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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo vol.15 no.2 São Paulo jul./dez. 2018

https://doi.org/75d323ad165443c59fb-33bc 

ARTIGO

DOI - 75d323ad165443c59fb-33bc

 

Reconhecimento tardio de paternidade e suas repercussões no desenvolvimento dos filhos

 

Late recognition of fatherhood and its effects on the development of children

 

Reconocimiento tardío de la paternidad y de sus efectos sobre el desarrollo de los niños

 

 

Heloísa Maria Palmeira*, I; Fabio Scorsolini-Comin**, II

IUniversidade Federal do Triângulo Mineiro
IIUniversidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo de caso coletivo teve por objetivo compreender as possíveis repercussões do reconhecimento tardio da paternidade no desenvolvimento dos filhos. Foram entrevistados 11 filhos que tiveram o reconhecimento tardio de paternidade fora dos prazos legais, ou seja, até 60 dias após o nascimento. Utilizou-se a técnica da história oral de vida e a entrevista semiestruturada, com emprego da análise de conteúdo. O reconhecimento tardio de paternidade promoveu mudanças significativas no desenvolvimento dos filhos, em movimentos como a maior valorização da figura materna e de tentativa de reescrever o conceito de paternidade a partir da própria experiência de parentalidade, sobretudo nos homens. Embora o reconhecimento legal tenha sido alcançado, este não equivale ao estabelecimento de um vínculo afetivo ou de maior proximidade com as figuras paternas, demonstrando que os operadores legais cumprem a sua função em nível dos direitos, mas não contribuem necessariamente para um desenvolvimento psicológico considerado mais positivo.

Palavras-chave: paternidade; parentalidade; relações pais-criança.


ABSTRACT

This collective case study aimed to understand the possible repercussions of the late recognition of fatherhood in children's development. Eleven sons and daughters, who have had the late recognition of fatherhood outside the legal time limits (that is, 60 days after birth) were interviewed. We used the history of life technique and the semi-structured interview; and we also used the content analysis. The late recognition of fatherhood promoted significant changes in children's development, in movements such as the greater appreciation of the mother and attempt to rewrite the concept of fatherhood from the experience of parenting, especially with men. Even though the legal recognition has been achieved, this does not mean the same as to the establishment of a link or greater proximity to the father figures, showing that legal operators fulfil their function in the level of the duties but not necessarily contribute to a psychological development considered more positive.

Keywords: paternity; parenting; parent child relations.


RESUMEN

Este estudio de caso colectivo, tiene por objetivo comprender las posibles repercusiones del reconocimiento tardío de la paternidad en el desarrollo de los hijos. Fueron entrevistados once hijos e hijas, que tuvieron reconocimiento tardío fuera de los plazos legales, o sea, sesenta días después del nacimiento. Se utilizó la técnica historia de vida y la entrevista semiestructurada, con el uso de análisis de contenido. El reconocimiento tardío de la paternidad genero cambios significativos en el desarrollo de los hijos, al permitir movimientos de mayor valorización de la figura maternal y de tentativas de reescribir el concepto de paternidad a partir de la propia experiencia de relación parental, sobre todo los hombres. Mismo que el reconocimiento legal haya sido alcanzado, este no equivale a la construcción de un relación o de mayor proximidad con la imagen paterna, demostrando que los medio legales realizan sus funciones a nivel jurídico, pero no contribuyen necesariamente para un desarrollo psicológico considerado más positivo.

Palabras clave: paternidad; relación parental; relaciones padres-niños.


 

 

O exercício da parentalidade nas novas configurações familiares emerge de um contexto em que a desintegração da família tradicional e a reorganização dos papéis sociais das funções maternas e paternas vêm mostrando um novo conjunto de expectativas, crenças e atitudes de cada gênero (Beltrame & Bottoli, 2010; Zornig, 2010). Diante desse cenário, muitas pesquisas passaram a investigar as transformações que o papel do pai vem sofrendo nos últimos anos e os efeitos da ausência paterna, conferindo destaque ao exercício dessa paternidade e suas vicissitudes (Bernardi, 2017; Bettany, Kerrane, & Hogg, 2014; Colleti & Scorsolini-Comin, 2015; Cúnico & Arpini, 2014; Mcgill, 2014; Vieira, Nascimento, Mesquita, Gomes, Silva, & Alves, 2013).

As relações que se estabeleceram ao longo da história destacam as funções do homem como sendo o principal responsável pelo aspecto financeiro do lar balizado pelo trabalho externo, ao passo que, à mulher, eram destinadas a organização da vida social, as tarefas domésticas e o cuidado com os filhos. Especificamente, as progressivas transformações que o papel feminino provocou nas relações atuais são imprescindíveis para buscarmos refletir sobre a função do homem como pai imerso nessa complexa dinâmica. A inserção da mulher no mercado de trabalho, como uma das consequências do movimento feminista, e a ocupação de espaços tradicionalmente masculinos, perpassam a família e a vida social de tal modo que tiraram a mulher do ambiente restrito do lar, possibilitando ao pai assumir novas funções. Neste ínterim, fala-se de um "novo homem" que passa a participar de modo mais ativo na vida afetiva e familiar e, da mesma forma, vê seu papel masculino ligado às novas demandas (Bernardi, 2007; Badinter, 1985; Gomes & Resende, 2004; Vieira, Bossardi, Gomes, Bolze, Crepaldi, & Piccinini, 2014; Staudt & Wagner, 2008; Unbehaum, 2001).

