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Estudos e Pesquisas em Psicologia
versão On-line ISSN 1808-4281
Estud. pesqui. psicol. vol.20 no.3 Rio de Janeiro set./dez. 2020
https://doi.org/10.12957/epp.2020.54359
Estudos e Pesquisas em Psicologia
2020, Vol. 03. doi:10.12957/epp.2020.54359
ISSN 1808-4281 (online version)
PSICOLOGIA CLÍNICA E PSICANÁLISE
Análise Comparativa de Estudos sobre Bem-Estar Subjetivo no Brasil: Aspectos Epistemológicos, Metodológicos e Teóricos
Comparative Analysis of Studies on Subjective Well-being in Brazil: Epistemological, Methodological and Theoretical Aspects
Análisis Comparativo de Estudios sobre Bienestar Subjetivo en Brasil: Aspectos Epistemológicos, Metodológicos y Teóricos
Lucélia Kelly Alencar de Medeiros*; Remerson Russel Martins**
Universidade Federal Rural do Semi-Árido - UFERSA, Mossoró, RN, Brasil
Endereço para correspondência
RESUMO
Por meio do conceito do bem-estar subjetivo a ciência tem investigado a felicidade, testando modelos teóricos, levantando evidências empíricas e apontando um caminho para o estudo científico de um fenômeno caracterizado pela subjetividade. O objetivo desse artigo é analisar crítica e comparativamente as dimensões epistemológicas e metodológicas adotadas nas pesquisas nacionais sobre o bem-estar subjetivo, assim como avaliar de que forma esse construto é conceituado e trabalhado nessas pesquisas. Para essa finalidade realizou-se uma revisão sistemática da literatura no Portal de Periódicos Capes, utilizando o descritor em língua portuguesa "bem-estar subjetivo". Observou-se o predomínio de pesquisas com abordagem quantitativa em uma construção epistemológica, prezando pela objetividade do conhecimento sobre o bem-estar subjetivo. Assim como delineamentos metodológicos marcados pela exploração nomológica das teorias e interpretação indutivo-estatística dos resultados.
Palavras-chave: bem-estar subjetivo, saúde mental, epistemologia.
ABSTRACT
Through the concept of subjective well-being science has investigated happiness, testing theoretical models, raising empirical evidence and pointing a path to the scientific study of a phenomenon characterized by its subjectivity. The article aims to critically and comparatively analyze the epistemological and methodological dimensions adopted in the national research on subjective well-being, as well as to evaluate how this concept is defined and worked in these researches. For this purpose a systematic review of the literature was carried out in the Capes Periodic Portal, using the Portuguese language descriptor "subjective well-being". There was a predominance of research with a quantitative approach in an epistemological construction, valuing the objectivity of knowledge about subjective well-being. As well as methodological designs marked by the nomological exploration of theories and inductive-statistical interpretation of the results.
Keywords: subjective well-being, mental health, epistemology.
RESUMEN
Por medio del concepto del bienestar subjetivo la ciencia ha investigado la felicidad, probando modelos teóricos, levantando evidencias empíricas y apuntando un camino para el estudio científico de un fenómeno caracterizado por la subjetividad. El objetivo de este artículo es analizar de forma crítica y comparativa las dimensiones epistemológicas y metodológicas adoptadas en las investigaciones nacionales sobre el bienestar subjetivo, así como evaluar cómo se conceptualiza y trabaja este constructo en estas investigaciones. Para este fin se realizó una revisión sistemática de la literatura sobre estacional en el Portal de Periódicos Capes, utilizando el descriptor en idioma portugués "bienestar subjetivo". Hubo un predominio de la investigación con un enfoque cuantitativo en una construcción epistemológica, valorando la objetividad del conocimiento sobre el bienestar subjetivo. Así como diseños metodológicos marcados por la exploración nomológica de teorías y la interpretación inductiva-estadística de los resultados.
Palabras clave: bienestar subjetivo, salud mental, epistemologia.
O bem-estar subjetivo (BES) pode ser definido como uma avaliação que o sujeito faz acerca da própria vida, combinando sua percepção sobre uma vivência maior de afetos positivos do que de afetos negativos, juntamente com a satisfação com a própria vida (Diener, 1984; Diener, Suh, & Oishi, 1997). Essa proposição traz um modelo tripartite para o BES, composto de duas dimensões afetivas – afetos positivos e afetos negativos – e uma dimensão cognitiva – a satisfação com a vida (Diener, 1984; Hutz, 2014; Snyder & Lopez, 2009).
Lyubomirsky, King e Diener (2005) definem afetos positivos e negativos como a intensidade e frequência com que o sujeito vivencia emoções positivas e negativas. A experiência de uma emoção positiva é interpretada como a vivência de algo desejável, que a vida está indo bem. Snyder e Lopez (2009) definem afeto como uma resposta fisiológica associada à estimulação e à sensação subjacente de excitação, possuindo uma valência própria que se traduz na vivência de situações como prazerosas ou dolorosas. Os autores citados compartilham do pensamento de que os afetos positivo e negativo implicam num julgamento não puramente cognitivo, no entanto, mais visceral e autonômico acerca da percepção de estados, objetos ou situações agradáveis ou desagradáveis, o que contribui na disposição do sujeito em aproximar-se ou afastar-se de algo.
