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Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.1  Rio de Janeiro mar. 2004

 

Divulgação Científica

 

O advento dos ciborgues

 

The cyborg advent

 

 

Eduardo Duarte

Departamento de Comunicação Social, UFPE, Recife, Pernambuco, Brasil

 

 


Resumo

Quando se analisa a manifestação das novas tecnologias de comunicação, como a Internet, na criação de novos hábitos culturais tem-se o hábito de observar o advento da cibercultura pelo prisma da expansão expressiva do imaginário, formando um novo campo de pesquisas do simbólico. Mas o ciberespaço vem mostrando que muito mais elementos humanos se projetam nos ambientes virtuais, promovendo uma revolução da cognição em escala planetária ainda não dimensionada pela maior parte dos usuários da rede. Não só a imaginação de identidades povoa a cibercultura, como também uma nova percepção de tempo e espaço desabrocha nas relações nesses ambientes. Sabemos que o tempo é de fato uma convenção humana; mas o equilíbrio do corpo na percepção do espaço físico tem constantes definidas pela ciência, que são profundamente alteradas no espaço virtual. O que nos faz perceber que há muito mais em jogo no processo de transição do homem para a cultura digital das informações do que até hoje pudemos imaginar. © Ciências & Cognição 2004; Vol. 01: 22-28.

Palavras-chave: cognição, evolução, ciborgues, cibercultura, novas tecnologias, imaginário.


Abstract

When the new communication technologies is analyzed, with the purpose of creation of new cultural habits, like the Internet, the researchers usually observes the cyberculture arising through the expressive expansion of the imaginary, forming a new field of the symbolic researches. But the cyberspace is showing that much more human elements are being projected in the virtual atmospheres, promoting a cognition revolution in planetary scale, no measure for most of net users. Not only new imaginary identities are growing through the cyberculture, as well as a new perception of time and space blossoms in the cyberspace. We know that the time is a human convention; but the balance of the body in the physical space perception has constants defined for the science, which are deeply changed in the virtual space. It makes we notice that there are much more elements in game, in the process of the man's transition for the digital culture of the information, than we could imagine until nowadays. © Ciências & Cognição 2004; Vol. 01: 22-28.

Keywords: cognition, evolution, cyborg, cyberculture, new technologies, imaginary.


 

 

Introdução

Quando se estuda a manifestação do ciberespaço, é quase obrigatório considerá-lo como um universo em expansão, pós-explosão de um Big-Bang quando da união da informática com as tecnologias de telecomunicação. Uma explosão que, ao contrário da do surgimento do Universo, como acreditamos conhecer, disseminou pelo cosmos cibernético seres vivos de espécies bizarras, criando mundos tão distintos quanto à singularidade de seus habitantes e conhecidos apenas pela imaginação de seus criadores. Os mundos utópicos de seres imateriais podem ainda ser um esboço mal feito do exterior da caverna platônica, mas é a melhor expressão da "caoticidade" de vontades coletivas sistematicamente dispostas que se tem notícia na história da humanidade.

Nestes ambientes imateriais, as forças simbólicas dialogam sob o suporte do virtual, que age como canal direto da imaginação. Sem as mesmas amarras do social legitimado, toda uma codificação de regras, de éticas se forma numa confluência entre as experiências "reais" já conhecidas e as ansiedades e delírios latentes. Considerar o ciberespaço uma nova mídia certamente é correr o risco de considerá-lo a partir do sentido clássico que a palavra mídia já tem: atrelada a sistemas de comunicação onde o emissor, o meio e o receptor são agentes e etapas definidas por onde a mensagem trafega. No ciberespaço, o emissor e o receptor da mensagem podem estar dentro do meio, junto com a mensagem, projeções representadas pelos seus nicknames ou avatares. As criaturas surgidas das profundezas do imaginário migram à superfície, se encontram e estabelecem comunidades e sua cibercultura, dialogam com os outros, mas dialogam, sobretudo, consigo mesmas, pois que descobrem e personificam outras formas de ser conscientemente desconhecidas. Quanto mais vivenciam os avatares e as características adotadas pelos seus nicks, mais exploram limites de ser, ampliando a percepção das possibilidades de si.

