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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.9 no.2 São João del-Rei dez. 2014

 

ARTIGOS

 

A implementação do programa bolsa familia no nível local: A Experiência Do Município De Divinópolis/Mg

 

The implementation of the bolsa-família (family allowance) program at a local level: the experience of the city of Divinópolis/Minas Gerais, Brazil

 

La implementación del programa becas de familia a nivel local: la Experiencia Del Municipio Del Divinópolis/Mg

 

 

Rosângela Maria de Sousa Botelho DiasI; Izabel C. Friche PassosII

IPsicóloga, Mestre em Promoção de Saúde e Prevenção da Violência pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Saúde Mental pela Fundação Educacional de Divinópolis (FUNEDI/UEMG) e em Violência Doméstica Contra Criança e Adolescente pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6753521478618377
IIDoutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Professora Associada do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo apresenta uma revisão histórica sobre a constituição do Programa Bolsa Família no contexto do Sistema Brasileiro de Proteção Social e examina sua implementação em uma esfera local. A experiência do município de Divinópolis/Minas Gerais é descrita a partir de entrevistas com profissionais responsáveis pela implantação e desenvolvimento do programa, realizadas no período de junho a agosto de 2012. Como subsídios para a análise, foram obtidas informações complementares por meio de levantamento documental. Ressaltam-se a complexidade e a dinamicidade dos processos, os limites e os avanços relativos à implementação do programa, bem como os muitos desafios de um programa de enfrentamento à pobreza e de inclusão social. Os resultados da pesquisa apontam para a necessidade de diretrizes político-institucionais mais claras que fortaleçam a gestão local por meio da formação de uma equipe intersetorial para a operacionalização do programa, ampliação das ações complementares e melhoria dos fluxos da rede de atenção.

Palavras-chave: Programa Bolsa Família. Pobreza. Política pública. Gestão de programas sociais.


ABSTRACT

The article presents a historical review on the constitution of the Bolsa Família Program within the context of the Brazilian System of Social Protection and it examines its implementation in a local sphere. The experience of the municipality of Divinópolis/Minas Gerais is described from interviews with professionals in charge of the implementation and development of the program, conducted from June to August 2012. Supporting the analysis, additional information was obtained through a documentary survey. We emphasize the complexity and dynamics of the processes, the limits and progress relating to the implementation of the program as well as the many challenges faced by a policy to overcome poverty and to promote social inclusion. The survey results suggest the need for clearer political and institutional guidelines to strengthen local management through the formation of an inter-sector team to render the program operational, to expand the complementary actions, and to improve the flows of the care service network.

Keywords: Bolsa Família Program. Poverty. Public policy. Social policy management.


RESUMEN

El artículo ofrece una revisión histórica sobre La constitución Del Programa Becas Familia en el contexto del Sistema Brasileño de Protección Social y examina su implementación en una esfera local. La experiencia del municipio del Divinópolis/Minas Gerais es descrita a partir de entrevistas con profesionales responsables de La implantación y desarrollo del programa, realizadas en el período de junio a agosto de 2012. Como apoyo para el análisis, se obtuvieron informaciones complementarias a través de auxilio documental. Se resalta la complejidad y el dinamismo de los procedimientos, los límites y avances relativos a la implementación del programa, así como los muchos retos de una política de superación de la pobreza y de la exclusión social. Los resultados de la investigación apuntan a la necesidad de directrices político-institucionales más claras que fortalezcan la gestión local mediante la formación de un equipo interdisciplinar para la operatividad del programa, la ampliación de las acciones complementarias y la mejora de los flujos de red de atención.

Palabras-clave: Programa Bolsa Familia. Pobreza. Política Pública. Gestión de Programas sociales.


 

 

Introdução

O Programa Bolsa Família (PBF), instituído pela Lei nº 10.836/2004, consiste em um programa de transferência de renda que visa garantir o acesso aos direitos sociais básicos às famílias brasileiras de baixa renda. A inserção no PBF acarreta exigências, denominadas condicionalidades, que são contrapartidas a serem cumpridas pelas famílias nas áreas da saúde, educação e assistência social, para garantir o recebimento mensal do benefício. A articulação intersetorial e a cooperação intergovernamental nos níveis federal, estaduais e municipais são princípios norteadores das ações do programa.

Ressalta-se a complexidade do PBF que pressupõe o envolvimento de uma diversidade de instituições no seu processo de operacionalização, pertencentes a um contexto histórico de tradição assistencialista e de programas sociais fragmentados e descontínuos. Os desafios para que o programa se constitua em estratégia de enfrentamento dos problemas relacionados à fome e à pobreza, com repercussões significativas em termos de inclusão social das famílias atendidas, são agravados pelas ambivalências próprias às políticas públicas setoriais que, por vezes, reproduzem enfoques restritivos, perspectivas discriminatórias e meios insuficientes para a promoção da autonomia dos beneficiários.

O tema enseja múltiplas e complexas reflexões quando consideramos o aprimoramento das políticas sociais à luz dos ideários da democracia. Por meio do diálogo com autores e produções científicas da atualidade, e esperando contribuir para o debate, serão enfatizadas neste artigo duas dimensões entendidas como fundamentais na discussão do Programa, a saber: a articulação intersetorial e a efetividade da política em termos de inclusão social e ampliação da autonomia das famílias. Tais dimensões serão abordadas a partir do problema da gestão das condicionalidades e, especialmente, das ações complementares ao Programa.

A compreensão desses aspectos pressupõe uma contextualização histórica da constituição do PBF no âmago do Sistema Brasileiro de Proteção Social, de modo a se explicitarem os pressupostos legais e conceituais que o fundamentam. Faremos uma breve retrospectiva histórica como pano de fundo para a análise exploratória sobre a implantação do programa, no município de Divinópolis/MG, a partir de entrevistas semiestruturadas, realizadas no período de junho a agosto de 2012, com os profissionais responsáveis por sua operacionalização no município. Os resultados aqui apresentados são parte de pesquisa qualitativa mais ampla que visa explorar as percepções das próprias famílias beneficiadas sobre o PBF, o que será objeto de outro artigo1.

