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Estudos e Pesquisas em Psicologia
versão On-line ISSN 1808-4281
Estud. pesqui. psicol. vol.20 no.3 Rio de Janeiro set./dez. 2020
https://doi.org/10.12957/epp.2020.54352
Estudos e Pesquisas em Psicologia
2020, Vol. 03. doi:10.12957/epp.2020.54352
ISSN 1808-4281 (online version)
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
Avaliação da Criatividade no Contexto das Altas Habilidades/Superdotação: Evidências de Validade
Creativity Assessment in The High Abilities/Giftedness Context: Evidence of Validity
Evaluación de la Creatividad en el Contexto de la Superdotación: Evidencia de Validez
Tatiana de Cássia Nakano*; Luísa Bastos Gomes**; Priscila Zaia***; Gabriela Fabbro Spadari****;
Mariana Antunes Miranda*****; Mariana Marion Sobral Pinto******
Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC-Campinas, Campinas, SP, Brasil
Endereço para correspondência
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo buscar evidências de validade baseadas nas relações com variáveis externas, do tipo convergente, para um subteste para avaliação da criatividade figural, parte de uma Bateria para Avaliação das Altas Habilidades/Superdotação (BAAH/S). A amostra constituiu-se por 114 estudantes do 2º ano (n=15) e 3º ano (n=99) do ensino médio, com idades entre 15 e 20 anos (M=17; DP=0,85), sendo 52 do sexo masculino, provenientes de uma escola pública. Os participantes responderam ao Teste de Criatividade Figural Infantil (TCFI) e ao Subteste Completando Figuras (em processo de validação). Por meio da Correlação de Pearson, os fatores que avaliam aspectos criativos semelhantes apresentaram correlações positivas e significativas (r=0,64 entre os fatores emocionais; r=0,60 entre os fatores cognitivos; r=0,56 entre os fatores de enriquecimento de ideias), indicando convergência entre as medidas. A correlação entre as características criativas isoladas, avaliadas em ambos os testes se mostrou, em sua maioria, significativa, com valores oscilando entre r=0,21 e r=0,61. Tais resultados tornam possível confirmar as evidências de validade do subteste em desenvolvimento.
Palavras-chave: desenho, criatividade, superdotação, validade de testes.
ABSTRACT
The aim of the present study was to search for evidence of validity based on external convergent-like variables for a subtest to assess figural creativity, part of a Battery for Assessment of High Abilities/Giftedness (BAAH/S). The sample consisted of 114 students of the 2nd year (n = 15) and 3rd year (n = 99) of high school, aged between 15 and 20 years (M = 17; SD = 0.85), 52 male, coming from a public school. Participants completed the Children's Figural Creativity Test (TCFI) and the Completing Figures Subtest (in validation process). Through the Pearson Correlation, factors that evaluate similar creative aspects showed positive and significant correlations (r = 0.64 between emotional factors; r = 0.60 between cognitive factors; r = 0.56 between enrichment factors ideas), indicating convergence between measures. The correlation between the isolated creative characteristics evaluated in both tests was mostly significant, with values ranging between r = 0.21 and r = 0.61. These results make it possible to confirm positive evidences of validity for the developing subtest.
Keywords: drawing, creativity, giftedness, validity of tests.
RESUMEN
El objetivo del presente estudio fue buscar evidencia de validez basada en relaciones de variables externas de tipo convergente para una subprueba para evaluar la creatividad figurativa, parte de una Batería para la Evaluación de Altas Capacidades / Superdotación (BAAH / S). La muestra consistió en 114 estudiantes del segundo año (n = 15) y del tercer año (n = 99) de secundaria, con edades comprendidas entre 15 y 20 años (M = 17; DE = 0,85), siendo 52 del sexo masculino, procedentes de una escuela pública. Los participantes completaron la Prueba de Creatividad Figural para Niños (TCFI) y la Subprueba Completando Figuras (en proceso de validación). A través de la Correlación de Pearson, los factores que evalúan aspectos creativos similares mostraron correlaciones positivas y significativas (r = 0.64 entre factores emocionales; r = 0.60 entre factores cognitivos; r = 0.56 entre factores de enriquecimiento de ideas), indicando convergencia entre medidas. La correlación entre las características creativas aisladas evaluadas en ambas pruebas fue mayormente significativa, con valores que oscilaron entre r = 0.21 y r = 0.61. Estos resultados permiten confirmar la evidencia de validez de la subprueba en desarrollo.