Hutz, Zanon e Bardagi (2014, p. 43) conceituam a satisfação com a vida como "o componente cognitivo do bem-estar subjetivo definido como o nível de contentamento que alguém percebe quando pensa sobre sua vida de modo geral". Essa dimensão é autorreflexiva e autonarrativa, demandando do sujeito as habilidades cognitivas para julgar aspectos importantes da própria vida. Este julgamento não exclui a afetividade na sua totalidade, apenas privilegia um aspecto mais declarativo e menos sensorial do BES. Em conjunto, o modelo tripartite tem se mostrado estável em investigações empíricas com cada uma das três dimensões apresentando cargas fatoriais próprias (Diener, Lucas, & Oishi, 2002; Layous & Zanon, 2014).
Essa forma de bem-estar articula elementos que são experienciados de forma privada por cada pessoa. Não há indicadores objetivos, identificáveis por terceiros de modo independente e claros acerca dos elementos que compõem o bem-estar subjetivo. A expressão emocional mais intensa pode trair o estado afetivo do sujeito e os seus pensamentos, mas não oferecem clareza ou precisão do que realmente se passa subjetivamente. Essa forma de bem-estar depende fortemente do autorrelato dos sujeitos investigados para que o pesquisador possa colher fragmentos de informações (Diener et al., 1997).
É quase um retorno ao velho problema da introspecção vivenciado por Wundt nos primórdios da Psicologia. No entanto, os tempos são outros e uma diversidade de métodos e técnicas estão disponíveis para o investigador. Snyder e Lopez (2009, p. 20) defendem "que os maiores benefícios podem advir de uma psicologia positiva baseada nos mais recentes e mais rigorosos métodos experimentais" e completam ainda que "os métodos usados para deduzir as várias conclusões da psicologia positiva representam os melhores e mais sofisticados projetos de pesquisa e estatísticas no campo da psicologia". Essas proposições privilegiam um delineamento experimental e quantitativo do estudo do bem-estar subjetivo no seio da Psicologia Positiva, sem abordar a dimensão epistemológica e expor quais são os fundamentos que legitimam o conhecimento produzido.
Pacico e Bastianello (2014, p. 14) afirmam que "são inúmeros os artigos com metodologia quantitativa que têm contribuído para o entendimento dos aspectos positivos do ser humano e suas relações com outros construtos", mas que essa abordagem não seria suficiente para alcançar o fim pretendido pela psicologia positiva. Essa limitação é evidenciada ao se resgatarem outras fontes dentro da psicologia que também prezam pela compreensão e desenvolvimento das características positivas da mente humana, tais como a psicologia humanista. Waterman (2013) aponta dois aspectos importantes: a) as influências da psicologia humanista na origem da psicologia positiva e, b) a tensão existente entre as duas abordagens psicológicas. De um lado um viés qualitativo, voltado para objetivos fenomenológicos e ideográficos, buscando compreender o funcionamento psicológico do sujeito dentro de seu contexto mental particular. Do outro lado, um viés quantitativo com objetivos nomológicos, buscando o conhecimento geral para além da realidade singular do sujeito conhecido.
Esses dois vieses representam abordagens metodológicas distintas que trazem de forma subjacente concepções ontológicas e epistemológicas próprias. Essas concepções estão entrelaçadas de modo explícito ou implícito ao delineamento de pesquisa e possuem implicações importantes para a validade e legitimidade do conhecimento produzido. As publicações das pesquisas qualitativas comumente trazem à luz do texto seus pressupostos ontológicos e epistemológicos como parte da reconstrução de suas condições de produção e da objetivação do conhecimento. Por outro lado, geralmente, não se observa o mesmo com as publicações derivadas da pesquisa quantitativa.
Especialmente no que diz respeito aos estudos sobre o bem-estar subjetivo dentro do panorama brasileiro, nascem algumas questões. Apesar das diferenças culturais, econômicas e sociais, as pesquisas brasileiras sobre o BES refletem o viés apontado pela literatura internacional? É possível identificar elementos epistemológicos que fundamentam essas pesquisas? Como o BES é investigado dentro do panorama nacional? Tendo em vista o exposto, o presente estudo objetiva analisar comparativamente as dimensões epistemológicas e metodológicas adotadas nas pesquisas nacionais sobre o bem-estar subjetivo, bem como avaliar de que forma esse construto é conceituado e trabalho nessas pesquisas.
Método
O presente estudo trata-se de uma revisão sistemática da literatura sobre a produção científica nacional acerca do bem-estar subjetivo.
Procedimentos
Coleta de dados
A base de dados empregada foi o Portal de Periódicos Capes a partir do descritor em língua portuguesa "bem-estar subjetivo". Os critérios de inclusão previamente definidos foram: a) período de publicação entre 2012 e 2017, b) artigos completos sobre pesquisas empíricas ou de campo, c) idioma na língua portuguesa, d) artigos publicados em periódicos revisados por pares e e) artigos disponíveis on-line e gratuitamente. Os critérios de exclusão adotados foram: a) artigos que tratavam de revisões de literatura ou discussão teórica, b) artigos relatando resultados de pesquisas realizadas com amostras de outros países e c) artigos que não abordassem o bem-estar subjetivo.
Análise de dados
Em um primeiro momento de filtragem dos resultados da busca procedeu a seleção dos artigos que cumpriam os critérios de inclusão a partir da leitura de seus títulos. O segundo momento de triagem foi realizado por meio da leitura dos resumos e palavras-chaves para identificação dos artigos de interesse. Um último momento de seleção foi realizado pela leitura integral dos artigos, avaliando-se ainda sua pertinência aos objetivos do estudo.
