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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo vol.13 no.2 São Paulo  2016

 

ARTIGO

 

O desenlace da ilusão grupal em um grupo de adolescentes

 

The outcome of group illusion within a group of adolescents

 

El desenlace de la ilusión grupal en un grupo de adolescentes

 

 

Elisangela Barboza FernandesI, II, III, *; Maria Inês Assumpção FernandesI,**; Philippe RobertII, III,***

IUniversidade de São Paulo
IIUniversidade Paris Descartes
IIILaboratório de Psicologia Clínica, Psicopatologia e Psicanálise

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo busca examinar as manifestações da ilusão em um grupo de adolescentes, a partir de uma reflexão crítica sobre seus desdobramentos no processo grupal. Para tal, o conceito de ilusão em psicanálise é brevemente retomado e três momentos identificados no funcionamento do grupo são discutidos. Trata-se de refletir sobre aspectos a serem considerados na utilização do dispositivo de grupo como instrumento de pesquisa e intervenção na adolescência, por meio da ilustração de um caso clínico de grupo e da metodologia utilizada - em especial o trabalho em torno de uma tarefa. Essa discussão apoia-se sobre as construções teórico-práticas que sustentam a psicanálise de grupo, notadamente sobre as noções de ilusão grupal de Anzieu, de emergente de Pichon-Rivière e aliança inconsciente de Kaës, fundamentais para a condução das sessões.

Palavras-chave: adolescência; grupo; ilusão grupal; psicanálise de grupo.


ABSTRACT

This paper aims to examine how illusion expresses itself within a group of adolescents, notably by reflecting on the consequences of such illusion for the group process. To this end, the concept of illusion in psychoanalysis will be briefly introduced and defined, and the three moments identified in the functioning of the group will be discussed. Through the example of a group clinical case and related applied methodology - especially task-oriented approach, this study is mainly meant to reflect on the aspects to be considered when using the group device as a research and counselling tool with adolescents. It is based on the theoretical, practical notions supporting group psychoanalysis, notably Anzieu's group illusion, Pichon's emergence and Kaës's unconscious alliance - essential for conducting the sessions.

Keywords: adolescence; group; group illusion; group psychoanalysis.


RESUMEN

Este artículo pretende examinar las manifestaciones de la ilusión grupal en el seno de un grupo de adolescentes, a partir de una reflexión crítica sobre las consecuencias de esta ilusión en el proceso grupal. Con este fin, presenta brevemente el concepto de ilusión en psicoanálisis y discute sobre los tres momentos identificados en el funcionamiento del grupo. Por medio de un caso clínico grupal y de la metodología aplicada - particularmente a través del enfoque orientado al cumplimiento de una tarea - se trata de reflexionar sobre los aspectos que se deben tomar en cuenta cuando se usa el dispositivo grupal como instrumento de investigación e intervención ante los adolescentes. Esta discusión se apoya en las construcciones teórico-prácticas que constituyen el psicoanálisis de grupo, especialmente en las nociones de ilusión grupal (Anzieu), emergente (Pichon) y alianza inconsciente (Kaës), esenciales para la conducción de las sesiones.

Palabras claves: adolescencia; grupo; ilusión grupal; psicoanálisis de grupo.


 

 

INTRODUÇÃO

Na adolescência, as transformações pubertárias e as novas exigências postas pela cultura têm efeitos potencialmente desorganizadores da vida psíquica, o que exige do sujeito um intenso trabalho psíquico de reorganização. Durante esse período da vida, experiências precoces fundamentais, como o processo de separação-individuação e o complexo de Édipo, são reativadas sobre novas bases. Com o acesso à capacidade reprodutiva, o adolescente torna-se um rival à altura dos pais, podendo seu afastamento deles ser compreendido como solução para os efeitos da revivescência do Édipo. Ao mesmo tempo, o ato de separar-se passa a compreender uma exigência social que o sujeito deverá em breve efetivar. Essas mudanças e os movimentos correspondentes de "definição" da identidade sexual e social conferem maior abertura ao meio familiar.

As trocas intrageracionais extrafamiliares - ou seja, não exclusivamente relativas ao vínculo fraterno - fornecem ao adolescente parte importante dos elementos para os rearranjos identitários. Além disso, nos grupos de pares é possível ultrapassar a angústia do investimento arriscado no outro e a expectativa de tornar-se um objeto desejado. Daí a importância desse tipo de grupo como espaço de transição. Com base nisso, interessamo-nos por estudar adolescentes em grupo, situação em que as inquietudes identitárias, com o risco de indiferenciação e a angústia de fragmentação, dão lugar a manifestações e experiências cuja particularidade merece ser discutida.

A partir dos aprofundamentos realizados com um grupo de adolescentesi sobre o fenômeno de ilusão grupal e considerando seu caráter estruturante para o processo grupal, elegemo-la como fenômeno a ser discutido. Com base nos elementos obtidos, discutiremos a hipótese de que a instabilidade narcísica confere à ilusão grupal adolescente nuances particulares. A ilustração do caso clínico permitir-nos-á refletir sobre alguns aspectos que devem ser considerados ao se utilizar o dispositivo de grupo como instrumento de intervenção na adolescência.

