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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. vol.28 no.1 Goiânia jan./abr. 2022

https://doi.org/10.18065/2022v28n1.11 

ESTUDOS TEÓRICOS OU HISTÓRICOS

 

Relevância nas fenomenologias de Gurwitsch e Schütz: contornos de um problema

 

Relevance in Gurwisch's and Schütz's phenomenologies: contours of a problem

 

relevancia en las fenomenologías de Gurwitsch y de Schütz: bosquejo de una problemática

 

 

Hernani Pereira dos SantosI; Danilo Saretta VeríssimoII

IDoutor em Psicologia pelo programa de Pós-graduação (PPG) em Psicologia da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Campus Assis (UNESP/Assis). Mestre em Psicologia pelo PPG da UNESP/Assis. Possui Graduação em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina. Atualmente é Professor Assistente na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Campus Londrina. Email: hernani.santos@pucpr.br
IILivre-docente em História e Filosofia da Psicologia (2019). Sob regime de co-tutela, doutorou-se em psicologia pela Universidade de São Paulo (2009/USP) e em filosofia pela Université Jean Moulin - Lyon III, França (2009). Possui formação de psicólogo (2000), bacharelado (2000) e mestrado em psicologia (2005) pela USP. É Professor Associado da Universidade Estadual Paulista - UNESP, lotado no Departamento de Psicologia Social da Faculdade de Ciências e Letras de Assis. Email: danilo.verissimo@gmail.com

 

 


RESUMO

O objetivo, neste trabalho, é analisar as principais diferenças e pontos de complementaridade entre as perspectivas de Aron Gurwitsch e de Alfred Schütz a respeito do problema da relevância e de suas implicações para o quadro geral de uma teoria fenomenológica da atenção. O conceito de relevância diz respeito, ao mesmo tempo, à questão sobre como, na experiência, um determinado objeto de percepção aparece destacando-se de um fundo indiferenciado e como isto está conectado às experiências pessoais de um sujeito e à sua maneira particular de se engajar no mundo. Autores como Aron Gurwitsch e Alfred Schütz propuseram uma leitura fenomenológica deste problema. No conjunto da obra destes autores, o fenômeno da relevância, além de implicar uma análise fenomenológica do fenômeno da atenção, conduz, também, a uma análise fenomenológica do mundo da vida e, em especial, das esferas ou ordens de existência que o compõem. Conclui-se que a fenomenologia de Schütz permite uma ampliação da consideração fenomenológico-transcendental de Gurwitsch sobre o campo de consciência e coloca, assim, a teoria do campo de consciência sob a perspectiva de uma psicologia social de cunho fenomenológico. Esta psicologia pode indicar caminhos para uma análise dos fenômenos atencionais na sociedade contemporânea.

Palavras-chave: Atenção; Cognição; Fenomenologia; Percepção; Psicologia Social.


ABSTRACT

The aim of this paper is to analyze the main differences and complementarities between the perspectives of Aron Gurwitsch and Alfred Schütz regarding the relevance problem and its contributions for the general framework of a phenomenological theory of attention. The concept of relevance concerns, at the same time, the question of how, in experience, a given object of perception appears as standing out from an undifferentiated background and how this is connected to the personal experiences of a subject and to his particular way of being engaged with the world. Authors like Aron Gurwitsch and Alfred Schütz proposed a phenomenological reading of this problem. In the works of these authors, in addition to implying a phenomenological analysis of the phenomenon of attention, the phenomenon of relevance also leads to a phenomenological analysis of the lifeworld and, in particular, of the spheres or orders of existence that compose it. We conclude that Schütz's phenomenology allows an extension of Gurwitsch's phenomenological-transcendental consideration of the field of consciousness and thus places the theory of the field of consciousness in the lens of a phenomenological social psychology. This psychology can indicate paths for an analysis of attentional phenomena in contemporary society.

Keywords: Attention; Cognition; Phenomenology; Perception; Social Psychology.


RESUMEN

El objetivo de este trabajo es analizar las principales diferencias y complementariedades entre las perspectivas de Aron Gurwitsch y Alfred Schütz sobre el problema de la relevancia y sus aportes para el marco general de una teoría fenomenológica de la atención. El concepto de relevancia se refiere, al mismo tiempo, a la cuestión de cómo, en la experiencia, un objeto de percepción dado aparece como sobresaliente de un trasfondo indiferenciado y cómo éste se conecta con las experiencias personales de un sujeto y con su particular forma de estar comprometido con el mundo. Autores como Aron Gurwitsch y Alfred Schütz propusieron una lectura fenomenológica de este problema. En las obras de estos autores, además de implicar un análisis fenomenológico del fenómeno de la atención, el fenómeno de la relevancia conduce también a un análisis fenomenológico del mundo de la vida y, en particular, de las esferas u órdenes de existencia que lo componen. Concluimos que la fenomenología de Schütz permite una extensión de la consideración fenomenológico-trascendental de Gurwitsch del campo de la conciencia y coloca así la teoría del campo de la conciencia en la lente de una psicología social fenomenológica. Esta psicología puede indicar caminos para un análisis de los fenómenos atencionales en la sociedad contemporánea.

Palavras-clave: Atención; Cognición; Fenomenología; Percepción; Psicología Social.


 

 

Introdução

Investigar o problema da relevância nas obras de Aron Gurwitsch e Alfred Schütz exige que nos reportemos a um conjunto de questões e preocupações históricas em Psicologia. O conceito de relevância diz respeito, ao mesmo tempo, à questão sobre como um determinado objeto de percepção aparece, na experiência, destacado em relação a um fundo indiferenciado, e como isto está conectado às vivências pessoais de um sujeito e à sua maneira particular de se engajar com o mundo. Classicamente, o problema remete ao conceito de "atenção" e a seu correlato que é o "interesse". Ambos os termos nos encaminham a controvérsias teóricas relativas à definição da percepção, ao papel das sensações na determinação do objeto experiencial, ao papel das categorias linguísticas e simbólicas em sua apreensão, à diferenciação de um objeto em referência a todo um conjunto de objetos discerníveis, dentre outras.

Embora atualmente, no âmbito das ciências cognitivas, tenha sido dada preferência a uma linguagem em termos de processamento de informação e de sistemas neurológicos, a história do problema da relevância revela, por outro lado, um conjunto de questões formulado em uma linguagem experiencial e que recebe notoriedade no interior de uma abordagem fenomenológica do assunto. Esta formulação inicial remonta aos trabalhos de William James e de Henri Bergson. Não que estes autores tenham lançado mão da metodologia fenomenológica ou feito uso de seus principais conceitos1. Pelo contrário, a partir de seus próprios referenciais, indicaram temas que são fundamentais para a abordagem fenomenológica da consciência e, por conseguinte, para uma psicologia fenomenológica. O seu foco em uma análise imanente à experiência parece ser o principal fio-condutor que torna possível elaborar uma aproximação com a fenomenologia. Para ambos, a consciência é uma totalidade - um "tecido conectivo, cujos fios estão inextricavelmente entrelaçados uns aos outros" (Gurwitsch, 2010a, p. 50) - e em permanente fluxo. Diferentemente do empirismo inglês, para o qual nenhuma conexão está dada de início entre os dados da experiência, para estes autores, existe uma conexão imediata entre as sensações, mas que exige da consciência uma função seletiva. Na perspectiva destes autores, a atenção consiste em uma função responsável por selecionar e organizar o mundo da experiência subjetiva (Bergson, 1963a; 1963b; James, 1950). A atenção teria, portanto, uma função essencial para a "doação de sentido" (Sinnsgebung); sem a participação da atenção, não haveria objetos significativos, posto que o campo de sensações que formam o fluxo de consciência consistiria em uma massa de dados sensíveis, organizada em torno de sua coexistência temporal. Ao mesmo tempo, a ideia de um Eu interessado e pragmaticamente envolvido com o mundo indica igualmente a preocupação de assentar a atenção em uma análise concreta dos perfazimentos da vida.

