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Vínculo
versão impressa ISSN 1806-2490
Vínculo vol.17 no.1 São Paulo jan./jun. 2020
https://doi.org/10.32467/issn.19982-1492v17n1p97-118
ARTIGOS
Fatores terapêuticos em grupos abertos: um estudo qualitativo
Therapeutic factors in open groups: a qualitative study
Factores terapéuticos en grupos abiertos: un estudio cualitativo
Nayara Cristiny Gonçalves AquinoI; Maíra Bonafé SeiII
IDiscente de Psicologia - Universidade Estadual de Londrina E-mail: goncalves.aquino@uel.br
IIPsicóloga, Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado em Psicologia Clínica - IP-USP, Professora Adjunta do Departamento de Psicologia e Psicanálise - UEL.Universidade Estadual de Londrina, mairabonafe@gmail.com
RESUMO
Os serviços-escola de Psicologia são espaços vinculados à formação de futuros psicólogos. Oferecem à população atendimentos psicológicos a baixos custos e/ou gratuitos e, com isso, filas de espera e abandono do tratamento. Entende-se, assim, ser relevante o desenvolvimento de estratégias de acolhimento imediato dos interessados tais como grupos abertos e plantão psicológico. A partir desse contexto, objetivou-se compreender a visão de usuários em relação a um grupo aberto para adultos realizado em um serviço-escola de Psicologia de uma universidade pública. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, empreendida por meio de entrevistas semi dirigidas, com indivíduos que tivessem frequentado o grupo por um período mínimo de dois meses. Os resultados foram analisados e categorizados a partir dos Fatores Terapêuticos propostos por Yalom e Leszcz. Percebeu-se, a despeito de não possuírem uma finalidade psicoterapêutica a priori, a presença de fatores terapêuticos em operação nos grupos abertos investigados, sinalizando a importância quanto ao desenvolvimento de intervenções psicológicas dessa natureza nos serviços-escola de Psicologia.
Palavras-chave: fatores terapêuticos; grupos abertos; serviço-escola de psicologia; adultos.
ABSTRACT
Psychology school services are spaces linked to the formation of future psychologists. They offer low-cost and/or free psychological care to the population, thereby waiting lines and treatment abandonment. Thus, it is understood to be relevant the development of strategies for immediate reception of stakeholders such as open groups and psychological duty. From this context, the objective was to understand the view of users in relation to an open group for adults held in a psychology school service of a public university. This is a qualitative research, conducted through semi-directed interviews with individuals who had attended the group for a minimum of two months. The results were analyzed and categorized from the Therapeutic Factors proposed by Yalom and Leszcz. Despite the lack of a priori psychotherapeutic purpose, the presence of therapeutic factors at work in the open groups investigated, indicating the importance of the development of psychological interventions of this nature in the Psychology school services.
Key words: therapeutic factors; open groups; psychology university clinic; adults.
RESUMEN
Los servicios de escuela de psicología son espacios vinculados a la formación de futuros psicólogos. Se ofrece atención psicológica gratuita o de bajo costo a la población, lo que genera colas y abandono del tratamiento. Por lo tanto, se entiende que es relevante el desarrollo de estrategias para la recepción inmediata de las partes interesadas, como los grupos abiertos y la guardia psicológica. Desde este contexto, el objetivo era comprender la opinión de los usuarios de un grupo abierto a adultos en un servicio escolar de psicología de una universidad pública. Esta es una investigación cualitativa, realizada a través de entrevistas semi direccionadas con personas que habían asistido al grupo durante un mínimo de dos meses. Los resultados fueron analizados y categorizados a partir de los factores terapéuticos propuestos por Yalom y Leszcz. A pesar de la falta de un propósito psicoterapéutico a priori, se investigó la presencia de factores terapéuticos en funcionamiento en los grupos abiertos, lo que indica la importancia del desarrollo de intervenciones psicológicas de esta naturaleza en los servicio de escuela de psicología.
Palabras clave: factores terapéuticos; grupos abiertos; servicio de escuela de psicología; adultos.
INTRODUÇÃO
Os serviços-escola de Psicologia são espaços vinculados a instituições de formação de futuros psicólogos (Silva, Sei & Ortolan, 2019). Estes, por estarem alocados nas universidades, geralmente se envolvem em atividades de ensino, pesquisa e extensão (Marturano, Silvares, & Oliveira, 2014). Desta forma, oferecem à população intervenções e atendimentos clínicos terapêuticos a baixo custo e/ou de forma gratuita, a fim de integrar a formação do estudante e atenção à população atendida.