Resultados e Discussão
A busca na base de dados a partir do descritor "bem-estar subjetivo" resultou no número de 667 artigos. Quando selecionado o período de publicação dos estudos – 2012 a 2017, foram eliminados 257 artigos. Dos 410 estudos resultantes, 279 eram publicados na língua portuguesa e, 254 artigos disponibilizados de forma completa. Considerando os periódicos revisados por pares, o número de estudos foi reduzido para 217 artigos identificados de acordo com os critérios previamente definidos.
Após a etapa de identificação dos estudos foi realizada a leitura dos títulos dos artigos, a partir da qual foi excluído o número de 187 estudos, de acordo com os critérios de exclusão definidos na presente pesquisa: artigos repetidos (16), artigos em outras línguas (01), pesquisa bibliográfica ou documental (12), amostra composta por estrangeiros (05) e 153 artigos que não investigavam propriamente o construto do bem-estar subjetivo. Portanto, foram selecionados 29 artigos para a leitura dos resumos, dos quais 19 atenderam aos critérios de inclusão para a leitura do texto na íntegra. No entanto, feita tal leitura, somente 15 artigos foram selecionados para a realização da revisão sistemática sobre o bem-estar subjetivo. O procedimento de identificação e seleção dos artigos está demonstrado na tabela 1.
Durante o período de 2012 a 2017 foram publicados 15 artigos acerca do bem-estar subjetivo que atenderam aos critérios anteriormente citados. Observou-se uma não-linearidade em relação aos anos de publicação dos artigos, dos quais 40% foram publicados no ano de 2012, 40% das publicações concentraram-se nos anos de 2013 a 2015 e 20%, em 2016. Diante disso, pode-se afirmar que o bem-estar subjetivo é uma temática atualmente pouca investigada. A tabela 2 apresenta a lista dos artigos avaliados nessa revisão.
Aspectos quantitativos e qualitativos das pesquisas sobre o bem-estar subjetivo
Em relação aos delineamentos dos estudos apresentados, foi observada a predominância de pesquisas com abordagem quantitativa – 14 artigos, enquanto somente um estudo apresentou a abordagem qualitativa – artigo de Comasseto et al. (2013). O estudo de Comasseto et al. (2013) caracteriza a si mesmo como interpretativo e fenomenológico, sendo realizado com 14 sujeitos e utilizando como instrumento de coleta de dados a entrevista fenomenológica a partir da interpretação hermenêutica. Sampieri, Collado e Lucio (2013) colocam que as várias correntes de pensamento na ciência foram se "polarizando" no século XX em duas abordagens distintas com premissas próprias: as abordagens quantitativa e qualitativa de pesquisa.
Cada uma dessas abordagens aglutina em torno de si determinados modelos de pesquisa. O empirismo, o positivismo e o racionalismo, por exemplo, estão em torno da abordagem quantitativa, enquanto o materialismo dialético, a fenomenologia, a etnografia se agrupam no polo qualitativo da pesquisa científica. Estas abordagens se remetem a premissas diferentes. A abordagem quantitativa pressupõe:
(...) que o estudo sobre os fenômenos sociais tem de ser "científico", isto é, suscetível à aplicação do mesmo método que era utilizado com êxito nas ciências naturais. Eles [Auguste Comte e Émile Durkheim] defendiam que todas as "coisas" ou fenômenos estudados pelas ciências eram mensuráveis. (...) O enfoque qualitativo tem sua origem em outro pioneiro das ciências sociais: Max Weber (1864-1920), que introduz o termo Verstehen ou "entender", com o qual reconhece que além da descrição e medição de variáveis sociais, também é preciso considerar os significados subjetivos e a compreensão do contexto em que ocorre o fenômeno. (Sampieri et al., 2013, pp. 47)
Sete artigos não explicitaram o delineamento de pesquisa adotado no corpo do texto (Abreu et al., 2016; Baptista, Hauck Filho, & Cardoso, 2016; Fernandes, Vasconcelos-Raposo, & Fernandes, 2012; Souza, Torres, Barbosa, Lima, & Souza, 2015; Sposito, D'Elboux, Neri, & Guariento, 2013; Tomomitsu, Perracini, & Neri, 2014; Woyciekoski, Natividade, & Hutz, 2014). Outros quatro trabalhos não se definiram explicitamente como dentro de uma abordagem quantitativa e utilizaram palavras como descritivo, comparativo, clínico, primário, prospectivo, longitudinal, epidemiológico, transversal, analítico ou exploratório para caracterizar o delineamento de pesquisa adotado (Furtado et al., 2012; Lima & Morais, 2016; Rigo et al., 2015; Rocha, Porto, Inácio, Evangelista e Souza, & Tolentino, 2012), enquanto três artigos se definiram como quantitativos (Maia, Tolentino, T., Tolentino, F., & Pereira, 2012; Miranda Neto, Lima, Gomes, Santos, & Tolentino, 2012; Santos, Alves, C., Alves, M., Teles, & Fonseca, 2012).
Estes 14 estudos foram compreendidos como quantitativos, uma vez que trazem de forma separada o conhecimento produzido e suas condições subjetivas, sociais, culturais ou históricas de produção. Essa separação é marcada ao observar-se o conhecimento produzido na pesquisa ser relatado de forma mais clara e precisa possível, utilizando-se do auxílio da linguagem matemática para tal. Enquanto isso, características pessoais dos pesquisadores envolvidos, suas motivações, seu know-how, suas implicações e interesses são ignorados no texto, assim como tais aspectos nos sujeitos investigados, que não estejam diretamente vinculados ao objeto de estudo.