À luz das formulações clássicas de James e de Bergson, tudo indica que a concepção sobre como os itens se destacam deste campo como algo saliente, fechado em si, deve contemplar, em um quadro coerente de questões, uma teoria sobre os princípios de organização do fluxo de experiências e uma teoria do interesse responsável por explicitar a camada temporal do fenômeno e a sua ligação com um Eu atuante. Seguindo criticamente este itinerário, autores como Aron Gurwitsch e Alfred Schütz propuseram uma releitura fenomenológica deste problema psicológico. No conjunto da obra destes autores, o fenômeno da relevância, além de implicar uma análise fenomenológica do fenômeno da atenção, conduz também a uma análise fenomenológica do mundo da vida e, em especial, das esferas ou ordens de existência que o compõem (o mundo da percepção ou do trabalho, o mundo da imaginação, do sonho etc.) (Kassab, 1991). Embora reconhecendo a complexidade desta problemática, interessa-nos, no presente momento, principalmente as suas implicações para o fenômeno da atenção.

Ao tratar a obra destes autores, Aron Gurwitsch e Alfred Schütz, é importante reconhecer que existe, entre eles, uma diferença de posicionamento importante quanto à abordagem metodológica da pesquisa fenomenológica e quanto ao tratamento de algumas questões específicas, tais como o conceito de mundo da vida, o papel da percepção e da apercepção. Esta diferença é salientada, por exemplo, na troca de cartas entre os autores (Grathoff, 1989) e comentada por, dentre outros, Kassab (1991). Entretanto, no que diz respeito à nossa temática específica, também é interessante notar que ambos concordam em pontos fundamentais no que diz respeito ao quadro geral da formulação da problemática da atenção. A clarificação de suas diferenças quanto à teoria da relevância pode dar indicativos para uma sistematização rigorosa da questão. No presente trabalho, a nossa motivação é contribuir para esta organização. Nosso objetivo maior é analisar as principais diferenças e pontos de complementaridade das perspectivas de Aron Gurwitsch e Alfred Schütz quanto ao problema da relevância e aos contornos desta questão. Temos em vista, sobretudo, as implicações do assunto para o quadro geral de uma teoria da atenção.

 

1. A conexão interna do campo de consciência em Gurwitsch

Aron Gurwitsch possui uma longa trajetória de dedicação à análise da atenção em uma linha fenomenológica. Começa com a sua tese de doutorado de 1928, intitulada "Fenomenologia da temática e do eu puro" (Gurwitsch, 2009a), e coroa-se com a sua obra mais sistemática, publicada em francês, em 1954, intitulada "Teoria do campo de consciência" (Gurwitsch, 2010b). Sua teoria fenomenológica da consciência tem grande influência das pesquisas psicológicas levadas a cabo pelos autores da Escola da Gestalt, sobretudo, Wertheimer, Koffka e Köhler. A partir destes referenciais, Gurwitsch elabora uma teoria da organização do campo de consciência que leva em conta uma estrutura de relações internas entre os dados da experiência que é dada imediatamente e que não depende de qualquer outro fator; em suma, uma teoria da organização autóctone do campo de consciência. A sua teoria sobre a relevância cumpre um papel fundamental e operativo neste contexto geral.

Em primeiro lugar, sua teoria do campo da consciência parte da premissa de que é necessário reconsiderar a relação entre algo que é dado - uma saliência - e aquilo que se dá conjuntamente - o codado. Esta relação forma o campo de consciência. Na teoria clássica, o campo de consciência seria organizado em dois níveis. Um primeiro nível seria composto por dados dos sentidos indiferenciados e informes. Um segundo nível, pelas saliências perceptivas originadas pela operação da atenção, considerada como agência seletiva. Tudo se passa, nesta teoria, como se o fluxo de sensações tivesse uma camada sombreada e nebulosa, destituída de estrutura, da qual algo ganharia contorno e clareza por meio de um ato intelectivo. A saliência consistiria, portanto, em algo derivado e provocado pela atenção; e esta, por sua vez, seria entendida como a "faculdade de cortar, delimitar e destacar partes do fluxo contínuo concreto de experiência" (Gurwitsch, 2010a, p. 27). Concebido desta forma, o fluxo concreto e primitivo é desprovido de qualquer fronteira e demarcação, a qual, por sua vez, só pode ser "artificiosa", colocada do exterior. E, como na teoria de James a atenção é serva dos propósitos pragmáticos de ação do organismo, a organização seria uma função secundária que serve a estes propósitos. Em última instância, o que garante a organização do campo de consciência é, nesta teoria, o interesse seletivo.

Segundo Gurwitsch, esta teoria falha em explicar como pode surgir, repetidamente, uma forma na percepção, isto é, uma saliência estruturada, e como ela pode se tornar estabilizada, quer dizer, adequada e coerente. O autor encontra na Psicologia da Gestalt uma maneira de responder a este problema e de reformular a questão. Na teoria gestaltista da percepção, a rapidez e prontidão por meio das quais surge uma saliência estruturada (Gestalt) falam contra a leitura que pressupõe uma agência formativa de cunho intelectivo. Colocando-se contra esta ideia e a que dela decorre, de que o campo da consciência seria estruturado em dois níveis, um sensível (amorfo) e outro intelectivo (formativo), Gurwitsch (2010a) posiciona-se a favor da tese gestáltica de que a organização, na realidade, é um fator imanente, autóctone, ao próprio campo de consciência. Não existiria, portanto, uma penumbra com a qual entramos em contato por meio dos sentidos e que ganharia forma apenas quando nos engajamos ativamente com as nossas sensações. Segundo a tese gestáltica, antes mesmo de um engajamento, o mundo já se encontra organizado e estruturado na experiência. A organização seria um fator autóctone e baseado no princípio da "coerência gestáltica", analisado por Gurwitsch (2010a). Por conseguinte, a questão não é mais a de saber como surge uma primeira saliência a partir de um todo inarticulado, mas de explicitar quais são as leis de conexão desta totalidade articulada desde o início.

A ideia básica é a de "forma" (Gestalt). Segundo este conceito, todo constituinte de uma totalidade - qualquer que ela seja, material ou formal - deve ser descrito como "parte de uma configuração", como existindo "em um determinado lugar dentro da estrutura do todo" e ocupando "um certo lócus na organização da Gestalt" (Gurwitsch, 2010a, p. 112). É necessário, deste ponto de vista, analisar fenomenologicamente a topografia desta totalidade. A partir da ideia de coerência gestáltica, compreende-se que uma totalidade é um sistema de constituintes interdependentes e interdeterminados e que, por isto, recebem a sua significação com referência uns aos outros e à própria totalidade. Em outros termos, cada constituinte possui "uma significação funcional" (Gurwitsch, 2010a, p. 112, itálicos do autor) em e para este "sistema de significâncias funcionais" (Gurwitsch, 2010a, p. 131), que é a figura segregada e internamente articulada, ou seja, a Gestalt. Contra o intelectualismo, o fato de um destes constituintes, e.g., o lado de um quadrado, ser extraído desta contextura e isolado, transformado em um "elemento" - que, por definição, é uma parte descontextualizada -, é interpretado como implicando que o modo de ser deste lado-de-quadrado se transforma radicalmente pela ausência de referência ao quadrado (torna-se, então, um lado, uma linha), ao mesmo tempo em que o quadrado como tal deixa de ter existência fenomênica.