Porém, tais espaços possuem grande demanda, com extensa fila de pessoas à espera de vagas nas intervenções psicológicas disponibilizadas. Por outro lado, quando o atendimento pode, finalmente, ser iniciado, nota-se haver uma alta taxa de desistência, com apontamentos acerca dos motivos que levam à desistência relacionados exatamente ao tempo de espera pelo início da psicoterapia (Shiki, Ganeo, Sei, & Maireno, 2018).
Diante desse cenário, entende-se ser pertinente o desenvolvimento de estratégias clínicas tais como plantão psicológico (Ortolan, & Sei, 2016) e grupos de espera (Cardoso & Munhoz, 2013). Desta forma, foram disponibilizados grupos abertos ao público que procurava a psicoterapia individual em um serviço-escola de psicologia em uma universidade pública. Inicialmente se destinavam aos inscritos na lista de espera do serviço-escola em questão, como alternativa de atendimento imediato e eficaz, com o intuito de favorecer a formação de vínculo das pessoas com a clínica, diminuir a taxa de evasão, promovendo um espaço de escuta psicológica e assim promover a saúde mental (Shiki et al., 2018).
Como exposto, tais grupos foram criados, a princípio, para atender somente o público que estivessem à espera de atendimento psicoterápico individual. Entretanto, com o passar do tempo, "optou-se por ampliar a participação, aceitando indivíduos da comunidade interna e externa à universidade, que não necessariamente estejam esperando para participar da psicoterapia individual" (Zanluqui, Ortolan, Fornasier, & Sei, 2017, p. 66), tendo sido intitulados como Grupo de Dinâmicas.
Esses grupos de dinâmicas são realizados nos períodos matutino e vespertino, em enquadres que dividem os usuários a partir de suas faixas etárias - crianças, adolescentes e adultos/idosos. São abertos aos interessados, sem a necessidade de agendamento prévio e sem apresentarem, a priori, uma finalidade psicoterapêutica, com divulgação junto à comunidade interna à universidade e aos demais interessados da região por meio de inserções na mídia, além de telefonemas a pessoas inscritas para a psicoterapia individual (Zanluqui et al., 2017).
Em decorrência do fato de ser um grupo aberto, sem agendamento prévio que implica em uma heterogeneidade dos participantes (Osório, 2007), opta-se pelo uso de dinâmicas com diferentes temáticas e atividades de conversação, reflexão, troca de experiências (Ortolan, Lima, Maireno, & Sei, 2018) nos encontros realizados. Possibilita-se, assim, "um espaço de escuta e acolhimento para a população" (Silva, Sei, & Ortolan, 2019, p. 512), considerando-se que as atividades estruturadas favorecem a discussão de temáticas similares e a coesão grupal (Liebmann, 2000).
Observa-se que os Grupos de Dinâmicas se configuram como uma proposta original, pouco descrita na literatura nacional, fato que aponta para a importância de se compreender seus limites e alcances. Nesse sentido, entende-se que uma forma de se avaliar a efetividade de intervenções grupais pode ser por meio da identificação de fatores terapêuticos (Yalom & Leszcz, 2006), a partir de observações das atividades, ou até mesmo por meio de relatos dos próprios participantes do grupo (Oliveira, Munari, Bachion, Santos, & Santos, 2009). Embora os fatores terapêuticos tenham sido descritos dentro de contextos psicoterápicos, muitos deles podem ser encontrados em outros tipos de grupos, não necessariamente com finalidade terapêutica (Oliveira, Medeiros, Brasil, Oliveira, & Munari, 2008).
Para Yalom e Leszcz (2006), em grupos que possuem objetivos terapêuticos podem ser encontrados 11 fatores, estes são: 1. Instilação de esperança; 2. Universalidade; 3. Compartilhamento de informações; 4. Altruísmo; 5. Recapitulação corretiva do grupo familiar primário; 6. Desenvolvimento de técnicas de socialização; 7. Comportamento imitativo; 8. Aprendizagem interpessoal; 9. Coesão grupal; 10. Catarse; e 11. Fatores existenciais.
No que se refere à Instilação da esperança, argumentam que a esperança é necessária para manter o paciente na terapia. Sinalizam que frequentemente ouviam pacientes comentarem ao final de terapias de grupo o quão importante havia sido para eles observarem melhoras nos outros participantes. Indicam, assim, que a esperança pode em si já ser terapeuticamente efetiva, pois é caracterizada pela expectativa de melhora. Por tanto, é relacionada ao bom desenvolvimento do processo terapêutico (Yalom & Leszcz, 2006).