Esses novos mundos também estimulam percepções temporais próprias. Nada mais virtual do que o próprio tempo, que pode ser homogeneizado socialmente pelos nossos relógios materiais, mas que é também uma concepção bio-imaginária, ou seja, emerge de regulações biológicas e psíquicas. No ciberespaço, a contagem do tempo é uma média qualquer entre os bytes recebidos, bytes emitidos e a emoção vivenciada.

"Porque cada grupo social, dentro de cada momento histórico e emocional, possui uma vivência com o tempo. Compartilhar do universo de cada um desses grupos é também compartilhar do seu tempo." (Duarte, 2000:38)

O tempo no ciberespaço tem uma concepção em parte tecnológica e em parte imaginária; segue o ritmo da transmissão do sinal telefônico e da significação que damos ao conteúdo desses sinais decodificados em mensagens. São instantes tão breves quanto eternos, valorados pelo envolvimento das múltiplas formas de ser de um mesmo ser.

E quanto à percepção espacial? Pode-se considerar que também há indícios de que a concepção de espaço do indivíduo se altera na dimensão dos espaços gráficos virtuais. Não me refiro à possibilidade de efetuar várias atividades do mesmo lugar em servidores distantes, nem à de saltar, quase instantaneamente, de um site da Noruega para outro na Nova Zelândia ou de ter várias "janelas" abertas nos ambientes de chat, conversando com pessoas de lugares distintos. Não me refiro ao redimensionamento dos espaços geográficos promovidos pelo ambiente virtual, mas a percepção do espaço no virtual em si.

 

Um encontro com demônios

Gostaria de apresentar dois casos que desencadearam algumas reflexões para esse artigo sobre a percepção no ciberespaço. No primeiro, tenho a mim mesmo como sujeito da experiência.

Quando passeava em um shoppingcenter da cidade do Recife (Pernambuco-Brasil), encontrei um stand de demonstração de produtos eletrônicos, repleto de jovens. Várias mesas com computadores disponibilizavam os lançamentos dos games mais variados, mas o produto que mais chamava a atenção era uma versão do game Doom 1, usando um capacete de imersão virtual em 3D e o mouse.

Fiquei interessado em conhecer essa versão, já que sempre gostei do jogo no seu formato tradicional. Comprei minha senha e esperei na fila até os jogadores a minha frente serem eliminados e chegar minha vez. Logo nos primeiros segundos fiquei perdido com a coordenação dos movimentos: com a cabeça, virando para qualquer lado, tinha toda disposição do espaço do labirinto à minha volta; mas a movimentação do meu corpo virtual, para frente ou para trás, ocorria na movimentação do mouse, e o lado para onde eu queria me deslocar tinha de ser uma combinação entre o sentido da minha cabeça e a direção do mouse. Ou seja, para andar para direita tinha de virar a cabeça para a direita, depois era só movimentar o mouse para frente e o cérebro virtual compreendia um deslocamento para a direita. O mesmo para a esquerda; o recuo do corpo virtual era representado pelo mouse movimentado para trás.

Logo que compreendi a coordenação dos movimentos, o jogo foi iniciado em seu primeiro estágio, sem qualquer problema, pois a combinação necessária dos gestos ainda era simples e lenta. Do segundo estágio em diante, a impossibilidade de coordenação dos movimentos se intensificou. Tudo era muito mais rápido, os monstros surgiam não mais em duplas, mas em bandos. Eu tinha de disparar muito mais rapidamente e correr por entre as câmaras recolhendo tesouros e acumulando "vidas". A partir de um determinado momento de desespero, percebi que não conseguiria matar todos os bichos e resolvi fugir deles, procurando passagens secretas no labirinto. É interessante relatar que, nos momentos de maior aflição no jogo, meu corpo físico também tinha o ímpeto de movimentar-se e correr e eu era seguro pela representante dos equipamentos no stand. De volta ao mundo virtual, depois de ter atravessado um rio e atirado em alguns cães, fui encurralado por uma legião de demônios voadores e após um "banho de sangue", fui destroçado e perdi o jogo.