Palabras clave: dibujo, creatividad, superdotación, validez de pruebas.
As primeiras concepções acerca da conceituação das Altas Habilidades/Superdotação (AH/S) difundidas ao longo da história se mostraram fortemente influenciadas pelas referências exclusivas à inteligência (Nolte, 2012; Robinson & Clinkenbeard, 2010). Porém, mudanças neste olhar ocorreram e, atualmente, a visão de que apenas este construto não é suficiente para explicar os comportamentos superdotados apresentados pelos indivíduos tem sido amplamente difundida (Almeida, Araújo, Sainz-Gómez, & Prieto, 2016; Plucker & Callahan, 2014). Entretanto, a continuidade do interesse pela superdotação associada exclusivamente à inteligência, chamada de superdotação intelectual ou acadêmica, ainda pode ser notada nas pesquisas (Bolland, Besnoy, & Tomek, 2019; Oliveira, Passos, & Barbosa, 2019; Peairs, Sheppard, & Putallaz, & Constanzo, 2019; Stricker, Bueder, Schneider, & Preckel, 2019).
Neste sentido, tal fenômeno tem sido compreendido diante da presença de alta performance dos indivíduos em uma ou mais áreas, dentre elas, intelectual, acadêmica, criativa, de liderança, artística ou psicomotora incluindo grande motivação para aprender e realizar tarefas associadas a assuntos de interesse do indivíduo (Secretaria de Educação Especial, 2012; Renzulli, 2012). Consequentemente, outros aspectos, além dos cognitivos, têm sido valorizados (Jones, Greenberg, & Crowley, 2016). Dentro desse modelo, a criatividade tem recebido destaque, visto que tal construto vem contribuindo, de maneira importante, para o olhar ampliado da AH/S (Angela & Caterina, 2020; Kaufman, Plucker, & Russell, 2012; Lubart, Barbot, & Besançon, 2019; Piske et al., 2016a; Sorrentino, 2019).
Diante da relevância dessa característica para este fenômeno, faz-se notar que ela vem sendo incluída em diferentes modelos teóricos. No Modelo Diferenciado de Dotação e Talento de Gagné, a criatividade é compreendida como um dos domínios da dotação ou do talento (Gagné, 2014), a Teoria Triárquica da Inteligência de Sternberg reconhece a existência da inteligência do tipo criativa (Kolligian & Sternberg, 1987; Sternberg, 2003, 2005) e na Concepção dos Três Anéis de Renzulli, a criatividade é salientada como dentre os três componentes principais (Renzulli, 2012, 2014). Neste modelo, especificamente, a criatividade representa um tipo específico de alta habilidade/superdotação: criativo-produtiva, o qual associa-se à curiosidade, resolução de problemas e características do pensamento criativo, orientadas a um problema real (Pfeiffer, 2013).
A importância da presença da criatividade nas definições das AH/S e, consequentemente, nos processos de identificação destes comportamentos é concretizada e justificada, segundo Kaufman et al. (2012) ao considerar-se que os resultados dos testes de criatividade podem ajudar a compreender, de maneira mais abrangente, as características de um indivíduo superdotado, devendo constituir-se como medida integrante dos processos gerais de avaliação desta população. Entretanto, a identificação de alunos que apresentam superdotação criativa continua enfrentando uma série de desafios. Dentre eles, o número ainda reduzido de instituições que incluem a criatividade em suas definições de A/S, incluindo-a em seus processos de avaliação (Ridgley, Rubenstein, & Finch, 2020).
