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Arquivos Brasileiros de Psicologia
versão On-line ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. v.61 n.2 Rio de Janeiro ago. 2009
RELATOS DE PESQUISA
Fatores de risco e problemas de saúde mental de crianças
Risk factors and children's mental health problems
Vera Regina Röhnelt RamiresI; Daniele Simone PassariniII; Gustavo Gazzana FloresIII; Lasissa Goulart dos SantosIV
IUniversidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Rio Grande do Sul, Brasil
IIUniversidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Rio Grande do Sul, Brasil
IIIUniversidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Rio Grande do Sul, Brasil
IVUniversidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Rio Grande do Sul, Brasil
RESUMO
Os objetivos deste estudo foram descrever os problemas de saúde mental apresentados por crianças de 4 a 11 anos atendidas em uma clínica-escola e identificar fatores de risco presentes na história de vida dessas crianças, que pudessem estar associados a esses problemas. Utilizou-se a técnica de Estudos de Casos Múltiplos. Quarenta crianças foram avaliadas. Os procedimentos de coleta de dados incluíram hora de jogo, testes projetivos, psicométricos e entrevistas semiestruturadas com os pais para levantamento de anamnese. Foram identificados predominantemente quadros de depressão e de ansiedade e problemas de conduta. A esses quadros estiveram associados múltiplos fatores de risco, principalmente aqueles agrupados pela literatura no conjunto dos fatores psicossociais, exposição a maus-tratos, fatores ambientais e eventos de vida estressantes. Discutem-se as implicações desses resultados, em termos de estratégias de prevenção, intervenção e políticas públicas de saúde mental de crianças.
Palavras-chave: Crianças; Saúde mental; Psicopatologia.
ABSTRACT
The goals of this study were to describe mental health problems presented by children from 4 to 11 years old attended in a clinic-school, and to identify risk factors present in their life histories. The Multiple Cases Studies technique was used. Forty children were evaluated. The data collection procedures included interviews and psychological tests with the children, and semi-structured interviews with the parents for Anamnesis rising. Mostly depression problems, besides conduct and anxiety problems were identified. Multiple risk factors were associated, mostly psychological and social factors, have suffered violence, environmental problems and life stressing events. Theses factors were described by the literature. We argue these results implications, in terms of prevention strategies, intervention and publics policies.
Keywords: Children; Mental health; Psychopathology.
INTRODUÇÃO
Estima-se que milhões de crianças apresentando sintomas psicológicos relacionados a problemas de aprendizagem, de conduta, de depressão; a transtornos do desenvolvimento, do apego, de ansiedade; a transtornos alimentares; a abuso de substâncias, entre outros, não sejam identificadas e não recebam atendimento (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE - OMS, 2003). A longo prazo, esses transtornos podem reduzir sua capacidade durante quase um terço das suas vidas. Em termos de prevalência, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que cerca de 20% de crianças e adolescentes sofrem de algum transtorno mental. Além disto, o suicídio é a terceira causa de morte entre os adolescentes, estando associado também ao surgimento de manifestações de Depressão Maior, com efeitos ao longo da vida adulta. Outras manifestações são as condutas antissociais, delinquência e uso de drogas que podem estar associadas às manifestações na infância de agressividade e distúrbio do comportamento. Nos últimos anos, também têm sido mais frequentes os quadros de transtornos alimentares e ansiedade.
As diretrizes da OMS (2003) apontam para uma abordagem dos problemas de saúde mental na infância a partir da perspectiva da compreensão, da intervenção e da elaboração de políticas públicas para o enfrentamento da questão. Portanto, planejar intervenções visando à saúde mental da criança e do adolescente, incrementando e potencializando serviços de atendimento nesta área, analisar a complexidade das situações adversas e de risco, identificando seu reflexo nas trajetórias de desenvolvimento (individual, familiar, escolar, social e comunitária), são estratégias fundamentais tanto no âmbito de prevenção dos problemas como de intervenção. Diante dessas constatações, neste trabalho buscou-se descrever os problemas de saúde mental e os fatores de risco presentes na vida de crianças que buscaram atendimento clínico e que apresentaram algum diagnóstico positivo para tais problemas, caracterizando desta forma uma amostra da população infantil atendida na clínica-escola.
FATORES DE RISCO E SAÚDE MENTAL DE CRIANÇAS
Riscos ou adversidades são variáveis individuais, ambientais ou contextuais que aumentam a vulnerabilidade da criança para resultados negativos ao seu desenvolvimento (PESCE et al., 2004; SAPIENZA; PEDROMÔNICO, 2005). Considerados inicialmente como eventos estáticos, os fatores de risco vêm sendo cada vez mais reconhecidos como processo, sendo que o número total de fatores de risco a que uma criança for exposta, o período de tempo, o momento da exposição e o contexto são mais importantes do que, por exemplo, uma única exposição grave (BORDIN; PAULA, 2007; OLIVEIRA, 1998; PESCE et al., 2004; SAPIENZA; PEDROMÔNICO, 2005). Os limites individuais também devem ser considerados, além dos níveis de exposição. A visão subjetiva do indivíduo de determinada situação, sua percepção e interpretação do evento estressor são fundamentais para os efeitos adversos que ele poderá acarretar ou não (YUNES; SZYMANSKI, 2001).