Antes de analisarmos os desdobramentos da ilusão no processo grupal, apresentaremos uma breve retomada do conceito de ilusão em psicanálise.

 

A NOÇÃO DE ILUSÃO EM PSICANÁLISE

A ilusão ganha no discurso psicanalítico um significado distinto do qual era concebida até então, passando a ser compreendida como uma experiência fundamental na constituição do psiquismo. Dentre os desdobramentos da concepção freudiana, destacam-se os aportes teóricos de Winnicott, que insere a ilusão como uma categoria central para pensar o funcionamento psíquico, e de Anzieu, que, no campo da psicanálise de grupo, introduz o conceito de ilusão grupal. Apresentaremos brevemente a concepção desses autores, com destaque para Anzieu, que descreveu a ilusão como experiência comum e partilhada pelos membros de um grupo.

Embora apenas em O futuro de uma ilusão (1927) Freud defina conceitualmente como característica central da ilusão o fato de derivar de desejos, essa característica pode ser encontrada em textos anteriores - seja indiretamente inferida, como em Interpretação dos sonhos (1900), ou enunciada, como em Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921). Enquanto em 1900, Freud problematiza o papel da ilusão na formação dos sonhos, portanto, no plano individual; em 1921, a ilusão encontra-se implicada na formação do grupo, como fenômeno que guarda um aspecto cultural.

No estudo sobre os sonhos, a questão fundamental para Freud consistiu em explicar a fonte das formações oníricas. A visão somática, predominante na psiquiatria da época, relacionava aorigem dos sonhos à falsificação, durante o sono, de estímulos sensoriais objetivos externos ou somáticos. Segundo essa perspectiva, as formações oníricas consistiriam em erros na interpretação de estímulos, em ilusões. Contudo, Freud critica essa visão, assinalando que era incapaz de explicar a relação entre um estímulo objetivo e sua representação onírica. Ele reconhece os estímulos objetivos como um dos materiais para a formação dos sonhos, mas a produção da interpretação errônea como derivada de outra fonte: a realização dos desejos. No enunciado que liga desejo e erro encontramos esboçada, ainda que indiretamente, a relação entre desejo e ilusão.

Em Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921), a noção de ilusão é abordada de forma breve, mas colocada no cerne das formações grupais. Freud descreve que a ilusão dos membros do grupo, de serem igualmente amados pelo líder, possibilita a identificação narcísica entre eles e o estabelecimento de laços afetivos, garantindo a coesão do grupo. O líder é tomado como ideal e a identificação entre os membros - que acreditam serem tratados por ele de forma igual - garante a inibição da agressividade de uns contra os outros, servindo como fonte de proteção.

O desamparo do ser humano diante da própria fragilidade e o consequente desejo de proteção explica, em O futuro de uma ilusão (1927), a adesão à religião. Segundo Freud, o desamparo da infância permanece, por isso Deus é tomado como fonte de proteção no lugar do pai. A afirmação freudiana de base é que as doutrinas religiosas são, em sua natureza psicológica, ilusões. A força da ilusão religiosa derivaria da força dos desejos aos quais ela responde: o desejo de proteção contra o desamparo diante da natureza e da efemeridade da vida. Segundo Freud, por envolver a realização de desejo, o repúdio da realidade e ser capaz de consolar o indivíduo, a religião podem ser identificados como uma ilusão.

Uma ilusão não é a mesma coisa que um erro; tampouco é necessariamente um erro (...) O que é característico das ilusões é o fato de derivarem de desejos humanos. Com respeito a isso, aproximam-se dos delírios psiquiátricos, mas deles diferem também, à parte a estrutura mais complicada dos delírios. No caso destes, enfatizamos como essencial o fato de eles se acharem em contradição com a realidade. As ilusões não precisam ser necessariamente falsas, ou seja, irrealizáveis ou em contradição com a realidade. (...) Podemos, portanto, chamar uma crença de ilusão quando uma realização de desejo constitui fator proeminente em sua motivação e, assim procedendo, desprezamos suas relações com a realidade, tal como a própria ilusão não dá valor à verificação. (Freud, 1974, p. 43)

Nesse texto, Freud atribui à ilusão um significado positivo, na medida em que o que interessa não é sua veracidade, mas seu valor psíquico, tanto no plano individual quanto coletivo. De novo ele fala da significação e do valor da ilusão para manter as massas coesas. Em síntese, a ilusão exerce um papel defensivo contra o sofrimento humano e oferece uma forma compensatória de satisfação do desejo de proteção, diante da busca do sujeito de encontrar a completude narcísica vivida pelo bebê. A ilusão de onipotência, descrita por Winnicott, corresponde a essa fase de completude narcísica originária, descrita por Freud.