Assim que retirei o capacete, fui acometido por uma crise de vertigem aguda que durou vários minutos. Senti forte tontura giratória, náusea, sudorese, palidez e ânsia de vômito. Sentei e só uma hora depois tive condições de me levantar e voltar para casa.

O segundo caso ocorreu com um amigo que viajou à Petrópolis. Ele narrou que o ônibus subiu a serra numa estrada em espiral e, assim que ele desceu da condução, foi acometido por uma crise de vertigem aguda parecida com a que descrevi no caso anterior. Detalhe: esse amigo sofre de labirintite. Entretanto, não apenas a vertigem foi um ponto em comum de ambas as experiências. Um outro elemento também chamou a atenção: a perda momentânea da percepção espacial.

 

Os labirintos do corpo

O que faz o ser humano perceber o espaço a sua volta? O equilíbrio do corpo é dado por uma equação perceptiva entre os sistemas visual, vestibular e as fibras musculares proprioceptivas. Esses três sistemas interagem, enviando informações ao sistema nervoso central sobre a posição do corpo no espaço. A partir das informações desses três sistemas, o cérebro posiciona o indivíduo. Podemos correr e o nosso campo visual informa ao cérebro a distância do nosso corpo para os objetos; os nossos músculos e tendões informam a movimentação da massa física. Podemos saltar investindo a força e a pressão muscular necessárias à altura que nos informa nosso campo visual.

A percepção espacial é dada pela interação de sistemas. Quanto ao sistema visual, há pouco a apresentar de sua importância que não saibamos pela experiência prática. Ele é responsável por informar as dimensões do campo que circunda o corpo, juntamente com as distâncias e proporções de todos os objetos nele incluídos. Essas informações equacionadas pelo cérebro dão a representação visual-espacial.

O sistema nervoso periférico é responsável por transmitir os impulsos sensitivos ao sistema nervoso central, como também responde pela ativação motora do organismo. A transmissão desses sinais é feita pelas fibras nervosas. Umas partem do sistema central para os músculos e glândulas do organismo em geral: são as fibras motoras. Outras trazem impulsos da periferia para a caixa craniana: são as fibras sensitivas. Existem dois tipos de fibras motoras e três tipos de fibras sensitivas, todas com seus nomes específicos. Mas nos interessa nesse artigo apenas a apresentação das fibras sensitivas que se dividem: em exteroceptivas 2, que trazem impulsos provenientes da pele e dos órgãos dos sentidos; as interoceptivas, que trazem impulsos provenientes das vísceras; e as proprioceptivas, que trazem impulsos dos músculos, tendões e articulações. Dentre as fibras sensitivas, nos interessam ainda especificamente as últimas citadas. São as proprioceptivas que registram a movimentação da massa física e sua imersão no espaço.

O sistema vestibular é responsável pelo equilíbrio e pelo senso de direção do corpo. Ele se localiza no ouvido interno e é formado por um conjunto labiríntico3 de pequenos canais ósseos formados a partir do osso temporal do crânio. Compreende três partes: a cóclea ou caracol, que é um duto em espiral, relacionado com a audição; o vestíbulo, que vem logo em seguida, é a parte central da estrutura, formado por duas cavidades, o utrículo e o sáculo, que comunicam a cóclea com a outra extremidade: os três canais semicirculares.

