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Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.12  Rio de Janeiro nov. 2007

 

Ensaio

 

Cognição e texto: a coesão e a coerência textuais

 

Cognition and text: the literal cohesion and coherence

 

 

Carmen Elena das Chagas

Estudos de Linguagem, Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil

 

 


Resumo

Este trabalho objetiva apresentar um estudo sobre a importância da coesão e da coerência na construção da progressividade do texto, mas tomando como modelo, o processo cognitivo que ambas necessitam para exercer o fundamental papel de elementos lingüísticos presentes na superfície textual, pois se interligam e se interconectam, por meio de recursos também lingüísticos, de modo a formar um "tecido" no contexto em que estão inseridas. Utilizando os pressupostos teóricos da Lingüística Textual e os fundamentos dos autores cognitivistas, observarei o desenvolvimento dos modelos cognitivos que as justificam, proporcionando a continuidade de sentido. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: ??-??.

Palavras-chave: sentido; modelos cognitivos; coesão; coerência; progressão textual


Abstract

This paper objectives to present a study on the importance of the cohesion and the coherence in the construction of the progressive of the text, taking as model the cognitve process that both need to exert the basic paper of linguistic present elements in the literal surface, that if they estabilish connection and if they interconnect, by means of also linguistic resources, in order to form one text in the context where they are inserted. Using the estimated theoreticians of the Linguistic and the bedding of the cognitivistes authors, I will observe the development of the cognitives models that justify them, providing the direction continuity. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: ??-??.

Keywords: signification; cognitive models; cohesion; coherence; progression


 

 

Introdução

A interpretação real é um ato mental, precisamente, um processo cognitivo de usuários da linguagem. O resultado deste processo é uma representação conceitual do discurso na memória. Se esta representação é satisfatória para um número de propriedades, diz-se que um usuário da linguagem entendeu o discurso.

Beaugrande e Dressler (1981: 37) postulam que o texto é originado por uma multiplicidade de operações cognitivistas interligadas, "um documento de procedimentos de decisão, seleção e combinação", de maneira que caberia à Lingüística Textual desenvolver modelos procedurais de descrição textual capazes de dar conta dos processos cognitivos que permitem a integração dos diversos sistemas de conhecimentos dos usuários da comunicação, na descrição e na descoberta de procedimentos para a sua atualização e para o tratamento no quadro das motivações e estratégias da produção e compreensão dos textos. A mente humana é um processador de informação, ou seja, ela recebe, armazena, recupera, transforma e transmite informação, bem como os processos correspondentes que podem ser estudados como padrões.

Van Dijk (1977) defende que o processamento cognitivo de um texto consiste de diferentes estratégias processuais, entendendo-se estratégia como "uma instrução global para cada escolha a ser feita no curso da ação". Tais estratégias são hipóteses operacionais eficazes sobre a estrutura e o significado de um fragmento de texto ou de um texto inteiro. Falar em processamento estratégico significa dizer que os usuários da língua realizam, simultaneamente, em vários níveis passos interpretativos finalisticamente orientados, efetivos, flexíveis, e eficientes .

O cognitivo apresenta-se sob a forma de representações e tratamento ou formas de processamento da informação. Pode-se, assim, dizer que a memória opera em três momentos ou fases. Estocagem, quando as informações perceptivas são transformadas em representações mentais associadas a outras; retenção, quando se dá o armazenamento das representações; e reativação, quando se opera, entre outras coisas, o reconhecimento, a reprodução, o processamento textual.

Existem duas maneiras gerais para se construir representações mentais. No processamento "de-baixo-para-cima" o falante começa com eventos perceptuais individuais que ocuparão os mais baixos níveis da representação e se constrói generalizações sucessivas para dar sentido a esses dados. No processamento "de-cima-para-baixo" revela um confronto com um número de fatos bem limitado. O falante importa um esquema mental inteiro, com toda sua estrutura já feita e todos os seus compartimentos disponíveis, mesmo que vagos. Assim, qualquer que seja a fonte, entretanto, estruturas de expectativa são mecanismos poderosos que nos possibilitam a chegar a uma representação mental e manter o interesse pelo texto.

 

Coesão e coerência

A coesão e a coerência no texto falado mostram que o estudo destes dois fatores que constituem o texto deve ser feito de forma diferenciada dos textos escritos, pois a conversação se produz de maneira dialógica, já que se refere a uma criação coletiva.

A coerência apresenta-se como um princípio de interpretabilidade do texto, envolvendo fatores de ordem cognitiva, interacional e lingüística. Este princípio se relaciona à boa estrutura do texto, estabelecendo a partir de uma unidade de sentido o que a caracteriza como ato global, ou seja, refere-se ao texto como um todo. "É algo que se articula pela interação, num processo de construção mútua, pelas relações estabelecidas e percebidas pelos falantes" (Aquino, 1991: 85).