O processo de interpretação dos dados apresentados em cada um desses artigos passa pela análise estatística, pela comparação entre resultados observados e o referencial teórico adotado ou diante dos registros de outros estudos. Aspectos relacionados à subjetividade ou à experiência do pesquisador são omitidos. A única exceção é o trabalho de Lima e Morais (2016) que definem sua investigação como um trabalho transversal, exploratório e analítico com uma metodologia de coleta de dados baseada na Inserção Ecológica.
Esta metodologia procura favorecer a entrada do pesquisador no ambiente natural dos sujeitos pesquisados, o que se mostra bastante apropriado, pois este artigo aborda 111 crianças e adolescentes em experiência de rua. Neste trabalho foi utilizado o diário de campo para registrar as "impressões e sentimentos dos pesquisadores, descrição de ambientes, situações e trechos de fala" dos sujeitos investigados (Lima & Morais, 2016, p. 27). Este é o único entre os 14 artigos de pesquisa quantitativa que explicitamente traz questões relacionadas à subjetividade – às condições de produção da pesquisa – na descrição de seu método e na interpretação de seus resultados.
No entanto, apesar dessa característica, Lima e Morais (2016) ainda privilegiam o uso de escalas validadas, contendo questões fechadas para a coleta de dados e os testes estatísticos para análise dos resultados. Estes dois elementos – escalas e testes estatísticos – não dão espaço para aspectos não previstos inicialmente no desenho da pesquisa, tais como "impressões" ou "sentimentos".
Entre as diversas características que poderiam ser elencadas para definir as pesquisas quantitativa e qualitativa, optou-se pela relação entre o conhecimento produzido e suas condições de produção, considerando-se que a abordagem quantitativa faz uma separação entre esses dois aspectos, enquanto a abordagem qualitativa procura aproximá-los.
À medida que o texto "quantitativo" é construído, busca-se a objetividade e a precisão matemática do conhecimento, enquanto se omite as suposições do pesquisador, suas crenças, preferências ou palpites. Isso será traduzido no texto final com o emprego de uma linguagem impessoal. Essas proposições são compatíveis com a noção de uma epistemologia sem um sujeito conhecedor como propõe Popper (1975, p.116):
Devemos verificar que o estudo dos produtos [conhecimento científico] é vastamente mais importante do que o estudo da produção [condições sociais e subjetivas da produção do conhecimento científico], mesmo para uma compreensão da produção e de seus métodos. (Popper, 1975, pp. 116)
As condições de produção do conhecimento científico em suas dimensões sociológicas e psicológicas contribuem para a criação desse conhecimento. São aspectos que sinalizam qual objeto de estudo tem maior potencial para gerar respostas novas, qual técnica de investigação possibilitará mais resultados ou qual teoria poderá ser mais fértil. Isso significa que "os cientistas agem com base numa suposição ou, se preferirdes, numa crença subjetiva (pois assim podemos chamar a base subjetiva de uma ação) referente ao que é promissor de crescimento iminente no terceiro mundo do conhecimento objetivo" (Popper, 1975, p. 113).
Porém, se é inegável que aspectos subjetivos permeiam o processo criativo do pesquisador, por outro lado, o objeto dessa criação – o conhecimento científico – possui características próprias que transcendem seu vínculo com o pesquisador. A construção da tese de uma epistemologia sem um sujeito conhecedor se assenta na noção do conhecimento científico como objeto fruto da ação humana, mas autônomo, uma vez concluída essa ação. A relação entre o conhecimento científico e o pesquisador seria a mesma relação existente entre um ninho e o passarinho. Apesar do ninho ser obra do pássaro, uma vez concluído ele torna-se independe, sendo reconhecido como um ninho havendo ou não moradores nele.
Do mesmo modo, um livro continua a ser um livro – um certo tipo de produto – mesmo que nunca seja lido (como hoje facilmente pode acontecer). (...) É sua possibilidade ou potencialidade de ser entendido, seu caráter disposicional de ser compreendido ou interpretado, ou desentendido ou mal interpretado, o que faz de uma coisa um livro. E esta potencialidade ou disposição pode existir sem jamais haver sido efetivada ou realizada. (Popper, 1975, p. 117)
A autonomia do conhecimento científico em relação ao ser humano é o traço marcante que separa o conhecimento e suas condições de produção e torna irrelevante a exposição das características subjetivas do pesquisador no corpo de suas publicações. Essa posição é observada nos 14 artigos orientados pela abordagem quantitativa de pesquisa e marca uma postura epistemológica na qual o conhecimento sobre o bem-estar subjetivo – é caracterizado de modo objetivista. E isso traz outras implicações que serão explicitadas e discutidas adiante.
A medição e quantificação do bem-estar subjetivo
Acerca dos instrumentos utilizados para se mensurar o bem-estar subjetivo, verificou-se que foram usados roteiros de entrevista ou formulários estruturados, questionários e escalas validadas nos 14 artigos com abordagem quantitativa. Enquanto o estudo de Comasseto et al (2013, p. 368) utilizou-se de
Entrevistas em profundidade com inspiração fenomenológica como método principal de coleta de dados (...). Um roteiro contendo tópicos foi utilizado para guiar as entrevistas e assegurar que os temas principais fossem cobertos. Os respondentes foram encorajados a descrever suas experiências na prática de AU [agricultura urbana]. (Comasseto et al., 2013, pp. 368)
Essa escolha de Comasseto et al (2013) é feita visando compreender as experiências dos sujeitos da pesquisa, apreendendo temas complexos e trazendo à tona as vivências desses próprios sujeitos. Porém, entre os estudos investigados, essa abordagem foi a exceção representada pelo único estudo com viés qualitativo dentro do levantamento realizado.