 

As políticas de transferência de renda no cenário brasileiro: um breve histórico

Anteriormente à Constituição Federal de 1988, o modelo de proteção social se relacionava estritamente ao trabalho formal e se consolidava pela via contributiva. A proteção social pelo viés contributivo não se mostrou suficiente para atingir todos os trabalhadores, especialmente os que se encontravam no meio rural e no mercado informal do trabalho (Comisión Económica para América Latina y el Caribe, 2006). A Carta Magna de 1988 veio ampliar o conceito de cidadania, preconizando a universalização de direitos sociais e instituindo o Sistema de Seguridade Social, incluindo nele a Saúde, a Previdência e a Assistência Social, embora o processo de universalização dos direitos sociais no Brasil seja sempre perpassado por forças antagônicas ligadas a diferentes interesses sociais, políticos e econômicos.

A necessidade de um reposicionamento do Estado perante problemas sociais como fome e pobreza tornou-se premente em uma conjuntura de transformações sociais e ajustes econômicos que atingem amplas camadas da população. Conforme ressalta Monteiro (2003), a fome, em sua dimensão crônica, despertou a preocupação de estudiosos e lideranças que consideram os riscos a que fica exposta toda uma coletividade quando a fome, decorrente de extrema pobreza, faz-se presente.

No Brasil, a publicação do livro Geografia da Fome, em 1946, por Josué de Castro, dá visibilidade ao tema, contrapondo-se à concepção de que a fome é um fenômeno natural e impossível de ser revertido. Sua obra expõe estudos sistematizados sobre a insegurança alimentar presente no País, considerando as especificidades das diferentes regiões brasileiras. O autor explica as consequências danosas de uma alimentação escassa ou pobre em nutrientes e argumenta que a insegurança alimentar, vivida por uma determinada faixa populacional, decorre da má distribuição de terra e das condições de produção e distribuição desiguais de alimentos. Aponta medidas para o enfrentamento do problema e a responsabilidade dos governantes pela situação da fome no País (Brasil, 2014).

Estudo desenvolvido por Lavinas e Varsano (1997) evidencia que:

... a pobreza continua a ser um dos principais problemas - senão o principal - que o país tem a enfrentar. Há razões, de natureza ética e humanitária, mais que suficientes para que se sustente a necessidade de atribuir prioridade às ações governamentais que visem reverter o quadro brasileiro de profunda desigualdade social (p. 1).

Para além das fronteiras brasileiras, o apontamento desse problema, em âmbito mundial, culminou em propostas de programas no campo das políticas públicas. Sob influência de processos mundiais antagônicos que, por um lado, expressam avanços em termos de conquista de direitos humanos e inclusão social e, por outro, representam a força de organismos internacionais, como o Banco Mundial e o FMI, como instâncias agenciadoras de interesses econômicos, ocorreram processos de redefinição da nova economia mundial e a reconfiguração das políticas públicas sociais e educacionais pelos estados nacionais. Segundo Nogueira e Simionatto, citados por Lavergne (2012), a defesa dos programas de combate à pobreza pelo Banco Mundial, por exemplo, reflete um receio de que a população pobre represente uma ameaça de "fratura social". Assim, os programas emergentes nem sempre se configuram pela ampliação do acesso, justiça e integração social, mas se orientam pela perspectiva de segurança e assistência.

De acordo com Suplicy (2002), experiências desenvolvidas desde 1930 em diversos países da Europa e, a partir de 1935, nos Estados Unidos e América Latina, com algumas variações, focalizavam famílias pobres e buscavam garantir a escolarização de crianças e adolescentes. O autor destaca o Fundo Permanente do Alasca, que destina aos moradores do estado uma concessão monetária anual, considerando o Produto Interno Bruto (PIB) e a Basic Income Earth Network (BIEN) - uma rede de articulação mundial, criada em 1986, em defesa de uma renda básica, numa perspectiva universal.

Conforme Silva (2011), a discussão sobre a introdução de um programa de renda mínima no cenário nacional como medida de enfrentamento da fome foi inaugurada em 1975, com a publicação do artigo de Antônio Maria da Silveira intitulado Redistribuição de Renda, no qual afirma que a estruturação da economia brasileira não permitia a todos o acesso ao atendimento de suas necessidades de sobrevivência, nem mesmo entre os que tinham um trabalho garantido, não verificando uma relação adequada entre crescimento econômico e bem-estar social. Esse autor apontava a necessidade de uma ação governamental diante da pobreza, apresentando a primeira proposta de transferência de renda no contexto brasileiro.

O debate é retomado com a apresentação do Projeto de Lei nº 80/1991, de autoria do Senador Eduardo Matarazzo Suplicy, propondo o Programa de Garantia de Renda Mínima para todo brasileiro, a partir de 25 anos de idade, que foi aprovado pelo Senado Federal em 16 de dezembro de 1991 (Silva, 2010). Sua proposta encontra fundamentos em princípios religiosos de solidariedade e justiça, apoiando-se em filósofos clássicos como Confúcio e Aristóteles; estudiosos no campo das ciências sociais e econômicas, como Thomas More, Karl Marx, Adam Smith e Karl Polanky, entre os quais se identificam ideias similares (Suplicy, 2002).

Em 1993, a discussão sobre a fome e a pobreza é intensificada pela Campanha Nacional de Ação de Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida, sob liderança do sociólogo Herbert de Sousa, conhecido por Betinho, agregada pelo governo do Presidente Itamar Franco ao Plano de Combate à Fome e à Miséria. A partir de 1996, os primeiros programas de transferência de renda passaram a ser diversificados e setorizados, ou seja, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e o Vale Gás (Silva, 2008) foram vinculados a diferentes Ministérios. Desse modo, os programas resultavam em duplicidade de ações e superposição de objetivos, apresentavam competências e mecanismos de operação fragmentados e descontínuos, sem articulação com outros setores, procurando dar respostas diferentes a determinados aspectos relacionados à saúde e à condição socioeconômica de uma dada população.

Em um contexto de ampliação de experiências pioneiras, o Projeto de Lei nº 266/2001 e o lançamento do livro Renda de Cidadania: a saída é pela porta, de 2002, ambos de autoria do Senador Eduardo Suplicy, colocaram em evidência a questão da universalidade dos direitos sociais garantidos pela Carta Magna. A partir de 2003, o governo de Luis Ignácio Lula da Silva marca o redimensionamento das políticas sociais em torno do Fome Zero, principal estratégia de enfrentamento da fome e da pobreza no Brasil. A lei foi sancionada em 8 de janeiro de 2004, instituindo a Renda Básica de Cidadania e definindo que se deve contemplar, inicialmente, a camada mais pobre da população (Silva, 2011).