"O labirinto ósseo - conjunto de pequenos canais, dilatações e cavidades - não é vazio por dentro: é inteiramente revestido por uma membrana (labirinto membranoso), que contém material líquido, a endolinfa. O sentido do equilíbrio depende, em grande parte, da percepção dos movimentos da endolinfa através desses compartimentos intercomunicantes." (Enciclopédia Médica, 1990:46)

Os receptores sensoriais do vestíbulo se localizam nas paredes dessas cavidades. São células ciliadas que transformam os impulsos mecânicos da pressão do movimento da endolinfa em impulsos nervosos, enviando-os ao sistema central através do ramo vestibular e do nervo acústico.

"Imprimindo-se movimento de rotação a um copo cheio de água, percebe-se que o líquido não começa a girar no primeiro momento. Da mesma forma, parando-se o copo, seu conteúdo continua rodando por determinado tempo e vai cessando o movimento aos poucos. A água pode ser comparada à endolinfa; e o copo, ao labirinto." (Enciclopédia Médica, 1990:46)

Se uma pessoa começar a rodopiar rapidamente, como na brincadeira de cabra-cega, a endolinfa gira nos canais enviando ao sistema nervoso a informação do movimento.

"Quando a pessoa cessa de rodar, sofre uma sensação de vertigem. Como no caso da água que continua rodando algum tempo, mesmo após a parada do copo, a vertigem é provocada pelo fato de a endolinfa continuar a circular após a cessação do movimento. O líquido pára com atraso e, conseqüentemente, os receptores sensoriais continuam enviando estímulos (que são informações de movimento)." (Enciclopédia Médica, 1990:46)

Pessoas com hipersensibilidade labiríntica estão propensas a sentir vertigem em movimentos que muitas vezes não são tão intensos como o rodopio da brincadeira de cabra-cega. Uma simples subida de uma serra em espiral, como citamos anteriormente, pode levar à sensação de vertigens. A labirintite é essa hipersensibilidade labiríntica, e tornou-se também a expressão genérica dada as disfunções do sistema vestibular.

Há numerosas razões para as síndromes vertiginosas. Elas podem ser causadas por problemas no sistema nervoso central (no caso de tumores cerebrais) ou no sistema periférico. A maior parte das síndromes vestibulares que comprometem o labirinto é periférica, podendo ser causadas por questões alimentares, hipertensão, disfunção hormonal e uma série de outros agentes. Em resumo:

"Na manutenção do equilíbrio corporal intervêm a interação vestíbulo-visual e as informações provenientes das estruturas proprioceptivas de tendões, músculos e articulações. (...) O cerebelo exerce um papel de controle da função do equilíbrio corporal." (Ganança et al, 1997)

O córtex não participa fundamentalmente dessas funções, mas torna consciente a sensação de equilíbrio e desequilíbrio. Mas o que tudo isso tem a ver com o jogo Doom?

 

Quando os corpos se confundem.

O que podemos perceber é que os ambientes virtuais gráficos possuem disposição espacial própria. Chats gráficos, simuladores de vôo e de corrida, jogos eletrônicos de efeitos visuais dispõe de ambientações com chão, mar, florestas, paredes, céus, cordilheiras, ruas e casas onde o corpo projeta sua percepção de espaço e reelabora as condições de equilíbrio através da visão subjetiva do personagem virtual na tela do computador ou da tela do capacete em 3D. Na medida em que ele tem de se deslocar nesse ambiente virtual, seu campo visual estará enviando informações dos objetos a sua volta para o sistema nervoso central. Todos os sistemas envolvidos na percepção espacial enviam informações e trabalham nas equações para o equilíbrio do corpo projetado em espaço virtual.