Em Winnicott, a ilusão alcança o estatuto de um fenômeno fundamental para a constituição do psiquismo. O autor assinala que o bebê, ao nascer, não tem condições maturacionais para reconhecer objetos exteriores como independentes dele mesmo, mas está preparado para buscar algo, ainda que não identificado como exterior. À medida que a mãe responde as suas necessidades, o bebê acredita que o que lhe foi dado foi por ele criado, como se originado de sua necessidade e parte dele mesmo (Fulgencio, 2011). Segundo Winnicott (1990, p. 121), "o bebê está pronto para criar, e a mãe torna possível para o bebê ter a ilusão de que o seio, e aquilo que o seio significa, foi criado pelo impulso originado na necessidade." A essa experiência precoce do bebê, Winnicott (1975) chamou de ilusão de onipotência. O seio, o leite, o calor da mãe e tudo mais advindo do ambiente são reconhecidos pelo bebê como parte dele, por isso, a unidade corresponde ao "conjunto ambiente-indivíduo" (Winnicott, 1990). O bebê onipotente, ainda não confrontado com as desilusões da realidade objetiva, não reconhece sua dependência absoluta.

Na concepção winnicottiana o paradoxo entre dependência e onipotência é condição para criar um espaço intermediário entre mundo interno e mundo externo. No início, na impossibilidade de reconhecimento de uma delimitação entre esses mundos, a ilusão dá sentido à realidade.

A relação com essa realidade subjetiva das coisas precede qualquer separação entre sujeito e objeto. Ela é anterior à ação e à representação, condições da vida sob a égide do princípio de realidade, entenda-se: da realidade externa que caracteriza os objetos do mundo externo. Desde o ponto de vista realista do observador adulto, a experiência de criação do mundo é uma ilusão do bebê. Um indivíduo normal perderá essa ilusão no devido tempo e reconhecerá, sem adoecer disso, a sua solidão essencial. (Loparic, 1995, p. 53 - grifo do autor)

Se, para Freud, a ilusão consiste em defesa contra o reconhecimento da realidade e, para Winnicott, ela cria a realidade, para ambos, ela está aquém do princípio da realidade. A fase inicial mãe-bebê, seja concebida como uma relação fusional, como em Freud, ou expressão de uma unidade, como em Winnicott, é compreendida como prototípica dos fenômenos ilusórios. Consideramos que, enquanto em Freud a ilusão decorre da percepção do desamparo, em Winnicott, ela garante o seu não reconhecimento pelo bebê. Pela ação da mãe suficientemente boa, o bebê pode manter sua onipotência, pois à medida que desconhecesse sua dependência absoluta, não conhece o desamparo. O passo seguinte consiste em renunciar à onipotência, desiludir-se, quando então, em boas condições, poderá sair ileso do reconhecimento de sua solidão essencial (Winnicott, 1990)

Com a concepção de Anzieu (1993), uma dimensão intersubjetiva da ilusão assume espaço na psicanálise. Freud havia discutido o valor psíquico da ilusão no contexto de grandes grupos, como Exército e a Igreja, mas Anzieu o faz a propósito de pequenos grupos - principalmente terapêuticos e de trabalho - propondo o manejo clínico da ilusão. A descrição da ilusão grupal está ancorada no conceito freudiano, retomando suas principais dimensões: a ilusão deriva de um desejo e representa uma defesa. Outros aspectos do conceito de ilusão grupal encontram paralelo na concepção winnicottiana, em particular ao ser concebida como atualização do estado fusional mãe-bebê e como fenômeno fundamental para a constituição do grupo.

A ilusão grupal compreende um estado partilhado pelos membros do grupo, enquanto reação às angústias despertadas pela situação grupal, sendo definida por Anzieu (1993, p. 79) como "uma fase inevitável na vida dos grupos".

Do ponto de vista dinâmico, a situação de grupo acarreta uma ameaça de perda de identidade do Eu. A presença de uma pluralidade de desconhecidos materializa os riscos de fragmentação. A ilusão grupal responde a um desejo de segurança, de preservação da unidade egoica ameaçada. (...) Os outros são, ao mesmo tempo, rivais a eliminar e eliminadores em potencial. Os participantes de um grupo elaboram diversas defesas individuais contra essa posição persecutória, guardando, por exemplo, um silêncio obstinado, ou tentando assumir a liderança, ou ainda constituir subgrupos. A ilusão grupal representa uma defesa coletiva contra a angústia persecutória comum. (Anzieu, 1993, p. 82 - grifo nosso)

Anzieu (1993) afirma que diante da ameaça à identidade e ao narcisismo individual, provocada pela situação de grupo, a ilusão responde criando uma identidade de grupo e instaurando o narcisismo grupal. Como manifestação da ilusão grupal, os membros reconhecem-se como idênticos, projetam os elementos não aceitáveis no grupo para o exterior ou sobre um bode expiatório, expressando com euforia a ilusão de constituírem um bom grupo. Segundo o autor, a ilusão grupal ilustra o funcionamento do Ego ideal, herdeiro do narcisismo primário, nos grupos. O Ego ideal comum instaurado no grupo corresponderia à atualização de um modo fusional de relação, quando o bebê não distingue interno e externo, nem reconhece a dependência e a necessidade da proteção da mãe, ou seja, quando impera a onipotência narcísica. Vemos que na concepção de ilusão de Anzieu prevalece a imago materna, como para Winnicott, diferentemente de Freud, em cuja concepção sobressai a imago paterna.