A Universalidade se apresenta como um segundo fator terapêutico e se relaciona com o fato do indivíduo sentir que está "no mesmo barco" (Yalom & Leszcz, 2006, p. 27) que os demais colegas, diferentemente da crença de muitos indivíduos de que somente eles têm certas dificuldades, pensamentos, impulsos e fantasias. Essa convicção pode acontecer em decorrência de dificuldades interpessoais, que os impedem de estabelecer uma intimidade com outros. Assim, especialmente nos primeiros estágios do desenvolvimento do grupo, a invalidação dos sentimentos de singularidade dos pacientes se mostra como uma poderosa fonte de alívio, já que após ouvirem outros membros revelarem preocupações semelhantes às suas, passam a se sentir mais em contato com o mundo (Yalom & Leszcz, 2006).
O Compartilhamento de informações advém do fato de que, geralmente, em atividades grupais, coordenadores e participantes compartilham informações entre si, havendo também aconselhamentos e orientações acerca de diferentes temáticas. Outro fator terapêutico indicado por Yalom e Leszcz (2006) é oAltruísmo, caracterizado pelo ato de compartilhar parte de si com outras pessoas, resultando em sensação de utilidade nos participantes quando oferecem reasseguramento e sugestões para outros participantes, podendo favorecer o aumento da autoestima.
Nos grupos pode ocorrer uma Recapitulação corretiva do grupo familiar primário, haja vista que muitos pacientes que participam de grupos de terapia têm histórico de experiências insatisfatórias em seu grupo familiar primário (Yalom & Leszcz, 2006). Os grupos terapêuticos têm, assim, muitas semelhanças com uma família, dado que existem figuras de autoridades/pais, figuras fraternas/irmãos, revelações profundas, emoções e intimidade. Desta forma, os membros podem interagir com outros membros e com o líder da mesma forma que interagiam com os membros de sua família, como uma reedição de vivências familiares anteriores.
Estar em grupo também favorece o Desenvolvimento de técnicas de socialização, haja vista que, a partir da convivência em grupo, os participantes podem apresentar melhoras nas habilidades sociais tais como: conversar, conviver em grupo, olhar nos olhos enquanto conversa, desenvolver intimidade com os demais membros e situações similares. Além disso, pode-se estabelecer um Comportamento imitativo, de maneira que nos grupos é possível que os participantes modelem seus próprios comportamentos, a partir dos comportamentos dos coordenadores e de outros membros do grupo. Tem-se um aprendizado que ocorrer por meio da observação de como os demais lidam com seus problemas. Em consonância, nota-se que há uma Aprendizagem interpessoal, que ocorre por meio das relações membros-membros, coordenador-membro, membro-coordenador, se mostrando como uma oportunidade de mudança no comportamento pessoal, uma oportunidade de clarear dificuldades, de enfrentar problemas e até mesmo de experimentar novos comportamentos.
ACoesão grupal refere-se ao resultado de todas as forças que agem sobre os membros, para que estes permaneçam no grupo, que permite condições de compreensão, aceitação, afeto, conforto, sentimento de pertencimento no grupo, condições necessárias para eficácia da intervenção grupal. O penúltimo fator terapêutico elencado por Yalom e Leszcz (2006) é a Catarse, situação importante no processo terapêutico, por ser o ato de "colocar tudo para fora", esboçar sentimentos. Lembra-se, nesse sentido, que desde o tratado de Freud e Breuer, de 1895, sobre a histeria, muitos terapeutas costumam fazer uso da catarse para que seus pacientes se livrem de afetos reprimidos e sufocados. Por fim, tem-se os Fatores existenciais, caracterizados por reflexões acerca da existência humana, como isolamento, liberdade, morte, injustiça, solidez e falta de significado.
Quanto à presença de fatores terapêuticos no uso de dispositivos grupais, Oliveira et al. (2009) realizaram uma pesquisa exploratória, a fim de identificar a presença de fatores terapêuticos em relatos de participantes de um grupo de diabéticos, que objetivavam a promoção da saúde por meio do autocuidado, de forma não-terapêutica. A partir de entrevistas semidirigidas com sete participantes, foram encontrados oito dos 11 fatores terapêuticos descritos por Yalom e Leszcz (2006), sendo eles (fatores e frequência): oferecimento de informações (100%), coesão (100%), universalidade (86%), desenvolvimento de técnicas de socialização (57%), aprendizagem interpessoal (57%), instilação da esperança (28,5%), altruísmo (28,5%) e comportamento imitativo (28,5%). Desta forma, concluíram que os grupos de diabéticos mesmo não se caracterizando a priori como grupos terapêuticos, foram capazes de proporcionar uma interação benéfica entre os membros. Essas interações possibilitaram trocas de experiências, compreensão da dimensão ampliada do problema, assim como vivências positivas, evidenciadas pela presença dos fatores terapêuticos.