É a partir deste conceito de coerência gestáltica que é possível falar da saliência (ou forma segregada), mas a partir de um novo ponto de vista. A segregação ou diferenciação deste sistema de significâncias funcionais em um tema emergente (segregado) e um campo mais vasto (do qual se segregou) é o que permite identificar a função exata do fundo para a formação da figura. Pois o tema emergente, ou figura, possui uma coerência interna fechada em si mesma, baseada nas relações de interdependência e de interdeterminação de seus constituintes, que delimita os seus contornos e o segrega do contexto, que é dele diferente e independente, mas, ao mesmo tempo, a ele vinculado. Figurativamente, poderíamos dizer que o tema se coloca como o centro de um campo de referências indicativas que se projetam tal como as ondas que são provocadas pela queda de uma pedra em um lago. O "entorno" do tema, entretanto, não é uniforme. Um tema sempre se apresenta à consciência em conjunto com outros dados que estão simultaneamente presentes, os codados, e estes se diferenciam quanto à sua relação com o tema. Esta vinculação abarca desde uma referência direta do tema para com o contexto no qual se insere até a simples copresença. No primeiro caso, tome-se o exemplo de uma obra artística como o "Autorretrato", de 1988, de Poty Lazzarotto. Este tema possui uma estrutura interna onde todos os elementos da xilogravura possuem uma relação interna entre si. A obra apresenta referências a um contexto perceptivo que é o fundo de contraste branco do papel e a moldura do quadro2. Além destes, há ainda o fundo composto pela parede onde está alocado o quadro. Neste caso perceptivo, é esta interconexão com o fundo - e que Gurwitsch (2009a; 2010a) nomeia como "campo temático" - que permite à figura apresentar-se à consciência.

Poder-se-ia propor uma variação no exemplo dado, mantendo-se ainda no território dos atos perceptivos. Caso eu me distancie do Autorretrato e me coloque à distância, é possível que o quadro de Lazzarotto deixe de ter um significado como tópico privilegiado para mim e passe a compor a percepção de um "conjunto de quadros de arte" na exposição do museu. O seu significado terá sido modificado. Isso torna possível compreender a tese de Gurwitsch (2010a) segundo a qual o tema sempre aparece "à luz de e sob a perspectiva do campo" (p. 313), enquanto campo temático ou contexto. Não foi um ato intelectivo de interpretação que modificou o significado do objeto, mas o conjunto de referências contextuais do qual participa em cada momento. Este tipo de conexão entre o tema e itens do campo temático (uma conexão material, portanto, e não apenas formal), que permite a emergência do tema como segregado do fundo, é chamado por Gurwitsch (2010a) também de relevância ou de pertinência material. O sistema tema-campo-temático é dado, portanto, em uma conjunção que se acrescenta à coerência gestáltica (própria do tema e de seus constituintes internos), chamada por Gurwitsch (2010a) de "unidade por relevância". Concebido desta maneira, o objeto intencional não recebe o seu sentido puramente de um ato que o destaca, mas, referindo-se a um campo temático, recebe deste contexto o seu significado e a sua orientação.

É esta pertinência que permite recortar aquilo que é relevante para a aparição de um tema, enquanto unidade intrinsecamente coerente, daquilo que é irrelevante e que, apesar de pertencer ao campo total dos itens codados, não possui relação material com o tema e, portanto, não se configura como campo temático. Gurwitsch (2009a; 2010a) nomeia este campo, mais amplo e ausente de conexão material com o tema, de "margem". Os dados da margem são concomitantes aos dados temáticos e estão em constante fluxo (são dados em simultaneidade e em sucessão), porém também são caracterizados por Gurwitsch (2010b) como "implícitos", "vagos", "imprecisos", "indeterminados", "indistintos", "não-tematizados", "inarticulados". Com base na análise desta pertinência, é possível discernir as experiências relevantes daquelas experiências concomitantes e supervenientes que, contudo, também estão presentes no campo de consciência. Tomando-se o exemplo já oferecido há pouco, o da apreciação do Autorretrato, as experiências irrelevantes, mas copresentes ao ato perceptivo em questão, seriam a de meu mundo circundante em seus horizontes externos (as pessoas que estão atrás de mim, outras obras de arte, o museu etc.), a minha postura corporal, algumas sensações corporais, o tempo objetivo em que me encontro e afins. É importante sublinhar que todos estes são horizontes em relação ao tema, entendido enquanto núcleo noemático, e não em relação ao Eu (Embree, 2015).

Em um texto publicado postumamente dedicado ao assunto, intitulado "Consciência Marginal", Gurwitsch (2010b) apresenta três invariantes fenomenológicas presentes nestes dados da experiência marginal, a saber: (1) um dado segmento do fluxo de consciência (por exemplo, memórias ou antecipações), (2) a existência encarnada subjetiva (ou a corporeidade) e (3) um dado setor do mundo perceptivo (que indicam outras percepções possíveis). Além disso, como campo temático e tema formam uma unidade entrelaçada de significação, os dados que se encontram na margem são considerados como "intrusivos" e como "interrupções" de uma determinada ocupação caso, por alguma razão, destaquem-se e formem um novo sistema tema-campo-temático, agora centrado sobre outro tema. Por exemplo, caso, ainda olhando para o Autorretrato de Lazzarotto, algum barulho irritante em outra sala do museu se destaque e eu me engaje em entender o que ele indica, eu terei abandonado meu tema anterior e o sistema que ele formava com o seu campo temático, e um novo tema terá surgido com seu novo campo temático. No caso, a margem, embora apresente uma intencionalidade concomitante à intencionalidade temática, também oferece à experiência temas potenciais.

Estes casos de novos temas emergentes e de outras modificações na topografia do campo de consciência são analisados por Gurwitsch (2009a) em termos de modificações temáticas3. A teoria das modificações temáticas, por sua vez, pretende orientar a análise fenomenológica para além de uma concepção clássica da atenção, para a qual a função atentiva seria, por um lado, dependente de uma teoria de dois níveis da percepção (sensação e ato intelectivo) e, por outro, de uma concepção do objeto segregado (o tema) como um objeto isolado e subordinado somente à função intelectual de destacamento (ou seja, o foco da atenção). De acordo com a teoria clássica, a atenção funcionaria, basicamente, como uma lanterna a jogar luz sobre a penumbra inarticulada - os dados dos sentidos -, destituída, portanto, de significado próprio. Gurwitsch (2009a) constata a presença dessa concepção em Husserl, por exemplo, mas também em James e outros psicólogos de sua época. Contra esta teoria sensação-intelecto da percepção, a nova teoria da percepção que Gurwitsch extrai das premissas da Teoria da Gestalt permite realocar a atenção e a intencionalidade sob um novo patamar; uma análise do foco da atenção (o tema) não pode considerá-lo de maneira isolada de seu contexto intencional (o campo temático), como um objeto puro e simples, mas deve sempre se referir a uma topografia de referências indicativas que forma o campo temático e que o distingue dos dados marginais. Neste caso, o que se chama de atenção seletiva nada mais é do que um caso característico e específico de uma modificação do campo de consciência, cuja tipologia é muito mais complexa do que o "destacar-se" de um objeto a partir de um fundo (Gurwitsch, 2009a)4. Ao mesmo tempo, isto permite a Gurwitsch (2009a; 2009b) reformular a teoria do Eu puro que encontra em Husserl (1913/1976). Na teoria clássica, conforme o mencionado, a atenção é concebida como um ato intelectivo que se sobrepõe, como um novo nível, ao platô das sensações. O ato intelectivo é concebido como tendo origem e relação com o Eu puro que se mantém em e através de todas as vivências intencionais. O eu puro subsiste no fluxo de consciência como idêntico, apesar de toda variação e mudança que possa ocorrer neste mesmo fluxo, e apesar de seus modos de atividade nos diferentes atos de perceber, fantasiar, querer e afins. Metaforicamente, o Eu puro é concebido como um livre agente que tem à sua disposição, no fluxo de vivências, um campo potencial de exercício de sua liberdade (Husserl, 1913/1976). Na teoria de Gurwitsch, pelo contrário, o Eu não possui um estatuto ontológico próprio; e toda intencionalidade é função do campo de consciência, e não de um Eu. Sem estrutura egológica, a consciência apresenta experiências que são inteiramente impessoais ou pré-pessoais. Além disso, a consciência de um Eu, embora sempre possível, refere-se, ao mesmo tempo, ao produto de um ato reflexivo e a uma autoconsciência tácita, ou pré-reflexiva, referida à consciência marginal. Enquanto tal, o Eu puro corresponde à cadeia temporal sintética no interior da qual todas as vivências estão ordenadas e cujo fluxo está em permanente deslizamento temporal.

