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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo vol.10 no.1 São Paulo maio 2013

 

ARTIGOS

 

A (in)sustentável leveza dos vínculos afetivos: investigando a sexualidade em mulheres que enfrentam o tratamento do câncer de mama

 

The (in)sustainable lightness of affective ties: investigating sexuality inwomen facing the treatment of breast cancer

 

La (in)sostenible ligereza de los vínculos afectivos: investigando la sexualidad en las mujeres ante el tratamiento de cáncer de mama

 

 

Manoel Antônio dos Santos1; Rodrigo Sanches Peres2; Simone Mara de Araujo Ferreira3; Thais de Oliveira Gozzo4; Marislei Sanches Panobianco5; Ana Maria de Almeida6

 

 


RESUMO

O câncer e seus tratamentos muitas vezes afetam aspectos específicos do funcionamento sexual e da vida íntima dos pacientes. Este estudo teve por objetivo analisar as repercussões dos tratamentos do câncer de mama na vida sexual e na intimidade de mulheres acometidas. Foram realizadas observações de encontros grupais com pacientes, distribuídas ao longo do contínuo de cuidados típicos do primeiro ano de enfrentamento do tratamento. O método clínico-qualitativo foi utilizado, de forma que se privilegiou o estabelecimento de relações de sentido entre os dados obtidos por meio da adoção de uma atitude de compreensão. Os efeitos do tratamento mais comumente discutidos nos grupos, em relação ao funcionamento sexual e à intimidade, foram: queda do cabelo, ganho ou perda de peso, fadiga crônica, náuseas, perda parcial ou total da mama e o sentimento de não ser mais uma mulher completa. Barreiras adicionais foram relatadas tais como: estigma social, ausência ou inconsistência do apoio familiar, necessidade de afastamento do trabalho. O funcionamento sexual e os aspectos da intimidade foram considerados importantes para a preservação da qualidade de vida. Ainda que a maioria dos efeitos do câncer tenha sido valorada negativamente, muitos participantes identificaram melhorias na vida íntima após a experiência da doença.

Palavras-chave: câncer de mama; sexualidade; vínculos; grupo de apoio.


ABSTRACT

Cancer and its treatments often affect specific aspects of patients' sexual functioning and intimate life. This study aimed to analyze the impact of breast cancer treatments on sexuality and intimacy in breast cancer patients. Observations were made of group meetings with patients, distributed along the continuum of care typical of the first year of treatment coping. The clinical-qualitative method was used, so that it favored the establishment of relations of meaning between the data obtained by adopting an attitude of understanding. The treatment effects most commonly discussed in the groups in relation to sexual functioning and intimacy were: hair loss, weight gain or weight loss, chronic fatigue, nausea, partial or total loss of the breast and the feeling of no longer being a complete woman. Additional barriers have been reported, such as social stigma, lack or inconsistency of family support, need for absence from work. The sexual functioning and aspects of intimacy were considered important for the preservation of quality of life. While most cancer effects have been negatively valued, many participants identified improvements in intimate life after the experience of illness.

Keywords: Breast cancer; sexuality; bonds; support group.


RESUMEN

El cáncer y sus tratamientos a menudo afectan a los aspectos específicos del funcionamiento sexual y la vida íntima de los pacientes. Este estudio tuvo como objetivo analizar el impacto de los tratamientos de cáncer de mama en la vida sexual y la intimidad de las mujeres afectadas. Se realizaron observaciones de reuniones de grupo con pacientes, distribuidos a lo largo del continuum de cuidados típicos del primer año de tratamiento de afrontamiento. Se utilizó el método clínico-cualitativo, por lo que está a favor del establecimiento de relaciones de significado entre los datos obtenidos mediante la adopción de una actitud de comprensión. Los efectos del tratamiento más comúnmente discutidos en los grupos, en relación con el funcionamiento sexual y la intimidad, fueron: pérdida de cabello, aumento de peso o pérdida de peso, fatiga crónica, náuseas, pérdida parcial o total de la mama y de la sensación de ya no ser una mujer completo. Barreras adicionales se han reportado como el estigma social, la falta o inconsistencia de apoyo a la familia, la necesidad de ausencia del trabajo. Se consideraron importantes los aspectos de funcionamiento y la intimidad sexual para la preservación de la calidad de vida. Aunque la mayor parte del cáncer de efectos ha sido valorada negativamente, muchos participantes identificaron las mejoras en la vida íntima después de la experiencia de la enfermedad.

Palabras clave: Cáncer de mama; sexualidad; vínculos; grupo de apoyo.


 

 

Introdução

O câncer de mama é um problema de saúde pública em escala global, posto que, conforme as estimativas mais atuais da International Agency for Research on Cancer, cerca de 1.380.000 mulheres foram diagnosticadas no mundo em 2008, totalizando 23% dos casos de todos os tipos de câncer (FERLAY et al., 2010). No país, as projeções do Ministério da Saúde apontam que, somente no território nacional, aproximadamente 52.000 novos casos seriam registrados em 2012 e que o risco variaria de 69 casos para cada 100.000 mulheres na região Sudeste a 32 casos para cada 100.000 mulheres na região Nordeste (BRASIL, 2011). As taxas de incidência têm se mantido elevadas nos últimos anos, o que pode ser entendido, basicamente, como reflexo da tendência à predominância de estilos de vida que fomentam a exposição a fatores de risco.