Criado em 2003, por Medida Provisória, e instituído em lei regulamentada pelo Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004, o Programa Bolsa Família (PBF) unifica os programas sociais anteriores. Em 2004, é criado, também, o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), unificando o Ministério da Assistência Social e o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (Silva, 2011). O MDS torna-se o responsável por disciplinar os procedimentos pertinentes à gestão unificada do Programa Bolsa Família, cabendo à Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (SENARC) sua operacionalização.

A evolução histórica da Política Social brasileira em direção à construção de uma Política Pública de Transferência de Renda, orientada para a focalização em grupos considerados vulneráveis, consolida-se como mecanismo central na constituição do Sistema Brasileiro de Proteção Social.

De acordo com Silva (2011), alguns autores defendem que o critério de focalização contraria os princípios e objetivos universais que fundamentam a estreita relação entre políticas públicas e direitos sociais, afirmando que a seletividade de determinada faixa populacional para acesso aos serviços públicos pode gerar humilhação, estigmatização e culpabilização das famílias pela situação de pobreza.

Nesta discussão, destaca-se a ideia de que a universalização é um princípio inegociável e única forma de garantia de direito. No entanto, considerada a atual conjuntura histórica, a desigualdade social e a lenta evolução do processo democrático do País, a universalidade deve ser compreendida, em primeiro lugar, como o direito de todos que não têm condições de cidadania.

Com a implantação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), em 2004, define-se a centralidade do trabalho socioassistencial na família. A constituição do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), em 2005, confere à assistência social o estatuto de política pública de Estado, estabelecendo-se novos pactos de adesão entre os entes federados em cada esfera de governo.

No âmbito do SUAS, a política se organiza em duas vertentes: a Proteção Social Especial (PSE), que abrange ações perante a violação de direitos, e a Proteção Social Básica (PSB), que se destina à prevenção de situações de risco e vulnerabilidade, decorrente de pobreza e exclusão. A PSE se concretiza por meio dos Centros de Referência Especializados da Assistência Social (CREAS), e a PSB por meio do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), unidade pública estatal que se constitui como referência local de assistência social responsável por coordenar, em rede, os serviços socioassistenciais e socioeducativos, "prioritariamente para famílias beneficiárias de transferência de renda", conforme orientações técnicas para os CRAS (Brasil, 2009a). No dizer de Afonso, a dimensão socioassistencial "abrange o apoio efetivo ao usuário, potencialização da rede de serviços e acesso a direitos", e a dimensão socioeducativa "aborda o usuário como sujeito sociocultural, visando inclusão, reflexão, integração e participação" (Afonso, 2008, p. 14).

Sob as diretrizes do MDS, ocorre a ampliação da Política Nacional de Assistência Social por meio do Programa de Atenção Integral à Família (PAIF), desenvolvido nos CRAS. Segundo as Orientações para o Acompanhamento das Famílias Beneficiárias do Programa Bolsa Família no âmbito do SUAS, a articulação entre o PBF e o PAIF visa concretizar a prevenção de situações de risco, evitando que as famílias necessitem de atendimento no âmbito da PSE (Brasil, 2006).

Com a publicação das Orientações Técnicas sobre o PAIF, volumes I e II, em 2012, o PAIF passa a ser denominado Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família, visando se consolidar como um programa de caráter "[...] preventivo, protetivo e pró-ativo, reconhecendo as famílias e seus membros como sujeitos de direitos" (Brasil, 2012a, p. 12). De acordo com o modelo de gestão descentralizada do PBF e com a dimensão territorial dos CRAS, onde as ações do PAIF se materializam, esses serviços se configuram como executores locais mais próximos das famílias beneficiárias.

A Lei nº 10.836/2004, que regulamenta o PBF, define família como "a unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco ou de afinidade, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de seus membros" (art. 2º, inciso IV, §1º). A inserção no programa ocorre por meio de inscrição no Cadastro Único para todos os programas sociais do Governo Federal, aberto a famílias com renda de até três salários mínimos e renda per capita de até meio salário mínimo. Mas apenas famílias com renda per capita mensal de até R$140,00 são incluídas no PBF, conforme o Decreto nº 5.749 do MDS (Brasil, 2012b), segundo o qual famílias pobres são definidas como aquelas que possuem renda entre R$70,01 e R$140,00 e extremamente pobres, até R$70,00 per capita mensal. Os valores dos benefícios do PBF variam entre R$32,00 e R$306,00, segundo a composição familiar2.

O Programa Bolsa Família estabelece condicionalidades, ou seja, compromissos que a família deve cumprir nas áreas da educação e da saúde para garantir o recebimento do benefício. A imposição de condicionalidades decorre do pressuposto de que o investimento na educação e saúde das crianças pode contribuir para o rompimento da trasnmissão intergeracional da pobreza.

Segundo Pires, "o pressuposto desse entendimento é que os filhos dos mais pobres, por meio do acesso aos serviços de educação e saúde, ampliariam seu Capital Humano e, assim, obteriam maiores possibilidades de ingressar no mercado de trabalho, gerar renda e sair da condição de pobreza quando adultos" (Pires, 2013, p. 515). Nessa concepção, os anos passados na escola garantiriam a formação do capital humano necessário ao ingresso no mercado de trabalho e o desempenho das habilidades esperadas no âmbito profissional. Não obstante, o autor aponta críticas de vários estudiosos à associação entre a Teoria do Capital Humano e programas de transferência de renda. Questiona especialmente a ideia de que a frequência seria suficiente para romper o ciclo intergeracional da pobreza.

De acordo com Eduardo Suplicy (Suplicy, 2002), no Brasil, esse formato de utilizar a transferência condicionada de renda surgiu a partir das contribuições à discussão sobre as propostas iniciais dos Programas de Renda Mínima, do economista José Márcio de Camargo. Segundo o autor, as crianças são estimuladas a ingressar em atividades laborais em idade precoce, para contribuir com a renda familiar em razão das necessidades socioeconômicas de grande contingente da população. Como consequência, a redução da escolaridade por entrarem cedo no mercado de trabalho diminuiria as possibilidades de alcançarem novos patamares socioeconômicos na vida adulta.