Em suma, a teoria desenvolvida por Gurwitsch ao longo de seus trabalhos permite concluir que "a consciência não é um olhar fixo para algo e que o tema não é, por assim dizer, um ponto isolado" (Gurwitsch, 2009a, p. 223). Ao contrário, do ponto de vista de sua teoria, a consciência é, ao mesmo tempo, um fluxo temporalmente ordenado, e apresenta um campo estruturado conforme os princípios de coerência gestáltica e unidade pela relevância. Desta forma, a teoria de Gurwitsch coloca em cena uma maneira sistêmica de compreender a consciência e as suas modificações e reorganizações estruturais. Em outros termos, permite avançar um conceito fenomenológico de contexto que se depreende da análise do objeto intencional5. Os princípios fornecidos por Gurwitsch devem ser lidos como invariantes da estrutura da consciência (em conexão com o mundo da vida) e, portanto, como conditio sine qua non da esfera de doação de objetos (a subjetividade transcendental)6. É possível até mesmo atribuir a esta teoria um caráter formal, porquanto aplicável a diferentes casos concretos, apesar de suas variações específicas, esquadrinhada aos moldes de uma filosofia transcendental. Dentro deste esquema, o problema da relevância se restringe a identificar a conexão doadora de sentido existente entre o campo temático e o tema, que define a sua unidade sistêmica ou contextual, e, a partir disto, diferenciar o que é pertinente a esta conexão e o que não o é - sendo, por isto, irrelevante. A formulação gurwitschiana sobre a relevância consiste, portanto, em um enfoque noemático (Embree, 2015), cuja tese central é que a segregação de um objeto para a consciência e a sua significação, primeiro, não necessitam pressupor a agência de um ato intelectivo superior e, segundo, consistem em uma forma de auto-organização prévia e independente de um Eu correspondente à própria estrutura do campo da consciência. Lida de maneira crítica, a formulação da relevância e da atenção em Gurwitsch não permite, contudo, formular, com maior profundidade, os problemas relativos às habitualidades da experiência subjetiva e de sua dimensão intersubjetiva (Walton, 2003). Isso se dá, sobretudo, em razão de sua delimitação do conceito de irrelevância como demarcador do que deixa de contribuir para a significação do tema concebido enquanto núcleo noemático. Em Schütz, como veremos a seguir, o problema da relevância é elaborado de maneira distinta e com diferentes propósitos, assim permitindo-nos uma ampliação do conceito de relevância e mesmo de margem.

 

2 A relevância em Alfred Schütz como função do estoque de conhecimento

Alfred Schütz dedicou boa parte de sua obra intelectual a desenvolver os fundamentos epistemológicos da sociologia através de parâmetros fenomenológicos. Os problemas fundamentais desta sua tarefa foram definidos pela sociologia compreensiva de Max Weber. Para Schütz, o sociólogo alemão não teria dado suficiente clareza conceitual às noções de sentido e de subjetividade, além de outras atreladas a elas e presentes em sua sociologia. É notável que, em suas obras, também apareçam outras problemáticas pertinentes às questões fenomenológicas mais básicas. Embora pressuposto em um de seus estudos mais detalhados de sociologia fenomenológica, "A construção significativa do mundo social" (Schütz, 1932/2018, p. 385), o "problema da relevância" é apresentado apenas como um "conjunto de problemas [que] ultrapassa em muito os limites do campo de estudos próprio às ciências sociais" e, portanto, das análises de seu estudo. A abordagem direta deste tema é contemplada em um texto inédito (um esboço escrito em inglês entre 1947 e 1951), que foi publicado apenas postumamente, intitulado "Reflexões sobre o problema da relevância", no qual Alfred Schütz (2011) desenvolve uma teoria original sobre o princípio de relevância, que estrutura o campo de consciência. Alguns outros ensaios de menores dimensões também contemplam questões pertinentes ao assunto, como "O cidadão bem-informado", "O estrangeiro", "O regressado", "Igualdade e a estrutura significativa do mundo social", "Dom Quixote e o problema da realidade" (Schütz, 1976a; 1976b; 1976c; 1976d; 1976e), dentre outros.

O principal ponto de comparação entre a teoria da relevância de Gurwitsch e de Schütz diz respeito ao que é enfatizado por cada autor mediante o termo "relevância". Para Gurwitsch, a relevância é um conceito operacional para a análise da segregação do tema a partir de um contexto em referência ao qual ele adquire seu significado, bem como para a análise dos contornos do sistema tema-campo-temático e de seu entorno marginal. O termo se refere, portanto, à pertinência entre o tema e os itens do campo temático, condição básica da significação de alguma coisa presente à consciência. Em Schütz, entretanto, a ênfase não recai na análise da segregação de um tema de um fundo qualquer. Em sua obra tardia, o autor, de fato, faz uso das noções de "tema" e de "margem" na acepção de Gurwitsch, e pressupõe a ideia de que a pertinência material entre tema e campo temático é conditio sine qua non para a emergência de um objeto significativo. Pressupõe, portanto, a concepção sistêmica daquilo de que se ocupa o agente como a conexão significativa entre tema e contexto, que o autor prefere nomear, em léxico próprio, como conexão entre "tópico" e "horizonte" (Schütz, 2011). Porém, o autor centra-se na questão sobre como um item é segregado a partir das experiências vividas por um sujeito concreto, com uma história e com ocupações efetivas dentro de um mundo social. Isso implica, já de início, uma ampliação da perspectiva sistêmica desenvolvida por Gurwitsch para além das conexões entre tema, campo temático e margem.

Conforme o pontua Embree (2015), enquanto Gurwitsch desenvolve uma análise bastante focada nos aspectos noemáticos da relevância, descrita como uma pertinência material entre o tema e o contexto a partir do qual se circunscreve a sua significação, Schütz, por sua vez, tem seu foco dirigido para a questão de como o agente seleciona aspectos de seu mundo circundante a partir de uma familiaridade prévia, dando assim maior ênfase ao agente, o Eu empírico, e a seus atos intencionais, em uma perspectiva de maior ênfase noética. De acordo com Embree (2015), se é possível esquematizar esta diferença, deve-se ter por referência o arco intencional "ego-cogito-cogitatum". Enquanto Gurwitsch concentrar-se-ia no aspecto cogito-cogitatum deste espectro, na dimensão noemática, portanto, Schütz teria por foco o flanco noético da questão, referente ao ego-cogito. Este apontamento de Embree (2015) permite a elaboração de um quadro geral da problemática. Porém, ele é ainda bastante esquemático e, por esta razão, não faz justiça às múltiplas entradas de Schütz em sua análise da relevância. Permite-nos, talvez, um primeiro recorte de sua diferença para com a abordagem de Gurwitsch. É esta questão que buscaremos esclarecer na sequência.