Na Psicologia do final do século XX, o conceito de paternidade passa a incorporar a noção de "paternidade participativa", descrita como afetiva e cuidadora da prole e não limitada ao provimento material característico do poder patriarcal ou da vivência de um relacionamento amoroso. Simultaneamente, intensificam-se as produções que investigam a paternidade por meio da divisão entre a natureza e o corpo versus a cultura e o gênero, reiterando as ordens biológicas e culturais que se inscrevem no corpo do homem (Perucchi & Beirão, 2007; Valente, Medrado, & Lyra, 2011). Fonseca (2004) propõe uma reflexão acerca dessa problemática: se, por um lado, o teste de DNA pode ser usado a favor da firmação do laço de parentesco, por outro, pode ser usado para negar os laços já existentes, servindo tanto na investigação quanto na contestação da paternidade em questão. A este respeito, a paternidade desertora compreenderia o genitor, aquele que é o pai biológico, protetor material e afetivo, e o "pater", o pai jurídico e de autoridade. Portanto, considera-se que a afirmação de um fato biogenético, o cumprimento de uma lei e o desenvolvimento de uma relação social são processos distintos (Fonseca, 2005).

A sistematização dos estudos brasileiros produzidos entre 2000 e 2012 sobre questões que norteiam o tema da paternidade evidenciam o quanto se tem pesquisado a respeito, e a dimensão em que a sociedade brasileira tem encarado este tema tem se tornado importante e de significativa relevância, um fenômeno que pode ser associado, sobretudo, à reconfiguração familiar proposta pelas lutas sociais ancoradas no feminismo e nos movimentos dos direitos sexuais (Bernardi, 2017). Ainda assim, o modelo familiar, e junto dele o modelo de paternidade, compreendem uma posição de dualidade, ora arraigados a padrões antigos, ora aderindo a comportamentos contemporâneos (Prado & Abrão, 2014; Vieira et al., 2014). Desse modo, tem-se na qualificação do cuidado materno um conceito que permanece atual, embora muitos estudos revelem a importância que a presença paterna tem na vida dos filhos, enfatizando os prejuízos que a ausência do pai pode trazer para o desenvolvimento dos mesmos (Bernardi, 2017; Eizirik & Bergmann, 2004; Sganzerla & Levandowski, 2010).

A partir do panorama exposto, nota-se na literatura dois movimentos distintos, sendo o mais tradicional aquele que afirma que há prejuízos desenvolvimentais decorrentes da ausência paterna (Eizirik & Bergmann, 2004; Feldman & Klein, 2003; Gomes & Resende, 2004) e outro, mais recente, que questiona tal repercussão, com destaque para fatores protetivos que podem ocorrer no âmbito familiar e que poderiam esvanecer os possíveis efeitos negativos da ausência do genitor (Benghozi, 2010). Tendo esses pressupostos como ponto de partida e considerando a incipiente literatura científica produzida sobre esse tema (Borsa & Nunes, 2011; Benckzik, 2011), o presente estudo teve por objetivo compreender as possíveis repercussões do reconhecimento tardio da paternidade no desenvolvimento dos filhos.

Um reconhecimento tardio de paternidade é aquele que ocorre fora dos prazos legais. Segundo o artigo 50 da Lei de Registros Públicos (Lei 6015/73), denomina-se usualmente de registro tardio ou extemporâneo o registro de pessoa menor de idade feito fora do prazo legal e registro extemporâneo ao registro de maior de idade (Brasil, 1988). A partir desse aspecto, considera-se neste estudo o reconhecimento tardio da paternidade nos casos em que os(as) filhos(as) possuam um maior repertório de experiências relacionadas a esse processo, de modo a elencar as possíveis repercussões da ausência do reconhecimento da paternidade desde os anos iniciais do desenvolvimento.

 

MÉTODO

Tipo de estudo e participantes

Trata-se de um estudo de caso coletivo amparado na abordagem qualitativa de pesquisa, de corte transversal. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem dos autores e contou com a participação de filhos e filhas maiores de idade que tiveram a vivência do reconhecimento tardio de paternidade em fases caracteristicamente marcantes em suas trajetórias e de tal modo que fosse possível elencar os prováveis aspectos psicológicos e desenvolvimentais experienciados antes, durante e após o processo legal do reconhecimento de paternidade. Os participantes foram entrevistados individualmente em duas cidades do interior de Minas Gerais, totalizando 11 entrevistas. Não houve restrição quanto ao sexo, aspectos socioeconômicos, grau de instrução, atuação profissional e idade máxima dos entrevistados. Todos os participantes da pesquisa tiveram o reconhecimento da paternidade mediante testes de DNA, ou seja, fora dos prazos legais, sendo o registro tardio e/ou extemporâneo. A caracterização completa da amostra é apresentada na Tabela 1, na seção de Resultados e Discussão.

Instrumentos

Foram utilizados dois instrumentos aplicados face a face em cada entrevistado: (a) Técnica da História de Vida do participante e (b) Entrevista semiestruturada elaborada especificamente para este estudo, contendo questões que versavam sobre os processos de desenvolvimento ligados à experiência com os pais, experiências anteriores e posteriores ao reconhecimento tardio da paternidade, contato com o pai, se existente, e perspectivas futuras em termos das próprias experiências parentais dos participantes.