Diante desse quadro, o Estado deveria garantir uma renda familiar de maneira a possibilitar o incremento da escolaridade das crianças e aumentar suas chances de saírem da pobreza, quando adultas.

O entendimento que condiciona frequência escolar à superação do ciclo de reprodução da pobreza, presente no desenho do PBF, tem sido objeto de várias discussões e divergências. De acordo com Pires (2013), em contraposição à ideia de que a escolarização garantiria melhores oportunidades de ingresso no mercado de trabalho encontra-se a defesa de que, para além da mera frequência escolar, educação implica em condição de desenvolvimento de habilidades e competências que dependem, entre outros aspectos, da qualidade do ensino oferecido.

Outro ponto de debate, apontado por Navarro (2011), é a proposta de que as condicionalidades sejam uma forma de promover o acesso aos serviços de saúde, educação e assistência social, por um lado, e, por outro, a indicação da incapacidade do Estado em ofertar serviços básicos de qualidade e de absorver a demanda dos beneficiários na rede pública desses serviços.

Por outro ângulo, Monnerat (2007) aponta que a imposição de condicionalidades fere o direito incondicional de cidadania e reedita uma antiga concepção moral sobre a pobreza que a associa à falha de caráter individual, cuja origem remonta aos padrões de relações típicas da ordem feudal, quando a visibilidade e emergência da pobreza, como questão social, introduziram, desde cedo, a associação entre assistência e trabalho. Segundo a autora, embora assinaladas na regulamentação do programa como forma de incentivar o acesso às políticas sociais básicas e promoção da superação do ciclo intergeracional da pobreza, "na legislação complementar, a operacionalização das condicionalidades é definida de forma coercitiva, distanciando-se da concepção de inserção social" (Monnerat, 2007, p. 1453)3.

Uma vez estabelecidas as condicionalidades, portarias interministeriais definem os procedimentos para a gestão. Na área da educação, a Portaria do MDS/MEC nº 3.789/2004 define a exigência de 85% de presença na carga horária mensal escolar de crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos e de 75% de frequência para adolescentes entre 16 e 17 anos. A razão dessa diferença de exigências não é esclarecida na política.

Na área da saúde, a Portaria do MDS/MS nº 2.509/2004 estabelece o cumprimento da agenda de pré-natal pelas gestantes, acompanhamento da vacinação, desenvolvimento e nutrição infantil, conforme diretrizes e programas do Ministério da Saúde, bem como a participação das famílias em atividades educativas, ofertadas pelas equipes de saúde (Brasil, 2004).

O descumprimento das condicionalidades gera efeitos gradativos no benefício da família, desde advertência a bloqueio, suspensão ou cancelamento, de modo a se evitar o desligamento imediato do programa. A advertência visa alertar a família sobre alguma irregularidade, não havendo repercussão imediata sobre o benefício. O bloqueio permite a possibilidade de recurso e liberação do benefício retroativamente, caso a situação seja regularizada. A suspensão implica na possibilidade de recurso e liberação do benefício, mas não de forma retroativa. O cancelamento corresponde ao desligamento do programa por descumprimento das condicionalidades, por alteração da renda familiar ou voluntariamente.

De acordo com o MDS (Brasil, 2009b), entende-se que a garantia de uma renda mensal articulada com o acompanhamento familiar por meio das ações do PAIF ou de outras políticas setoriais é a estratégia mais adequada para se trabalhar a superação das vulnerabilidades sociais.

O acompanhamento das condicionalidades visa, em tese, à identificação dos principais problemas vivenciados pelas famílias, em situação de pobreza, ao reconhecimento das regiões em situações de maior vulnerabilidadee e em fornecer subsídios para a implementação de medidas que contribuam para orientar as ações do governo, por meio de uma atuação intersetorial integrada e territorializada.

A dimensão da intersetorialidade como modelo de gestão de uma política pública é amplamente discutida por Navarro (2011), que aponta que as políticas públicas definidas não mais por setores, mas por temáticas, tal como a pobreza, tornam-se cada vez mais complexas, dada a necessidade de múltiplos olhares e ações sobre a mesma questão. No dizer da autora:

A intersetorialidade é, porém, resultado de um processo ainda pouco claro e descoordenado de modelo de gestão de políticas públicas, cuja problematização impõe desenvolvimento de modelos integrativos de gestão governamental. Pouco clara, pois a normatização associada aos programas somente recentemente forneceu orientações aos municípios sobre quais as ações e estratégias configuram uma ação intersetorial. Descoordenada, no sentido que os setores envolvidos interagem pouco para produzir os resultados previstos no programa, ou seja, o elo entre os setores ainda é fraco, com baixa troca de informações, experiências e trabalho em equipe (Navarro, 2011, p. 25).

A autora busca a definição conceitual do termo intersetorialidade a partir de Cunill Grau (2005), Junqueira, (2005) e Coelho (2009), chegando a formular que uma atuação intersetorial consiste em uma estratégia que envolve interação, comunicação e compartilhamento de saberes e poder entre atores de diferentes setores em torno de objetivos comuns. Destaca, ainda, que a intersetorialidade é um processo político e está diretamente relacionada a uma decisão de gestão. Ou seja, o modelo de gestão adotado reflete na criação ou não do que a autora chama de "estruturas de oportunidades", referindo-se à criação de espaços de discussão que promovam aproximação e ampliação de redes de contatos entre atores de diferentes setores, estabelecimento de canais de comunicação mantidos, permanentemente, por um órgão de coordenação intersetorial, assim como disponibilidade de informação e recursos, maior ou menor participação na gestão concernentes a decisões que potencializem a oferta de serviços e o acompanhamento dos beneficiários da política pública (Navarro, 2011).