Para Anzieu (1993) na ilusão grupal o aparelho psíquico dos membros de um grupo fica entre a fusão fantasmática e o reconhecimento da realidade exterior. Ele assinala que "os participantes se dão um objeto transicional comum, o grupo, que é, para cada um, ao mesmo tempo realidade exterior e substituto, ou melhor, simulacro do seio." (Anzieu, 1993, p.85). Esse estado de indiferenciação exprime a tendência isomórfica (Kaës, 1997) como manifestação da defesa contra as angústias primárias (tais como a angústia persecutória e de fragmentação), possibilitando a confiança e o investimento do corpo grupal pelos participantes. A transposição desse momento provisório, reversível, mas necessário do processo grupal requer a passagem pela desilusão.

Quanto ao manejo da ilusão no grupo, convém destacarmos dois aspectos apontados por Anzieu (1993): se ela é denunciada ou interpretada muito cedo, não há tempo para que o grupo seja interiorizado como um objeto libidinal comum, antes que os membros confiem em seu grupo. Mas, se ela se prolonga, torna-se uma resistência ao processo grupal.

A partir desses autores, é coerente afirmar que a ilusão vivida pelo bebê constitui um protótipo daquela retomada nos fenômenos grupais e partilhada pelos membros de um grupo. Podemos também afirmar que em psicanálise prevalece um sentido positivo e funcional da ilusão. Para efeito de condução do grupo estudado, destacamos resumidamente algumas características fundamentais da ilusão grupal:

- Se produz como reação às angústias persecutória e de fragmentação (preservação);

- Retoma a completude narcísica e apaga a diferença (fusão, unidade);

- Está aquém do princípio da realidade;

- Serve de suporte para o que virá: a desilusão em solo seguro (diferenciação);

Considerando o poder ameaçador da situação de grupo, como se manifesta o fenômeno de ilusão grupal no caso da adolescência, momento em que - face ao continente individual fragilizado e diante da necessidade de adaptação do continente social e familiar - há um risco acentuado de fragmentação?

 

AS ANGÚSTIAS BÁSICAS E A ILUSÃO GRUPAL ADOLESCENTE

Como característico das psicoterapias de grupo de orientação psicanalítica, foram estabelecidas as constantes que garantiram o enquadre das sessões (tempo, lugar e forma de trabalho). Conforme o referencial metodológico de grupo operativo de Pichon-Rivièrie, as sessões foram conduzidas por uma coordenadora/terapeuta, com a colaboração de um observador não participante, responsável por tomar notas. Ao final de cada sessão coordenadora e observador discutiam o funcionamento do grupo, de maneira a garantir uma postura reflexiva na condução.

A gênese de nossa reflexão apoia-se na experiência com um grupo formado por 11 adolescentes (6 meninos e 5 meninas), de 15 a 17 anos. Eles moravam em um território composto por três bairros e a maioria estudava na mesma escola. Eventualmente encontravam-se nesses espaços, embora não tivessem estabelecido entre si relação de amizade. A regra de abstinência foi enunciada, de modo que durante o período dos encontros os participantes mantivessem entre si apenas relações sociais correntes e espontâneas e guardassem discrição no que se refere ao conteúdo das sessões. Foram realizados oito encontros, de uma hora e meia, aproximadamente, distribuídos ao longo de dois meses, na unidade de assistência social do território.

Os adolescentes foram convidados a falar sobre o que lhes viesse à cabeça, a partir de uma tarefa inicial ligada aos objetivos de pesquisaii, a saber: relação que mantinham com a família, o espaço de casa e os demais espaços que frequentavam. Conforme o referencial metodológico utilizado, a coordenadora buscou facilitar o trabalho do grupo em torno da tarefa, com base na interpretação dos emergentes. Pichon-Rivière (2005, p. 285) define o emergente como um "sinal de um processo implícito, isto é, o sinal do processo que já estava subjacente e que devia ser tornado explícito." Os emergentes correspondem, portanto, àquilo que deve ser interpretado para ajudar o grupo a pensar, o que envolve compreender o sentido implícito nas falas, seu significado para os membros e para o processo grupal, bem como explicitar os obstáculos existentes ligados à tarefa. Nesse processo, manifestam-se dois medos básicos, o de ataque e o de perda, correspondentes às ansiedades paranoide e depressiva. Para facilitar o trabalho em torno da tarefa, na quarta sessão utilizamos o desenho da casa como mediador, conforme concebido por Benghozi (2014) com a concepção de espaçograma. Nesta perspectiva, o desenho compreende um organizador grupal, enquanto mediação terapêutica capaz de produzir efeitos na narratividade grupal, no sentido de favorecer o trabalho psíquico de figurabilidade.

A seguir, discutiremos o desenlace da ilusão no grupo com base em trechos de algumas sessões. Organizamos a discussão em torno de três momentos identificados no funcionamento grupal, segundo as angústias e resistências manifestas e a capacidade do grupo de pensar e de centrar-se na tarefa. No primeiro momento prevaleceu um discurso racionalizado e a projeção da diferença para o "não-grupo"; o segundo compreendeu o início do estabelecimento da diferença no interior do grupo e o terceiro foi marcado pela emergência da posição depressiva.

 

MOMENTO DE INDIFERENCIAÇÃO

Nas primeiras sessões, face à emergência de representações angustiantes, o grupo adotou repetidamente como medida a mudança de assunto, em favor de um mais tranquilo ou capaz de fazê-los rir. Por diversas vezes, os adolescentes relatavam situações que demonstravam suas capacidades face aos adultos. Na narratividade grupal, a fala de um adolescente ia no mesmo sentido do que havia sido dito por outro, num esforço de manter a discussão em torno de aspectos que favoreciam a identificação entre eles - como ilustra o trecho a seguir, da primeira sessão.