Em consonância, Oliveira et al. (2008) realizaram uma pesquisa de caráter exploratório, a fim de identificar a evidência de fatores terapêuticos para avaliação sistematizada de um grupo de suporte/apoio - cujos integrantes do grupo eram familiares de pacientes internados em um hospital de Goiânia (GO). O grupo foi criado, pois perceberam que o contato com outras pessoas que viviam experiências semelhantes poderia exercer influência benéfica sobre as mesmas, pois compartilham entre si formas de enfrentamento e suporte mútuo. Para o desenvolvimento desta pesquisa, foram realizadas dez sessões de grupo, das quais, no total, 51 familiares participaram. Utilizaram registro em gravador digital e diário de campo para identificação de fatores terapêuticos durante as sessões. Por meio destes instrumentos, puderam encontrar a presença de cinco dos 11 fatores terapêuticos, sendo eles: universalidade, coesão grupal, oferecimento de informações, fatores existenciais e instilação da esperança. Com base nesta pesquisa, concluíram que o valor terapêutico dos grupos de suporte está na possibilidade de favorecer a atuação de determinados fatores terapêuticos que ajudam seus membros no enfrentamento da crise vivida.
Concomitantemente, Nogueira et al. (2013) realizaram uma pesquisa com o objetivo de identificar a presença de fatores terapêuticos que pudessem ajudar a compreender de que maneira um grupo de promoção da saúde pode ser efetivo para idosos. A intervenção realizada há 13 anos com idosos de uma Unidade Básica de Saúde de Goiânia tinha frequência semanal e duração de 90 minutos, contando com atividades físicas, recreativas e de socialização. No que se refere à investigação empreendida para maior compreensão acerca dos fatores terapêuticos em operação neste grupo de idosos, ressalta-se que os pesquisadores optaram por realizar a coleta de dados por meio de quatro Grupos Focais (GF) com média de oito idosos e um GF com seis Agentes Comunitárias de Saúde (ACS). Acerca dos grupos focais, esclarece-se que eles são entendidos como uma estratégia para se coletar de dados em pesquisas, por meio da qual o pesquisador reúne indivíduos selecionads para discussão de um determinado tema, a partir da vivência pessoal deles. Quanto aos resultados do estudo de Nogueira et al. (2013), com base nas transcrições dos GF, foram identificados oito dos 11 fatores terapêuticos em pelo menos um encontro, excetuando-se os fatores terapêuticos catarse, recapitulação corretiva do grupo familiar primário e comportamento imitativo que não foram identificados. Ao analisar os depoimentos nos GF, concluíram que o grupo estudado foi terapêutico na medida em que atendeu às necessidades dos idosos, mantendo-os saudáveis, fortalecendo o sentimento de amor pela vida e pertencimento a um grupo social.
Tendo em vista os estudos e a importância do desenvolvimento de diferentes estratégias de intervenção clínica em instituições como os serviços-escola de Psicologia, objetivou-se investigar a visão de participantes de um grupo aberto destinado ao atendimento de adultos, realizados em uma clínica psicológica universitária, considerando-se os fatores terapêuticos de Yalom e Leszcz (2006). Pensa-se que esse tipo de compreensão favorece o aprimoramento da prática realizada e, com isso, a promoção de saúde da população.
Método
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição na qual ocorreu a intervenção grupal investigada, com CAAE 97004818.3.0000.5231 e parecer número 2.914.840. A pesquisa buscou discutir a visão de participantes de um grupo aberto, intitulado como Grupo de Dinâmicas, acerca dessa intervenção clínica tendo em vista os fatores terapêuticos (Yalom & Leszcz, 2006).
Participantes
Participaram deste estudo seis usuárias de um grupo aberto destinado a adultos. Como critério de inclusão deveriam ter frequentado o grupo por um período mínimo de dois meses, sendo que poderiam ainda estar frequentando o serviço no momento da pesquisa, conforme caracterização a seguir:
Instrumento de coleta de dados
Foram realizadas, para a coleta de dados, entrevistas semidirigidas, gravadas e transcritas. As entrevistas eram compostas por perguntas pessoais, como idade, escolaridade e renda, além de questões a respeito de como soube da existência do grupo. De acordo com Marconi e Lakatos (1999), a "entrevista é um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de um determinado assunto" (p. 94). As entrevistas semi-dirigidas se apresentam como um tipo de entrevista mais flexível, que dá a liberdade ao entrevistador de trocar ordem das perguntas e utilizá-las apenas como um direcionamento da conversa. Oportuniza, igualmente, que o entrevistado faça questionamentos, receba explicações sobre perguntas, para que se sinta confortável para responder tais questões.