Entre os demais artigos destacou-se o uso da Escala de Bem-Estar Subjetivo (EBES) e da Memorial University of Newfoundland Scale of Happiness (MUNSH) para a avaliação do bem-estar subjetivo, escalas estas que avaliam seus constructos – afetos positivos, afetos negativos e satisfação com a vida, conjuntamente – estudos de Miranda Neto et al. (2012); Maia et al (2012); Fernandes et al. (2012) e Baptista et al. (2016).
O BES também foi avaliado nas pesquisas a partir da mensuração dos seus elementos, separadamente, utilizando-se a Escala de Afetos Positivos e Negativos e a Escala de Satisfação com a Vida, o que foi verificado nos estudos de Furtado et al. (2012); Souza et al. (2015) e Lima e Morais (2016).
Foram verificados estudos enfocando somente na avaliação de uma das dimensões do BES – a dimensão afetiva (afeto positivo e afeto negativo) ou a cognitiva (satisfação com a vida). Em relação à pesquisa dos afetos positivos e afetos negativos, que compõe a dimensão afetiva, foi observada apenas em um estudo realizado por Rocha et al. (2012), o qual utilizou a Escala de Afetos Positivos e Negativos.
Por outro lado, 04 pesquisas investigaram somente a dimensão cognitiva do bem-estar subjetivo. Destes, o estudo de Rigo et al. (2015) usou a Escala de Satisfação com a Vida a fim de avaliar tal componente, a pesquisa de Abreu et al. (2016), a Escala de Satisfação com a Vida para Estudantes e o Índice de Satisfação por Âmbitos da Vida, e os outros dois estudos apresentaram como instrumentos, questionários sobre satisfação com a vida, sendo um composto por questões que avaliam a satisfação global com a vida, satisfação em comparação com os outros de mesma idade e satisfação relacionada a diferentes domínios da vida – estudo de Tomomitsu et al. (2014), e o outro, satisfação global com a própria vida e satisfação de vida quando comparada – utilizado na pesquisa de Sposito et al. (2013). Ainda foi verificada a utilização no estudo de Santos et al. (2012), do instrumento inquérito domiciliar, formulário que abordava diferentes dimensões, dentre as quais a autopercepção da vida.
A adoção das escalas citadas anteriormente reflete uma preocupação dos pesquisadores sobre a medição do bem-estar subjetivo, entrando-se no terreno da psicometria. Hauck Filho e Zanon (2015) apontam pelo menos dois motivos para a medição de características humanas. Primeiramente, como ferramenta metodológica para o teste empírico de modelos teóricos. Esse motivo é especialmente relevante ao lembrar-se que o modelo tripartite do bem-estar subjetivo ainda guarda pontos não esclarecidos acerca das relações que suas dimensões estabelecem entre si e com outros construtos (Hutz, 2014).
A quantificação do bem-estar subjetivo permite uma abordagem de pesquisa baseada no método hipotético-dedutivo. Nessa abordagem a construção dos modelos teóricos são confrontados por dados empíricos, que devem ser capazes de refutar ou corroborar tais modelos (Popper, 2007). Dessa forma observa-se uma evolução do estudo sobre o bem-estar subjetivo, passando do modelo inicial com duas dimensões afetivas de Bradburn (1968) para a proposição de Diener (1984) com três dimensões. Esta evolução segue até as discussões atuais acerca da relação das dimensões destes modelos entre si e com outros elementos, tais como aspectos sociobiodemográficos, culturais, personotípicos, dentre outros (Diener & Seligman, 2004; Hutz, 2014; Woyciekoski et al., 2014).
Uma segunda motivação importante para o interesse na quantificação é facilitar a reprodutibilidade da pesquisa, "uma vez que bancos de dados e análises quantitativas podem ser sempre checados por outros pesquisadores, proporcionando uma crítica mais apurada das conclusões da pesquisa" (Hauck Filho & Zanon, 2015, p. 25). Essa característica permite a comparação entre pesquisas de tal modo que delineamentos semelhantes – mesmos instrumentos de coleta, amostras retiradas da mesma população, variáveis operacionalizadas de modo similar etc. – podem chegar a resultados semelhantes e sinalizam questionamentos relevantes quando os resultados são demasiadamente discrepantes. Isso é ilustrado, por exemplo, ao se observar os estudos acerca das relações entre o bem-estar subjetivo e algumas variáveis sociobiodemográficas.
Tais estudos se remetem às primeiras pesquisas sobre o bem-estar subjetivo e "têm acumulado evidências relativas ao impacto de variáveis, como o género, a idade e a conjugalidade, no Bem-Estar Subjectivo dos indivíduos" (Galinha, 2008, p. 88). O uso de escalas para medir o bem-estar subjetivo permitiu que os pesquisadores pudessem comparar resultados, elaborar hipóteses e, especialmente, revisar os modelos teóricos adotados ou os delineamentos empregados quando se observam resultados discrepantes com a literatura.