Especificamente, tomando-se essa questão da avaliação e identificação, o que se tem notado é que a AH/S, por se mostrar um fenômeno complexo e multidimensional, acaba por gerar dificuldades de identificação dos indivíduos, notadamente quando há a tradicional utilização, ainda nos dias atuais, apenas de testes de inteligência para a concretização deste processo, os quais não captam aspectos relacionados à criatividade ou pensamento divergente (Nissen, 2019). Ocorre ainda quando há o uso de instrumentos que não foram desenvolvidos especificamente para atender às necessidades singulares advindas da população de indivíduos superdotados (Almeida et al., 2016; Virgolim, 2013). Vale lembrar que a avaliação da superdotação tem um propósito muito além da identificação. Ela visa conhecer os potenciais de modo que tais informações possam ser utilizadas para fins de oferecimento de atendimento educacional individualizado e proposição de desafios por meio de intervenção (Dai, 2020).
Nesse sentido, a preocupação no campo das altas habilidades/superdotação se volta à necessidade de que os instrumentos utilizados na identificação desses indivíduos tenham seu uso investigado para essa população específica, de forma que possam capturar as diferenças individuais apresentadas por eles (Kiefer, Reese, & Vacha-Haase, 2010). Tal preocupação se mostra relevante se considerarmos que, quando esses indivíduos são avaliados com instrumentos desenvolvidos para a população geral, facilmente podem atingir o efeito teto (nível máximo que o teste consegue medir). No entanto, dentre aqueles indivíduos que se encontram no topo das habilidades, ainda existem diferentes níveis, que apenas os instrumentos específicos para essa população poderão ser capazes de inferir.
Outro cuidado refere-se ao fato de que, para que essa identificação seja feita de forma adequada, a literatura tem recomendado a condução de um processo de identificação que inclua diversos métodos e instrumentos, capazes de avaliar tanto aptidões gerais quanto específicas do fenômeno. Podem envolver, nesse sentido, testes de inteligência, escalas de avaliação respondidas por pais e professores, listas de indicadores, escalas de autorrelato, observação e testes de criatividade, cujas informações podem auxiliar na decisão acerca da presença de critérios indicativos de superdotação (Almeida et al.,2016;Kim & Berebitsky, 2016; Pfeiffer & Blei, 2008; Ziegler, Stoeger, & Vialle, 2012).
Especificamente, no que diz respeito à avaliação da criatividade de indivíduos superdotados, é importante ressaltar a importância de que esse processo seja realizado por meio do uso de instrumentos específicos. O motivo para tal preocupação envolve o fato de que, muitas vezes, as características associadas a este construto podem não ser estimuladas e percebidas, dificultando a inclusão dos indivíduos que apresentam este tipo de superdotação em programas especiais de atendimento (Piske, 2016b; Virgolim, 2014).
Buscando responder à essa problemática, esforços para identificar alunos superdotados e talentosos têm sido ampliados, tanto aqueles que visam a adequação de instrumentos já existentes, como os voltados para a construção de novos instrumentos. A área de avaliação psicológica, especialmente no contexto internacional, tem alcançado importantes avanços nesse sentido (Pfeiffer & Blei, 2008), haja visto que a superdotação se mostra uma área cujo estudo engloba uma série de construtos psicológicos que estão envolvidos na sua compreensão. Entretanto, no Brasil, a quantidade de estudos e pesquisas ainda é pequena quando se pondera a importância do assunto para a sociedade (Pederro et al., 2017).
Vale ressaltar que a identificação e avaliação devem ser compreendidas como passos essenciais para guiar o direcionamento de ações educativas apropriadas e individualizadas, conduzidas continuamente (Iorio, Chaves, & Anache, 2016). No entanto, a realidade aponta que a dificuldade em determinar quem seriam estas crianças e, principalmente de criar formas para avaliá-las apropriadamente, tem atuado de modo a impedir que muitas delas tenham acesso a programas de atendimento, devendo ser este um dos desafios atuais da Psicologia.