Mariana: Essa inspetora, essa vice-diretora não pensa na escola, se for para ela te xingar, ela te xinga dos pés à cabeça.

Isabela: Bem na frente de todo mundo, né?

Ana: É verdade, ela esculacha.

(...)

Lorena: Sem falar das histórias dela da viagem, né?

Sandro: É, nossa!

Ana: Ela adora falar dos netos dela.

David: Ela fala do sobrinho dela.

Lorena: Não! Do sobrinho em Harvard.

Mariana: O neto dela não tem nem seis anos ainda, ela fala do neto dela.

David: Ela diz que ele é mais inteligente que nós.

Grupo. É. (Risos)

Coordenadora: Ela fala com estas palavras? São bem fortes.

Grupo. Hamham (Risos)

(...)

Mariana: Isso quando você não responde e ela começa a xingar você e a sua família. "Porque vocês são vagabundos, seus pais também são isso." Fala um monte.

Lorena: E se você não responder ela fala: "Seus pais não te deram educação em casa."

(...)

Samuel: Um dia ela pegou minha mochila, grudei no braço dela, apertei o braço dela que ficou vermelho. (...) Aí eu fiquei sentado, assim, aí peguei no braço dela "devolve minha mochila". Aí na hora ela falou "Me solta, me solta". Aí a professora veio e me segurou por trás. Senão, eu tinha matado ela. (Rindo).

(Risos)

Mariana: Mas ela é muito folgada com a gente.

Coordenadora: Nesse dia você estourou, né? A gente não estava falando no começo do grupo, estouram na casa da Ana, estouram na casa do Bruno, o Sandro quase estourou. Nesse dia, então, foi o Samuel.

Mariana: Tem dia que ela exagera, não sei o que acontece com aquela mulher.

Samuel: Tem dia que ela está de TPM.

Lorena: Todo dia, né?

(Risos)

Apesar de versar sobre humilhação, a discussão ocorre em um clima eufórico, sobressaindo falas que acentuam a atitude de enfrentamento e de crítica à vice-diretora da escola. Entre risadas e brincadeiras, os adolescentes demonstram a satisfação e o prazer diante do revide de Samuel, que parece representá-los. Ele é admirado nessa condição de quem impõe limites à figura adulta, mostrando-se orgulhoso de ocupar essa posição.

A ilusão grupal manifesta-se pela adesão dos membros às qualidades expressas por cada um e pela escolha de um inimigo fora do grupo, representado pela vice-diretora. Em um movimento de indiferenciação, os participantes vivenciam com euforia os enunciados que atestam marcas comuns entre eles, o que pôde ser observado também quando emergiu a discussão sobre a vergonha de comer na escola. A vergonha foi apontada como algo comum entre os alunos, mas não entre eles, pertencentes ao grupo. Supomos uma negação da vergonha de comer na escola, ato que evocava a dimensão da falta, da necessidade, ligada à condição compartilhada de adolescentes pobres.

A euforia manifesta evidenciava a defesa hipomaníaca contra a angústia persecutória comum, de serem invadidos, contra o risco de desvendar "quem eu sou" (Anzieu, 1993).

A situação de grupo na qual eu não sei quem "eles" são e eles não sabem quem "eu" sou é, como tal, fonte de angústia. Eis porque os primeiros encontros são consagrados a lutar contra essa imagem e contra essa angústia (...) Quem sou eu? Eis o questionamento que a situação de grupo exerce sobre cada membro. E essa questão é para o homem a mais difícil de colocar e assumir. (Anzieu, 1993, p. 44)

Os adolescentes mostravam-se mobilizados contra a revelação de um "eu sou" potencialmente menos poderoso do que aquele que era apresentado aos demais, num esforço de não desiludir o outro, como condição para guardar a própria ilusão (Kaës, 2012). Eles caminhavam no sentido de fortalecer a ilusão de unidade do grupo, o qual representava a ameaça de invasão.

A emergência do tema vergonha/humilhação indica o quanto, nesse primeiro momento, prevaleceu a angústia persecutória. Afinal, os participantes não sabiam se o grupo constituía um envelope seguro para suas inquietudes arcaicas, que se viam mobilizadas.

Através das identificações mútuas e da negação de aspectos que poderiam culminar em "não-identificações", os participantes unem-se via ilusão. A aliança entre eles se constrói, como assinalou Kaës (2009), contra um terceiro fora do grupo. Nesse movimento de projeção da ameaça e da diferença para o "não-grupo", começava a constituir-se o corpo grupal (Anzieu, 1993). Consolidava-se a identidade enquanto grupo de "adolescentes", com base no fortalecimento do corte entre gerações, através da crítica aos adultos, manifesta ao longo das primeiras sessões. Essa crítica refletiu-se na resistência às interpretações, pois os adultos do grupo representavam mais fortemente a ameaça de serem invadidos e julgados, quanto ao erro ou possível anormalidade. Observamos que, no período inicial do grupo, coordenadora e observador foram colocados em uma posição superegoica e persecutória (Chapelier, 2002; 2004).