Procedimento de coletas de dados
Antes das entrevistas serem realizadas, foi feito um levantamento de relatórios das sessões grupais, para se identificar nome e telefone das pessoas que participaram dos encontros nos anos de 2017 e 2018. Foram identificadas 138 pessoas que participaram ao menos uma vez. Destas 138 pessoas, foram selecionadas vinte pessoas que haviam participado por pelo menos dois meses do Grupo de Dinâmicas até o início da coleta de dados. Destas vinte pessoas, obteve-se contato com apenas dez, sendo que dessas, seis aceitaram participar da pesquisa e comparecerem na entrevista agendada. Duas pessoas haviam concordado em participar, mas não compareceram na entrevista e outras duas negaram participação.
As entrevistas com cada participante aconteceram em lugares escolhidos por eles, sendo as opções: serviço-escola de Psicologia no qual os grupos eram realizados, residência ou trabalho. As entrevistas foram conduzidas individualmente pela primeira autora deste trabalho e ocorreram entre os meses de janeiro a março de 2019. No início da entrevista, apresentaram-se os objetivos do estudo, sendo solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Análise dos dados
Para análise de dados, optou-se por uma categorização apriorística considerando os fatores terapêuticos operantes nos grupos terapêuticos proposta por Yalom e Leszcz (2006), relacionando-os aos extratos das falas dos participantes desse estudo. Para tanto, atribuiu-se a cada entrevistado um código (P + número da entrevista), para identificação dos trechos das entrevistas que ilustravam os fatores terapêuticos em questão.
Resultados
Todas as entrevistas foram conduzidas com participantes do gênero feminino, que tivessem participado do grupo aberto por um período de pelo menos dois meses. Tal dado já levanta o questionamento acerca da ausência de participantes do gênero masculino no estudo em questão, que pode refletir a escassez de homens nos grupos abertos desenvolvidos com adultos no serviço-escola investigado. Neste sentido, nota-se, nos estudos de caracterização de clientela adulta que busca os serviços-escola de Psicologia, que as mulheres se configuram como o público predominante (Borges, Glidden, Bisewski, Corrêa, & Tomaselli, 2018). Acerca dessa questão, observa-se que as mulheres têm maior aceitação social quando buscam ajuda psicológica do que homens, que acabam por sofrer maior pressão da sociedade, encarando a demonstração de sentimentos como uma fraqueza (Oliveira, Lucena-Santos, & Bortolon, 2013). Como Addis e Cohane (2005) expõem,
Pode-se esperar que as ideologias masculinas tradicionais sobre a importância de resolver os problemas, em vez de pedir ajuda, levariam alguns homens a caracterizar a depressão ou outros problemas de saúde mental não-psicóticos como sinais de "fraqueza" ou insistir que "Não é tão ruim. Eu posso lidar com isso sozinho." (p. 640, tradução do autor).
Além disso, percebeu-se que muitos participantes do grupo iniciaram sua participação por meio da inserção dos filhos e netos nos Grupos de Dinâmicas, por meio de encaminhamentos para participação no grupo infantil, como no relato de P1: "eu acompanho ela né (a filha) e daí como eu levo ela eles falaram pra mim: ah você pode participar também". De forma similar, P4 indica que o neto foi encaminhado pelo Centro de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSi) para o Grupo de Dinâmicas infantil e, como ela era responsável por levá-lo ao serviço, valia-se daquele momento para participar: "aproveita o tempo né, que ao invés de tá lá sem fazer nada, esperando ele, eu aproveitava lá no grupo e dava certo os horário, quando terminava o dele, terminava o meu" (P4). P6 relatou igualmente que o neto foi encaminhado pela Unidade Básica de Saúde (UBS) para participação no Grupo de Dinâmicas infantil e "como eu o trazia, vim ficando." (P6).
Como ambos os grupos são realizados no mesmo horário, estas pessoas faziam uso do tempo livre de espera para participar, mesmo que o grupo não se caracterizasse como grupo de sala de espera. Estas pessoas que preferiam ficar no grupo de adultos a permanecer na sala de espera, estavam buscando realmente passar o tempo? Ou estão buscavam um apoio psicológico de forma indireta? Pensando nessas questões, as entrevistas com as participantes e ex-participantes do grupo foram analisadas com o intuito de identificar a presença de fatores terapêuticos, para reflexão acerca da participação nos grupos. Vale destacar que os grupos abertos não tinham uma finalidade psicoterapêutica e pautavam-se, frequentemente, em atividades grupais realizadas por meio de recursos mediadores como estratégia de intervenção (Castanho, 2018).