Considerando que os testes atualmente disponíveis no Brasil para avaliação da criatividade não se encontram validados para uso específico na população de indivíduos com AH/S, marcando-se pela inexistência de testes que apresentem qualidades psicométricas adequadas para uso com esse propósito, o processo de construção de uma bateria de avaliação do fenômeno, composta por subtestes de inteligência, criatividade verbal e criatividade figural, assim como uma escala de avaliação do professor, teve início. Maiores informações sobre o instrumento são fornecidas na seção referente ao método. Uma série de estudos voltados à identificação das qualidades psicométricas do instrumental já foram conduzidos, podendo-se citar evidências de validade por meio da estrutura interna, análise dos itens (e evidências de validade baseadas na relação com variáveis externas.
Apesar do instrumento ter apresentado uma série de evidências positivas de validade nos estudos citados, convém lembrar que tal fonte é dependente de um processo cumulativo de evidências que vão dando suporte às interpretações pretendidas com o instrumento, devendo marcar-se como um processo contínuo de busca (Ambiel & Carvalho, 2017). Assim, o presente estudo teve como objetivo a realização de um estudo de busca de evidências de validade baseadas na relação com variáveis externas do tipo convergente, tendo, como foco, o subteste de criatividade figural da bateria em desenvolvimento. Para isso os resultados dos participantes no instrumento em estudo foram comparados com os resultados obtidos em outro teste que mede o mesmo construto, o qual apresenta evidências de validade e encontra-se aprovado para uso profissional. Almeja-se que os resultados se mostrem positivos de modo a somar mais uma fonte de evidências de validade do instrumento criado.
Método
Participantes
A amostra deste estudo foi composta por 114 alunos, sendo 52 do sexo masculino e 62 do sexo feminino, provenientes do 2º ano (n=15) e 3º ano (n=99) do ensino médio de uma escola pública localizada no interior do Estado de São Paulo, selecionada por conveniência. Os participantes possuíam idades entre 15 e 20 anos (M=17 anos; DP=0,85).
Instrumentos
Teste de Criatividade Figural Infantil – TCFI (Nakano, Wechsler, & Primi, 2011). O instrumento é composto por três atividades, nas quais é solicitado que o respondente realize desenhos a partir de estímulos incompletos. A primeira atividade é composta por apenas um estímulo, a segunda atividade por 10 estímulos diferentes e a terceira atividade compõe-se de 30 estímulos iguais. O teste avalia 12 características, sendo elas: Fluência, Flexibilidade, Originalidade, Elaboração, Uso de Contexto, Perspectiva Incomum, Perspectiva Interna, Movimento, Títulos Expressivos, Expressão de Emoção, Fantasia, Extensão de Limites, agrupadas em quatro fatores (Enriquecimento de Ideias, Emocional, Preparação Criativa e Aspectos Cognitivos).
Uma série de pesquisas voltadas à investigação das evidências de validade e precisão do teste foram realizadas e podem ser encontradas no manual do instrumento (Nakano et al., 2011), confirmando suas qualidades psicométricas para uso em amostras brasileiras. O instrumento encontra-se aprovado para uso pelo Conselho Federal de Psicologia e apresenta normas para estudantes do Ensino Fundamental. A seleção do instrumento tomado como base para a investigação das evidências de validade, foi realizada a partir da similaridade entre as propostas: (1) definição da criatividade como construto multidimensional, (2) avaliação de características criativas cognitivas e emocionais, (3) utilização de desenhos como forma de avaliação.
Subteste Completando Figuras da Bateria de Altas Habilidades / Superdotação (Nakano et al., 2015). A bateria citada contempla um subteste voltado à avaliação da criatividade figural, o qual envolve o fornecimento de respostas a estímulos incompletos, sob a forma de desenhos, tendo sido baseado na atividade 2 do TCFI (Nakano et al., 2011). Assim como a atividade do teste original, a mesma compõe-se de 10 estímulos, os quais foram, entretanto, alterados.