 

MOMENTO DE ESTABELECER DIFERENÇAS

Na quarta sessão, o grupo vivencia a atividade proposta de desenhar a própria casa como bastante ameaçadora, o que é denunciado por Samuel: "Tem que abrir o barraco". Pensamos na duplicidade de sentido da palavra barraco, enquanto uma moradia simples - tal como parte das casas do território onde eles moravam - mas também "briga", pois afinal a tarefa explícita envolvia falar do espaço de casa e das relações familiares, consequentemente, dos conflitos existentes na família. A referida fala expressa a compreensão da tarefa e como ela operava inconscientemente.

Na segunda metade dessa sessão, quando a coordenadora pergunta se havia alguma questão do grupo para uma adolescente que falava sobre seu desenho, o obstáculo à tarefa é de novo enunciado por David: "Não. Aqui ninguém complica para ninguém, não". Alguns adolescentes mantinham um discurso racionalizado, mostrando que tinham menos a dizer à medida que se sentiam questionados. Essa fala foi interpretada como uma denúncia de que estavam dispostos a desviar de questões angustiantes e como uma cobrança de renovação desse pacto, que parte do grupo estava disposta a quebrar. As alianças, acordos e pactos condensam o interesse comum do grupo e alimentam a ilusão grupal (Kaës, 2009), enquanto estado defensivo contra os afetos insuportáveis ou mesmo irrepresentáveis para os membros do grupo.

Ao discutirem os desenhos, os adolescentes encontraram a "escada" como elemento que garantia a unidade: "Todos temos escada". Mas, no decorrer da sessão, a distinção de status entre casas com escada ou escadaria estabelece a diferença entre eles, instalando no interior do grupo a polaridade anteriormente estabelecida entre eles e funcionários da escola, pobres e ricos, entre grupo e não-grupo.

Coordenadora: O Samuel tem escadaria...

Samuel: Escadaria não, escada.

(...)

Ana: Na minha antiga casa eram duzentos e cinquenta degraus. Até hoje eu lembro.

Samuel: E não era escada não, era escadaria mesmo. (...) Se a escada da Ana tinha duzentos e poucos, a do Thomas deve ter uns 400.

Coordenadora: Sua casa Thomas é de difícil chegar? O Sandro que falou também que é difícil, que é longe, não é?

Ana: Você mora aonde?

Samuel: No meio do mato. (rindo)

Sandro: Espera ai! Tem luz lá. (...) Tem gente que mora lá na mata, pega água lá da mata. Tem uma cachoeira velha lá que tem gente que usa.

(...)

Samuel: É o Morro do Alemãoiii! (referindo-se ao morro onde moravam Thomas e Sandro).

(Risos)

Coordenadora: Você se incomoda?

Sandro: Não.

Ana: (Risos). Meu pai queria alugar uma casa lá. Deus me livre. Não valia a pena.

Isabela: Não vai aguentar não.

A partir da discussão de aspectos concretos da casa e de sua ocupação pela família, emergiram conflitos psíquicos existentes. Os adolescentes passaram a expressar pontos de vista divergentes, indicando uma maior abertura e amenização da ilusão grupal. O pacto que visava garantir o interesse comum de não se expor, não revelar, via-se ameaçado. O outro no grupo, além de ser uma fonte de identificações, é também fonte de críticas, representante potencial da vigilância dos valores e ideias culturais. A preocupação manifesta pelos adolescentes com a normalidade ou anormalidade de seus comportamentos e pensamentos, levou a tomarem o outro no grupo como "normal", com quem "deviam parecer", mas também como distante dos ideais ou da ideia denormalidade. Alguns membros do grupo ocuparam este lugar do "anormal", do estranho, mostrando que o que era rejeitado ganhava lugar no interior do grupo. Nesse sentido, Laufer e Laufer (1989) ressaltam que a preocupação do adolescente com a normalidade faz referência à normalidade ou anormalidade sexual, o que constituiu o tema central da sessão seguinte.

 

MOMENTO DO PENSAR

A partir da quinta sessão, os adolescentes passaram a expressar entre si certa agressividade, o que compreendemos como parte do processo de reconhecimento da diferença entre eles e marca da capacidade de pensar que se desenvolvia. Diante de uma dinâmica em que alguns se expunham e outros não, Ana critica aqueles que guardavam o silêncio: "Tem gente que não quer saber de falar nada". Instala-se um tom acusatório, que encontra ressonância entre aqueles que falam. Para alguns adolescentes confiar seus conflitos e questões identitárias ao grupo parecia ameaçador, mantinham as resistências ao movimento do grupo em direção à tarefa. A respeito da resistência manifesta na situação de grupo, Anzieu (1993) assinala:

...há muitas reuniões não diretivas onde as pessoas não chegam a falar do que as aflige, sobretudo se sabem que é isso que se espera delas. (...) Outras por nada no mundo confiariam o que as aflige, a não ser para alguns íntimos e em momentos excepcionais, sobretudo nunca num grupo. Se elas forem muito numerosas ou muito fechadas, a discussão será vazia e inútil. Uma reunião não caminha a não ser que alguns falem de coisas que os afligem e que isso encontre ecos em outros, ou quase todos os outros. (Anzieu, 1993, p. 21)

O trecho a seguir, da sexta sessão, ilustra como as falas dos participantes encontraram eco reflexivo nos demais, o que ocorre paralelamente a um rebaixamento da angústia persecutória e um aumento da capacidade de escuta do grupo.