Procedimento

Coleta de dados. Os participantes foram recrutados por meio do contato com profissionais da área social atuantes nas Comarcas referentes às cidades do interior do Estado de Minas Gerais, cujo acesso aos processos públicos de reconhecimento tardio de paternidade eram indicados e direcionados por tais profissionais aos pesquisadores do estudo ou cujos filhos e filhas aceitassem participar da pesquisa por intermédio de um contato prévio, sigiloso e explicativo dos termos referentes ao estudo, realizado pela contribuição dos mesmos profissionais. O recrutamento dos filhos e filhas também se deu por meio dos contatos da rede social dos próprios participantes, com a utilização da técnica "bola de neve", que possibilita a definição de amostra por meio da indicação de pessoas com características comuns ao interesse da pesquisa, solicitando-se aos membros iniciais a indicação de outros que atendam aos mesmos critérios de inclusão. Inicialmente, os participantes foram informados a respeito do objetivo da pesquisa, além dos termos do trabalho. Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais audiogravadas, a fim de que nenhum detalhe fosse perdido, realizadas nas residências dos participantes, em datas e horários previamente combinados e em locais que garantiam conforto físico e emocional, além de condições necessárias para a pesquisa.

Análise de dados. As entrevistas foram transcritas na íntegra e literalmente, compondo o corpus de análise. Uma análise vertical do corpus permitiu conhecer os sentidos e implicações do reconhecimento tardio de paternidade nas diferentes fases de desenvolvimento trazidas por cada participante, enquanto, em um segundo momento, a análise horizontal das entrevistas foi realizada buscando destacar as principais semelhanças e diferenças de sentidos acerca da repercussão tardia da paternidade entre as falas dos participantes. A análise de conteúdo do corpus foi realizada por meio de procedimentos definidos por Bardin (2002), que utilizam os dados e seguem em direção ao contexto, interpretando o material e considerando as variáveis psicossociais e culturais. As categorias construídas a partir da análise de conteúdo, segundo a frequência, foram duas principais: (a) "Minha mãe é tudo": papel materno na compreensão e vivência do reconhecimento tardio de paternidade; e (b) Repercussões da paternidade tardia nos processos de desenvolvimento. A interpretação dos dados foi pautada na literatura científica acerca da paternidade.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Tabela 1 permite o mapeamento geral da idade, escolaridade, profissão, experiência de maternagem e paternagem, estado civil e idade em que ocorreu o reconhecimento tardio de paternidade. No que tange às transformações que a família vem apresentando e a configuração do "novo pai" (Bernardi, 2017; Staudt & Wagner, 2008), encontramo-nos em uma fase de processamentos das mudanças, uma vez que o reconhecimento tardio de paternidade se faz presente e atinge uma parcela significativa dos filhos e filhas brasileiras (Fonseca, 2004). Durante a coleta de dados, foi possível distinguir o reconhecimento tardio de paternidade legal daquele que, na prática, trará benefícios que se estruturam em termos afetivos, o que de fato repercutiu no desenvolvimento dos filhos e filhas deste estudo, uma vez que apenas uma participante (filha 1) conviveu com o seu pai, sendo que os outros dez participantes tiveram pouco ou nenhum contato com os seus genitores.

Ainda que os avanços se façam sentir em alguns aspectos, filhos gerados "acidentalmente" continuam sendo expressões que trazem constrangimento para o indivíduo e para a sociedade em vista do modelo de família ideal que carregamos ao longo de nossa história (Fonseca, 2004). Observa-se que a idade dos participantes variou entre 21 e 25 anos para as mulheres e entre 24 e 48 anos para os homens; a idade dos participantes e a idade em que tiveram a paternidade reconhecida apresenta média de 31 e 16 anos, respectivamente, o que configura aspectos distintos conforme a fase de desenvolvimento em que cada participante se encontrava quando aconteceu o reconhecimento tardio de paternidade em suas vidas, algo que caminha junto com a constituição psíquica e social da identidade e da origem de cada indivíduo. A este respeito, considera-se que os filhos e filhas que se tornaram pais e mães (7 participantes) puderam experienciar esses momentos de tal modo que relatam os impactos e as perspectivas acerca do "tornar-se pais e mães" conforme a relação que tiveram com os seus pais nas várias fases do reconhecimento tardio de paternidade e, com suas mães, durante toda a trajetória de suas vidas, o que torna implícito o processo de reconhecimento paterno.

A coleta de dados contemplou filhos e filhas que se submeteram aos exames de DNA para comprovação da paternidade em investigação, o que, em sua maioria, aconteceu quando seus pais ainda estavam vivos. Corroborando com o apontado em um estudo realizado por Fonseca (2004), a investigação de paternidade pautada nos testes de DNA foi iniciativa das mulheres mães destes filhos e filhas, fato que coincide com o benefício que essa tecnologia pode trazer às amarras e preconceitos proeminentes de uma sociedade que apresenta novas leis de paternidade como meio de fortalecer a causa da mulher e da criança contra as prerrogativas patriarcais, o que, em termos de contextos socioeconômicos e culturais, especialmente nas fases da infância e da adolescência (Gomes & Alvarenga, 2016), também se configurou como ponto de análise.