A correção das respostas permite a avaliação de diversas características descritoras das pessoas criativas (fluência, flexibilidade, elaboração, originalidade, expressão de emoção, fantasia, movimento, perspectiva incomum, perspectiva interna, uso de contexto, extensão de limites e títulos expressivos), agrupadas em três fatores (Nakano, Primi, Ribeiro, & Almeida, 2016): Elaboração (composto pelas características de Fantasia, Perspectiva Incomum, Perspectiva Interna, Uso de Contexto e Elaboração), Emocional (composto por Expressão de Emoção, Movimento e Títulos Expressivos) e Aspectos Cognitivos (composto por Fluência, Flexibilidade e Originalidade).
Procedimentos
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade que abriga o projeto, sob número CAAE 21487513.7.0000.5481. Os termos de consentimentos livre e esclarecidos foram enviados aos pais/responsáveis dos alunos, uma semana antes do início do processo de coleta de dados. Os testes foram aplicados de forma coletiva, em sala de aula, naqueles estudantes cujos pais/responsáveis autorizaram a participação do aluno através da assinatura do termo, em aplicação única, com duração aproximada de 1 hora e 30 minutos. Os estudantes responderam primeiramente ao instrumento de criatividade figural infantil (TCFI) e, em seguida, ao subteste Completando Figuras que compõe a Bateria de Altas Habilidades/Superdotação. A análise dos dados envolveu, inicialmente, a estimativa de dados acerca da estatística descritiva das medidas, assim como a correlação de Pearson entre os fatores de cada instrumento e de cada característica criativa isoladamente. Dada a natureza do estudo, valores de correlação acima de 0,509 eram esperados (Nunes & Primi, 2010).
Resultados
A fim de verificar o desempenho dos indivíduos em cada uma das características avaliadas nos instrumentos, realizou-se a análise descritiva para cada uma delas isoladamente. Os resultados indicaram a existência de pontuação zero relacionadas às pontuações mínimas em todas as características avaliadas pela BAAH/S, o mesmo ocorrendo em relação a várias características no TCFI. Convém salientar, entretanto, que a diferença entre os valores referentes às pontuações máximas ampara-se, principalmente, no fato de que, no subteste da BBAH/S há somente uma atividade a ser respondida (com um máximo possível de 10 desenhos) e, no segundo instrumento, três atividades, em um total de 41 desenhos possíveis. Note-se que a característica de Extensão de Limites somente é avaliada no TCFI visto que a mesma não apresentou carga fatorial na BAAH/S.
Em ambos os testes, quando considerada cada característica isoladamente, vê-se que a maior média de pontuação foi apresentada pelos participantes na característica de Elaboração, a qual consiste na capacidade de desenvolver, ampliar e implementar as ideias, por meio do detalhamento da resposta (Nakano et al., 2011). No entanto, é importante destacar o fato de que não existe limite de pontos possíveis nessa característica, visto que essa pontuação irá depender do número de detalhes adicionados ao desenho. Por outro lado, a menor média foi apresentada na característica de Expressão de Emoção, também em ambos os testes. Essa característica envolve a representação de emoções e sentimentos, tanto no desenho quanto nos seus títulos. Tais resultados podem ser visualizados na Tabela 1.
Ainda na mesma Tabela é possível verificar os resultados da correlação entre as duas medidas. A correlação entre as mesmas características, avaliadas em ambos os instrumentos, apontou para a existência de valores significativos e positivos em nove das doze medidas, oscilando entre r=0,21 a r=0,68. A maior convergência foi encontrada na característica de Títulos Expressivos (r=0,68, p0,01) e, a menor, em Fantasia (r=0,21, p0,05). Não foram observadas correlações significativas entre as medidas de Perspectiva Interna, Movimento e Expressão de Emoção.