O falante utilizará certos sinais lingüísticos no texto com o objetivo de dar pistas para ajudar os interlocutores a chegar a uma representação mental adequada. Este uso de meios lingüísticos para facilitar a coerência pode ser definido como coesão textual. Assim, um sinal de coesão indica como a parte do texto na qual ele aparece se liga conceitualmente a outra parte do texto. Este sinal, normalmente, é designado como elo coesivo. A coesão é bem comum no discurso, isto nos leva a acreditar que ela tem uma função comunicativa grande: possibilitar a coerência em alguns casos.

Um sinal de coesão indica como a parte se liga, conceitualmente, com uma outra parte do texto. É normal referir-se a estes sinais como ligações ou elos coesivos. Cada língua possui seus próprios meios de utilizar a coesão. Ela pode ocorrer através de: expressões descritivas que, na representação mental, o conceito se liga a um anterior, contribuindo, assim, para a coerência; identidade que faz ligação com formas idênticas ou com referência ou denotações idênticas; relações lexicais que ocorrem através de hiponímia e meronímia e outros meios afins.

Um texto é coerente se descreve fatos conhecidos ou que sejam relacionados entre si. Em termos mais cognitivos, portanto, um texto é coerente se puder ser interpretado em um modelo mental ou formal.

"Os temas "coesão" e "coerência" estão longe de uma definição clara. Na conversação, a coesão não pode ser definida em termos estritamente formais, pois o texto se produz dialogicamente, concorrência de dois ou mais agentes. A coerência não é uma unidade de sentido e sim uma dada possibilidade interpretativa resultante localmente. Dois interlocutores se entendem não só são coerentes no que dizem, mas principalmente, porque sabem do que se trata em cada caso. E quando não sabem, manifestam seu desentendimento de modo a integrá-lo como parte efetiva no próprio texto." (Marcuschi, 1986: 02)

O texto conversacional é coerente, mas acontece é que o mesmo obedece a processos de ordem cognitiva e, muitas vezes, torna-se difícil detectar as marcas lingüísticas e discursivas dessa ocorrência, pois ela nem sempre se dá com base nessas marcas, mas na relação entre os referentes. Desta forma, um texto conversacional pode ser considerado coerente se os referentes apresentados puderem ser organizados como pertencentes ao mesmo quadro. Além disso, estes referentes precisam fazer parte de um conjunto, isto é, os elementos presentes no co (n) texto devem ser pertinentes.

Breaugrande e Dressler (1981) consideram constituírem a coesão e a coerência níveis de análise. A coerência apresentada muitas vezes, macrotextualmente, refere-se à maneira como os elementos do universo textual (Levinson et al., 2004) se unem numa configuração de modo acessível e relevante. Isto é, a coerência é o resultado de processos cognitivos operantes entre os usuários e não uma simples parte dos textos. Esses conhecimentos que determinam a produção de sentido e, conseqüentemente, a coerência estão armazenados na memória em forma de estruturas cognitivas como conceitos, modelos cognitivos globais e superestruturas.

Os conceitos são um conjunto de conhecimentos guardados nas memórias semântica e episódica, em unidades consistentes, mas não estanques.

Os modelos cognitivos globais são blocos de conhecimentos utilizados, intensamente, no processo de comunicação e que representam de forma organizada nosso conhecimento armazenado na memória. Dividem-se em:

1- Frames são situações estereotipadas e sem ordenação em nossa memória como, por exemplo, elementos que se referem ao carnaval (serpentina, mascarado e samba) ou ao Natal (chaminé, presentes, ceia).
2- Esquemas são seqüências ordenadas previsíveis e fixas como, por exemplo, a situação de um casamento, um acidente ou aniversário.
3- Planos são possibilidades onde se pode perceber a intenção do escritor ou do falante como procedimentos para conseguir um emprego ou uma promoção.
4- Scripts é quando se pode especificar os papéis dos participantes de forma determinada como, por exemplo, características de crianças ou de adolescentes.
5- Cenário são situações que se estendem ao domínio da referência como a idéia de atos que acontecem num clube, numa escola ou num tribunal.

Já as superestruturas compõem a forma global de um texto e definem a organização e as relações hierárquicas entre seus fragmentos.

Os estudiosos do texto afirmam que a coerência depende, acima de tudo, de nosso conhecimento prévio e não só dos modelos cognitivos globais citados acima, mas sim do elemento base, situado em nosso conhecimento de mundo que sustenta todos os outros, já a coesão é bem constante no discurso, pois indica que ela possui uma carga de comunicação expressiva. A coesão está para a coerência como a forma lingüística que se usa está para aquilo o que se quer expressar.