 

 

"Minha mãe é tudo": papel materno na compreensão e vivência do reconhecimento tardio de paternidade

A maternidade ocupa um lugar privilegiado nos estudos acerca do desenvolvimento dos filhos (Garfield, 2015), além de ser representada por meio de questões biológicas relacionadas à própria gravidez, fazendo com que a ligação entre mãe e filho se desse de uma forma muito mais íntima do que a ligação estabelecida com o pai (Vieira & Souza, 2010). Nos entrevistados, oito filhos e duas filhas demonstraram forte ligação com as suas genitoras, o que foi representado por meio dos cuidados realizados pelas figuras maternas frente aos seus nascimentos e ao longo de toda a sua trajetória com outros tipos de ação, como a relação com seus futuros filhos, os netos dessas mulheres. Tais filhos designaram a participação das suas mães em suas vidas como efetiva e responsável pelos adultos e pais e mães que se tornaram, ainda que tivessem contado com a presença de outros membros da família, em sua grande maioria mulheres (avós e tias), no cuidado integral em suas fases de desenvolvimento, referidas em termos de saúde física e mental, educação, provimento financeiro, transmissão de valores morais e principalmente relações de afeto, descritas como "amor absoluto" em suas mais variadas formas. Ainda que figuras masculinas se fizessem presentes durante suas trajetórias de vida e "criação" no complemento a um cuidado predominantemente feminino, como apontaram alguns filhos cuja presença dos tios em suas vidas foi primordial, a relação com as suas mães em momentos anteriores e posteriores ao reconhecimento tardio de paternidade foi assinalada como essencial. Para Badinter (1985), o amor materno não se configura como um sentimento que é inerente à condição das mulheres, mas algo que se adquire como produto da evolução social desde os princípios do século XIX, isto significa que, como todos os sentimentos humanos, ele varia de acordo com as flutuações socioeconômicas da história.

A estrutura familiar frequentemente evocada por esses entrevistados deixa em destaque a ausência paterna, supervalorizando esse aspecto. Ao mesmo tempo, essa ausência parece ser negada ou esvanecida em função de outras relações interpessoais estabelecidas, notadamente com as mães e os irmãos. A paternidade, de fato, só estaria presente na família que eles constituíram (e na sua consequente definição), não na família de origem. Assim, o reconhecimento tardio emerge como uma possibilidade de asseguramento de direitos, não de restabelecimento de vínculos outrora negligenciados. A maioria dos filhos e filhas deste estudo, quando questionados a respeito dos papéis parentais no contexto da família, trouxe a função materna como estritamente ligada às suas criações, corroborando com o que é trazido pela literatura.

Ser mãe acho que é melhor que o pai, né, que mãe cuida... dá leite... (...) tem mais carinho que o pai... o pai dá carinho também, mas a mãe... (...) A gente vai vendo... tenho filho (...) vejo que ele dá trabalho desde pequeno (...) vai vendo a preocupação que ela tinha e que eu não dava muito valor, entrava em um ouvido, saia no outro. (Pedro, filho 7).

Você não vive. Entendeu? É muito forte. (...) Sabe aquela coisa que você sente todo apoio? Além de tudo que você vê que tá ali com você, desde os primeiros dias, não tem nem o que descrever. (...) Ser mãe é como eu sou. Qualquer coisa, você tem a preocupação, você tem o carinho, você tem amor (...) pai é pai, mas mãe é insubstituível (...), é um vínculo que ninguém tira, é eterno. (Maria, filha 11).

Esse destaque do papel materno e sua importância no desenvolvimento dos filhos emergem nas falas dos participantes tanto como reforçadoras da naturalização da maternidade biológica ao longo da história como um elemento central no desenvolvimento específico desses filhos, tardiamente reconhecidos pelos pais. Nesse contexto, salienta-se a fala de Renata (filha 2), que acredita que mãe é "quem cuida da gente desde criança e que vive com a gente", ao passo que Augusto (filho 3) afirma que ser mãe, antes de mais nada, é "amar um filho acima de todas as coisas", assim como a sua mãe diz amá-lo. Pedro enfatiza: "Minha mãe é mãe e pai". Deste modo, costumadamente e culturalmente a sociedade se remete ao universo feminino quando em discussão sobre o cuidado dado aos seus filhos e filhas, já que, desde a infância, dentro dos ambientes familiar, escolar e social o incentivo e a cobrança de que o cuidado esteja presente na postura das meninas é atuante (Lyra et al., 2015).

Flávio (filho 8) trouxe que além de sua mãe representar "tudo", ela é uma "heroína", já que ele teve "pai e uma mãe tudo num só". Salienta-se que assim como foi para Flávio no que se refere à sua história de vida e momentos de aprendizado e aquisição de valores com suas mães, para Luiz (filho 10), "Acima dela só Deus, né? (...) A minha mãe... (...) eu resumo tudo em amor. A mãe dá essa base pra gente. Ela já é tudo. Ela me fortalece naturalmente", o que dialoga com a sua descrição de "ser mãe": "ela vive comigo até hoje. E a única exigência que eu fiz pra minha esposa foi aceitar minha mãe comigo. (...) Se minha esposa fala: 'Não. Eu não aceito sua mãe morar comigo, conosco', eu ia escolher outra esposa". A maior parte dos filhos e filhas deste estudo reconhece, apesar da força da presença materna em seus discursos, que um pai presente pode fazer a diferença na vida de uma pessoa se assumindo um papel mais participativo desde que se predisponham a isso, o que aparece nos discursos daqueles participantes que, em experiência de paternagem e maternagem, puderam se relacionar com seus filhos de modo a sentir o impacto desta relação na vida daqueles e em suas próprias.