No que se refere aos fatores terapêuticos, opta-se por se apresentar os fatores identificados nas entrevistas em ordem descrente de ocorrência. Nesse sentido, notou-se que a Catarse foi o fator que mais apareceu nos relatos das participantes da pesquisa. Observou-se, com isso, que as integrantes do grupo puderam fazer uso do espaço para esboçar seus sentimentos.
Quando eu comecei a falar, foi difícil sabe? Doeu, foi duro! Mas eu falei o que era para falar e o psicólogo conseguiu me ajudar. Foi aí que eu saí daquele buraco, porque aquilo estava me incomodando muito, estava me matando né?! Eu estava morrendo com aquilo, mas daí eu consegui, (tosse) foi meio que fazer curativo naquela ferida horrorosa. (P2)
Todos os dias que teve dinâmica que me levava a pensar tanto no meu passado quanto no meu presente, a situação que eu estou vivendo ou que eu já vivi, e isso pra mim me trazia para casa muito melhor. Aquela semana, eu passava muito melhor. (P3)
Eu percebi que me fortalecia, tanto falar do meu passado, falar dos meus medos, das minhas inseguranças, você ter alguém pra você partilhar, alguém que te escute. (P3)
Eu gosto quando eles direcionam o grupo, igual aconteceu em uma dinâmica uma vez, falaram: "vamos falar sobre pai". Aí cada um fala o que acha sobre o tema, levando as pessoas a falarem sobre os pais delas, se viveram com os pais, como foi, se não viveu, se tem alguma pessoa ali que tem problema com o pai, se tem atrito, ela acaba colocando aquilo para fora. (P3)
No dia que falou de pai, eu percebi que com esse falar de pai, eu tinha muita dor, porque eu perdi meu pai. Meu pai infartou nos meus braços. Então eu tinha tudo isso que já é o que levava minha depressão. Então, eu percebi que depois do dia que nós falamos sobre isso, partilhamos, eu pude falar, eu pude chorar, eu pude escrever o que eu sentia. Eu percebi que eu melhorei muito. (P3)
Tinha aquelas dinâmicas para falar sobre humilhação, saudade, afeto, e aquilo era bom pra gente falar sobre e colocar pra fora. (P4)
A gente desabafa do que tem dentro da gente, porque a gente fica muito sobrecarregada com muitas coisas e não tem com quem desabafar né?! E ali no grupo não, ali tem como desabafar né?! Conversa ali e ali fica, acho muito legal isso. (P6)
Já o Compartilhamento de informações foi identificado em relatos de participantes que indicaram ter recebido orientações dos coordenadores do grupo, e com isso, puderam efetivar mudança em seus próprios comportamentos.
Os pontos positivos é que as dúvidas que a gente tinha eram tiradas na hora da conversa mesmo. (...) Quando eu vou à psicologia, eu falo "Oh, hoje aconteceu isso aí", aí a psicóloga fala "Oh, vai por esse caminho que é melhor". Aí onde eu sigo, sempre segui e assim eu fui melhorando. (P2)
Eu achava legais as ideias deles, sempre que a gente perguntava algo, eles sabiam responder, eles são muito inteligentes. (P4)
Porque eu senti que eu necessitava de um auxílio para lidar com a minha rotina. (...) Eles trabalham bem, eles sabem orientar as atividades, e se for preciso, eles sabem conversar também. (P5)
No que se refere ao Desenvolvimento de técnicas de socialização, ele foi evidenciado a partir das interações sociais desenvolvidas durantes as atividades grupais.
Se vem mais gente, a gente se enturma mais, e as atividade que eles dão até agora que eu fiz, eu gostei. (P1)
Na minha opinião, os pontos positivos eram o convívio, o grupo do WhatsApp pra às vezes poder desabafar, principalmente na depressão que às vezes você está um pouco caído. Se você faz uma amizade legal, que tenha alguém que você tem uma afinidade melhor, você tendo aquela pessoa, você pode estar conversando com ela, tendo os contatos né?! (P3)
É bom, não tem nenhuma desavença entre as pessoas do grupo. (P5)
O Comportamento imitativo é algo que foi ilustrado na fala de duas participantes que indicaram que, por meio da convivência grupal, elas encontraram no outro uma forma de mudar seu próprio comportamento, de certa forma imitando os caminhos trilhados pelos demais.
Eu tento melhorar né e muita coisa que eles falaram, eu já passei e ainda estou passando. Aí a gente pretende melhorar. (P1)
O que eu mais gostava? Ah, na hora que está conversando lá sabe? Têm os outros colegas né, eles falam os problemas deles lá e a gente fala os nossos problemas. Na hora de ouvir o problema do outro colega, a gente consegue meio que consertar o nosso também. (P2)
Quanto à Coesão grupal, que está vinculada à "atração que os membros sentem por seu grupo e pelos demais membros" (Santos, Oliveira, Munari, Peixoto, & Barbosa, 2012, p. 123), é possível identificá-la nas falas de alguns participantes que afirmaram ter um apreço pelo grupo, por se sentirem escutados e compreendidos.