Uma carta de Schütz a Gurwitsch, datada de 25 de janeiro de 1952, contribui para a clarificação deste ponto. Esta carta é escrita no período em que Gurwitsch, por um lado, prepara seu texto intitulado "O campo de consciência", que viria a ser publicado primeiro em francês, em 1952, com o título "Théorie du champ de la conscience", e, depois, em 1964, em inglês, com o título mais conciso de "Field of consciousness", e no qual Schutz, por outro lado, redige partes substantivas de seu "Reflexões sobre o problema da relevância". Na comunicação, Schütz, a partir da leitura dos rascunhos do texto de Gurwitsch, tece alguns comentários valiosos sobre a diferença de posicionamento dos dois autores. Schütz coloca alguns problemas que considera não terem sido resolvidos na teoria do campo de consciência defendida por Gurwitsch (2010a), pontuando o seguinte:

Eu gostaria que você tivesse mostrado como um elemento da margem passa para o campo, e de lá para o centro; como você vê a modificação de um tema em outro ou de uma ordem existencial para outra; como uma figura [Gestalt] pode se tornar fundo [Grund] e o fundo, figura; qual é a relação entre 'pertinência' (a sua relevância) e a coerência gestáltica; por que as análises noemáticas predominam sobre as noéticas em seu trabalho etc. (Grathoff, 1989, p. 154).

Nota-se o apontamento de uma identidade entre o conceito de "relevância" de Gurwitsch e a noção, utilizada por Schütz, de "pertinência". Tentando esclarecer este ponto ainda mais, este último distingue o conceito de pertinência e o conceito de "relevância" adotado por ele próprio. A pertinência implica conceber, de acordo com Schütz, que "tudo permanece conectado com tudo, está em um contexto com ele" (Grathoff, 1989, p. 157), de tal forma que é relativo a um nível de organização prévio e pressuposto pelo nível da relevância, em seu uso. Trata-se, portanto, de um conceito que descreve um nível de análise anterior ao da "seletividade da consciência" e o reestrutura. O problema da seletividade foi colocado de lado por Gurwitsch (2010a) na formulação de seu problema da organização do campo de consciência. Para Schütz a questão permanecera intocada. É, precisamente, à questão da seletividade que o autor dirigirá a sua investigação sobre o problema da relevância. Schütz está interessado em saber como e por que o mundo da vida, enquanto correlato da vida intencional que se apresenta como um todo estruturado, com um conjunto de referências típicas e esquemas de interpretação habituais, é sempre dado de maneira parcial, ou seja, como um segmento, para uma pessoa concreta.

Embora partindo da problemática da "atividade seletiva da mente" (segundo Bergson e James) e da estrutura tema-campo-horizonte (segundo Gurwisch), Schütz (2011) entende que o problema em questão é mais complexo do que estes dois conjuntos de proposições. O fenômeno da relevância envolve, para o autor, uma teoria da organização interna do campo de consciência, assim assumindo uma leitura gestáltica do fenômeno. Ou seja, de fato, Schütz parte do pressuposto de que a percepção não consiste em dois níveis, um sensível e outro intelectivo, e de que o objeto intencional não se configura, simplesmente, como ponto focal da consciência, mas como um sistema internamente articulado com um campo de significação. Mas, além disso, para o autor, a relevância envolve, em conjunto, uma teoria sobre o "interesse" e o "saber" por meio dos quais um determinado tema é segregado no contexto de vida de uma pessoa, e a partir de seu engajamento corporal com o mundo. Este é um fenômeno que se mostra nas situações cotidianas da vida. E isto vai além da concepção de relevância e de segregação proposta por Gurwitsch. Conforme o próprio autor:

[...] a teoria que diz respeito à atividade seletiva da mente é, simplesmente, o título para um conjunto de problemas mais complicados do que aqueles do campo, tema e horizonte - nomeadamente, o título para o fenômeno básico que nós sugerimos chamar de relevância (Schütz, 2011, p. 99).

A relevância, na obra de Schütz, remete ao tratamento da problemática da segregação de um tema para o agente levando-se em conta suas experiências subjetivas emolduradas por um contexto social e histórico. O problema da relevância conduz, nessa medida, diretamente a questões sobre a análise do mundo da vida, relacionado a um agente concreto que opera e trabalha. Afinal, tudo o que se destaca como tópico de atenção para uma pessoa é uma ocupação, um "afazer", que se destaca de um fundo de familiaridade inconteste que ela mantém, pré-reflexivamente, com o mundo da vida cotidiana. Schütz (1996a) escreve:

O mundo da vida conhecido [...] é tido como certo até novo aviso. Incontestado como tal, é o quadro geral de possibilidades abertas para questionamentos posteriores. Sendo o lócus de todas as coisas com as quais nós estamos suficientemente familiarizados, o mundo tido-como-certo forma o horizonte de uma indeterminação determinável fundamental; contra ele, o tópico com o qual estou ocupado neste momento particular se destaca como tematicamente relevante (p. 68, itálicos do autor).7

Schütz (1932/2018; 2011) delimita metodologicamente o problema da relevância reconhecendo que a experiência subjetiva é sempre a interpretação dada por uma pessoa concreta e situada de um mundo estruturado por significados. Sua teoria contribui para a compreensão sobre como determinados "esquemas de interpretação" são utilizados pelo agente na "escolha", pré-reflexiva ou reflexiva, entre diferentes alternativas de ação social, orientando-se pela visão de mundo de seu grupo social. Assim, para o autor, o sopesar destas diferentes alternativas envolve conjuntos opostos de valores na tentativa de escolher um e não o outro. Estes valores, por sua vez, remetem a um conjunto de significados sedimentados na experiência biográfica do agente, às motivações em razão das quais e em direção às quais o agente se comporta e à estrutura da situação presente com a qual ele se defronta - ou seja, no léxico de Schütz, aos "sistemas de relevância" mantidos por uma pessoa, em função dos quais um plano é considerado mais relevante para o agente de acordo com o seu projeto de vida mais amplo (Cox, 1978) e em função da distribuição social de papeis e do conhecimento de uma sociedade em determinado momento (Schütz, 1976a; 1976b; 1976c; 1976d). A abordagem fenomenológica da relevância por Schütz permite, em suma, uma exploração dos fundamentos da atitude natural, o fundo a partir do qual o tema é segregado em uma teoria social da seletividade da consciência (Perreau, 2010).

É possível ler a posição de Schütz sobre o assunto como uma reformulação da noção de "fundo" na teoria da consciência temática e, portanto, como uma releitura do princípio de relevância e irrelevância. Como vimos, em Gurwitsch o fundo se refere não a uma camada amorfa relacionada aos dados dos sentidos, mas a um campo estruturado em termos de sua conexão com o tema em campo temático e margem. Em Schütz, diferentemente, o fundo, ainda que estruturado conforme a definição de Gurwitsch, e assumido como uma estrutura internamente articulada, como Gestalt, refere-se ao campo da familiaridade não-problemática e uniformizada a partir deste laço de significação prévio a partir da qual algo se constitui como problemático. O campo diferenciado entre tema, campo temático e horizonte se acolchoa sobre este fundo da intencionalidade operativa da atitude natural por meio da qual se apresenta o mundo como um horizonte aberto de significações, ou, na linguagem do autor, "de indeterminação determinável". Na teoria da relevância de Schütz (2011), esta segregação temática é chamada de "relevância tópica", cujas referências contextuais são definidas pela familiaridade prévia do agente e pela estrutura de sua situação atualmente dada (por exemplo, se se trata de uma situação habitual e corriqueira ou, então, algo que ameaça a sua existência ou a segurança de seus referenciais habituais). A ela se acrescentarão outros níveis de referências indicativas. É à análise da estrutura e das estratificações do mundo da vida em termos subjetivos e intersubjetivos que são relacionados os horizontes da consciência marginal. Por exemplo: é diferente encarar o Autorretrato de Lazzarotto na condição de restaurador de obras artísticas e de filósofo. As suas ocupações e seus projetos de vida definirão o recorte por meio do qual a significação deste dado é sustentada e circunscrita. De um ponto de vista mais teórico, isso permite considerar, portanto, que um dado experiencial não-temático pode ser relevante para o agente e contribuir para a significação do tema. Afinal, as ocupações e os projetos destes agentes não ocupam o papel de tópico quando eles se dedicam ao Autorretrato. Logo, a referência às habitualidades do agente - o Eu empírico - e ao mundo da vida social e histórico se faz necessária. Cumpre esclarecer este problema.