A literatura tem descrito a resposta do indivíduo às situações de risco em termos de vulnerabilidade e resiliência (ANTONI; KOLLER, 2000; JUNQUEIRA; DESLANDES; 2003; LUTHAR, 1991; POLLETO; WAGNER; KOLLER, 2004; SAPIENZA; PEDROMÔNICO, 2005). Para Pesce et al.(2004) vulnerabilidade refere-se à predisposição do indivíduo para desenvolver alguma forma de psicopatologia ou à suscetibilidade para resultados negativos no desenvolvimento, enquanto resiliência estaria relacionada à predisposição para resistir aos fatores de risco e alcançar um desenvolvimento adequado.
Rutter (1987) salientou a importância de se considerar o equilíbrio entre os fatores de risco e os de proteção (apoio social, autoestima, supervisão familiar, entre outros). Sugeriu que o termo risco fosse tomado sob a ótica de um mecanismo, e não de um fator, tendência que se consolidou na literatura. Como as adversidades não costumam estar isoladas, uma vez que se inserem em um contexto social que envolve fatores políticos, socioeconômicos, ambientais, culturais, familiares e genéticos, deve-se considerar a sua associação interativa (BORDIN; PAULA, 2007; CARVALHO, 2002; EISENSTEIN; SOUZA, 1993; HALPERN; FIGUEIRAS, 2004; SAPIENZA; PEDROMÔNICO, 2005). Em tais casos, elas constituem-se como mecanismos de risco e potencializam a probabilidade de desfechos desenvolvimentais negativos e de problemas de saúde mental.
Os fatores de risco para problemas de saúde mental a que as crianças e adolescentes estão expostos podem ser agrupados da seguinte forma: fatores biológicos, relacionados a anormalidades do sistema nervoso central, causadas por lesões, infecções, desnutrição ou exposição a toxinas; fatores genéticos, relacionados à história familiar de depressão, esquizofrenia, por exemplo; fatores psicossociais, relacionados a disfunções na vida familiar, discórdia conjugal, psicopatologia materna, criminalidade paterna, falta de laços afetivos entre pais e filhos; eventos de vida estressantes, relacionados à morte ou à separação dos pais, entre outros; exposição a maus-tratos (abuso físico e sexual, por exemplo); e fatores ambientais, relacionados a comunidades desorganizadas (BORDIN; PAULA, 2007; UNITED STATES DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 1999).
O nível socioeconômico baixo pode estar associado a problemas de saúde mental. A combinação de baixa renda, analfabetismo, desemprego, más condições de moradia e acesso limitado à saúde e à educação aumentam esse risco (BENVEGNU et al., 2005; BORDIN; PAULA, 2007; FLEITLICH; GOODMAN, 2001; PAULA; DUARTE; BORDIN, 2007; VITOLO et al., 2005). Os autores salientam que a pobreza parece estar associada a inúmeras condições adversas e à maior exposição a fatores de estresse.
OS PROBLEMAS DE SAÚDE MENTAL DE CRIANÇAS E O PAPEL DAS CLÍNICAS-ESCOLA
Uma referência recorrente na literatura especializada é a alta demanda infantil aos serviços de saúde mental na rede pública e nos programas oferecidos pelas clínicas-escola. As Clínicas- Escola de Psicologia têm como finalidade básica possibilitar um campo de prática profissional desenvolvendo uma formação em consonância com as novas realidades e demandas sociais, políticas e culturais (PERES; SANTOS; COELHO, 2004; LÖHR; SILVARES, 2006). Ao mesmo tempo, essas instituições exercem um papel social de extrema relevância, pois oferecem à população economicamente desfavorecida uma possibilidade de acesso a serviços psicológicos gratuitos ou de baixo custo.
Apesar disso, como mostram Boarini e Borges (1998), são escassos os estudos ou pesquisas dedicados a identificar as tendências epidemiológicas relativas a essa população no Brasil. Isso ocorre em um cenário no qual se constata que novas psicopatologias vêm surgindo na clínica psicológica, indicando a necessidade premente de repensar teorias e práticas. Retomar a experiência emocional humana, como uma questão clínica fundamental, evitará o equívoco de teorizações ultrapassadas e descontextualizadas e também a utilização de modalidades de intervenção que já não atendem às necessidades emergentes, conforme demonstrou Vaisberg (2001).