Uma segunda análise envolveu a estimativa da estatística descritiva dos fatores medidos em cada instrumento, cujos resultados podem ser visualizados na Tabela 2. Em ambos os instrumentos a maior média alcançada relacionou-se ao primeiro fator (Enriquecimento de Ideias no TCFI e Elaboração na BAAH/S), os quais estão associados à habilidade de agregar detalhes ao desenho, visualizando o desenho de maneira mais detalhada e enriquecida, dentro de um contexto mais amplo (Nakano et al., 2011). Por outro lado, as menores médias foram obtidas nos fatores Preparação Criativa no TCFI (o qual envolve a avaliação das características criativas na Atividade 1 do teste, sendo importante destacar que esse fator é considerado um fator de aquecimento, uma oportunidade de treino para a realização das atividades posteriores, as quais permitem o uso mais livre da criatividade e um maior número de respostas) e no fator Emocional da BAAH/S. Novamente, valores zero foram encontrados associados às pontuações mínimas, em ambos os instrumentos.
Posteriormente, a correlação de Pearson foi novamente empregada com o objetivo de verificar, dessa vez, a relação entre os fatores que compõem cada instrumento. É possível notar, na Tabela 3, que a maior parte das medidas apresentou correlação significativa e positiva, com valores oscilando entre r=0,19 a r=0,64.
Somente quatro resultados não apresentaram valor significativo: fator emocional do TCFI e os fatores elaboração e cognitivo da BAAH/S; entre o fator preparação criativa do TCFI e o fator cognitivo da BAAH/S; entre o fator aspectos cognitivos do TCFI e o fator emocional da BAAH/S. É importante destacar, no entanto, que quando se analisam os fatores que avaliam aspectos similares entre os instrumentos, resultados favoráveis às evidências de validade investigadas são encontrados.
A correlação entre os fatores relacionados à elaboração apresentou valor significativo (Enriquecimento de Ideias do TCFI e Elaboração da BAAH/S, r=0,56), entre os fatores emocionais (Emocional no TCFI e Emocional da BAAH/S, r=0,64) e entre os fatores cognitivos (Aspectos Cognitivos TCFI e Cognitivo na BAAH/S, r=0,60), todos superando o valor indicado na literatura científica para esse tipo de estudo, ou seja, acima de 0,509, tal como citado anteriormente. Destaca-se ainda que o fator geral do TCFI apresentou correlação significativa com os três fatores da BAAH/S.
Discussão
O estudo aqui apresentado teve como objetivo investigar as evidências de validade baseadas nas relações com outras variáveis de um subteste para avaliação da criatividade figural que compõe uma bateria para avaliação das altas habilidades/superdotação. Os resultados apontaram que o subteste em questão (Completando Figuras) apresentou evidências positivas de validade visto que a maior parte das suas medidas se correlacionou, de forma positiva e significativa, com outro instrumento que avalia o mesmo construto.
No que diz respeito, especificamente às análises, os dados apontaram para correlações significativas e positivas considerando-se tanto as características isoladamente quanto os fatores semelhantes avaliados por ambos os instrumentos. Os resultados indicaram que, para além na semelhança entre as descrições das características e fatores avaliados nos dois instrumentos, os resultados obtidos pelos participantes em ambas as medidas também apontaram para convergência empírica.
Especialmente foi possível observar que o Fator Geral do TCFI, obtido a partir da soma dos resultados obtidos nos quatro fatores do instrumento e que tem seu resultado considerado com a finalidade de se estimar o nível de criatividade geral do indivíduo (Nakano et al., 2011), apresentou correlações significativas e positivas com os três fatores avaliados pelo Subteste Completando Figuras da BAAH/S. Tais resultados confirmam as evidências de validade buscadas para o subteste em fase de verificação de suas qualidades psicométricas. Verificou-se assim, a convergência entre as duas medidas de criatividade.