Evidencia-se que "a intersetorialidade tem como um de seus objetivos a horizontalização das relações entre os setores com base na interdependência dos serviços, superando as vicissitudes da hierarquia burocrática setorial" (Navarro, 2011, p. 31). A autora adverte ainda que a intersetorialidade não ocorre imune a conflitos. Ademais:

... os atores da burocracia que estão envolvidos, não agem somente conforme fiéis executores dos serviços de normas e regras, sem acionar seus referenciais [...] mas exercem suas funções e desenvolvem seus papéis conduzidos também com base em suas experiências, valores, visões de mundo e contexto no qual estão inseridos (Navarro, 2011, p. 19).

A ação intersetorial é associada ao trabalho em rede, conforme aponta Comerlatto et al. (2007):

Uma vez perfazendo uma ação intersetorial, as redes de base local e/ou regional reclamam por valorização e qualificação na interconexão de agentes, serviços, organizações governamentais e não-governamentais, movimentos sociais e comunidades. Intervir em rede, na atualidade, requer que se estabeleçam, entre as diversas instituições de defesa de direitos e prestadores de serviços, vínculos horizontais de interdependência e de complementaridade (p. 269).

Segundo os autores, o trabalho em rede tem como objetivo "garantir a integralidade da atenção aos segmentos sociais mais vulnerabilizados". No entanto, a intersetorialidade é um desafio no contexto em que a exclusão social é marcante e o controle social da administração dos interesses públicos não se estabelece como prática comum na sociedade atual.

A partir da concepção de Comerlatto et al. (2007):

A intersetorialidade deve representar um espaço de compartilhamento de saber e de poder, de estruturação de novas linguagens, de novas práticas e de novos conceitos e que, atualmente, não se encontram estabelecidos ou suficientemente experimentados [...]. Sua construção, se manifesta em inúmeras iniciativas, é parte de um processo transformador do modo de planejar, realizar e avaliar as ações intersetoriais ... (p. 270).

Os estudos sobre a intersetorialidade colocam em evidência que as políticas setoriais e ações compartimentadas são insuficientes, se consideradas as múltiplas faces dos problemas sociais. Soluções efetivas pressupõem articulação de várias políticas, tais como habitação, meio ambiente, saúde, educação, cultura, esporte, entre outras. Conforme sugere Nascimento (2010), baseado em Koga (2003), Ribeiro (2007) e Sposati (2006), a intersetorialidade é uma forma de associar os objetivos da assistência social e a transferência de renda a outras políticas; o território é pensado como "local privilegiado para realizar a articulação entre as politicas de desenvolvimento urbano e as sociais por considerarem importante a presença dos sujeitos que são alvo das referidas políticas, bem como a valorização desses sujeitos no atendimento aos direitos sociais por eles demandados" (Nascimento, 2010, p. 99).

Procurando conhecer a regulamentação sobre intersetorialidade com base em estudo dos documentos da política de habitação, áreas de reabilitação e saneamento ambiental, Nascimento (2010) identifica a inexistência de propósito de uma atuação intersetorial dessas políticas com a política de assistência social. O autor questiona a anulação da política social, se o público atendido é o mesmo, ou seja, a população pobre e residente em áreas precárias.

No que concerne aos documentos, o autor destaca ser importante a intersetorialidade se exprimir no âmbito local, por meio do Plano Municipal da Assistência Social, assim como no Plano Diretor Municipal, salientado a necessidade de que as outras políticas produzam planos locais, tanto para expressar a intersetorialidade como para organizar e planejar as ações de cada política (Nascimento, 2010).

A operacionalização do PBF envolve, de início, a realização do Cadastro´Único no âmbito municipal, cabendo ao MDS a inclusão das famílias no Programa, e à Caixa Econômica Federal o fornecimento do Número de Identificação Social (NIS), o cartão magnético e a abertura de conta bancária para recebimento mensal do benefício pelo responsável familiar que figura como titular no Programa.

Estudos sobre a gestão das organizações públicas no Brasil apontam que, no caso do PBF, "o insulamento burocrático propiciado pela participação da CEF e pela normatização da NOB/SUAS é, em muito, responsável pelo baixo vazamento do Programa" (Helal e Neves, 2010, p. 334), assim como consideram que a capilaridade das Prefeituras propicia o elemento inserção social necessário ao sucesso de implementação em termos de focalização do público alvo. O insulamento burocrático é visto como uma forma de superação dos traços patrimonialistas na Administração Pública.

Destaca-se, ainda, a criação do Índice de Gestão Descentralizada (IGD), com a finalidade de potencializar e incentivar novas iniciativas da gestão do PBF. O IGD foi regulamentado pela Lei nº 12.058, de outubro de 2009 e foi estabelecido como um indicador utilizado para avaliar mensalmente o desenvolvimento das ações do PBF quanto aos resultados da gestão descentralizada, cadastramento, gestão dos benefícios e das condicionalidaes, articulação intersetorial, implementação das ações de promoção socioeconômica das famílias e procedimentos de controle. Com base no IGD, o município recebe repasses financeiros do Governo Federal.

As ações do Programa no contexto da assistência social voltam-se para o acolhimento das famílias, prestação de informações, orientações e encaminhamentos específicos, inclusão em programas complementares e acompanhamento das condicionalidades, estabelecendo-se uma relação dialética entre os contornos do programa, a forma de abordagem e o posicionamento dos beneficiários em face das (im)possibilidades de superação da pobreza e inserção social.

Feita essa rápida apresentação do quadro institucional do Programa, passamos a analisar a experiência de sua implementação no município de Divinópolis, Minas Gerais.

 

O Programa Bolsa Família no município de Divinópolis: a experiência local em destaque

O município de Divinópolis/MG possui, aproximadamente, 213.076 habitantes em uma área territorial de 708,115 Km2, sendo considerado, assim, de grande porte. O PIB do município é 3,37 bilhões, segundo estimativa do IBGE, em 2010, ocupando a 165ª posição no estado de Minas Gerais em termos de renda per capita. Localizado na região centro-oeste do Estado, caracteriza-se, principalmente, pela indústria confeccionista, metalúrgica e siderúrgica. Divinópolis conta com uma Universidade Federal com campus, saúde e programas de pós-graduação e com três faculdades particulares, das quais duas oferecem curso de Serviço Social.