Muita gente fala assim "psicólogo é frescura" (voz diferente para interpretar)... Para mim não foi não, assim, nos primeiros dias foi complicado. Ficava olhando aquilo, falei "Aí meu deus, acho que isso aqui não é pra mim não", mas fui seguindo e foi passando o tempo, aí percebi que o negócio era bom. (P2)
Os outros tudo se abriam, contavam as coisas da vida, o que que aconteceu. Tinha senhorinha bem mais do que eu né que contava também as experiências, era bom né a gente sabe. (P4)
Sobre a Instilação da esperança, foram percebidas referências a ela em relatos nos quais havia a comparação da história de outros participantes com a história da participante, indicando perceber que as histórias ouvidas eram mais difíceis que a dela e mesmo assim a pessoa "conseguia se levantar".
Aprendi muito com as histórias dos outros, porque quando eu achava que a minha história era dura, era difícil, que eu não tinha cura, na história do outro eu via que foi pior que a minha, às vezes pior que a minha e ela conseguiu se levantar. (P2)
A Universalidade foi evidenciada no relato de P1, que sinalizou se lembrar de já ter passado por muitas situações similares àquelas que ela havia ouvido nos relatos de outros membros durante as atividades grupais.
Muita coisa assim bate, porque é uma coisa que já passei sabe? (...) Mas bate sim, muitas coisas lá batem tudo que eu já passei. (P1)
No que se refere à Aprendizagem interpessoal, P6 discorreu sobre a aprendizagem e comportamento de outros membros, por meio dos quais indicou ter aprendido a viver. As atividades dos grupos abertos investigados demandam, em algumas situações, a confecção de artesanatos, proposta que permite aos membros um aprendizado com tais atividades, com os demais participantes e com os coordenadores dos grupos.
A gente aprende as coisas, a gente aprende a fazer as coisas. (...) Aprende como viver, a maneira das pessoas falarem e tudo. É tanta história, a gente ouve aquilo, às vezes a gente passou por aquilo, aí a gente aprende o que a pessoa aprendeu. (P6)
Quanto aos Fatores existenciais, pôde-se perceber aspectos relativos a ele no relato de P3, que discorreu sobre reflexões existenciais e uma descoberta sobre si própria.
As dinâmicas me levam a refletir sobre minha vida, e descobrir o que está acontecendo comigo. (P3)
Discussão
Essa pesquisa se centrou na abordagem de participantes vinculados aos grupos abertos realizados, tendo em vista que esses grupos, por serem abertos, não demandavam tal tipo de implicação por parte de seus integrantes. A partir das entrevistas, notou-se que as participantes relataram melhoras após participação nos encontros grupais, tendo sido possível mapear nove fatores terapêuticos dentre os 11 descritos por Yalom e Leszcz (2006), aspecto interessante ao se ponderar que o grupo não tinha uma finalidade psicoterapêutica (Zanluqui et al., 2017).
Os grupos abertos realizados no serviço-escola investigado se configuravam como um grupo heterogêneo (Osório, 2007), haja vista que não haver questões em comum entre seus integrantes, diferentemente de outros estudos que investigaram os fatores terapêuticos. Neste sentido, tem-se como exemplos de investigações junto a grupos homogêneos, os trabalhos de Guanaes et al. (2001) que investigaram um grupo de apoio para pacientes psiquiátricos ambulatoriais, Oliveira et al. (2008) que trabalharam com grupos de apoio a familiares de pacientes internados em UTIs, Oliveira et al. (2009) que pesquisaram os fatores terapêuticos com grupos de diabéticos e Scorsolini-Comin et al. (2006) que conduziram grupos com casais de pretendentes à adoção.
Por outro lado, Nogueira et al. (2013), ao perceberem a baixa evasão e alta produtividade de um grupo de idosos realizado ao longo de 13 anos em uma UBS, buscaram investigar os fatores terapêuticos presentes no grupo. A despeito de se tratar de um grupo de idosos, entende-se que as demais características do grupo apontavam mais para uma heterogeneidade do que homogeneidade, haja vista que não havia um elemento como diagnóstico, que unificasse as demandas dos usuários, tal como pode ser pensado nos grupos abertos aqui investigado. Além disso, não se organizavam como grupos psicoterapêuticos e os autores atribuem a esse fato à ausência de fatores terapêuticos como catarse, recapitulação corretiva do grupo familiar primário e comportamento imitativo (Nogueira et al., 2013).