O eixo desta análise permite concluir que, ainda que o pai pareça estar assumindo um papel mais participativo na vida dos filhos, as crenças e os valores presentes no imaginário social não se transformam subitamente (Staudt & Wagner, 2008), como se observou nas falas de todos os entrevistados. Ainda persiste no senso comum a vinculação da maternidade a uma aura idealizada que faz com que a mulher acabe assumindo culturalmente a tarefa imposta por esse papel, diferente do que acontece com a paternidade. Portanto, a expectativa de que o amor materno seja incondicional, capaz de colocar qualquer outro projeto de vida das mulheres em segundo plano (Badinter, 1985), é proeminente mesmo nos discursos das filhas, mulheres, que foram reconhecidas tardiamente. Considerando a transição para a parentalidade uma das mudanças mais importantes do ciclo de vida familiar (Staudt & Wagner, 2008), para os filhos e filhas reconhecidos tardiamente existe uma grande valorização dos seus papéis somada ao enfrentamento de maiores desafios, se comparados às mães amparadas pelos genitores nas relações de paternidade (Oliveira, 2015).

A mãe solteira, ela desdobra, ela acaba sendo mãe e pai. Então, eu acho que minha mãe foi uma heroína. Infelizmente, ela foi iludida. Eu acho que foi maior erro e uma mensagem que deixo a todas... às futuras mães... né... de que... que elas precisam ter muita serenidade pra elas poder... é... enxergar a realidade além das ilusões. Porque a coisa mais perigosa que existe é a ilusão. Então, por exemplo... então a minha mãe, eu acho que ela iludiu. (...) É a pior causa duma... duma gravidez... é... (...) fora da hora... uma gravidez não desejada (Luiz).

Ainda para Luiz, "pode ter outros casos... comportamento da genitora... no meu, eu tenho absoluta certeza... que meu pai (...) fugiu do compromisso com a responsabilidade...". Além disso, tal filho relata, sobre sua relação com o pai em detrimento da mãe, que: "Ele usou um termo que me magoou muito, foi um fato que eu levei e que eu procurei a Justiça... ele dizia que filho de 'puta' não tinha pai". Para este entrevistado, especificamente, embora haja mágoas em relação ao pai, não apenas pelo reconhecimento tardio, mas pelo modo como este se referiu à sua mãe, observa-se um processo de culpabilização da figura materna, como se esta tivesse sido a única responsável por uma gestação não planejada. Assim como a figura materna ocupa um papel de destaque na descrição da parentalidade para esses entrevistados, também a figura da mulher, em uma perspectiva de gênero, coloca-se como protagonista do processo, o que resvala o papel do pai e do homem a um nível de menor importância e, até mesmo, de menor responsabilidade.

As dúvidas acerca da paternidade recaem nos comportamentos sexuais e reprodutivos das mulheres, o que reassegura ao homem um maior afastamento do processo. Esse afastamento, de fato, não atravessa apenas o período da gestação, mas também acompanha o desenvolvimento dos filhos (Perucchi & Beirão, 2007; Schneebeli & Menandro, 2014). Na prática, observa-se, em muitos casos, o forte preconceito que recai sobre as mães solteiras, como se o casamento fosse algo que lhes faltasse, definindo um lugar de marginalização e de incompletude (Oliveira, 2015). Decorrentes desse preconceito, emergiram também a questão dos testes de DNA e do fato de que, exceto para os filhos 3 e 10, foram as mães, apoiadas em sua grande parte por suas próprias famílias, a buscarem a investigação paterna dos filhos, sobretudo, como prova da verdade que não negaram aos seus filhos sobre quem seria os seus pais, verdade esta também colocada à prova diante do meio social em que estes filhos cresceram, portanto, seus contextos econômicos, culturais e sociais. Proteger a honra das mães com o reconhecimento tardio de paternidade também surgiu como questão atrelada às verdades incontestáveis (Fonseca, 2004), algo demonstrado por Pedro ao enfatizar a certeza de que tem um pai, e por Augusto, ao relatar que seu objetivo era deixar "ciente as pessoas de que estava falando a verdade quando dizia que era seu filho... coisa da qual sempre duvidaram... (...) até colocando à prova a dignidade de mamãe". Nesse sentido, estes dados possibilitam a compreensão de que, como exprimem Valente, Medrado e Lyra (2011), as ciências nunca apreendem a paternidade que julgam produzir, descrever ou analisar, uma vez que, como efeito incontínuo e incoerente, podem criar paradoxos e abrir espaços para a produção do novo em meio a fissuras e transformações nos modos de organizarem o existir dessas verdades na cultura.