A familiaridade inicial com a qual nós nos relacionamos com o mundo é o ponto de partida de toda atividade e ocupação com as quais nos engajamos, e a partir do qual interpretamos o mundo. Ela se refere, ao mesmo tempo, a "algo inerente às coisas já experienciadas das quais nós falamos como sendo familiares a nós" (Schütz, 2011, p. 108) e aos hábitos que possuímos ao reconhecer, identificar e escolher experiências atuais, dispostas em nossa situação autobiográfica, a partir dos "esquemas de interpretação" de que já possuímos conhecimento, chamados por Schütz (2011) de "tipos à mão". Sedimentados na história pessoal, estes hábitos e os esquemas de interpretação habituais utilizados por cada um são nomeados por Schütz (2011) como "estoque de conhecimento" atual ou à mão. Este conhecimento ou saber disponível para o agente nada mais são do que experiências intencionais anteriores e sedimentadas no fluxo temporal do agente e contra as quais as novas experiências são remetidas a fim de ganharem uma significação, por assim dizer, enriquecida. A interpretação, por conseguinte, consiste nesta recursividade da experiência subjetiva na qual a experiência prévia desempenha o papel de contexto de sentido para novas e diferentes experiências8. Ora, a "interpretação" do Autorretrato pelo restaurador e pelo filósofo deverá ser diferente, pelo menos em parte, em razão da experiência prévia de cada um, o que, ademais, não exige qualquer ato intelectivo especial para que esta figura enriquecida pela história pessoal emerja como dotada de sentido. Trata-se de uma hermenêutica automática garantida pela reiterabilidade da experiência subjetiva. Com base nesta compreensão, pode-se dizer que estes hábitos são uma função do "quadro situacional no interior do qual estes hábitos foram formados" (Schütz, 2011, p. 108), o que é sempre uma injunção da situação atualmente dada com a história sedimentada de experiências prévias. Mas, justamente por entender-se o agente como ontologicamente social, estes hábitos são, também, função dos esquemas interpretativos e simbólicos do grupo cultural e societário no qual se situa o agente (Schütz, 1976a; 1976b; 1976c; 1976d). Afinal, estabelecer a situação enquanto restaurador ou enquanto filósofo implica a aprendizagem de um ofício e o compartilhamento de "sistemas de relevância" com outras gerações que tornaram esta uma experiência possível e definível. Inclusive, é bem possível que eu - um destes agentes - não saiba bem a razão pela qual presto tanta atenção a alguns detalhes e não a outros, embora saiba que este hábito faça parte de meu ofício e que fui treinado para tanto.

A partir deste eixo, a própria noção de consciência temática adquire novo relevo. Em vez de pura consciência perceptiva, coloca-se como consciência engajada com o mundo na ação ou, nos termos de Schütz, com o "mundo do trabalho", e com o mundo social. Com isto, à noção de "tema" atribui-se novo significado. Schütz (2011) faz notar as conexões, em termos de sua etimologia, das palavras "problema" e "objeto". Segundo ele, "problema", em grego, tem semelhante significado à palavra "objeto", oriunda do latim. Sublinha, contudo, que a palavra grega não se refere a qualquer objectum, mas àquilo que é duvidoso ou questionável. O tema é, portanto, um objeto problemático e que exige do agente um engajamento a fim de esclarecer o seu significado, ou seja, interpretá-lo, recolocá-lo em um novo contexto de significação, a fim de poder continuar com a sua tarefa ou com seu ofício. Também fica evidente que, deste ponto de vista, existe uma conexão íntima entre o mundo da vida, social e histórico, e as minhas ocupações diárias. Afinal, eu já me encontro inserido em um mundo dado como familiar e a partir de meus projetos de vida nele desenvolvidos. E é nesta intersecção que algo é recortado como relevante para mim na perspectiva de minhas ocupações e projetos. Os problemas com os quais me defronto são enquadrados em uma contextura que é, ao mesmo tempo, pessoal e social. É o próprio mundo da vida, enquanto conjunto de referências indicativas assumidas como óbvias pelo agente e pelos outros em sua lida cotidiana com o mundo, que irrompe como problemático e, como tal, torna-se objeto de atenção.

Compreendendo a atividade de tematização desta forma, é necessário distinguir duas circunstâncias em que ela se realiza. Por um lado, a conjuntura em que, engajando-me em meu mundo circundante, algo se destaca como problemático e exige de mim uma instância reflexiva. Tomando de empréstimo a expressão de Carnéades, Schütz (2011) nomeia este processo como "periodeuxis", cujo significado se aproxima às ideias de "reflexão" ou de "inspeção". Tome-se como exemplo um trabalhador que chega à sua casa após um dia de trabalho e toma ciência de um objeto estranho, atípico, no canto de seu quarto, sem que consiga definir exatamente de que se trata. Com base em suas experiências prévias, ele busca compreender o estranho objeto. O seu formato, a sua cor, a sua extensão etc., indicam, para ele, de acordo com as suas experiências prévias e com os tipos por ele assumidos e apreendidos por meio da cultura, que pode se tratar de uma cobra ou de uma pilha de corda. Para definir, finalmente, do que se trata com maior rigor, necessita não apenas aplicar estes "esquemas de interpretação" (ou seja, estes conceitos e pré-conceitos) ao percebido, mas, também, investigá-lo, assim trazendo novos perfis do objeto para o centro de sua tematização. Ele observa se o objeto se mexe ou sibila, aproxima-se para enxergar melhor, busca recordar-se de como deixou seu quarto, ou lembrar-se de relatos sobre o aparecimento de cobras onde habita, e assim por diante. A certificação de que se trata de um objeto e não de outro, a decisão envolvida, é importante para o agente, pois, com base nela, seu projeto de ação em andamento, a saber, o de poder dormir em seu próprio quarto, pode ou se realizar ou deixar de ser realizado.

O segundo gênero de circunstância em que se dá a atividade de tematização abarca as ações rotineiras de nossa vida cotidiana, que são realizadas de maneira quase automática, irreflexivas, de acordo com aquelas receitas que aprendemos ao longo de nossas vidas e com as quais obtivemos sucesso até agora. Estas ações de rotina constituem-se, então, para o agente, como soluções típicas para os problemas típicos de seu mundo da vida, como as receitas que "passaram no teste" e que, presumivelmente, também se provarão eficientes no futuro. Assume-se, com isso, que, em cada experiência, está contida a idealização do "e assim por diante" e do "posso fazê-lo novamente" - em outros termos, expectativas de que experiências tipicamente familiares ocorrerão novamente, com as práticas familiares a elas associadas. Isto implica que nossas ações no mundo da vida envolvem sempre um quadro de referência de experiências prévias e de antecipações, o que está em acordo com o modelo de Husserl (1939) sobre a experiência pré-predicativa. Este movimento de continuidade e de iteração do fluxo de experiências dá ensejo à formação das tipificações na experiência subjetiva - isto é, ao encaixe, por meio de sínteses passivas, de experiências prévias mais ou menos generalizadas com os tópicos a cada vez emergentes. O conceito de "tipo" permite ao autor estabelecer "a linha de demarcação dos horizontes explorados e inexplorados do tópico à mão" (Schütz, 2011, p. 129). Ao mesmo tempo, é o que nos permite compreender que um evento atípico, como o objeto estranho com o qual se defronta o personagem do nosso exemplo, frustre as antecipações, caso no qual a atividade de rotina pode ser "obstruída" por uma dificuldade, onde o objeto, evento ou estado de coisas mostra-se "diferente do esperado". É justamente isto que dá, pela primeira vez, à nova experiência o caráter de algo não-familiar, de estranheza ou mesmo de surpresa. Coloca-se, neste caso, a contraprova do curso de experiência até então não questionado.