Ana: Lá em casa é assim...Minha irmã já teve crise de pânico, entrou em depressão, meu pai entrou em depressão, minha mãe é alcoólatra, ela nunca entrou em depressão. (...) Como eu sou muito retardada, tenho orgulho disso, porque graças a isso não fiquei louca naquela casa... Na escola mesmo, eu dava risada para não chorar.

Coordenadora: É então, você encontrou uma forma de se defender, né?

Ana: Lógico!

Coordenadora: Você fala de uma defesa mesmo para não adoecer.

Ana: Ah, meu irmão fugiu de casa...

Coordenadora: Tem gente que fica com vontade e não some, mas... fica só no quarto, como vimos alguns de vocês falarem...

Samuel: Eu mesmo chamava meu padrasto assim de canto e falava... "Olha ela [mãe] já está começando a beber... Se ela começar a falar alguma coisa para você, você sai, fica na rua..." (...)

Coordenadora: Então um tinha que fugir do outro. E você ficava como responsável por intermediar o conflito entre os dois.

(...)

Alice: Em casa, o conflito é silencioso. Já teve caso do meus pais ficarem quase dois anos sem se falarem...tipo assim, morando juntos e não falavam nada, nada mesmo. (...) Agora eles brigam pouco, antes brigavam muito.

Coordenadora: Para não brigar ficou no silêncio... naquele silêncio que incomoda.

Alice: É, porque não falavam nada. E às vezes eu tinha que ficar falando com um o que o outro dizia.

Samuel: Minha mãe faz muito isso com a minha avó. Teve uma vez, minha avó brigou com ela, ela ficou um ano e meio sem ir na minha avó. Um ano e meio!

David: A minha mãe bateu o recorde, ela ficou dezesseis anos sem falar com a minha avó.

Coordenadora: Por quê?

David: Por causa de mim.

(Risos)

David: E eu não fiz nada. (...) Porque a minha mãe tinha falecido, quando eu nasci, e minha tia queria minha guarda. Tinha mais três irmãos meus... Minha avó queria ficar com todos, só que ela não tinha condições de criar todos, né? Aí, ela acabou ficando com três e eu fiquei com a minha tia, que eu chamo de mãe... Daí a minha avó ficou com raiva, ela queria, porque queria eu também.

Coordenadora: Então a briga foi por causa de você. Você é caçula.

David: Eu sou. Ficaram sem se falar esse tempo todo, voltaram a se falar esses dias atrás, esses meses para trás, né? ... esse ano. (...) Eu falava com a minha avó também, né? "Já deu esse tempo já". Desde que eu tinha dois meses. E ela nem gosta de falar desse tempo, da morte da minha mãe. Eu pergunto, mas não fala direito assim da história, nem sem direito porque minha mãe morreu.

Coordenadora: Parece que está procurando respostas...

David: Mas se minha avó não queria nem falar com a minha mãe [tia]... Agora fala. (...) (...)

Coordenadora: É como a gente estava falando, o conflito silencioso, né? De anos e anos de coisas que não são ditas, que ficam, né? Parte da história de cada um fica escondida nesses conflitos na família. Porque pelo que você fala, David, tem coisas de sua história que gostaria de saber.

David: Ah sim, muita coisa que eu não sei...

Emerge no processo grupal uma posição depressiva básica que permite ao grupo suportar frustrações, pensar sobre as interpretações, superar uma pauta dissociativa e estereotipada, mostrando-se mais centrado na tarefa (Pichon-Rivière, 2005). David, que, na quarta sessão, fora autor da proposta de manutenção do pacto de silêncio, revela agora algo da ordem de um "segredo familiar" - pensado, na perspectiva de Abraham e Torok (1972), como o não elaborado por uma geração, que é transmitido com potenciais desdobramentos patológicos nos vínculos.

Os adolescentes voltam a evocar conflitos com os pais relacionados à sexualidade, mas agora de uma forma sensivelmente mais reflexiva, compartilhando angústias e sentimentos vivenciados. Discutem as diferentes cobranças colocadas para meninos e meninas. Um adolescente, por exemplo, relata seu incômodo com a expectativa social - manifesta na fala dos pais, dos vizinhos - de que para "tornar-se homem" é preciso que o menino tenha sua primeira relação sexual. Enquanto uma adolescente descreve o medo do pai de que ela engravide, o que significaria ser "expulsa de casa". A ambivalência dos adolescentes relativa ao processo de separação-individuação compreendeu um elemento sobressalente na narrativa grupal. Consideramos que o tema da morte, que ocupou a maior parte da sexta sessão, além de refletir as vivências relativas a esse processo, revelava também a angústia de separação diante da "morte" do próprio grupo, que teria apenas mais dois encontros.