A implantação do Programa Bolsa Família, em Divinópolis, deu-se em 2005, pela Secretaria Municipal de Promoção Humana, hoje designada Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SEMDS). Concomitante à adesão do município ao PBF foi criada a Comissão de Controle Social do Programa, constituída por paridade de representação do governo e da sociedade civil, conforme determina o MDS, prevendo-se o exercício do controle social por meio da participação dessa instância no planejamento, acompanhamento, fiscalização e avaliação dos processos de gestão da Bolsa Família.

 

Características gerais do PBF no nível local

A descrição do desenvolvimento do Programa Bolsa Família no município, feita aqui, baseia-se em entrevistas realizadas com oito profissionais das áreas da assistência social, da saúde e da educação, responsáveis por sua operacionalização. As informações obtidas foram confrontadas por levantamento documental. De acordo com os entrevistados, a implantação do PBF envolveu capacitações e reuniões com profissionais dessas três áreas para o planejamento de ações pertinentes a cada uma delas, ficando o gerenciamento do cadastro das famílias sob a responsabilidade da assistência social. O público que integrava os diversos programas sociais anteriores migrou para o PBF, observando-se os critérios de focalização estabelecidos pelo Governo Federal e o teto financeiro estipulado para cada município, relativo à estimativa de famílias pobres e à disponibilidade orçamentária destinada ao PBF. Os profissionais destacaram o importante apoio de estudantes do curso de Serviço Social de uma das faculdades na realização de entrevistas e visitas domiciliares no processo de implantação do programa.

O número de beneficiários do Programa Bolsa Família variou, anualmente, desde sua implantação em Divinópolis. Conforme dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010), a estimativa de famílias de baixa renda, com perfil para o Cadastro Único no município era de 12.049, e a estimativa de famílias pobres com perfil para o PBF, de 5.953. Consulta ao site do MDS (2013) revelou que, em maio de 2013, havia 16.726 famílias inscritas no Cadastro Único; 2.665 com renda per capita familiar de até R$70,00, caracterizando situação de extrema pobreza; 9.923 com renda per capita familiar de até R$140,00, definidas, assim, em situação de pobreza; 14.682 famílias cadastradas possuíam renda per capita familiar de até meio salário mínimo e 7.258 famílias com renda per capita mensal entre R$70,01 e R$140,00. No mesmo mês de maio de 2013, o PBF beneficiou 4.408 famílias, representado uma cobertura de apenas 74 % da estimativa de famílias pobres ou em extrema pobreza do município. O valor médio do benefício foi de R$110,29 e o valor total transferido pelo Governo Federal em benefícios às famílias atendidas alcançou R$486.138,00 (Brasil, 2013).

A título de comparação, esse valor médio do benefício do programa pode ser considerado baixo para a garantia de condições mínimas, como a segurança alimentar, pois é muito inferior ao valor do salário mínimo de R$678,00 vigente no país na época, também considerado como insuficiente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 2013) para satisfazer as necessidades básicas de uma família. O DIEESE estipulou, em maio de 2013, que o salário mínimo deveria ser de R$2.873,56, segundo cálculo do preço dos produtos da cesta básica no Brasil. Portanto, um valor 4,24 vezes maior que o salário mínimo em vigor.

Para o estudo proposto, é importante uma contextualização sobre a organização da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, responsável pela gestão do PBF. O PBF e o Cadastro Único encontram-se vinculados à Gerência de Planejamento e Gestão dessa secretaria. A prestação de serviços assistenciais à população de baixa renda se dá por intermédio dos CRAS, ligados à Gerência de Proteção Social Básica. Assim, o PBF e o CRAS encontram-se sob gerências distintas. Os profissionais destacaram a falta de integração tanto entre as secretarias responsáveis pela operacionalização do PBF como no interior das próprias secretarias. Assim, a proposta de cooperação intergovernamental e de articulação intersetorial, reiterada no plano teórico, fica comprometida, na prática, dada a concorrência entre prioridades e ênfases, fontes de financiamento e modelos organizacionais divergentes, gerando uma irracionalidade cujos efeitos atingem os diversos pontos da rede de atenção.

Os quatro CRAS, distribuídos territorialmente no município e designados conforme sua localização, possuem equipes técnicas e coordenações com vínculo efetivo e educadores sociais com vínculo precário. A equipe técnica trabalha 20 horas semanais e os coordenadores e educadores sociais, 40 horas. Os serviços funcionam das 7 às 11h e das 13 às 17h. Enquanto a existência de profissionais efetivos atende a normativa legal, a situação dos educadores gera alta rotatividade e descontinuidade nos serviços prestados.

Em 2008, a Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), em parceria com a Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI), criou o Índice de Desenvolvimento dos CRAS (IDCRAS), com a finalidade de monitoramento por meio do Censo SUAS, que estabelece a combinação dos seguintes indicadores dimensionais: atividades realizadas, horário de funcionamento, recursos humanos e estrutura física. O IDCRAS no município de Divinópolis alcançou, em 2011, os seguintes resultados descritos na Tabela 1 e na Figura 1.

Pela Tabela 1, podemos constatar que, apesar de a estrutura física não ser suficiente em quase todos os CRAS, as equipes demonstram um alto grau de desempenho.

Conforme o exposto na Figura 1, os resultados do IDCRAS do município são discrepantes entre si. Os CRAS Sudoeste e Nordeste apresentam ID acima das médias nacional e estadual, respectivamente, 6,75 e 6,16, enquanto os CRAS Sudeste e Noroeste ficam bem abaixo. Vale destacar que o CRAS Noroeste encontrava-se em fase de implantação no ano avaliado. Tais resultados, aqui considerados baixos, levam ao apontamento da necessidade de estudos mais enquanto os CRAS Sudeste e Noroeste ficam bem abaixo. Vale destacar que o CRAS Noroeste encontrava-se em fase de implantação no ano avaliado. Tais resultados, aqui considerados baixos, levam ao específicos e aprofundados que possam subsidiar medidas para a qualificação e equiparação dos serviços, considerando-se que a localização inadequada de alguns dos CRAS e a falta de investimento em ações preventivas, que é a função prioritária desses serviços, acarretam consequências em cascata no acompanhamento às famílias.

De acordo com os entrevistados, a operacionalização do PBF na SEMDS está sob responsabilidade de uma equipe de onze membros, dos quais apenas seis são profissionais efetivos e apenas dois possuem nível superior. Os outros cinco são estagiários que atuam como entrevistadores das famílias no momento do cadastro.