A partir destas duas condições circunstanciais, é possível concluir que o processo de engajamento com o objeto problemático da experiência consiste, portanto, em um conjunto de fenômenos em que: (1) algo é segregado do campo total de familiaridade (do não-problemático) e se torna, portanto, temático; (2) este algo é interpretado à luz dos esquemas de interpretação - dos "tipos" pré-predicativos ou predicativos - que se encontram sedimentados no estoque de conhecimentos do agente, cuja origem é, ao mesmo tempo, pessoal e cultural; e (3) os esquemas de interpretação são selecionados de acordo com a sua relevância para o projeto da ação futura e no interior da cadeia de motivações que constitui o momento presente vivido pelo agente. Schütz (2011) entende que cada uma destas categorias de fenômenos corresponde ao que chama de um "sistema de relevância", respectivamente: o tópico, o interpretativo e o motivacional. Através de uma análise fenomenológica de "nosso estoque de conhecimento à mão que prevalece em qualquer momento autobiográfico particular" (Schütz, 2011, p. 123), estes sistemas são revelados como habitualidades, ou sedimentos experienciais. Segundo o autor, o estoque de conhecimento sempre se apresenta de maneira internamente estruturada, de tal forma que todos os seus momentos fenomenologicamente analisáveis estão interrelacionados e qualquer separação entre eles só pode ser produto da reflexão. De fato, Schütz (2011) vale-se do conceito de Gestalt para descrever esta estrutura: "Gestalt é, então, a possessão habitual de contextos de significação que fornecem uma unidade indivisível de configurações fenomênicas nas quais nós apreendemos os objetos do mundo externo" (Schütz, 2011, p. 146).

É importante notar que, para o autor, estes sistemas designam, ao mesmo tempo, tanto aquelas tipificações e motivações prevalentes em um determinado momento de vida do agente quanto aquelas que são preponderantes em um determinado contexto social e histórico. Desta forma, a teoria da relevância de Schütz (2011) encarrega-se de fornecer um caminho metodológico interessante para ampliar a noção de margem e de relevância da teoria de Gurwitsch, substanciando-a com uma dimensão temporal e prática, ou encarnada. Podemos considerar três pontos citados por Walton (2003) em sua crítica a Gurwitsch para demonstrar este ponto. Em primeiro lugar, segundo Walton (2003), Gurwitsch teria ignorado a "diferenciação e intersecção das ordens no interior da consciência marginal" (Walton, 2003, p.18). Segundo o autor, isto significa incluir uma "ordem de existência intersubjetiva na consciência marginal [...]" (Walton, 2003, p. 18). Em segundo lugar, Walton defende que a margem pode contribuir para a significação do tema. Segundo ele, a sedimentação, a familiaridade, a habitualidade e a "tradicionalização" formam um "fundo adquirido" (Walton, 2003, p. 19) que compõe o horizonte da consciência. E, em terceiro lugar, para Walton (2003) existe uma forma de relevância marginal que diz respeito ao "horizonte de habitualidade" (p. 19), ou à "posse habitual devida a experiências prévias" (p. 19).

Compreendemos, assim, que as análises dos sistemas de relevância de Schütz, em sua dimensão subjetiva e intersubjetiva, permitem demonstrar estes três pontos. O "fundo adquirido" é o sistema de relevâncias pessoal, que é o estoque de conhecimentos temporalmente formado na história do agente (os terceiro e segundo pontos), mas que é constituído intersubjetivamente (o primeiro ponto). Porém, para tanto, uma reconsideração da noção de relevância se faz necessária. Não se trata mais apenas de relevância enquanto "pertinência material" entre contexto temático e tema, mas de relevância como a conexão de sentido entre o tópico emergente e (a) a estrutura da situação (familiar ou infamiliar), (b) as experiências prévias do agente e os tipos pré-predicativos neutralizados em sua experiência subjetiva e (c) as suas motivações de tipo "por que" (Weil-Motive) e de tipo "para" (Um-zu-Motive). Ao mesmo tempo, trata-se, também, do nexo entre esta conexão "subjetiva" e os referenciais simbólicos ou interpretativos disponíveis e veiculados de maneira intersubjetiva na sociedade e na cultura. Portanto, do ponto de vista de Schütz, a atenção deve ser vista como uma função sistêmica que entrelaça o tópico à minha própria dinâmica existencial, bem como ao horizonte histórico e social no qual hábito e a partir do qual o mundo da vida se recorta para mim.

 

Considerações Finais

Esperamos ter clarificado a distinção e a complementaridade entre as teorias de Gurwitsch e de Schütz sobre o fenômeno da relevância, bem como suas implicações para o estudo do mundo da vida e, em particular, da atenção. Convém reforçar a tese de que a teoria de Gurwitsch permite uma compreensão do caráter estruturado e contextual de todas as nossas vivências (Erlebnisse). Não há experiência de um objeto que não implique a estrutura de um contexto de referências indicativas. Gurwitsch propõe uma releitura ao problema da seletividade da consciência e lança novas bases para que ele seja enfrentado pela fenomenologia e pela psicologia fenomenológica. Embora parta de uma orientação ligeiramente diferente, Schütz enfrenta o mesmo problema e, a partir dele, desenvolve a sua concepção do fenômeno da relevância. Em seu caso, trata-se de um enfoque centrado nos comportamentos concretos do sujeito no mundo. O problema da segregação de um tema deve partir de uma subjetividade atravessada pela temporalidade de um fluxo de experiências que as sedimenta e que projeta referências a um mundo estruturado pela familiaridade e pelas camadas de sentido sedimentadas por outros sujeitos, sejam eles meus contemporâneos ou meus antepassados (Schütz, 1932/2018).

A fenomenologia de Schütz permite uma ampliação da consideração fenomenológico-transcendental de Gurwitsch sobre o campo de consciência. Permite colocar a teoria do campo de consciência nas lentes de uma psicologia social de cunho fenomenológico (Embree, 2011; Perreau, 2010). Desta perspectiva, mesmo a maneira como prestamos atenção às coisas à nossa volta e damos a elas uma significação deve ser entendida como socialmente derivada, além de ser dependente da história e da situação biográfica do agente situado. Não existe, portanto, uma análise dos processos atencionais sem uma análise fenomenológica cuidadosa do campo de consciência, dos sedimentos experienciais do Eu em um estoque de conhecimento, de seus projetos pessoais e do conhecimento socialmente derivado e compartilhado que compõem a maneira como nos engajamos no mundo e a ele dedicamos a nossa atenção. A atenção é uma função muito mais complexa do que a seletividade da mente ou da consciência. Ela permite amarrar toda a dinâmica complexa de envolvimento do sujeito com o mundo que a ele sempre se apresenta. Para tanto, é necessário enfatizar o papel da prática engajada e da irrupção ambígua do desconhecido no conhecido e do conhecido no desconhecido.