A possível causa das disfunções vestibulares observadas em mim pode estar aí localizada. Nem todos os sistemas foram envolvidos e excitados na experiência do Doom. Enquanto todo meu campo visual estava imerso no ambiente virtual de uma tela em 3D, meus músculos e tendões não participavam do deslocamento do meu corpo virtual participante do jogo. As informações recebidas pelo cerebelo da posição de meu corpo físico eram de que eu estava em pé, parado, com a mão direita sobre uma bancada. Apenas minha mão direita indicava o movimento do corpo virtual. O sistema vestibular era ativado constantemente, já que todas as movimentações do corpo virtual eram direcionadas pelos movimentos da cabeça. Quanto mais se tornavam difíceis as manobras no labirinto do jogo, maior investimento de estímulos do sistema vestíbulo-visual, mas o corpo físico permanecia tenso. O choque de estímulos enviados ao sistema nervoso central confundia as equações já registradas sobre dinâmica e estática do corpo. As fibras proprioceptivas que registram a movimentação da massa física e sua imersão no espaço não participavam da aventura do corpo virtual e sim da paralisia angustiante do corpo físico. A confusão de estímulos pode ter facilmente levado a uma hipersensibilização labiríntica, desencadeando manifestações neurovegetativas das vertigens agudas, como taquicardia, sudorese, tontura, ânsia de vômito, complementada por uma dramática sensação de morte iminente.

A partir de meu caso particular, no entanto, não é possível generalizar que os games causam síndromes vertiginosas. No processo de percepção espacial, três sistemas orgânicos estão envolvidos. Imergindo esse complexo num ambiente onde apenas um ou dois sistemas estejam operando, haverá um choque de estímulos que poderá levar ou não a uma hipersensibilização do labirinto, o que deve variar de organismo para organismo, mais ou menos sensíveis um do outro. Lembro-me que os jovens presentes que jogavam antes de mim não sofreram vertigens agudas, mas todos saíram do jogo antes do terceiro estágio por não coordenarem os movimentos do personagem que precisava cada vez de maior precisão nas ações que o livrassem das garras dos demônios 4. Naturalmente que o sistema perceptivo requer uma adaptação gradativa ao novo ambiente, onde uns indivíduos adaptam-se mais rapidamente do que outros.

Existem ambientes virtuais onde é possível uma integração maior dos sistemas fisiológicos. Alguns simuladores de vôo trazem uma cabine que reproduz os movimentos que são apresentados na tela. Há jogos de tênis virtuais que dispõem de luvas e capacetes, com os quais o jogador precisa movimentar o corpo como se carregasse uma raquete, ou seja, a participação dos sistemas de percepção espacial é mais intensa no ambiente virtual, evitando o choque de estímulos.

Penso que as relações entre as vertigens nos dois casos analisados estão mais claras. Ambas partiram de crises no sistema vestibular, mas não são necessariamente labirintites. É importante destacar que hipersensibilidade não é o mesmo que hipersensibilização do labirinto. Pessoas podem ser sensíveis a determinados estímulos, o que mostra uma predisposição de serem afetadas por eles. Outras, no entanto, só através de uma alta carga de estímulos se tornam hipersensibilizadas. Ações diferentes que resultam em efeitos idênticos.

Esses argumentos apontam a interligação de uma série de processos de transição, vividos pelo homem nesse final de milênio, a partir do convívio com a tecnologia digital. Mostra quantos elementos novos podem ser descobertos envolvidos na adaptação do indivíduo no uso dos sistemas virtuais. O computador é o cérebro próprio de gerenciamento das equações de tempo e espaço do ciberespaço. Por si só já possui informações para representar o espaço e o movimento nos seus universos, levando o cérebro humano a um choque inevitável, caso tente equacionar essas dimensões pelos seus próprios registros. No desbravamento dos mundos virtuais, os dois cérebros (o do homem e o da máquina) podem funcionar em maior parceria. Um se adaptando às potencialidades do outro para que ambos dêem o melhor de si em caminhos diferentes mas complementares, a fim de que novas verdades possam ser descobertas a partir de novas extensões perceptivas do homem. O advento do ciborgue pode ocorrer independente do implante de circuitos integrados pelo corpo.

 

O futuro incerto dos metamundos.

O homotecnos traz inevitavelmente um aumento ainda maior de relações complexas na era da informática e seus derivados. A expansão rápida de investimentos intelectuais no desenvolvimento de plataformas de inteligência artificial no mundo inteiro faz das pesquisas em ciências cognitivas um nó importante na teia do imenso hipercórtex (Lévy, 1995:47) da tecnocultura.