Em comum, os construtos (criatividade e altas habilidades/superdotação) apresentam o fato de terem sido foco de um grande número de definições e de modelos teóricos ao longo de sua investigação, tendo alcançado, somente mais recentemente, consenso sobre seus elementos constituintes. Importante considerar que os instrumentos selecionados apresentam uma concepção que considera a criatividade a partir de um modelo multidimensional, apresentando propostas de avaliação desse construto baseadas tanto em fatores emocionais e afetivos quanto cognitivos da criatividade (Nakano et al., 2011). Igualmente, avaliam o potencial criativo, por meio de atividades que envolvem figuras incompletas que devem ser respondidas sob a forma de desenhos.
Dada a semelhança entre o modelo teórico que embasa os instrumentos utilizados, assim como da tarefa a ser realizada em cada teste, as hipóteses levantadas, de relação entre as medidas, foram confirmadas. Vale ressaltar que, no subteste em estudo, as características cognitivas apresentaram médias mais altas do que as características emocionais, situação comumente relatada nos demais instrumentos brasileiros de avaliação da criatividade (Nakano et al., 2011; Wechsler, 2004a, 2004b), sendo, a expressão de características emocionais, mais rara do que as de natureza cognitiva. Especificamente em relação à temática das AH/S, foco do subteste em estudo, estudos anteriores com a BAAH/S apontou para o fato de que todas as características cognitivas da criatividade se mostraram mais fáceis de serem pontuadas pelos participantes.
Tal situação ainda pode ser justificada perante a constatação de que, inicialmente, a criatividade foi compreendida, em diversos modelos teóricos e definições (tais como Structure of Intellect de Guilford, Multiple Intelligence Theory, Cattell-Horn-Carrol de inteligência, Berlin model of intelligence structure), como um elemento integrante da inteligência, ou seja, reconhecida enquanto uma característica cognitiva, tomada, muitas vezes, como medida exclusiva para a triagem dos estudantes (Pfeiffer, 2015). Somente mais tarde, os aspectos emocionais desse construto foram reconhecidos (Torrance & Ball, 1990).
Do mesmo modo, a superdotação foi, durante muito tempo, associada a um alto desempenho nos testes de inteligência, restringindo-se à alta habilidade cognitiva e acadêmica. O reconhecimento de outros tipos ou áreas relacionadas às altas habilidades, enquanto um fenômeno multidimensional e amplo, somente ocorreu mais recentemente, a partir do reconhecimento de outros aspectos, tais como a criatividade, liderança, habilidade psicomotora, artes visuais, musical e performáticas, motivação como seus componentes (Heller, 2013). A partir dessa ampliação conceitual, importantes mudanças na área se tornaram possíveis, notadamente ao possibilitar que diferentes tipos de talentos passassem a serem reconhecidos, quebrando-se a homogeneidade do esteriótipo do superdotado enquanto um indivíduo com inteligência superior (Pierson, Kilmer, Rothlisberg, & McIntosh, 2012).
Considerações Finais
Os desafios acerca de quem são os indivíduos superdotados ainda se fazem presentes, ainda que importantes avanços venham sendo realizados na tentativa de diminuir as lacunas existentes nesta área. Seja através de definições atuais que abrangem diversos aspectos do fenômeno, bem como, no caso aqui apresentado, pelo início de um processo de construção de um instrumento específico para esta população. Os resultados obtidos a partir das análises aqui apresentadas atestam evidências de validade convergente para o Subteste Completando Figuras da Bateria de Avaliação das Altas Habilidades/Superdotação, cujos resultados podem ser somados a outros anteriormente conduzidos com o instrumental, a fim de ampliar os alcances de uso e interpretações pretendidas com o instrumento.