Diversos autores pontuam que o câncer de mama incide sobre o principal símbolo corpóreo da feminilidade, da sensualidade e da maternidade (ROSSI; SANTOS, 2003). Portanto, de um modo geral, tanto a doença como seus tratamentos tendem a afetar aspectos específicos do funcionamento sexual e da vida íntima das pacientes. Porém, tipicamente os estudos nacionais dedicados ao assunto, a exemplo daqueles realizados por Duarte Andrade (2003) e Hughet et al. (2009), utilizam entrevistas ou medidas de auto-relato acerca do funcionamento sexual e da vida íntima da mulher, o que implica em certas limitações, por demandar a criação de uma situação específica para a coleta de dados.

Considerando o exposto, este estudo teve por objetivo analisar as repercussões dos tratamentos do câncer de mama na vida sexual e na intimidade de mulheres acometidas.

 

Método

A coleta de dados do presente estudo foi realizada por meio de observações de encontros grupais com mulheres diagnosticadas com câncer de mama, distribuídas ao longo do contínuo de cuidados típicos do primeiro ano de tratamento oferecido em um serviço de saúde especializado. Ou seja, optou-se por privilegiar uma situação natural para a coleta de dados, buscando-se obter relatos mais espontâneos do que aquele que poderiam ser obtidos por meio do emprego de entrevistas ou medidas de auto-relato.

O método clínico-qualitativo foi utilizado neste estudo, de maneira que se privilegiou o estabelecimento de relações de sentido entre os dados obtidos por meio da adoção de uma atitude de compreensão e não de explicação. Tal método pode ser entendido como uma particularização dos métodos qualitativos genéricos recorrentes no campo das Ciências Humanas, porém aplicados especificamente a fenômenos observados em pacientes, familiares ou profissionais no contexto da saúde (TURATO, 2005).

As pesquisas qualitativas, conforme Minayo (2012), têm como finalidade a compreensão de experiências humanas complexas, sendo que toda compreensão se caracteriza por um entendimento contingente e incompleto. Portanto, para Camic, Rhodes e Yardley (2003), as pesquisas qualitativas contemplam determinado objeto a partir da análise de seus significados subjetivos. Por estarem inseridas no campo das pesquisas qualitativas, as investigações clínico-qualitativas visam, mais diretamente, explorar tais experiências humanas complexas em settings de saúde. Para tanto, sustentam-se em uma atitude clínica fundamentada nos princípios básicos da teoria psicanalítica (TURATO, 2003).

 

Resultados e Discussão

Ao entrarem em contato com o diagnóstico, as reações emocionais das mulheres acometidas pela neoplasia mamária são, quase que invariavelmente, intensas e desesperadas. As mulheres relatam que, quando receberam a comunicação do médico, ficaram absolutamente transtornadas e vivenciaram reações emocionais que oscilaram entre a sensação de completa irrealidade até a perplexidade de se verem confrontadas com a possibilidade de morte iminente. Algumas descrevem o que sentiram nesse momento por meio de metáforas poderosas, como "parece que o chão se abriu embaixo dos meus pés" ou "me senti como se tivessem jogado uma bomba sobre minha cabeça". Uma mulher relatou que pensou que "era o fim do mundo".

Geralmente, o primeiro pensamento que vem à mente da paciente, ao se descobrir com uma doença potencialmente fatal como essa, é: "câncer, então eu vou morrer". No imaginário coletivo o câncer ainda está irrevogavelmente associado à noção de cessação iminente da vida. Comumente, o contato brusco com a finitude desencadeia sentimentos de desalento, tristeza e confusão.

Porém, para algumas pacientes o câncer significou um aviso divino, um chamamento para a vida e a necessidade de ressignificá-la. Uma paciente relatou que sentiu como se Deus a houvesse "chacoalhado" para que ela percebesse o quanto precisava cuidar mais de si mesma. Ao elaborar essa experiência-limite, muitas vezes a mulher mastectomizada sente que, por "ter visto a morte de perto", essa experiência traumática tem que ter algum sentido maior em sua vida, fazendo-a finalmente ficar frente a frente com certas questões que até então não conseguia ver. A partir desse entendimento, uma paciente de 46 anos contou que passou a viver melhor, apesar do sofrimento inerente à experiência do câncer. Ela referiu que a doença "foi uma coisa boa pra mim, os relacionamentos melhoraram".

Os efeitos do tratamento mais comumente discutidos nos grupos, em relação ao funcionamento sexual e à intimidade, foram: queda do cabelo, ganho ou perda de peso, fadiga crônica, náuseas, perda parcial ou total da mama e o sentimento de não ser mais uma mulher completa. Esses resultados corroboram a literatura (ROSSI; SANTOS, 2003).