Por um lado, desenha-se o cenário de um futuro no qual se vê a contínua virtualização do indivíduo e das relações pessoais e a desmaterialização dos corpos e da convivialidade, como apontam Paul Virilio e Jean Baudrillard ao longo das suas obras. Muitas pesquisas sobre os espaços cibernéticos têm seguido o caminho crítico de um devir apocalíptico, mostrando o ciberespaço como fruto da mundialização esmagadora e homogeneizante das diversidades culturais (Virilio, 1993).

Por outro lado, há uma chance de que as potencialidades do humano também possam estar sendo ampliadas ao invés de simplesmente reduzidas. O homotecnos da era do digital remonta outras possibilidades de espaço e tempo, além dos oferecidos a ele pelos êxtases estéticos da arte e as experiências com drogas alucinógenas. Reelaborações de espaço e tempo projetam ao nível do imaginário novas construções simbólicas, reposicionamento de valores. Há um patamar antropológico dinamizado pelas pulsões revalorativas originadas de deslocamentos simbólicos. Nessa dinâmica, um indivíduo tem a possibilidade de liberar seus múltiplos selfs em múltiplos mundos, experimentando e refazendo identidades. Elementos vivos e pulsantes que compõem a metadimensão virtual de cada ser. A percepção e representação nos ambientes telemáticos participam da ordem e desordem das personas dos submundos da alma.

Estamos diante de dois movimentos distintos, um irrompendo de dentro do outro, desenhando um futuro incerto da tecnocultura, no qual a expansão da mundialização, do mercado sem fronteiras e sem limites, implica numa redução do homem, mas ele ainda assim encontra espaços de ampliação e sofisticação de suas metadimensões (Nair e Morin, 1997). Os ambientes virtuais gráficos da informática provocam uma hipercomplexificação dos sistemas humanos, mas essa escolha da civilização ainda não indica estarmos vivendo o final dos tempos. Como em toda escolha correm-se riscos, esse será mais um risco no panorama de incertezas da civilização.

 

Agradecimentos

A Dr. Racine Cerqueira e a Jarbas Araújo.

 

Referências Bibliográficas

Duarte, E. (1998). Sob a Luz do Projetor Imaginário. Recife: Editora Universitária.         [ Links ]

Enciclopédia Médica. (1990). Grandes Temas da Medicina. O Sistema Nervoso. Vol. 01. São Paulo: Editora Nova Cultural.         [ Links ]

Ganança, M. M., Ganança, F. F. e Caovilla, H. H. (1997). Como lidar com a vertigem no idoso. (Panfleto de divulgação).         [ Links ]

Lévy, P. (1995). O que é o Virtual?. Rio de Janeiro: Ed. 34.         [ Links ]

Nair, S. e Morin, E. (1997). Une Politique de Civilization. Paris: Arléa.         [ Links ]

Virilio, P. (1993). O Espaço Crítico. Rio de Janeiro: Ed. 34.         [ Links ]

 

 

Notas

E. Duarte
Endereço para contato: Rua Barão de Itamaracá, 98/803, Espinheiro, Recife, PE 52.020-070, Brasil.
Telefones: +55 (81) 3241-6820 ou 9959-5906.
E-mails para correspondência: edwarte@uol.com.br e edwarte@uol.com.br.

(1) Esse jogo simula a visão subjetiva do jogador num labirinto, onde ele tem que acumular tesouros, matar monstros, e superar obstáculos, com estágios sucessivos de dificuldades.

(2) Essas fibras participam da transmissão dos impulsos do globo ocular ao cérebro, no sistema visual, citado anteriormente.

(3) Devido à complexidade das escavações tortuosas e intercomunicantes da sua estrutura.

(4) Isso pôde ser observado graças a um monitor de TV, que apresentava a desenvoltura dos jogadores no labirinto.