Um dos raros estudos realizados no Brasil, e considerado uma referência epidemiológica por contemplar uma amostra representativa da população e a formulação de uma metodologia adaptada à realidade brasileira, foi realizado por Almeida Filho (1982). Esse estudo apontou que a prevalência das desordens emocionais na infância é estimada em 23,2%, sendo que desse valor 10% são considerados casos moderados e severos, necessitando de assistência especializada, e 13,2% são considerados casos leves ou duvidosos, dispensando essa assistência. Mais recentemente, estudos populacionais realizados no Brasil baseados em amostras probabilísticas e utilizando instrumentos de rastreamento padronizados têm encontrado uma prevalência dos problemas de saúde mental que varia de 13,5% a 35,2% quando os informantes são os pais, e de 7% a 12,7%, quando a análise é baseada em instrumentos diagnósticos (BENVEGNÚ et al., 2005; BORDIN et al., 2006; CURY; GOLFETO, 2003; FLEITLICH; GOODMAN, 2001; 2004; GOODMAN et al., 2005; PAULA; DUARTE; BORDIN, 2007).
Vários estudos têm sido empreendidos tomando como objeto as clínicas-escola que, como já vimos, ocupam um importante espaço no cenário da saúde mental de crianças e adolescentes. A maioria dos estudos focaliza a caracterização da clientela (BARBOSA, 1992; ENÉAS; FALEIROS; SÁ, 2000; LOUZADA, 2003; ROMARO; CAPITÃO, 2003), alguns se dedicam à descrição dos serviços oferecidos (CAMPEZZATO; NUNES, 2007; GAUY; GUIMARÃES, 2006; MITO, 2001; SILVARES, 2000; YAMAMOTO, 1997) e outros focam a população adulta atendida nas clínicas-escola (ENÉAS; FALEIROS; SÁ, 2000; PERES; SANTOS; COELHO, 2004) ou o abandono da psicoterapia (LHULLIER et al., 2000).
No que diz respeito à clientela infantil, diversos estudos reportam algumas características similares: maior frequência de crianças em idade escolar (6 a 10 anos) e predomínio de queixas relacionadas aos problemas de aprendizagem e/ou distúrbios do comportamento (BARBOSA, 1992; CAMPEZATTO, 2005; LOUZADA, 2003; MELO; PERFEITO, 2006; ROMARO; CAPITÃO, 2003; SILVARES et al., 2006). Ferreira et al. (2002) chegaram a conclusões similares sobre os adolescentes.
Silvares et al. (2006) desenvolveram um estudo que buscou caracterizar a clientela de cinco clínicas-escola brasileiras, com base no Inventário de Comportamentos da Infância e da Adolescência (em inglês, Child Behavior Checklist (CBCL)), criada por Achenbach (1991). Os resultados obtidos confirmaram as constatações identificadas na literatura pelas autoras: procuraram as clínicas-escola estudadas mais meninos do que meninas, a maioria entre 8 e 9 anos, havendo uma predominância de queixas relacionadas ao desempenho escolar.
O perfil da clientela, nos estudos revistos, costuma ficar limitado aos dados sociodemográficos como idade, sexo, escolaridade e motivo da consulta. O diagnóstico ou hipótese em geral não é abordado, nem tampouco o contexto da criança e o encaminhamento dado.
Entretanto, para o presente estudo, os objetivos foram descrever os problemas de saúde mental apresentados por crianças de 4 a 11 anos atendidas em uma clínica-escola, e identificar os fatores de risco presentes na história de vida dessas crianças que pudessem estar associados a esses problemas. A saúde mental de crianças e de adolescentes tornou-se uma questão prioritária nas diretrizes da OMS (2003) em função da desigualdade da atenção dedicada ao problema nesta faixa etária, quando comparada à atenção dedicada ao adulto e ao idoso. A falta de reconhecimento da importância da saúde mental na infância e na adolescência pode acarretar consequências negativas no transcurso do desenvolvimento, afetando a capacidade produtiva e a inserção social desses indivíduos quando adultos e refletindo no nível social e econômico das coletividades.
Método
Foi realizado um estudo descritivo (adotando-se o procedimento de Estudos de Casos Múltiplos (YIN, 2005)) o qual foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade ao qual está vinculada a clínica-escola, e obteve aprovação. Os participantes foram informados sobre a pesquisa e concordaram em participar, e os pais ou responsáveis pelas crianças assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Participantes
Participaram do estudo 40 crianças entre 4 e 11 anos de idade e seus pais. Esses 40 casos participantes representaram 20% dos novos casos entre 4 e 11 anos que procuraram a clínica-escola no ano de realização do estudo. O critério de seleção dos participantes, além da faixa etária, seguiu a técnica da amostragem sistemática (variação da amostragem aleatória simples), sendo que uma a cada cinco crianças que buscava a clínica era convidada a participar da pesquisa, do início ao final do ano (GIL, 2002). A pesquisa focalizou o período inicial de atendimento, caracterizado como avaliação psicológica, até a realização de algum encaminhamento ou o início de alguma forma de intervenção propriamente dita (psicoterapia individual, familiar ou em grupo).