Os profissionais entrevistados apontaram alguns aspectos positivos da gestão do programa: investimento em capacitação em sua fase inicial; adequações do espaço físico, de que é exemplo o aumento no número de equipamentos de informática para gerenciamento de dados do Cadastro Único e definição de uma referência técnica para o PBF. No entanto, alguns desafios persistem e foram igualmente apontados: defasagem do aparelhamento e da infraestrutura física para atendimento ao público e problemas de conexão à internet; a inexistência de uma equipe intersetorial exclusiva para a gestão do PBF, o que poderia ajudar a superar a sobrecarga dos profissionais e a centralização das informações. Outro aspecto apontado foi a fragmentação das ações e a falta de locais de referência para atendimento ao público do Bolsa Família, que fica sem saber a quem recorrer para obter orientações. Foi sugerido investimento em capacitação continuada e ampliação da equipe técnica efetiva destinada ao acolhimento das famílias, hoje sob a responsabilidade de estagiários, de modo a conferir maior profissionalismo e estabilidade dos servidores nas respectivas áreas de atuação. Foi indicada a necessidade de se estabelecer interlocutores que façam a ponte entre a gestão do PBF e os CRAS, assim como entre as áreas de assistência social, educação, saúde e outras políticas setoriais, como habitação e inclusão produtiva.

 

A construção da gestão compartilhada do programa com enfoque nas condicionalidades

No PBF, a escolarização é vista como o exercício de um direito e elemento importante para o rompimento do ciclo de reprodução da pobreza entre as gerações. O acompanhamento à frequência escolar do público do PBF ocorre por meio de registros escolares e lançamento de informações codificadas na página eletrônica do Projeto Presença, do MEC, a cada dois meses. A frequência escolar dos alunos vinculados ao PBF, de acordo com dados do MDS (Brasil, 2012c), foi disposta na Tabela 2.

Como se evidencia na Tabela 2, a frequência escolar do público do PBF no município, nos meses de abril e maio de 2012, atingiu o percentual mais elevado entre crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos, comparando-se com a frequência entre adolescentes na faixa de 16 e 17 anos. Os motivos de baixa frequência, conforme o Relatório Gerencial da SEMED, no 1º semestre de 2012, na faixa etária entre 6 e 15 anos foram: ausência por questão de saúde do aluno; negligência dos pais ou responsáveis; abandono escolar e desistência; desinteresse, desmotivação para os estudos. Na faixa etária de 16 e 17 anos, observa-se, na grande maioria dos casos, o abandono escolar e desistência, seguido de desinteresse e desmotivação para os estudos.

Sobre os resultados, somos levados a discordar do uso generalizado do termo negligência dos pais ou responsáveis como justificativa para a infrequência escolar, uma vez que o acompanhamento às famílias por meio do trabalho no CRAS coloca em evidência os casos de doença na família, falta de vale-transporte, falta de entendimento sobre as condicionalidades do programa e condições de violência na escola associados à baixa frequência. Dessa forma, analisamos que o uso do termo negligência pode servir como solução apressada para fins de preenchimento do formulário ou mesmo refletir uma visão reducionista e etnocêntrica de certas concepções sobre as famílias em situação de pobreza.

Os casos de abandono escolar e desistência, entre adolescentes, atribuídos a uma fase da vida caracterizada por uma busca de maior autonomia, podem estar também relacionados à necessidade de trabalhar, para aumentar a renda da família.

Embora o índice de frequência seja considerado elevado entre os beneficiários do PBF, a frequência escolar não significa internalização do valor da educação a partir da experiência e da história familiar. Vale salientar, ainda, que a frequência em si não corresponde à garantia de acesso a novas oportunidades. Esse aspecto foi analisado em profundidade, tendo como base entrevistas com os beneficiários do programa, na segunda etapa da pesquisa, e foi objeto de outro artigo, ainda em submissão.

Sobre as providências, quanto ao descumprimento de condicionalidades da educação, a escola encaminha relatórios para a Comissão de Controle Social do PBF, a qual os direciona para os CRAS para acompanhamento às famílias. Os profissionais entrevistados ressaltaram a importância do estabelecimento de um espaço de discussão sobre a gestão das condicionalidades que envolvesse todas as áreas responsáveis, visando a um nivelamento conceitual, maior esclarecimento sobre as funções específicas de cada órgão da rede de atenção e estabelecimento de um fluxo de comunicação e encaminhamentos, de forma a equacionar melhor os problemas vivenciados no cotidiano.

Os profissionais destacaram uma relação de maior cooperação e facilidade de comunicação da área de educação com as demais áreas em torno do PBF, no município, assim como reconhecimento de alguns avanços nesse sentido por parte da saúde, especialmente a partir da capacitação conjunta, realizada em 2011 por incentivo da Comissão de Controle Social do PBF.

O levantamento de informações sobre o acompanhamento da saúde ao público do Programa, numa série cronológica que compreende dados do segundo semestre de cada ano, desde sua implantação em 2005 até o último registro no site do Ministério da Saúde em 2012, revela mudanças ao longo do período, conforme mostra a Tabela 3.

O exame dos dados da Tabela 3 permite observar que o número de famílias com perfil saúde no Programa Bolsa Família, isto é, famílias com crianças em fase de puericultura e vacinação, gestantes e nutrizes, diminui a partir de 2007, com pequeno acréscimo em 2012. Por outro lado, há aumento gradativo no percentual de cobertura do acompanhamento, atingindo o dobro da porcentagem inicial de cobertura, no segundo semestre de 2012, correspondendo a 83,79% das famílias acompanhadas. Assim, levanta-se como hipótese explicativa o aumento na capacidade das redes de serviços de assistência, especialmente do SUS e do SUAS. A saúde também parece estar mais incorporada, como direito, pela população e, como demanda, está relacionada a uma necessidade mais premente, levando à procura espontânea pelo serviço. Vale destacar, ainda, que cada unidade de saúde conta com profissionais específicos para a função de acompanhamento ao público do Programa Bolsa Família. Alguns locais contam com enfermeiros; outros, com assistentes sociais, nutricionistas, conforme o quadro de funcionários próprios.