Sujeitos estudados e a generalização dos resultados
Acerca do tratamento dado aos sujeitos da pesquisa pode-se afirmar em relação aos artigos selecionados para essa revisão da literatura, que os mesmos apresentam diversidade nas populações estudadas e no tamanho das amostras. Cinco artigos definiram sua população de interesse entre os idosos (Miranda Neto et al., 2012; Rigo et al., 2015; Santos et al., 2012; Sposito et al., 2013; Tomomitsu et al., 2014), enquanto quatro outros trabalhos lidaram com crianças e adolescentes (Abreu et al., 2016; Baptista et al., 2016; Lima & Morais, 2016; Rocha et al., 2012).
Os demais seis estudos podem ser agrupados, considerando que eles trabalharam com adultos de uma forma geral, ou ponderados separadamente cada um, pois estudaram populações adultas com aspectos em particular. Furtado et al (2012) foram em busca especificamente das mulheres em situação de vulnerabilidade social. Fernandes et al. (2012) focaram na relação entre ansiedade, motivação, autoconfiança e o BES em atletas, enquanto Souza et al (2015) exploraram a relação desse construto com a síndrome de burnout e a autoeficácia. Maia et al (2012) definiu sua população entre adultos praticantes de caminhadas – mas não considerados atletas propriamente – para explorar a relação entre BES e depressão. Woyciekoski1 et al. (2014) se utilizaram de estudantes universitários – adultos jovens – para explorar aspectos personotípicos vinculados ao BES, enquanto Comassetto et al. (2013) buscaram adultos especialistas e praticantes de agricultura urbana.
É possível sintetizar esses dados destacando-se que os artigos analisados exploraram todas as faixas etárias da população brasileira. No entanto, não se observou maior diversidade entre os sujeitos da pesquisa no que diz respeito ao desenvolvimento de trabalhos que contemplem grupos em situação de vulnerabilidade social – com exceção de Furtado et al. (2012) e Lima e Morais (2016), dois entre quinze artigos estudados.
O tamanho médio das amostras foi de 217 sujeitos com um desvio padrão de 229, o que expõe uma significativa variância no tamanho da amostragem. Os valores mínimo e máximo observados foram respectivamente de 14 e 757 sujeitos. Porém, um outro dado se mostra mais revelador: a mediana calculada foi igual à 169 sujeitos. Isso significa que metade dos artigos analisados trouxeram amostras iguais ou menores que esse valor, enquanto a outra metade dos estudos apresentou mais de 169 sujeitos em suas amostras.
O tamanho amostral médio de 229 sujeitos mostra-se um valor que pode levar a enganos, uma vez que se observa uma grande amplitude nos dados. A mediana traduz mais fielmente a realidade dos estudos analisados, mostrando que a tendência central dos artigos observados são amostras com um pouco mais de uma centena e meia de sujeitos. Esse resultado ganha sentido quando se lembra que um dos objetivos de uma pesquisa quantitativa é a generalização dos dados observados nos sujeitos investigados para a população da qual eles foram retirados, enquanto na pesquisa qualitativa não há essa pretensão (Sampieri et al., 2013).
A generalização dos resultados observados numa pesquisa quantitativa é possível graças ao teorema do limite central. "O princípio essencial subjacente ao teorema do limite central é que uma amostra grande, adequadamente escolhida, remeterá à população da qual foi retirada" (Wheelan, 2016, p. 159). Uma das conclusões possíveis a partir desse teorema é que amostras realizadas adequadamente, observando-se médias e desvio padrão, podem gerar inferências precisas acerca de sua população de origem.
Isso ocorre posto que à medida que se aumenta o tamanho da amostra, suas médias e desvio padrões tendem a se aproximarem das médias e desvios padrões da população original em uma distribuição normal. Isso é intuitivo ao imaginar-se uma amostra de 99 sujeitos retirados aleatoriamente de uma população de 100 sujeitos. Obviamente, qualquer média e desvio padrão calculado a partir desses 99 sujeitos irá deferir minimante do que seria observado incluindo-se apenas mais um indivíduo.
Uma amostra maior tem menos probabilidade de ser afetada por uma variação aleatória. Uma amostra de duas pessoas pode ser bastante distorcida se uma delas for particularmente grande ou pequena. Em contraste, uma amostra de quinhentas [pessoas] não será afetada indevidamente por algumas pessoas particularmente grandes ou pequenas. (Wheelan, 2016, p. 167).
Entretanto essa capacidade de generalização dos resultados amostrais para sua população de origem nas pesquisas quantitativas depende essencialmente da extração adequada da amostra. Essa adequação depende da possibilidade de que todos os elementos de uma dada população tenham a mesma probabilidade de serem escolhidos para participar da amostra selecionada, sendo as amostras probabilísticas e seus subtipos – estratificada e por conglomerados por exemplo – os meios mais apropriados para garantir essa adequação (Sampieri et al., 2013).
Contudo, entre os artigos analisados apenas quatro trabalhos atenderam a esse critério (Abreu et al., 2016; Maia et al., 2012; Miranda Neto et al., 2012; Rigo et al., 2015), dois trabalhos fizeram uso de amostragem aleatória simples (Santos et al., 2012; Tomomitsu et al., 2014), enquanto as nove pesquisas restantes empregaram amostragem não probabilística ou por conveniência. Entre esses nove destacam-se dois artigos. Comassetto et al. (2013) que não se propõem a generalização de seus resultados, pois trabalham com um delineamento qualitativo. E Lima e Morais (2016) que, apesar de trazerem um delineamento mais quantitativo, lidam com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social ou de rua, situação essa que traz particularidades próprias bem adversas a uma amostragem probabilística. Os outros sete trabalhos trazem um delineamento quantitativo, mas adotam uma estratégia de amostragem mais pobre, que diminui a capacidade de inferência e generalização dos resultados obtidos.