Procedimentos
Os estudos de casos foram realizados por dois psicoterapeutas em formação, treinados no atendimento e avaliação psicológica de crianças. Eles foram supervisionados semanalmente pela orientadora e coordenadora da pesquisa. Para avaliação das condições de saúde mental das crianças foram utilizados os seguintes procedimentos com os pais ou responsáveis: 1) entrevistas para levantamento de anamnese - história de vida e história clínica; 2) Child Behavior Checklist(CBCL, em português Inventário de Comportamentos da Infância e da Adolescência), de Achenbach (1991), adaptado no Brasil por Bordin, Mari, e Caeiro (1995); 3) Questionário MOS para Medidas de Rede e Apoio Social, adaptado para o Brasil por Chor et al. (2001), com o objetivo de avaliar a rede e o apoio social que os pais ou responsáveis dispõem.
Com as crianças os procedimentos foram: 1) Hora de Jogo; 2) House-Tree-Person, (BUCK, 2003); 3) Teste do Desenho da Família (CORMAN, 2003); 4) Escala de Inteligência Wechsler para Crianças (em inglês, Weschler Inteligence Scale for Children (WISC-III)) (FIGUEIREDO, 2002). O WISC-III foi utilizado com as crianças a partir de 6 anos de idade.
Realizaram-se entrevistas de devolução com os pais ou responsáveis e com as crianças no final do processo. Todas as entrevistas foram relatadas de forma dialogada e descritiva, contemplando a linguagem e o comportamento não verbal dos participantes. Sua realização ocorreu de forma flexível, seguindo o ritmo dos pais e das crianças, utilizando-se o número necessário de entrevistas para a realização da hora de jogo, do levantamento da história clínica junto aos pais, e das entrevistas para realização dos testes. Em média, ocorreram de 8 a 10 entrevistas para cada caso participante da pesquisa.
Resultados e discussão
Participaram do estudo 27 meninos e 13 meninas. A Tabela 1 apresenta suas idades:
Observa-se que houve uma participação significativa de crianças em idade pré-escolar - 4 e 5 anos (30% das crianças participantes) -, o que não corresponde totalmente à literatura, que aponta o predomínio de crianças em idade escolar, nos primeiros anos do Ensino Fundamental, na clientela das clínicas-escola (BARBOSA, 1992; CAMPEZATTO, 2005; FERREIRA et al., 2002; LOUZADA, 2003; MELO; PERFEITO, 2006; ROMARO; CAPITÃO, 2003; SILVARES et al., 2006). Ainda que a faixa etária dos primeiros anos escolares tenha sido maior (40% de crianças de 6 a 8 anos), houve certo equilíbrio nas demais faixas (4 e 5 anos e 9 a 11 anos, ambas com 30% de participantes).
A Tabela 2 apresenta os motivos da procura por atendimento para essas crianças:
Constata-se que neste estudo as queixas relacionadas aos problemas de aprendizagem apareceram somente em terceiro lugar, após as queixas de problemas de comportamento, relacionadas às manifestações externalizantes, e também após as manifestações internalizantes, como medos, ansiedades e crises de choro. Duas crianças haviam sido encaminhadas pelo Juizado da Infância e da Juventude, por causa de problemas de violência doméstica. Uma criança buscou atendimento em virtude de conflitos familiares e duas por apresentarem atrasos significativos no seu desenvolvimento. Houve um caso em que a gagueira foi referida como motivo para a busca de atendimento.
Na Tabela 3 é descrita a renda familiar das crianças participantes do estudo.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sinaliza que o percentual de famílias consideradas pobres, que são aquelas com rendimento mensal per capita de até meio salário mínimo, era de 25,1% em relação ao total de famílias brasileiras, em 2006 (Síntese de Indicadores Sociais, 2007). Observa-se que quase metade das crianças deste estudo encontrava-se nessa situação, uma vez que, em geral, viviam nas suas famílias mais de quatro pessoas. Como vimos, a baixa renda, que costuma vir associada a fatores tais como desemprego, analfabetismo, acesso limitado à saúde e à educação, aumenta o risco para os problemas de saúde mental, por causa das condições de vida adversas e da maior exposição a fatores de estresse (BENVEGNU et al., 2005; BORDIN; PAULA, 2007; FLEITLICH; GOODMAN, 2001; PAULA et al., 2006; VITOLO et al., 2005). Isso se refletiu nos problemas de saúde mental apresentados pelas crianças participantes desse estudo, como veremos adiante.
Quanto à configuração familiar, onze crianças viviam com os pais biológicos em primeira união, no período em que foram entrevistadas. Vinte e nove crianças viviam em configurações familiares distintas do modelo de família nuclear em primeira união, e haviam experimentado alguma forma de transição familiar: separação dos pais, novas uniões dos pais, morte do pai.