Ressalta-se, no contexto das relações dos filhos e filhas com suas mães diante do processo de reconhecimento de paternidade, que oito filhos e duas filhas negaram qualquer tipo de mudança na relação com suas mães, antes, durante e após o reconhecimento de paternidade legal. Com exceção da filha 1, que não foi criada por sua mãe, mas por figuras femininas até que se concretizasse o reconhecimento tardio de paternidade e a presença do pai fosse constante em sua vida, os outros filhos e filhas consideraram a presença materna como indispensável para a formação de suas personalidades e do modo como se posicionam perante à vida, em suas relações interpessoais e intrapessoais, afirmando que a presença dos seus genitores, em seu cunho biológico, é dispensável, ainda que se façam notar outras figuras masculinas à representação do que seria o papel paterno de caráter simbólico em suas vidas. Estes dados incidem em um processo de desresponsabilização paterna diante dos cuidados e envolvimento com os filhos, se enfatizados os efeitos do funcionamento social da dinâmica familiar em que esses filhos estavam envolvidos (Unbehaum, 2001). De qualquer modo, este estudo demonstra que, dentre os múltiplos fatores que podem estar relacionados à maternidade, a configuração familiar e o apoio social fornecido pelo pai, ainda assim, podem ser marcantes no desenvolvimento dos filhos se considerada a integralidade do contexto e das relações em que estão inseridos. Constata-se, portanto, nas sociedades ocidentais, um número cada vez maior de famílias uniparentais, que têm, na maioria dos casos, a mãe como progenitor responsável (Cia, Williams, & Aiello, 2005; Perucchi & Beirão, 2007; Staudt & Wagner, 2008).

Repercussões da paternidade tardia nos processos de desenvolvimento

O cuidado com os filhos é uma atividade comumente relacionada à produção e reprodução da existência humana e, como já abordado neste estudo, associada culturalmente às mulheres, portanto, naturalizada ao gênero feminino (Lyra et al., 2015). Nesse sentido, rever os conceitos acerca das funções femininas e masculinas para que seja possível a promoção de modelos alternativos de maternidade e paternidade é essencial, sendo necessária a atribuição de um novo significado ao papel do pai no seio da família, como capaz de assumir responsabilidades familiares e cuidados aos filhos, promovendo uma transformação efetiva e que condiz com a atualização dos novos conceitos (Bernardi, 2017). Para dez filhos e filhas deste estudo, ainda que reconheçam a composição de suas famílias como "diferente da família tradicional", já que comportam posições e papeis deslocados das funções maternas e paternas delineadas frente à tradição da família nuclear, o papel do pai foi associado à obediência, responsabilidade, provimento financeiro e autoritarismo, mesmo que a sua ausência, de fato, seja a que aconteça num âmbito mais humanizado, portanto, afetivo. Sendo em sua maioria filhos e filhas que já se tornaram pais e mães, tal discurso foi reproduzido quando indagados a respeito da relação com seus próprios filhos, à distinção de que, com estes, o reconhecimento paterno, e materno, se daria com a transmissão de valores morais e afetivos e a presença constante pelo tempo que fosse possível em suas vidas.

Tais dados reportam ao fato de que estes filhos e filhas, porquanto tenham tido em suas vidas figuras substitutas ao pai, não necessariamente do gênero masculino, caracterizam a noção que tem de pai corroborando com o distanciamento a este construído ao longo da história, diferentemente do que acontece com a única filha (Lúcia, filha 10) que pode experienciar uma relação afetiva com o seu pai dando ao reconhecimento paterno a vertente psicológica e afetiva foco da análise deste estudo. Os outros dez filhos e filhas apenas puderam vivenciar o reconhecimento tardio de paternidade legal, uma vez que, para os filhos e filhas de pais vivos, a relação estabelecida era frágil, percebida como distante, quando não inexistente, e assumidamente relacionada mais ao pagamento da pensão alimentícia do que ao vínculo afetivo. Há a predominância entre os participantes de um discurso cujo autoritarismo velado do pai e a sua função de provedor aparecem como suas funções principais, mesmo que não colocadas como melhor tipo de relação e, especialmente, como única e exclusiva função de um pai diante das necessidades de seus filhos. Na busca pela investigação paterna, os dez participantes cuja ausência do pai era iminente tinham como objetivo, apoiados em sua grande maioria por suas mães, a conquista dos seus direitos, entendida em seu foco jurídico, e não aquele socialmente adquirido quando os vínculos afetivos se constituem ou quando os laços de sangue são comprovados (Fonseca, 2004). Além disso, o direito ao reconhecimento de paternidade está inserido na convivência familiar e é considerado fundamental e integrante da dignidade humana, algo que é inerente a qualquer indivíduo e, por este motivo, não é necessário ter de fazer por merecê-lo (Fonseca, 2012).

