciclo vital de uma família, e mesmo de gerações de uma mesma família.
As novas gerações, pela conquista de maiores informações por meio do acesso à comunicação, pelo desenvolvimento sociocultural com mudanças significativas na família, podem dispor de outros recursos que possibilitam lidar com as situações de maneira diferente de como lidaram seus antepassados. Isso resulta tanto em uma maior percepção das repetições dos padrões interacionais, como em uma melhor maneira de lidar com elas. Por outro lado, existem também aqueles que apresentam uma impotência e uma paralisia em relação aos padrões repetitivos, levando a um determinismo que não pode sequer ser pensado.
Concordamos com Cerveny (CERVENY, 1994, p. 37), ao afirmar que os indivíduos, pelo próprio desenvolvimento da família nas últimas décadas, têm capacidade de viver suas experiências de uma maneira diferente de seus antepassados, porém, não podemos esquecer da enorme força da matriz familiar que está presente na repetição dos padrões interacionais e seria muito restrito de nossa parte aceitar a repetição apenas como resultado de modelos somente paternos. Hoje, existe um tema de estudo chamado "memória genética", possibilitando entendimento do sistema familiar como um todo muito mais amplo, incluindo as gerações passadas, esse é o contexto onde ocorre a transmissão dos padrões interacionais que, às vezes, pode não passar de uma geração à subsequente, mas até pular gerações.
A primeira referência de Freud sobre a repetição foi no texto "Recordar, Repetir e Elabor" (FREUD, 1969, vol. XII, p. 198). Nele, Freud analisa a repetição como um aspecto da resistência, onde o indivíduo repete a experiência passada por meio da ação ao invés de recordar. Para Freud, o indivíduo repete tudo o que se incorporou ao ser, partindo da fonte do reprimido: suas inibições, suas tendências inutilizadas e seus traços de caráter patológico. O objetivo do tratamento psicanalítico dessa resistência seria o de refrear a compulsão à repetição e convertê-la em recordação.
Transformar a experiência de repetir num processo de conhecimento pode levar a mudanças num tempo mais curto dentro do tratamento. Porém, temos também que reconhecer que teorias puramente psicológicas, psicanalíticas, fenomenológicas, existenciais ou sociológicas estão longe de descrever convenientemente a imbricação psicobiológica. De fato, como não abordam a problemática do ponto de vista médico, muitas vezes, essas teorias são obrigadas a lançar mão de explicações puramente teóricas.
Conclusão
Ninguém duvida que problemas médicos cerebrais ou sistêmicos podem perturbar o comportamento e a psicologia do paciente. Por outro lado, fatores sociais, familiares e psicobiológicos induzem ou pioram problemas médicos, no entanto, na prática clínica, essa interação biopsicossocial assume uma complexidade absurda, raramente retratada pela bibliografia médica. Um exemplo disso são os livros–texto como o DSM, da Associação Psiquiátrica Americana ou o CID, da Organização Mundial de Saúde, que oferecem uma importante lista de sinais e sintomas, mas apresentam um problema, não descrevem, de modo satisfatório, a complexa correlação dos sintomas com os fatores psicológicos familiares e sociais.
Não queremos com isso dizer que essa leitura deva ser desprezada. Pelo contrário, é fundamental para a prática médica. Por outro lado, temos que pontuar que a complexidade do ser humano é tamanha que só o estudo de cada caso pode aprofundar suficientemente a interação biológico-psicossocial existente em cada caso particular.
Somente a vivência prática pode penetrar profundamente na correlação que existe entre a fisiopatologia e a manifestação clínica, ou entre a fisiopatologia e os fatores psicossociais.
Para finalizar, acreditamos que para que o tratamento do doente mental tenha sucesso, dois elementos têm que estar presentes e são fundamentais. Um deles é a empatia/simpatia e o outro é o conhecimento dos sintomas e sinais presentes em cada condição mórbida em particular. Isso quer dizer que é importante o médico saber quais elementos do quadro clínico são explicáveis por uma alteração biológica e quais elementos são compreensíveis psicologicamente tanto pela cognição como pela empatia.
REFERÊNCIAS
CAIXETA, M. Psiquiatria Clínica. São Paulo. Lemos Editorial. 2004. [ Links ]
CERVENY, C.M.O. A família como modelo. Desconstruindo a patologia. Campinas. Editota Psy II, 1994. [ Links ]
FONSECA, A. L. Interações medicamentosas em Neuropsiquiatria. Rio de Janeiro. Editora de Publicações Científicas Ltda. 2003. [ Links ]
FREUD, S. Recordar, repetir e elaborar. Novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise II. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XII. Rio de Janeiro. Imago.1969. [ Links ]
SOUZA, I.G.S de. O que ocorre no cérebro de quem tem TDAH e por que os estimulantes funcionam? Revista Dr. Paul Janssen Atualizações em Neurologia. São Paulo. Planmark Editora Ltda. Ano III. Nº 2. 2012. [ Links ]
1 Médico psiquiatra e psicanalista. Presidente do Centro de Estudos de Psicanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo do Pará e ex-presidente da Associação Paraense de Psiquiatria. Av. Almirante Wandenkolk, 1243. Sala 606. Umarizal. Belém-Pará.