Pela Medida de Rede e Apoio Social (Medical Outcome Study (MOS)) foi avaliada a rede social do principal cuidador das crianças participantes, geralmente a mãe, e também o apoio social com o qual as mães podiam contar. O apoio social diz respeito não somente ao apoio material (provisão de recursos práticos e ajuda material), mas também ao apoio emocional (expressões de afeto positivo, compreensão e sentimentos de confiança), à interação social positiva (disponibilidade de pessoas para se divertir e relaxar), e à informação (disponibilidade de pessoas para obtenção de conselhos ou orientações), segundo Chor et al. (2001) e Griep et al. (2003). Verificou-se que 25% das mães ou principais cuidadores das crianças avaliadas, de acordo com a sua própria percepção, não contavam com nenhuma rede nem apoio social. Dezoito mães (45%) percebiam um apoio social apenas moderado e doze (30% dos casos) consideravam que contavam com todo o apoio social de que necessitavam. De acordo com a literatura, o apoio social constitui-se como um fator de proteção para os problemas de saúde mental (RUTTER, 1987).
Trinta e duas crianças participantes do estudo situaram-se em uma faixa clínica de ''Problemas Totais'' de acordo com o CBCL, e três crianças em uma faixa limítrofe. Trinta e duas crianças apresentaram ''Problemas Internalizantes'' (ansiedade/depressão, isolamento e queixas somáticas) de acordo com esse Inventário, e duas situaram-se na faixa limítrofe. Vinte e cinco crianças avaliadas também apresentaram ''Problemas Externalizantes'' (quebrar regras e comportamento agressivo), e duas crianças situaram-se na faixa limítrofe nas escalas correspondentes. Quanto à competência social, que é avaliada pelo CBCL para as crianças de 6 a 11 anos, constatou-se que das 28 crianças participantes dessa faixa etária, 10 tiveram escores clínicos na subescala de atividades, enquanto seis ficaram em uma faixa limítrofe. Na subescala do desempenho escolar, apenas cinco crianças ficaram na faixa clínica, e duas na limítrofe. Quanto à área social, três crianças tiveram escores na faixa clínica e cinco na limítrofe. Portanto, 35 dos pais ou principais cuidadores dos participantes desse estudo perceberam alguma dificuldade nas suas crianças, uma vez que foram eles os respondentes desse instrumento.
Foi possível identificar, em 80,75% das crianças avaliadas nessa dimensão, um nível de inteligência médio ou acima da média. Das 28 crianças com idade acima de 6 anos, 26 tiveram condições de realizar o WISC, em todos os seus subtestes. Destas, apenas cinco obtiveram escores abaixo da média, o que indica, de modo geral, boas condições cognitivas na maioria das crianças avaliadas.
Utilizou-se o sistema multiaxial do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1995) para sintetizar os resultados obtidos pela avaliação das crianças participantes. Esse sistema permite abranger diversos eixos (cada um relativo a um domínio diferente de informações) capazes de auxiliar no planejamento da intervenção mais adequada para cada caso. As crianças foram avaliadas no Eixo I (Transtornos Clínicos), no Eixo II (Transtornos da Personalidade/Retardo Mental), no Eixo III (Condições Médicas Gerais) e no Eixo IV (Problemas Psicossociais e Ambientais). A Tabela 4 sintetiza os diagnósticos do Eixo I:
O grupo de Transtornos de Déficit de Atenção e do Comportamento Disruptivo incluiu o Transtorno por Déficit de Atenção e Hiperatividade (Tipo Hiperativo-Impulsivo nas crianças de 4 a 8 anos, sendo que nas de 9 a 11 anos predominou o Tipo Combinado-Desatento), o Transtorno Desafiador Opositivo, o Transtorno de Conduta (Tipo com Início na Infância) e o Comportamento Antissocial. Já no grupo dos Transtornos Depressivos a maior parte das hipóteses diagnósticas foi de Transtorno Distímico (em onze casos, em todas as faixas etárias), seguido pelo Transtorno Depressivo Maior em dois casos e ''Características Depressivas'' em um. No grupo dos Transtornos de Ansiedade encontrou-se Transtorno de Ansiedade de Separação (cinco casos), Transtorno de Ansiedade Generalizada (três casos), Fobias (em dois casos) e Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Os Maus-Tratos inserem-se na categoria das ''Outras Condições que Podem Ser um Foco de Atenção Clínica'', também pertencente ao Eixo I. Nesse estudo incluiu Negligência (em três casos) e Abuso Físico (em dois). Os Transtornos da Comunicação incluíram dois casos com hipótese de Transtorno Fonológico, e dois casos de Tartamudez. Os três casos diagnosticados como Transtornos de Aprendizagem situavam-se na faixa dos 6 aos 8 anos de idade, sendo duas hipóteses de Transtornos de Leitura e uma de Transtorno da Matemática. Os Transtornos da Excreção estavam relacionados à Encoprese.