A representação social da paternidade traz consigo a referência de um pai que ampara, que não permite o sofrimento do filho, paradoxo vivido pelo homem que quase sempre se coloca na história de forma distante na dimensão afetiva pai-filho. Lúcia, a partir da relação positiva que teve com seu pai, afirma que durante os seus processos de desenvolvimento, principalmente a adolescência, a presença e a figura de um pai presente foi muito importante, inclusive para sua educação: "A educação que eu tive... foi a melhor que eu poderia ter!... Pra minha formação até hoje!". Para esta filha, fases como a infância e a adolescência permaneceram em um ritmo natural, ainda que, a partir da primeira, tenha se estabelecido o contato com o seu pai, perdendo-se, então, a relação com a sua família materna. "Meu pai era uma pessoa muito alegre, ao mesmo tempo muito rígido (...) foi bom pro meu crescimento. Eu me identificava muito, demais com meu pai, esse contato com ele foi bom pra mim". Em contrapartida, os outros entrevistados, mantendo pouco ou nenhum contato com os seus pais, relataram perspectivas de relacionamentos diferentes. Renata menciona que a falta do pai não fez diferença em sua vida, já que ela sempre teve por perto o seu avô, sendo que, atualmente, não possui nenhum tipo de contato com seu genitor. Da mesma maneira, Geraldo diz ter contato "quase zero" com seu pai e, sobre a paternidade e o "ser pai" em sua vida, diz "ser ao contrário do meu".

Especificamente, não se pode esquecer o fato de que a ausência paterna repercute de diferentes formas em cada indivíduo, podendo ser identificada por meio dos seus recursos emocionais individuais, manejo dos membros da família e presença de rede de apoio social, para que, assim, sejam minimizados os efeitos adversos dessa condição familiar (Benczik, 2011). Neste sentido, Diogo (filho 9) e Luiz (filho 10) experienciam o reconhecimento tardio de paternidade de maneiras distintas, ainda que em fases de desenvolvimento iguais:

Eu me senti "mais grande"... eu me senti mais forte, né, com uma vitória... como, quando meu time é campeão, eu senti a mesma coisa (...) Foi uma emoção muito grande. Eu... quando eu saí de dentro daquele... daquele Fórum... que o Juiz deu a sentença (...) que ele ia por o sobrenome do meu pai no meu nome... eu me senti o homem mais vitorioso do mundo! Porque eu não acreditava, né... (...) porque você está com mais de 20 anos de idade... você viver esse tempo todo... pra depois você ter reconhecimento de um pai é duro, viu?. (Diogo, filho 9)

(...) pelo fato de haver... (...) muito preconceito... (...) eu era discriminado na infância (...) meu apelido era 'porquinho sem pai'.... (...) geralmente, as outras criança (...) me discriminava por isso... por eu não ter um pai. (...) pra mim... sempre foi mais difícil... porque, geralmente, quando eu tinha algum desentendimento com uma outra criança... se eu, é, batesse nessa criança, eu teria, depois... tirar satisfação com seu pai... enfrentar seus irmãos... tudo. (...) eu era vítima de muita injustiça por isso (...) eles me enxergava eu como mais fraco (...) tanto me atrapalhou no meu relacionamento das amizade da infância, como também no período da minha adolescência... (...) me sentia um pouco rejeitado. (...) o fato do positivo do... do filho renegado... ele aprende a se virar. (...) o sentimento de rejeição... (...) atrapalha muito no desenvolvimento de qualquer criança. (Luiz, filho 10).

As falas de Diogo e Luiz representam duas realidades comuns às falas dos outros participantes deste estudo, uma vez que perpassam o sentimento de conquista do sobrenome do pai e, ao mesmo tempo, a dificuldade de todo o processo de reconhecimento paterno em detrimento da discriminação que o filho sem o reconhecimento do pai, de fato e de direito, pode se deparar. A discriminação e o preconceito representados pela fala de Luiz parecem estar intimamente ligados com o que acaba sendo imposto socialmente e conforme contextos externos aos filhos sem o reconhecimento paterno, e não fundamentalmente à questão da ausência do pai. Esta, por sua vez, relaciona-se às fases de desenvolvimento destes filhos e filhas mediante contextos que poderiam ter sido norteados por outros membros da família, assim como em muitos casos o foram, e, especialmente, associados às figuras do gênero masculino, que na visão de Luiz fica clara quando o mesmo se refere aos pais e irmãos que teria de enfrentar para poder se defender, e não às mães ou outras figuras que remetem ao universo feminino. O registro do nome nas certidões de nascimento dos filhos, portanto, é vivenciado de forma dual, já que a maioria dos filhos trouxe o "alívio diante da completude do nome paterno" por se sentirem constrangidos diante das outras pessoas quando notada a ausência em seus sobrenomes e, ao mesmo tempo, referem que o reconhecimento tardio não "mudou nada para ninguém" e agregou apenas na qualidade dos seus contextos socioeconômicos, o que, no entanto, não foi vivenciado pela maioria, já que parte deles se encontrava na fase adulta e de dispensa da pensão alimentícia. Estes dados corroboram com o que afirma Ferreira e Aiello-Vaissberg (2006), ao apontarem os papeis familiares como convenções sociais, já que a função do cuidador é favorecer o desenvolvimento da criança, e, nesse sentido, poderia ser proporcionado por qualquer pessoa que tomasse como esta a sua responsabilidade para com o alvo do seu cuidado e valesse de sua presença no momento oportuno.