Barreiras adicionais foram relatadas, tais como: estigma social, ausência ou inconsistência do apoio familiar, necessidade de afastamento do trabalho. O funcionamento sexual e os aspectos da intimidade foram considerados importantes para a preservação da qualidade de vida.

Muitas pacientes sentem que, com a mastectomia, tornam-se mulheres "incompletas". A sensação de habitar um novo corpo, desfigurado ou mutilado, é aflitiva. Conviver com essa nova imagem corporal induz sentimentos de desamparo e menos valia, com prejuízo da autoestima. Uma paciente de 60 anos, separada do marido e que vivenciava um novo relacionamento, relatou que assim que foi diagnosticada com câncer de mama rompeu o namoro, porque já sabia que iria ficar sem cabelo e sem a mama. De certo modo, quis antecipar-se a uma rejeição (presumida) por parte do parceiro.

A relação entre sexualidade e amor é complexa e intrincada, permeada pelo contexto socioeconômico e cultural em que vivem as pessoas e, de acordo com a teoria psicanalítica, também pelas experiências infantis dos cônjuges (COSTA, 2007, 2011). As experiências infantis vão exercer influência permanente na expressão da sexualidade do adulto. Portanto, as raízes dos relacionamentos adultos devem ser buscadas na infância, ou seja, nos primeiros contatos físicos e afetivos proporcionados pelo cuidado materno e também pelo que o indivíduo pôde presenciar no cotidiano familiar, como a forma como os pais se tratavam mutuamente, bem como as experiências afetivas da adolescência.

As vivências afetivas da infância e da adolescência ficam registradas de forma indelével no inconsciente e, mais tarde, vão impactar a vida sexual do indivíduo, constituindo a pedra angular da relação amorosa e conjugal (COSTA, 2007). À luz dos pressupostos psicanalíticos, a expressão mais primitiva da excitação sexual se ancora nas experiências prazerosas dos relacionamentos dos primeiros meses de vida. São as vivências de ser cuidado na infância que irão modular a intensidade do desejo sexual do adulto. Desse modo, o interesse sexual não depende apenas do nível hormonal adequado. Ele é mobilizado por lembranças e fantasias, bem como pelos estímulos externos reforçadores, que são relativamente específicos de acordo com a orientação sexual do indivíduo.

Quando o desejo sexual inclui a escolha de determinada pessoa, a excitação sexual se transforma em desejo erótico, base do amor sexual maduro que, além do prazer, implica uma comunhão de disposições e expectativas no plano emocional e afetivo (COSTA, 2011). Mulheres que, anteriormente ao diagnóstico, vivenciavam fragilidades no relacionamento conjugal, podem ver o casamento entrar em colapso. Porém, quando o vínculo com o parceiro íntimo já era suficientemente sólido e a relação era estável e de longa duração, geralmente o companheiro permanece ao lado da mulher, provendo apoio emocional e material durante os diferentes estágios do processo de adoecimento. Em alguns casos, nota-se que há uma reaproximação do casal, ou seja, o adoecer de câncer oferece uma oportunidade para que ocorra certa revitalização do relacionamento afetivo, que seguia desgastado ou havia se tornado opaco pelos anos de convívio.

Desse modo, ainda que a maioria dos efeitos do câncer seja valorada negativamente pelas pacientes que vivenciavam a neoplasia mamária, muitas participantes identificaram melhorias na vida íntima após a experiência da doença, o que as auxiliou a ressignificarem sua experiência de adoecimento e a encontrarem novo propósito para a vida. Nesse contexto, atenção especial deve ser dada aos padrões de comunicação do casal (MOREIRA; CANAVARRO, 2014).

 

Considerações Finais

Os resultados obtidos nesta pesquisa vão ao encontro de outros estudos da literatura, que mostram que, em vez de assumirem que o nível de comprometimento sexual determina a satisfação sexual, os profissionais de saúde deveriam explorar diretamente as preocupações sexuais das pacientes com câncer.

Acredita-se que este estudo oferece contribuições relevantes para ampliar o campo teórico da Psico-Oncologia, enriquecendo o conhecimento da área com os aportes da psicanálise e do método clínico-qualitativo. Aponta-se a necessidade de estudos futuros, que investiguem as repercussões do tratamento a longo prazo na vida sexual e na intimidade conjugal das mulheres acometidas.

 

Referências

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1 Psicólogo. Livre-docente em Psicoterapia Psicanalítica. Doutor em Psicologia Clínica. Professor Associado 3 do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Líder do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde – NEPPS-USP-CNPq. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Apoio: CNPq. Endereço: Av. Bandeirantes, 3900, Monte Alegre, 14040-901, Ribeirão Preto-SP. E-mail: masantos@ffclrp.usp.br
2 Psicólogo. Doutor em Psicologia. Professor Adjunto do Programa de Pós-graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. Membro do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde – NEPPS-USP-CNPq. E-mail: rodrigosanchesperes@yahoo.com.br
3 Enfermeira. Mestre em Ciências e doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
4 Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
5 Enfermeira. Livre-docente. Professora Associada do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
6 Enfermeira. Livre-docente. Professora Associada 3 do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.