As limitações desse estudo podem relacionar-se ao tamanho e à baixa variabilidade da amostra (limitando-se a coleta de dados a uma única escola e em participantes provenientes de duas únicas séries escolares). Dessa forma, novos estudos envolvendo o construto em questão (criatividade), partindo-se da ampliação do número de participantes, maior variação das séries escolares e tipos de escola (públicas e particulares) poderão fornecer dados mais robustos acerca de como tal construto e, especificamente tal subteste, contribui para a avaliação do fenômeno das AH/S, dentro da bateria em processo de investigação.
Do mesmo modo, novos estudos voltados à investigação de outros tipos de evidências de validade e precisão do subteste são recomendados, principalmente se considerarmos que, até o momento, a maior parte dos estudos conduzidos com o instrumental, estiveram voltados à investigação da BAAH/S enquanto uma bateria geral, sendo essa a primeira pesquisa focada nesse subteste específico. Isso porque, outras pesquisas, com objetivos similares, mas realizadas com os subtestes de inteligência e criatividade verbal já se encontram publicadas.
A importância deste tipo de estudo se ampara na possibilidade de conhecimento acerca de como os subtestes atuam dentro de uma bateria maior, bem como possibilitam a investigação dos construtos específicos que se encontram envolvidos no instrumental (inteligência, criatividade verbal e criatividade figural). No caso do estudo aqui relatado, reforça-se ainda o fato de que o último construto mencionado é avaliado por meio de elementos cognitivos e emocionais, de modo a possibilitar a identificação de diferentes tipos de expressão criativa, assim como permite a diferenciação entre AH/S do tipo criativa daquela acadêmica.
A importância deste tipo de instrumento para a área das AH/S ampara-se na necessidade de um processo de identificação que abarque diferentes aspectos do fenômeno, a fim de ampliar o número de indivíduos identificados e otimizar seu encaminhamento para programas de atendimento especiais. Do mesmo modo, justifica a importância de uma avaliação compreensiva que considere a heterogeneidade das formas em que as AH/S podem se manifestar, notadamente considerando-se a condução de estudos de um instrumental brasileiro, que considera as especificidades culturais e linguísticas da população, tal como vem sendo recomendado na literatura científica (Almeida, Fleith, & Oliveira, 2013).
Espera-se que os resultados advindos desta pesquisa possam ser somados aos anteriormente obtidos em relação às qualidades psicométricas da BAAH/S, contribuindo para sua futura publicação e disponibilização para uso profissional no país. Do mesmo modo, almeja-se que o instrumental possa sanar, em partes, importante lacuna encontrada no Brasil acerca dos desafios relacionados ao desenvolvimento de novos instrumentos, notadamente no que diz respeito à avaliação de populações específicas.
Referências
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Endereço para correspondência
Tatiana de Cássia Nakano
Departamento de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Campinas
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Luísa Bastos Gomes
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Priscila Zaia
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Gabriela Fabbro Spadari
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Mariana Antunes Miranda
Departamento de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Campinas
Avenida John Boyd Dunlop, s/n, Jardim Ipaussurama, Campinas - SP, Brasil. CEP 13060-904
Endereço eletrônico: mahantunes7@hotmail.com
Mariana Marion Sobral Pinto
Departamento de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Campinas
Avenida John Boyd Dunlop, s/n, Jardim Ipaussurama, Campinas - SP, Brasil. CEP 13060-904
Endereço eletrônico: mazinha_marion@hotmail.com
Recebido em: 27/08/2019
Reformulado em: 01/05/2020
Aceito em: 05/05/2020
Notas
* Doutora em Psicologia, docente do programa de pós-graduação stricto sensu em Psicologia da PUC-Campinas, orientadora.
** Mestre em Psicologia pela PUC-Campinas.
*** Pós-doutoranda do programa de Psicologia da Universidade São Francisco, Campinas, SP, Brasil. Doutora em Psicologia pela PUC-Campinas.
**** Doutora em Psicologia pela PUC-Campinas.
***** Psicóloga pela PUC-Campinas.
****** Psicóloga pela PUC-Campinas.
Financiamento: os autores agradecem ao CNPQ e à CAPES pelo apoio recebido.
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