Os comportamentos que marcaram as fases de desenvolvimento dos filhos e filhas destacam-se em falas como as de Luiz: "A hipocrisia na sociedade acaba discriminando, julgando... eu vou te falar que me prejudicou na confiabilidade no relacionamento, na confiabilidade social. Eu acho que 99% dos filhos não reconhecidos, eles têm um lado rebelde". No mesmo sentido, Flávio (filho 8) esboça: "Dava trabalho, viu... na escola... não gostava não... aí depois que eu fui terminar... minha infância... (...) fui criança muito tempo...". Assim como Rafael (filho 5): "Eu ia pra escola... sempre fui meio... dei muito trabalho na escola... era meio bagunceiro... (...) eu dava muito trabalho pra estudar...". Mesmo diante desses conteúdos, não se pode afirmar, categoricamente, que os problemas de comportamento estejam associados à ausência paterna, já que em meio a estes relatos sempre se fez presente como mediador as questões das representações sociais e do que os próprios filhos esperavam do meio social com que tinham que se deparar antes, durante e após o reconhecimento paterno. No entanto, há que se considerar que esses comportamentos aparecem diretamente associados ao não reconhecimento da paternidade em suas vidas. De qualquer modo, apesar de tais colocações serem relevantes para estes filhos, as mesmas são imprecisas para se definir o reconhecimento tardio paterno e a efetiva ausência paterna como causa dessas nuances comportamentais.

Pode-se dizer que os efeitos da ausência paterna no desenvolvimento humano estão atrelados a muitos fatores: relações com a mãe, com outros membros substitutos simbólicos da função paterna em suas famílias e os ambientes familiar, social e econômico em si, este último não denotando grandes distinções e impactos significativos entre os entrevistados, já que as funções de provimento e saúde foram marcadamente supridas por suas famílias na medida do que a cada um era possível, e o modo como cada filho enfrentou o reconhecimento de paternidade tardio conforme suas características pessoais. Segundo Parenti, Costa e Abeche (2016), dos relacionamentos que se estabelecem ao redor dos filhos frente à função paterna em suas vidas pode surgir uma maior ou menor predisposição para os conflitos associados a esta ausência, ou seja, as repercussões dessa ausência na vida emocional destes filhos e filhas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O reconhecimento tardio de paternidade promoveu mudanças em fases significativas na vida dos filhos à medida em que estes compreendiam, por meio do convívio social e, posteriormente, ao se tornarem pais, o que a presença paterna seria capaz de agregar em termos de valores, sentimentos de afeto e relação com o entorno. Movimentos como a maior valorização da figura materna e a tentativa de reescrever o conceito de paternidade a partir da própria experiência de parentalidade, sobretudo nos homens, foram predominantes. Há que se destacar a importância dos demais relacionamentos interpessoais estabelecidos, principalmente os de vinculação na fase adulta, demonstrando a remalhagem de vínculos (Benghozi, 2010) considerados negativos (por exemplo, com a figura do genitor). A este respeito, ainda que os filhos considerassem novos padrões familiares dentro de seus próprios núcleos e papeis parentais que se movimentavam buscando a valorização da participação não só legal, mas principalmente afetiva, o padrão do pai provedor e da função materna voltada aos cuidados exclusivos dos filhos foi fortemente enfatizado, o que demonstra o intenso enraizamento das questões de gêneros construídas historicamente (Bernardi, 2017).

Embora o reconhecimento legal tenha sido alcançado pelos participantes, isso não equivale ao estabelecimento de um vínculo ou de uma maior proximidade com as figuras paternas, o que demonstra que os operadores legais cumprem a sua função no nível dos direitos, mas não contribuem necessariamente para um desenvolvimento psicológico considerado mais positivo. Nesse sentido, observa-se que não é estabelecido um padrão comportamental de destaque entre os filhos entrevistados, já que as repercussões do reconhecimento tardio de paternidade nas fases de desenvolvimento dos entrevistados são descritas, principalmente, em função de suas dinâmicas sociais, que também podem ser analisadas temporalmente, à época e ao momento em que se deu o processo de reconhecimento paterno e ao próprio sentido que estes filhos dão à ausência paterna em suas trajetórias. Assim, pode-se afirmar que, a despeito da repercussão negativa da ausência paterna, os participantes desenvolveram recursos, potencializados pelo apoio familiar recebido, possibilitando uma nova forma de ver suas famílias e constituir seus próprios núcleos familiares, em um movimento positivo e adaptativo das experiências na família de origem.

Ressalta-se que o tema exposto é relativamente recente, mas procuramos propiciar alguns subsídios que possibilitem uma maior reflexão sobre o que realmente deve ser valorado nas relações paterno-filiais. Recupera-se a importância dessa temática e da visibilidade dessas histórias, a fim de que mais pesquisas possam ser conduzidas, ampliando a audiência do reconhecimento tardio da paternidade na ciência psicológica. Esses achados também podem ser úteis em intervenções psicológicas com essas famílias, discutindo as repercussões tanto da ausência paterna como do reconhecimento tardio de paternidade, oportunizando uma ajuda que compreenda empaticamente as experiências desses filhos e filhas.

 

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Endereço para correspondência
Heloísa Maria Palmeira
E-mail: helo_palmeira@hotmail.com

Fábio Scorsolini-Comin
E-mail: fabio.scorsolini@usp.br

 

 

Agradecimentos: Os autores agradecem ao apoio financeiro do CNPq pela concessão de bolsa de iniciação científica à primeira autora.

 

 

* Psicóloga pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro, com Aprimoramento em Oncologia e Psicologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.
** Doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo, com pós-doutorado em Tratamento e Prevenção Psicológica pela mesma instituição. Docente do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas e do Programa de Pós-graduação em Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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