Abriu-se espaço para que pensassem sobre a adolescência dos pais e irmãos mais velhos, o que os levou a interpretar parte das atitudes dos pais como uma tentativa de evitar que repetissem os "erros" cometidos por outros membros de suas famílias. No campo transferencial, o corte estabelecido adolescente versus adulto perde sua rigidez. Dessa forma, as interpretações da coordenadora passaram a fazer sentido para o grupo ou eram questionadas na tentativa de serem compreendidas.

 

CONCLUSÃO

Consideramos que nos grupos com adolescentes observa-se uma série de fenômenos e mecanismos comuns aos grupos terapêuticos com adultos, mas algumas nuances relativas ao processo de subjetivação do adolescente conferem a esse tipo de grupo uma dinâmica particular. No que se refere à ilusão grupal, se, por vezes, essa particularidade mostra-se menos aparente quanto à forma, encontra-se certamente no conteúdo e na intensidade de suas manifestações. Um aspecto bastante distinto dos grupos com adolescentes consiste no vínculo que estabelecem com o terapeuta. A ilusão grupal adolescente constitui-se com base na exclusão dos adultos e, portanto, dos profissionais, que impedem que a onipotência e a euforia hipomaníaca sejam vividas plenamente. Nos momentos iniciais do grupo, a capacidade do profissional de suportar a carga projetiva e os elementos agressivos manifestos é especialmente exigida.

A fragilidade narcísica própria da adolescência explica a preocupação particular do adolescente com a normalidade de seus pensamentos e, ao mesmo tempo, o porquê do grupo ser fortemente investido por ele. Disso decorreu o esforço sensível dos adolescentes de prenderem-se à ilusão grupal. Aspectos relativos à identidade, como a definição de gostos e atitudes que permitem ao adolescente dizer "eu sou assim" ou "eu gosto disso", que neste período da vida ocupam um lugar central na dinâmica psíquica, expressaram-se nas alianças estabelecidas no grupo. A partir dessas alianças, os participantes puderam dizer "nós-grupo" somos assim ou pensamos assim. E por esta via de fortalecimento do narcisismo grupal, puderam fazer face à angústia de fragmentação.

Os três momentos identificados no processo grupal não foram, evidentemente, estanques. Ao longo dos encontros, os adolescentes variaram entre posições mais ou menos centradas na tarefa. Conforme a teoria da técnica utilizada, vale assinalar que o trabalho de elaboração do grupo abrange seu funcionamento nas modalidades pré-tarefa, tarefa e projetoiv, as quais surgem numa sucessão evolutiva no processo grupal, diante de cada situação que exige mudanças no sujeito. Ressaltamos que, embora essas modalidades estivessem presentes em todos os momentos acima descritos, observamos no decorrer dos encontros uma maior capacidade do grupo de centrar-se na tarefa e de pensar. Assim, a partir da quinta sessão, pudemos observar a instalação de um clima mais sereno, que se distanciava da euforia prevalecente no início do trabalho, momento a partir do qual as falas dos membros do grupo encontravam um eco reflexivo na narratividade grupal. O uso do desenho como mediador surtiu um efeito marcadamente positivo para o trabalho em torno da tarefa e o desenlace da narratividade. A definição prévia das constantes, principalmente do tempo e da tarefa, colaborou para o movimento do grupo de sair de um momento em que a tentativa era reduzir tensões e garantir a harmonia entre os participantes, para um momento em que a agressividade expressa caracterizou uma abertura para o reconhecimento e o pensar sobre suas diferenças.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Elizangela Barboza Fernandes
E-mail:elibf@usp.br

Maria Inês Assumpção Fernandes
E-mail:marines@usp.br

 

 

* Psicóloga, doutoranda em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo e pela Universidade Paris Descartes. Membro do Laboratório de Estudos em Psicanálise e Psicologia Social (LAPSO/USP) e do Laboratório de Psicologia Clínica, Psicopatologia e Psicanálise.
** Psicóloga, docente do Instituto de Psicologia da USP desde 1977; livre docente do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho.Instituto de Psicologia.
*** Psicanalista, docente do Instituto de Psicologia, Universidade Paris Descartes, Laboratório de Psicologia Clínica, Psicopatologia e Psicanálise. Centre Henri Piéron UFR Institut de Psychologie 71, avenue Edouard Vaillant 92774 Boulogne-Billancourt, Paris.
i Realizado durante pesquisa de doutorado da primeira autora, que atuou como coordenadora do grupo (Comitê de Ética da Universidade de São Paulo: processo 17057113.7.0000.5561), sob orientação de Maria Inês Assumpção Fernandes (Laboratório de Psicologia Social e Psicanálise – Universidade de São Paulo) e Philippe Robert (Laboratório de Psicologia Clínica, Psicopatologia e Psicanálise – Universidade Paris Descartes).
ii Neste texto não analisamos o conjunto dos resultados da pesquisa de doutorado, mas precisamos a tarefa correspondente, pois constituiu parte do enquadre em que a ilusão grupal se manifestou.
iii Em referência a morro no Rio de Janeiro popularmente conhecido por problemas com o tráfico.

iv Na pré-tarefa prevalece a resistência à mudança, na tarefa ocorre uma ruptura com papéis estereotipados e, finalmente, em função da compreensão alcançada, o grupo pode entrar no projeto, voltando-se para uma nova situação (Pichon-Rivière, 2005).

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