 

Progressão referencial

A progressão referencial de um texto refere-se às estratégias lingüísticas por meio dos quais se firmam (estabelecem) entre segmentos do texto diversos tipos de relações semânticas ou pragmático-discursivas, contribuindo para a progressão do texto.

Weinrich (1964) postula uma "estrutura determinativa" cujas partes são interdependentes, sendo todas necessárias à interpretação. Esta interdependência é permitida, às vezes, pelo uso de diversos mecanismos de seqüenciação encontrados na língua.

Koch (2006: 7) mostra que a referenciação constitui uma atividade discursiva, pressuposto este que implica uma visão de não-referenciação da língua e da linguagem. Na mesma linha de pensamento Mondada e Dubois (apud Cavalcante et al., 2003) sublinham que no lugar de pressupor uma estabilidade a "priori" das entidades no mundo e na língua, é possível reconsiderar a questão de estabilização, pois os objetos-de-discurso pelos quais os indivíduos entendem o mundo não são preexistentes, nem dados, porém são elaborados no desenrolar de suas atividades, transformando-se a partir dos contextos.

A referenciação privilegia a relação intersubjetiva e social, na qual as referências do mundo são elaboradas e avaliadas de acordo com a adequação dos objetivos das ações que estão em desenvolvimento nos enunciadores. Segundo Castilho (2004), durante a interação, tomam-se decisões sobre como administrar o pensamento, que palavras escolher, que propriedades ativar. Essa administração configura um conjunto de momentos mentais, no sentido etimológico de "movimentos". Três conjuntos simultâneos de instruções, três movimentos ou processos discursivo-computacionais podem ser aí identificados: a ativação, a reativação e a desativação.

Ainda Koch e Marcuschi (apud Koch et al., 2005) defendem que a discursivização ou textualização do mundo por meio da linguagem não consiste em um mero processo de elaboração de informações, mas na (re) construção do próprio real. Os objetos-de-discurso não se confundem com a realidade externa ao ato lingüístico, mas (re) constroem-na no próprio desenvolvimento da interação. Assim, a realidade é construída, mantida e alterada não apenas pela forma como se nomeia o mundo e sim pela forma como, sóciocognitivamente, interage-se com ele. Os sujeitos interpretam e constroem o mundo na interação com os espaços físico, social e cultural.

Marcuschi e Koch (apud Abaurre, 2002) examinam alguns aspectos de dois conjuntos de estratégias de progressão referencial na língua falada: primeiro, a referenciação por meio de expressões nominais definidas e, segundo, a referenciação anafórica sem antecedente explícito. Ambas desempenham papel importante na organização do texto e, por decorrência, na construção do sentido. Ambas dizem respeito à sucessão de referentes, um aspecto central no processo de textualização e fator relevante da coesão e da coerência.

 

Conclusão

Desta forma, conclui-se que a progressão textual precisa garantir a continuidade de sentidos e o permanente ir e vir responsável pela tessitura do discurso. Assim, para propiciar o constante movimento de progressão e de retroação, o produtor dispõe de uma série de estratégias ou procedimentos que desenvolvem um papel relevante que, também, são destinados a assegurar uma continuidade de referentes, ou melhor, de objetos de discurso, adquirida pela cadeia referencial que não permite que estes objetos sejam arquivados, permanecendo em estado de ativação na memória de trabalho durante o processamento textual.

Representações mentais não ficam limitadas à compreensão de discurso, mas são ferramentas mais gerais, fundamentais para a cognição humana. A organização que os ouvintes associam a um determinado discurso é um reflexo da maneira como o conteúdo é visto como coeso pelo ouvinte e assim fica armazenado na sua mente. Outros fatores que contribuem para a representação mental que os ouvintes têm do discurso são os seus conhecimentos prévios de como as coisas acontecem no mundo real, junto com as suas expectativas sobre o que o falante pretende dizer, pois os discursos nos forçam a utilizar tudo o que sabemos sobre a nossa cultura, língua e o mundo.

O produtor de um texto cumpre regras gerais de coesão e coerência e usa um número elevado destas estratégias ou destes procedimentos eficientes para conseguir alcançar a unidade do texto. Estas articulações cognitivas e sociais podem desenvolver pequenos cortes interpretativos quando o interlocutor fala fora do tópico ou quando algum turno parece incoerente com o turno anterior. O falante pode reagir quando uma tomada de turno anterior for brusca, pode acrescentar algum detalhe explicativo sobre determinado assunto ou usar uma troca de turno para uma ratificação, retomando o que fora afirmado antes. Tais estratégias semânticas fazem parte de um conjunto de elos comunicativos e interacionais usados para estabelecer certos objetivos como, por exemplo, compreender o mundo.

 

Referências Bibliográficas

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Notas

C.E. das Chagas
E-mail para correspondência: carmenelena@bol.com.br.