Conceituações sobre o bem-estar subjetivo e suas articulações com outros elementos
Em relação às definições de bem-estar subjetivo apresentadas nos artigos selecionados nessa revisão sistemática de literatura, foi verificado que em sete artigos é destacada a conceituação de bem-estar subjetivo enquanto avaliação acerca da própria vida a partir de elementos afetivos e cognitivos – afetos positivos, afetos negativos e satisfação com a própria vida – Rocha et al. 2012, Maia et al. 2012, Fernandes et al. (2012), Comasseto et al. (2013), Woyciekoski et al. (2014), Baptista et al. (2016) e Lima e Morais (2016).
Por sua vez, nos estudos de Santos et al. (2012) e Abreu et al. (2016) foi identificada a definição de bem-estar subjetivo como sinônimo de qualidade de vida. Já nos artigos de Sposito et al. (2013), Tomomitsu et al., (2014) e Rigo et al. (2015), não foi verificada a definição do conceito de BES, nos quais somente enfatizaram a dimensão da satisfação com a vida. Nos demais artigos – 03 estudos, observou-se definições diferenciadas de bem-estar subjetivo. Santos et al. (2012, p. 233) afirma que o bem-estar subjetivo
(...) busca compreender a avaliação que os indivíduos fazem de suas relações e experiências pessoais em relação à qualidade de vida incluindo a felicidade, afeto, interação familiar e social, desempenho profissional que influencia diretamente a avaliação do estado de saúde na velhice. (Santos et al. 2012, pp. 233)
Enquanto isso, Furtado et al. (2012) defendem também o BES como avaliação feita pelo sujeito acerca da própria vida, mas ressaltam a relevância dos estados afetivos, do funcionamento psicológico e social. Para Souza et al. (2015), que do mesmo modo consideram o bem-estar subjetivo como avaliação da própria vida, destacam dentre os seus constructos, a vitalidade subjetiva, definida pelos autores como vigor físico, mental e alerta.
Acerca da relação entre o bem-estar subjetivo e as variáveis apresentadas nos artigos incluídos nessa revisão sistemática, pode-se afirmar que seis artigos avaliaram a correlação de fatores sociobiodemográficos com o bem-estar subjetivo, verificando-se a ambivalência em relação aos resultados obtidos.
Dentre os aspectos socidobiodemográficos presentes nos artigos selecionados pode-se destacar o estado civil em três dos estudos realizados, verificando-se: a) correlação significativa entre o estado civil e o BES no estudo feito por Maia et al. (2012); b) correlação positiva do estado civil com afetos positivos e experiências positivas (Miranda Neto et al., 2012); c) relação entre o estado civil e a satisfação geral com a vida não significativa, na pesquisa realizada por Rigo et al. (2015).
O fator escolaridade foi avaliado apenas no estudo de Miranda Neto et al. (2012). Observou-se não significância na correlação com os afetos negativos, enquanto apresentou correlação negativa com as experiências negativas.
Em relação ao bem-estar subjetivo e a idade foram verificados estudos que também trouxeram dados não homogêneos. Sobre a correlação entre a idade e satisfação com a vida observou-se correlação significativa no artigo de Sposito et al. (2013), no entanto, no estudo Lima e Morais (2016) que traz como público alvo adolescentes, tal correlação apresentou-se negativa. Por sua vez, em pesquisas com idosos foi observada uma correlação positiva entre a idade e satisfação geral e específica, sendo ressaltado que em idosos a partir de 80 anos existe um maior índice de satisfação com a vida, seja geral ou em domínios específicos (Sposito et al., 2013). Vale-se destacar que nas pesquisas de Tomomitsu et al. (2014) e Rigo et al. (2015), estudos também realizados com idosos, foi verifica correlação não significativa entre os fatores supracitados.
Nos estudos verificou-se a relação entre o sexo e a satisfação com a vida geral e específica. Nas pesquisas realizadas com idosos por Sposito et al. (2013) e Rigo et al. (2015), observou-se que os sujeitos do sexo feminino apresentam maior nível de satisfação com a vida geral e específica. Já, no artigo de Lima e Morais (2016), o qual tem como público-alvo os adolescentes, constatou-se maior satisfação geral nos meninos.
No estudo de Santos et al. (2012) sobre satisfação com a vida de pessoas idosas e interações sociais e lazer, não se verificou correlação significativa entre os sexos, ou seja, homens e mulheres apresentam o mesmo índice de satisfação com a vida, o que também foi observado por Miranda Neto et al. (2012).
O fator financeiro foi abordado somente no estudo de Rigo et al. (2015), no qual é destacado uma correlação não significativa entre a renda e a satisfação com a vida. Tomomitsu et al. (2014), avaliam como não significativa a correlação entre a satisfação com a vida e os fatores sociobiodemográficos.
Nos estudos incluídos nessa revisão sistemática verificou-se a discussão acerca de variáveis relacionadas à saúde, como atividades físicas, doenças, saúde mental, dentre outros. Observou-se estudos relacionados a hábitos saudáveis, identificando-se que aspectos saudáveis da vida estão correlacionados positivamente com o bem-estar subjetivo e os constructos deste e, negativamente, com fatores associados ao adoecimento. Tais dados podem ser verificados nos estudos Rocha et al (2012), Miranda Neto et al. (2012), Maia et al. (2012), Fernandes et al. (2012), Sposito et al. (2012), Tomomitsu et al. (2014) e Rigo et al. (2015). Aspectos como o não uso de tabaco, prática esportiva e de atividade física foram avaliados como correlacionados com o bem-estar subjetivo, assim como com experiências positivas, afetos positivos e satisfação com a vida. Enquanto isso, fatores negativos relacionados à saúde bucal, doenças crônicas, insônia apresentam correlação negativa com o BES, satisfação com a vida e afetos positivos.