Schütz permite que o problema da segregação seja recolocado nos termos de uma fenomenologia da percepção e da ação, e é nisto que consiste, em poucas palavras, a sua teoria da relevância. Com base em Gurwitsch, Schütz analisa fenomenologicamente a contextualidade da experiência, mas acrescenta a este terreno uma análise das habitualidades e dos projetos dos quais a experiência atentiva depende. A sua ampliação do conceito de relevância e de irrelevância de Gurwitsch torna possível enxergar a atenção como integrada a sistemas de ordem pessoal e social internamente articulados entre si. Consideramos, a partir disso, que a teoria da relevância possa ser elaborada a fim de dar uma resposta a questões atuais sobre como "selecionamos" o "alvo" de nossa atenção e como a atenção é guiada por uma espécie de "pré-compreensão" ou de "contexto referencial" (Breyer, 2009, p. 251).

Cabe pontuar que a interpretação que Schütz dá ao problema da relevância indica uma insuficiência da tese gestaltista quanto a demonstrar a razão pela qual, dentre diferentes configurações possíveis, ou diferentes Gestalten, uma é privilegiada dentre as demais na perspectiva do agente. Isso o permite clarificar fenomenologicamente os critérios pelos quais o agente dirige a sua atenção a determinados temas do mundo da vida enquanto outros são relegados ao plano de fundo ou à margem e, também, como uma interpretação, dentro de um quadro suficientemente amplo de possibilidades, é selecionada para dar sentido ao que se torna temático. Esta questão, contudo, conduz Schütz a uma posição diferente de Gurwitsch quanto ao papel central da percepção na análise fenomenológica do mundo da vida (Kassab, 1991). Se, para Gurwitsch, é à percepção que cabe o papel de esteio da análise e da estrutura do mundo da vida, para Schütz, este papel cabe ao "trabalho" enquanto ação engajada do sujeito e sempre atrelada, também, a categorias interpretativas ou hermenêuticas, atribuindo, assim, à apercepção um papel diferente daquele dado por Gurwitsch. Este é, talvez, um dos pontos que merece um maior aprofundamento a fim fazer avançar a análise fenomenológica da atenção e do mundo da vida.

Alguns temas associados ao assunto carecem, também, de maior aprofundamento, o que deve favorecer a compreensão dos limites e dos alcances da teoria da relevância gurwitsch-schütziana. Destacamos a conexão entre o estoque de conhecimento e as experiências afetivas, entre estas e a experiência social. Vale salientar, ainda, a importância de uma análise, guiada pelas ferramentas conceituais desta teoria, de como as experiências subjetivas - "a cada vez minhas", na terminologia heideggeriana - podem ser, de fato, apropriadas pelo agente e não simplesmente baseadas em referenciais externos e impróprios. Isso teria o potencial para nos conduzir a uma análise dos fenômenos atencionais na sociedade contemporânea, dentre os quais, por exemplo, a dinâmica entre uma atenção singularizante e uma atenção alienada ou alienante, e os desencaixes entre os sistemas de relevância sociais e aqueles individuais ou subjetivos. Estes pontos podem ser bastante fecundos para a teoria social e para as análises de uma psicologia orientada fenomenologicamente.

 

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Walton, R. J. (2003). On the manifold senses of horizonedness: the theories of E. Husserl and A. Gurwitsch, Husserl Studies, 19: 1-24.         [ Links ]

Wilshire, B. (1968). William James and Phenomenology: a Study of "The Principles of Psychology". Bloomington; London: Indiana University Press.         [ Links ]

 

 

Recebido em 18.10.2020
Primeira Decisão Editorial em 29.07.2021
Aceito em 10.08.2021

 

 

1 Para um estudo comparativo entre a teoria de James e a fenomenologia, veja-se Wilshire (1968). Sobre Bergson e a fenomenologia, veja-se o volume editado por Kelly (2010).
2 Certamente, deve-se ter em conta que as "referências indicativas" devem ser consideradas no interior da diversidade tipológica de atos: perceptivos, imaginativos, rememorativos, lógicos, e assim por diante. Embora, em princípio, estes possam se entrelaçar, no que se chama, atualmente, de "percepção intermodal", a análise das referências indicativas materiais do tema para com o seu contexto - portanto, da relevância - tende a permanecer na esfera de apenas uma modalidade experiencial. Estes cruzamentos modais serão mais bem analisados na teoria de Gurwitsch (2010a) sobre as "ordens de existência" e na teoria de Schütz (1962) sobre as "províncias finitas de significado". Para uma análise comparativa de parte desta questão em Schütz e em Gurwitsch, recomenda-se a leitura do trabalho de Kassab (1991).
3 Para o autor, existem três níveis de modificações temáticas: (1) um primeiro nível onde o campo é reorientado em função do tema sem que o próprio tema seja modificado (como no caso de clarificação do campo temático, seu alargamento ou estreitamento); (2) um segundo nível onde o tema é deslocado do centro do campo temático, mas sem acarretar uma modificação em seu conteúdo material (ele desliza do centro para o campo temático); e (3) um terceiro nível onde há substituição do tema por outro e isto modifica o seu conteúdo material (logo, todo o sistema tema-campo-temático). Os casos referentes à tematização de dados marginais entram na terceira categoria e os de focalização, citados a seguir, na primeira ou na segunda.
4 Para uma análise mais detida sobre as conexões entre a teoria do campo de consciência e uma teoria da atenção, remetemos o leitor ao trabalho de Arvidson (2006).
5 Em uma carta a Schütz, Gurwitsch menciona que o seu interesse está em perguntar "o que constitui o contexto (Zusammenhang) de uma 'ordem de existência' enquanto ordem" (Grathoff, 1989, p. 75). Com isso, diferencia-se do interesse de Schütz em estudar as "realidades múltiplas" (ou províncias finitas de significado) (Schütz, 1962) e coloca como seu conceito operativo principal para investigar o contexto, precisamente, o conceito de "relevância". Apesar disso, reconhece tratar-se de "diferentes maneiras de colocar o problema", mas que chegam a um "mesmo resultado" (Grathoff, 1989, p. 75). Conferir o já citado trabalho de Kassab (1991).
6 Outra carta de Gurwitsch a Schütz, escrita em Junho de 1951, permite vislumbrar esta especificidade da teoria de Gurwitsch e sua diferença relativa à teoria de Schütz: "Fica novamente claro para mim que as nossas diferenças residem, essencialmente, na direção de interesse e que, por esta razão, a construção do túnel pode funcionar. Você está trabalhando na estrutura do comportamento de pessoas que existem no mundo da vida. O meu interesse está na estrutura e na constituição deste mundo em si mesmo" (Grathoff, 1989, p. 135). A metáfora do túnel é construída nesta troca de cartas e indica o fato de que os dois autores chegam a um mesmo ponto por vias diferentes. Esta troca de cartas também é citada por Kassab (1991).
7 O texto de origem desta citação é o mesmo que serve de base para R. Zaner organizar o que é publicado como "Reflexões sobre o problema da relevância " (Schütz, 2011). Consiste, precisamente, no mesmo manuscrito, redigido entre 1947 e 1951. Porém, no caso de Schütz (1996a), o encarregado pela seleção e organização foi H. Wagner, quem faz uso das páginas finais de tal manuscrito, as quais não foram incluídas por Zaner na primeira publicação citada.
8 Schütz dá detalhes acerca do conceito de interpretação em sua obra "A construção significativa do mundo social" (1932/2018). Segue uma definição que nos parece útil: "Interpretação [...] não é outra coisa senão remissão, do desconhecido ao conhecido, do que é apreendido em atos de voltar-se-para aos esquemas da experiência, os quais, no processo do interpretar das vivências próprias, assumem especial função. Esses esquemas são contextos de sentido acabados, sempre disponíveis em estoque no modo de saber (pré-saber), compostos por material categorialmente pré-formado ao qual a vivência a ser interpretada é referida em um novo ato sintético. Nesse sentido, os esquemas da experiência são esquemas de interpretação" (p. 134).

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