Notou-se que a Catarse se apresentou como o fator terapêutico mais evidenciado na fala das participantes. Tal fato pode ser advindo da heterogeneidade das pessoas que frequentavam o grupo, de maneira que universalidade e instilação de esperança acabam por não se mostrar como os aspectos mais recorrentes. Outra hipótese vincula-se ao fato de que, para promover uma coesão grupal no grupo, que era aberto, e suscitar discussões que pudessem ser iniciadas e finalizadas no mesmo dia, a coordenação fazia uso de dinâmicas e recursos mediadores (Castanho, 2018), que podem contribuir para se expressar conteúdos que de outra maneira não seriam abordados (Sei, 2011), explicando o caráter catártico ressaltado por várias participantes. Acredita-se que a Coesão grupal se mostrou como algo que também pôde ser favorecido a partir das dinâmicas propostas e dos recursos mediadores empregados, já que fazem com que as pessoas compartilhem de um mesmo tema, agregando os participantes (Liebmann, 2000).
O Compartilhamento de informações foi o segundo fator terapêutico mais presente na fala das integrantes do grupo. Entende-se que, como o grupo não se organizava como um grupo psicoterapêutico, organizado com a finalidade de aquisição de insight (Zimerman, 2000), o oferecimento de informações, seja pelos coordenadores, seja pelos próprios frequentadores do grupo, pode se mostrar como uma prática mais presente. Nota-se que o Compartilhamento de informações também foi amplamente identificado como algo em operação nos grupos de idosos investigados por Nogueira et al. (2013), algo esperado por se tratar de um grupo desenvolvido em uma UBS, que pode ter como missão justamente oferecer informações concernentes à promoção da saúde da população.
O Comportamento imitativo por parte das participantes era possível por se associar à sensação de identificação, isto é, Universalidade, a sensação de que não são os únicos a vivenciarem determinadas situações (Yalom & Leszcz, 2006). Por meio dessa identificação, podiam modificar seus comportamentos trilhando um caminho similar aos demais que tinha vivido situações próximas. Entende-se, ademais, que o Comportamento imitativo, o Desenvolvimento de técnicas de socialização e a Aprendizagem interpessoal têm relações, sendo difícil por vezes diferenciá-los, lembrando que há autores que propõem o agrupamento dos fatores terapêuticos em geral (Scorsolini-Comin et al., 2006).
Quanto aos Fatores existenciais, apenas uma pessoa se referiu a eles, de forma sintética, algo esperado, haja vista a característica dos grupos, de seus usuários e do local no qual ocorria, já que não tinha objetivos psicoterapêuticos, eram compostos, em sua maioria, por familiares de crianças encaminhadas para os grupos abertos de crianças e ocorriam em um serviço-escola de Psicologia. Pensa-se que reflexões como essas estão mais presentes em outros cenários, como no contexto hospitalar (Oliveira et al., 2008, Santos et al., 2012), quando as pessoas se veem frente a adoecimentos físicos e risco de vida próprios ou de familiares, questionando os sentidos da vida, sua finitude e aspectos da condição humana em geral.
Considerações finais
O estudo objetivou investigar perspectivas de participantes de grupos abertos, destinado ao público adulto, desenvolvido em um serviço-escola de Psicologia. Para tanto, elencou-se como categorias de análise os fatores terapêuticos (Yalom & Leszcz, 2006), tendo-se notado que eles se fizeram presentes. Neste sentido, entende-se que, a despeito dos grupos abertos realizados não contarem, a priori, com um objetivo psicoterapêutico, ainda assim oportunizaram a promoção da saúde mental de seus participantes, permitindo aprendizado interpessoal, momentos catárticos, a discussão sobre fatores existenciais, o desenvolvimento de técnicas de socialização, o acesso a informações, entre outros benefícios para as participantes. Defende-se assim que o desenvolvimento de intervenções psicológicas diferenciadas, tais como os grupos abertos, podem se configurar como caminhos interessantes para os serviços-escola de Psicologia contemplarem demandas da população que busca atendimento (Silva et al., 2019).
No que se refere às limitações do estudo, aponta-se para o pequeno número de entrevistados, decorrente das dificuldades para contatar antigos participantes. Além disso, é um estudo que advém de uma prática desenvolvida em um serviço-escola de Psicologia específico, sendo pertinente o desenvolvimento de intervenções similares e a pesquisa acerca dessas práticas, especialmente tendo em vista o número escasso de publicações que discorram sobre grupos abertos em serviços-escola de Psicologia.
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