No Eixo II foram formuladas hipóteses de Transtorno de Personalidade em dois casos (um Esquiva e um Esquizotípica), e de Retardo Mental em três casos, dois dos quais não conseguiram realizar os subtestes do WISC-III. No Eixo III identificaram-se cinco hipóteses de Doenças do Sistema Nervoso Central, duas de Doenças Nutricionais (Obesidade) e uma de Doenças Infecciosas e Parasitárias.
Trinta e cinco crianças, das 40 participantes, tiveram diagnóstico positivo no Eixo IV, relacionado aos problemas Psicossociais e Ambientais. A Tabela 5 sintetiza esse dado:
Como a Tabela 5 evidencia, 87,5% das crianças participantes desse estudo enfrentam problemas relacionados ao grupo de apoio primário. Esses problemas incluíram: separação dos pais, ausência ou distanciamento do pai, morte de familiar próximo, novo casamento da mãe e/ou do pai, gravidez na adolescência dos pais, problemas de saúde mental dos pais, violência familiar negligência, abuso físico, maus-tratos, violência física entre os pais, disciplina inadequada (DSM-IV, AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1995). Os problemas relacionados à interação com o sistema legal envolviam prisão de familiar, litígio familiar (disputa pela guarda da criança) e intervenção do Conselho Tutelar por maus-tratos da criança. Os demais problemas diziam respeito à falta total de apoio social, ambiente escolar inadequado, crianças que ficavam muito tempo sem frequentar a escola e acesso limitado ou inadequado aos serviços de saúde (crianças com hipóteses de Transtorno Autista que aos 5 e aos 7 anos ainda não haviam sido diagnosticadas).
Constata-se que todos os participantes do estudo tiveram pelo menos uma hipótese diagnóstica positiva no Eixo I. O CBCL situou na faixa clínica 32 das crianças avaliadas e 3 na faixa limítrofe, o que evidencia uma concordância bastante próxima. Tal fato não é surpreendente, uma vez que o grupo avaliado foi referido a uma clínica de atendimento psicológico, justamente por apresentar alguma dificuldade ou sofrimento.
O número significativo de crianças cujas hipóteses diagnósticas situaram-se no grupo dos Transtornos Depressivos difere da literatura, que aponta para uma prevalência de Problemas de Aprendizagem na população das clínicas-escola (BARBOSA, 1992; CAMPEZATTO, 2005; LOUZADA, 2003; MELO; PERFEITO, 2006; ROMARO; CAPITÃO, 2003; SILVARES et al., 2006). Essa diferença torna-se ainda mais marcante se considerarmos que a compreensão psicodinâmica dos Transtornos de Déficit de Atenção e os do Comportamento (também bastante frequentes neste estudo), em muitos casos, aponta para características depressivas subjacentes.
Diferentemente do que é apontado em relação à população atendida em clínicas-escola (salientando-se a prevalência dos problemas de aprendizagem), a literatura vem reconhecendo a importância e a presença dos quadros depressivos na infância (BAHLS, 2002; BAHLS; BAHLS, 2003; BANDIN; SOUGEY; CARVALHO, 1995; CALDERARO; CARVALHO, 2005; CRUVINEL; BORUCHOVITCH, 2003; DUTRA, 2001; FENSTERSEIFER; WERLANG, 2003). A relevância desse reconhecimento é evidente se considerarmos a necessidade de intervenção adequada e de prevenção da cronificação e de problemas posteriores.
Fu I, Curatolo e Friedrich (2000) assinalaram que o Transtorno Distímico é visto como uma depressão crônica, na qual os pacientes apresentam diversos sintomas depressivos de pouca intensidade, se comparada com a Depressão Maior. Foi o quadro mais comum em nosso estudo, no grupo dos Transtornos Depressivos, e caracteriza-se pelo humor deprimido ou irritável (sendo o humor irritável o mais comum nas crianças), e pelo menos dois dos seguintes sintomas: apetite aumentado ou diminuído, sono aumentado ou diminuído, fadiga, baixa autoestima, dificuldade de concentração e sentimentos de desesperança. Para se levantar essa hipótese diagnóstica, os sintomas devem causar sofrimento intenso ou prejuízos em áreas como a interação social ou o rendimento escolar da criança. Sintomas de ansiedade aparecem concomitantemente aos quadros depressivos na infância, o que este estudo corrobora.