Vale-se ressaltar que o estudo de Rocha et al. (2012) apresenta correlação positiva da diabetes mellitus com uma das dimensões do BES, o que é explicado pelos autores considerando que "o elevado afeto positivo pode estar associado no grupo DM a um controle eficaz da doença, já que nenhum voluntário apresentava complicações ou quadros agudos no período das análises" (p. 1109).
Aspectos relacionados à saúde mental foram verificados nos estudos de Fernandes et al. (2012); Tomomitsu et al. (2014), Souza et al. (2015), Rigo et al. (2015), Baptista et al. (2016) e; Lima e Morais (2016), obtendo resultados que colaboram com os resultados relacionados à saúde. Verificou-se que aspectos negativos do funcionamento mental – estresse, eventos estressores, ansiedade e depressão, apresentam correlação negativa com o bem-estar subjetivo, como também com a satisfação com a vida, afetos positivos e vitalidade subjetiva.
Ainda em relação a aspectos subjetivos, foi observado no estudo de Woyciekoski et al. (2014) acerca da influência da personalidade e eventos da vida para o bem-estar subjetivo, que a socialização e a realização têm correlação positiva com a satisfação com a vida e afetos positivos e, a primeira – socialização, correlação negativa com afetos negativos. Enquanto isso, o neuroticismo apresenta correlação negativa com a satisfação com a vida e afetos positivos e relação positiva com afetos negativos.
Os componentes da dimensão afetiva e cognitiva do bem-estar subjetivo também foram avaliados nos estudos. Observou-se a correlação positiva entre a satisfação com a vida e afetos positivos e correlação negativa entre afetos negativos e satisfação com a vida (Baptista et al., 2016; Lima & Morais, 2016). No entanto, não foram observados estudos sobre a relação entre afetos positivos e afetos negativos.
Considerações Finais
As pesquisas sobre o bem-estar subjetivo no Brasil fazem uso de uma perspectiva epistemológica e metodológica marcadamente quantitativa. A medição do BES, a operacionalização de variáveis, a definição de relações matemáticas entre características, a exploração empírica de modelos teóricos por meio de estratégias explicativas que aliam abordagens dedutivo-nomológicas de um lado para a criação desses modelos teóricos e abordagens indutivo-estatísticas de outro lado para levantamento de evidências empíricas acerca desses modelos. Essas características em menor ou maior grau foram observadas em quase todos os estudos avaliados. Exceções foram os trabalhos que abordaram esse tema em um viés qualitativo ou minimamente misto.
Porém seria um engano interpretar isso como uma tentativa de objetificação do bem-estar subjetivo, tornando concreto algo que é intimamente subjetivo. Hauck e Zanon (2015, p. 25) lembram que "uma medida nunca tem como alvo um objeto, e sim uma propriedade de um objeto". Assim, o que se observam são tentativas de se mensurar uma propriedade da existência humana – o nível de bem-estar subjetivo de um dado sujeito, ao invés do BES em si como se fosse uma entidade por si mesma.
O que os pesquisadores estudados buscaram realizar pode ser sintetizado em três questionamentos. Qual o conjunto de características humanas que podem definir o bem-estar subjetivo? Como essas características variam de pessoa para pessoa? Como essas características se relacionam com outros aspectos da vida humana? A fertilidade com que as pesquisas passadas conseguiram trazer respostas a essas questões dá impulso para os pesquisadores atuais enxergarem as estratégias epistemológicas e metodológicas adotadas como fontes potenciais de mais respostas.
Este trabalho buscou retratar o cenário de pesquisas acerca do bem-estar subjetivo no Brasil. Desse modo esperava-se levantar questionamentos de caráter epistemológicos, metodológicos e teóricos que contribuíssem para a construção e o debate da pesquisa nacional sobre o referido tema. O trabalho do pesquisador é antes de tudo um trabalho criativo e inovador na forma de abordar novos assuntos e de vencer limitações e obstáculos sempre presentes na produção científica nacional. Assim se destaca a importância da pluralidade epistêmica, metodológica e teórica no fazer ciência. Tal diversidade parece se apresentar de forma deficiente nas pesquisas investigadas sobre o bem-estar subjetivo, evidenciando uma lacuna a ser preenchida por diferentes olhares científicos sobre este objeto de estudo.
Enquanto limitação do presente estudo destaca-se o foco limitado da produção científica nacional por meio de artigos científicos. Este foco traz um viés nas análises e conclusões aqui apresentadas, pois ignora outros meios de divulgação científica como monografias, trabalhos publicados em anais de eventos e livros. Recomenda-se, portanto, como desdobramentos futuros desta pesquisa o debruçar-se sobre outras formas de publicação científica, a fim de obter-se um retrato mais fiel da produção nacional sobre o bem-estar subjetivo.
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Endereço para correspondência
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Recebido em: 29/05/2019
Reformulado em: 15/05/2020
Aceito em: 15/06/2020
Notas
* Psicóloga na Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Mestre pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Cognição, Tecnologias e Instituições.
** Professor do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Cognição, Tecnologias e Instituições, Universidade Federal Rural do Semi-Árido.
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