Todas as crianças participantes que tiveram hipótese de Transtorno Depressivo apresentaram também diagnóstico positivo no Eixo IV, dos Problemas Psicossociais e Ambientais, principalmente Problemas com o Grupo de Apoio Primário. Em todos esses casos havia relato na história familiar de separação dos pais, em alguns casos morte do pai ou do padrasto, ou então afastamento e distanciamento do mesmo, práticas educativas inadequadas (disciplina muito rígida ou superproteção da mãe), negligência, abuso físico. Violência física na família, problemas econômicos, discórdias entre os pais e problema de saúde mental nas mães também foram fatores identificados nos casos das crianças com esse diagnóstico. Esses fatores de risco foram descritos na literatura no grupo dos ''Fatores psicossociais'', no grupo da ''Exposição a maus-tratos'' e no grupo dos ''Eventos de vida estressantes'', como vimos acima (BORDIN; PAULA, 2007; UNITED STATES DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 1999).
Nas crianças cuja hipótese diagnóstica situou-se no grupo dos Transtornos de Déficit de Atenção e do Comportamento Disruptivo também esteve associado diagnóstico positivo no Eixo IV do DSM-IV. Os fatores de risco mais frequentes nesses casos foram separação dos pais, morte de familiar próximo, depressão do pai ou da mãe, abandono ou distanciamento do pai. Esses fatores incluem-se principalmente no grupo dos ''Eventos de vida estressantes''.
No grupo diagnosticado na categoria dos Transtornos de Ansiedade, a associação dessa hipótese aos fatores de risco se mostrou menos evidente. Dos onze casos incluídos nessa categoria, em apenas três foi possível identificar a ocorrência da separação dos pais na história das crianças, fator de risco vinculado ao grupo dos Eventos de vida estressantes (BORDIN; PAULA, 2007). Desta forma, nos quadros de ansiedade identificados, constatou-se uma interação menos intensa dos fatores de risco associados ao Eixo IV. Aspectos que se salientaram nas histórias dessas crianças estavam relacionados ao nascimento de irmãos, segredo familiar, separação dos pais com nível de conflito moderado ou baixo e características fóbicas dos pais. Possivelmente, tais aspectos contribuíram para os quadros de ansiedade das crianças, mas não se constituíram como mecanismos de risco que implicassem quadros como Depressão ou Transtornos de Conduta, como se constatou em outros casos.
Houve um predomínio, nos casos deste estudo, dos fatores de risco psicossociais, combinados com os eventos de vida estressantes e exposição a maus-tratos. Além disso, a interação entre vários fatores de risco é que contribuiu para a maior vulnerabilidade dessas crianças, além da ausência ou limitação de fatores de proteção como apoio social, autoestima, supervisão familiar. A separação dos pais (experiência presente na vida de todas as crianças com hipótese de Transtorno Distímico) por si só não seria determinante dessas dificuldades. Em associação interativa com outros fatores de risco é que potencializou os problemas identificados (BORDIN; PAULA, 2007; CARVALHO, 2002; EISENSTEIN; SOUZA, 1993; HALPERN; FIGUEIRAS, 2004; SAPIENZA; PEDROMÔNICO, 2005).
Os problemas manifestados na área da conduta também foram significativos neste estudo. Bordin e Offord (2000) assinalaram a sua frequência nas crianças, bem como a associação com o Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Esses autores destacaram os fatores de risco para esses transtornos: ser do sexo masculino, receber cuidados maternos e paternos inadequados, viver em meio à discórdia conjugal, comportamento agressivo e violento por parte dos pais, ter mães com problemas de saúde mental, residir em áreas urbanas de baixo nível socioeconômico. Todos esses fatores estiveram presentes na experiência das crianças participantes de nosso estudo que tiveram essa hipótese diagnóstica.
A rede de apoio social, que poderia funcionar como um fator de proteção, foi considerada plenamente satisfatória por apenas 12 mães ou principais cuidadores das crianças participantes. Nos outros 28 casos, havia uma rede de apoio social moderada ou nenhum apoio social, como foi descrito. Por outro lado, os fatores de risco identificados (que implicavam discórdia conjugal ou disfunções na vida familiar, eventos estressantes, negligência, maus-tratos) possivelmente dificultavam uma supervisão familiar adequada, que também funciona como fator de proteção, além da autoestima da criança.
Deve-se salientar que as hipóteses diagnósticas aqui levantadas descrevem sintomas e dificuldades identificadas nos participantes do estudo as quais, nem de longe, esgotam a complexidade das suas trajetórias. Uma compreensão aprofundada da experiência de cada criança é necessária, contemplando os aspectos psicodinâmicos, os interacionais, os contextuais. É importante levar em conta o número total de fatores de risco a que uma criança foi exposta, o período, o grau da exposição, os limites individuais, sua resiliência, seu ambiente familiar, o contexto mais amplo. Todos esses fatores não são eventos estáticos, constituem-se como um processo, como evidencia a literatura revista (BORDIN; PAULA, 2007; OLIVEIRA, 1998; PESCE et al., 2004; RUTTER, 1987; SAPIENZA; PEDROMÔNICO, 2005; YUNES; SZYMANSKI, 2001).
A análise de cada caso em particular, impossível de ser descrita com detalhes neste espaço, indicou que grande parte dessas crianças esteve exposta a múltiplos fatores de risco, indicou uma fragilidade importante dos vínculos afetivos estabelecidos com as figuras principais das suas vidas, o que acarreta uma vulnerabilidade muito grande. Essa fragilização dos vínculos tem uma dimensão transgeracional: seus pais ou principais cuidadores vêm de trajetórias de vida igualmente marcadas por essa precariedade e pela exposição a múltiplos fatores de risco e eventos de vida estressantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diferentemente do que tem sido descrito na literatura acerca da população infantil atendida pelas clínicas-escola de Psicologia, neste estudo identificaram-se problemas de saúde mental nas crianças avaliadas principalmente em três grandes grupos: os problemas de Comportamento e/ou de Déficit de Atenção, os problemas ligados ao grupo das Depressões e ao grupo dos Transtornos de Ansiedade. Os problemas de aprendizagem constituíram a hipótese diagnóstica principal em apenas três casos. Um dos fatores que pode ter contribuído para isso é que 30% dos participantes deste estudo eram pré-escolares (crianças com 4 e 5 anos de idade). Os mecanismos de risco identificados, que repercutiam sobre os relacionamentos familiares e muitas vezes implicavam perdas ou afastamento das figuras parentais, também podem ter contribuído para as manifestações internalizantes, como depressões e quadros de ansiedade, ou para as manifestações externalizantes, como o comportamento disuptivo ou hiperativo. Houve, portanto, uma associação entre alguns dos fatores de risco descritos pela literatura e os problemas de saúde mental encontrados nos estudos de caso desta investigação.
A realização dos Estudos de Casos Múltiplos revelou-se como uma técnica extremamente rica e útil para a investigação das condições de saúde mental das crianças participantes, permitindo uma compreensão aprofundada e contextualizada das mesmas. Essa técnica permite ir além da mera descrição do perfil da clientela das clínicas-escola, e possibilita uma aproximação maior da realidade dessa clientela que pode ser muito importante na reflexão sobre as alternativas de intervenção e prevenção dos seus problemas de saúde mental.
Os problemas de Comportamento e/ou de Déficit de Atenção, os problemas ligados ao grupo das Depressões e ao grupo dos Transtornos de Ansiedade identificados neste estudo sinalizam para uma mudança na caracterização da população infantil atendida pelas clínicas-escola, de acordo com o que descreve a literatura a respeito. Vaisberg (2001) assinalou a importância de identificar as necessidades emergentes na clínica psicológica, repensando-se teorias e práticas, evitando-se a utilização de intervenções que não mais atendem a essas necessidades.
Além disso, a associação identificada neste estudo entre os quadros de depressão e os fatores de risco psicossociais, a exposição aos maus-tratos e aos eventos de vida estressantes, a associação entre os quadros ligados aos problemas de conduta e os eventos de vida estressantes e a ausência de associação significativa entre os quadros de ansiedade e os problemas psicossociais e ambientais apontam algumas direções para futuros estudos. Tais investigações poderão avançar na compreensão acerca de como esses fatores de risco interatuam e contribuem para o desencadeamento desses quadros. O que pode ser relevante para o aprimoramento de abordagens psicoterápicas, de programas de prevenção e de formulação de políticas públicas adequadas para essa população.
Os estudos de casos realizados em nossa investigação e o reconhecimento da realidade dessas crianças nos levaram a questionar até que ponto as políticas públicas de saúde mental voltadas para essa população são adequadas. Embora possamos contar em nosso país com uma legislação na área da Saúde e dos direitos da criança e do adolescente que pode ser considerada avançada, a materialização desses direitos não está garantida. A articulação das ações na área da Educação, da Saúde e das ações sociais parece não acontecer suficientemente. Essas crianças crescem com carências e dificuldades importantes que muitas vezes não são, sequer, identificadas, quanto mais trabalhadas.
Por outro lado, não podemos deixar de reconhecer seus recursos e capacidades de enfrentamento e superação dessas adversidades, seu potencial de saúde. Mas também não podemos considerar que essa seria uma responsabilidade apenas individual, isentando os governos, a sociedade, os profissionais envolvidos nessas redes e nós, pesquisadores, dos nossos papéis e compromissos com essas questões. Estratégias em várias direções são necessárias: sensibilização dos governos e da sociedade que resulte em ações concretas, abrangentes e permanentes de atenção precoce em saúde mental, tanto em âmbito individual, familiar e comunitário; potencialização do papel da escola na prevenção, identificação das situações de risco e de suporte em saúde mental; investimento na capacitação dos profissionais da rede de Educação, Saúde e ação social para diagnósticos adequados nos diferentes âmbitos de atenção; estímulo e facilitação do desenvolvimento de redes de apoio nas comunidades.
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Endereço para correspondência:
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Recebido em: 27/06/2008
Aprovado em: 08/04/2009
Revisado em: 23/01/2009