A gestão das condicionalidades nas áreas de educação e saúde, de acordo com os profissionais entrevistados, não vai muito além do preenchimento dos formulários exigidos pelos respectivos ministérios, devido à falta de infraestrutura material e humana, de capacitação, apoio e feedback às equipes para um trabalho mais qualitativo, bem como pela ausência de espaço de troca de experiências e de discussão para superação dos problemas enfrentados. Ademais, a forma de gestão das condicionalidades pela via de convocações das famílias, muitas vezes de caráter coercitivo, por relacionar o não comparecimento ao risco de perda do benefício, acaba por reforçar a perspectiva assistencialista e uma relação de heteronomia, o que contradiz os objetivos do programa em termos de promoção e resgate do valor da educação e dos cuidados com a saúde, no grupo familiar, bem como de ampliação da autonomia das famílias.

Para ilustrar a situação geral das repercussões do descumprimento das condicionalidades sobre os benefícios do programa, tomamos o exemplo do CRAS da Região Nordeste de Divinópolis/MG, a partir de dados do MDS, referentes a 2011, disponibilizados pela SEMDS e dispostos na Tabela 4.

Conforme se observa na Tabela 4, no período analisado, houve uma parcela muito reduzida de cancelamentos em relação ao número de advertências feitas às famílias em descumprimento das condicionalidades. Dessa forma, as repercussões gradativas parecem cumprir o objetivo de evitar o cancelamento imediato da permanência no programa. Entretanto, isso não significa que o órgão gestor tome as informações obtidas com o acompanhamento familiar sobre os fatores relacionados ao descumprimento das condicionalidades como base para analisar, estabelecer correlações e construir medidas adequadas ao enfrentamento desses fatores. Conforme apontam os profissionais entrevistados, o processo de gestão das condicionalidades é perpassado por inúmeros obstáculos relacionados à dificuldade de articulação intersetorial, centralização de informações na SEMDS, inexistência de um fluxo de comunicação e à falta de acesso aos dados sobre o público do território concernido pela equipe dos CRAS, conforme ditam as diretrizes do MDS.

Ainda de acordo com os profissionais entrevistados, o descumprimento de condicionalidades está relacionado principalmente à infrequência escolar e à não vacinação das crianças. Mas a falta de atualização do cadastro por parte da família, irregularidades no cadastro devido a problemas do próprio sistema eletrônico do MDS, questões institucionais, como atraso no lançamento dos dados, desorganização e, inclusive, perda de documentos dos beneficiários no interior da SEMDS, também repercutem no bloqueio do benefício às famílias.

 

O Programa Bolsa Família e a inclusão em ações complementares

O desenho do PBF prevê a articulação da transferência monetária com ações complementares, com vistas à superação de vulnerabilidades, à promoção de autonomia e à inclusão social das famílias. O CRAS assume a oferta de serviços voltados para o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários por meio de ações diversificadas com o público do território, embora a participação dos beneficiários do PBF seja sempre reduzida. Além das ações dos CRAS, a SEMDS oferece cursos ligados à Gerência de Inclusão Produtiva, como ações complementares fundamentais para o aumento das possibilidades de inclusão social e ampliação da autonomia das famílias.

Consultados os dados da Gerência de Inclusão Produtiva sobre participação dos beneficiários do PBF em ações complementares, no ano de 2011, constatou-se que foram ofertadas 460 vagas em cursos profissionalizantes de modelagem, corte e costura industrial, cabeleireiro, informática, costura e pesponto em couro e marcenaria, oferta contextualizada para a realidade do mercado local. Ocupando essas vagas, estavam 79 beneficiários do PBF, entre os quais apenas 46 concluíram os cursos, ou seja, houve um aproveitamento final de apenas 10% do total de vagas. Os motivos apontados pelos entrevistados como obstáculos à realização dos cursos pelos beneficiários foram: a falta de vale-transporte e questões relativas ao caráter multifacetado das vulnerabilidades vivenciadas pelas famílias do PBF, especialmente a baixa escolaridade.

O Programa Pró-adolescente, também vinculado à Gerência de Inclusão Produtiva, destina-se à inclusão social pelo trabalho, priorizando, em tese, os beneficiários do PBF. Conforme dados disponibilizados pela SEMDS, referentes ao período de junho a agosto de 2012, do total de 77 adolescentes incluídos no Pró-adolescente, 26 deles (33%) estavam vinculados ao PBF no mês de julho e, em agosto, apenas 20 adolescentes (25,9%).

Embora definido como público prioritário, a restrita participação dos beneficiários do Programa Bolsa Família em ações complementares remete à importância de uma análise mais pormenorizada da questão, caso se pretenda o aprimoramento da política de assistência social no município. Nesta discussão, vale lembrar o que diz Ackerman (2013), quando alerta que o princípio da equidade, orientador da política estatal e que implica no combate à desigualdade, requer o desenvolvimento de estratégias que considerem que os desiguais devem ser tratados de forma desigual. Ou seja, considerar, categoricamente, o imperativo da universalidade implica, necessariamente, a inclusão das especificidades. Uma realidade complexa e multideterminada, como é a pobreza, requer intervenções que contemplem um amplo espectro de dimensões, para além da transferência monetária, como condição de garantia de direitos de cidadania.

Conforme já mencionado, a Comissão de Controle Social do PBF exerceu importante contribuição nos processos de articulação intersetorial no município. Criada em 2005, assumiu grande esforço de planejamento, acompanhamento, avaliação e fiscalização do PBF, com a finalidade de conferir transparência à gestão e garantir a focalização no público-alvo.

A pesquisa evidenciou que, não obstante o empenho da Comissão na elaboração de um plano de trabalho e redefinição do seu Regimento Interno, algumas fragilidades comprometem seu pleno funcionamento, tais como infrequência dos representantes das instituições nas reuniões; ausência de representatividade das famílias beneficiárias; centralização das informações e predomínio de participação de representantes governamentais; não compartilhamento das dificuldades vivenciadas em cada esfera institucional nas ações pertinentes ao programa, especialmente no acompanhamento das condicionalidades. Somam-se a esses desafios a ocorrência de denúncias sobre desvio na focalização do público-alvo, a falta de acesso à participação no planejamento dos gastos e na prestação de contas do IGD, o desvio do veículo da Comissão para outra secretaria, bem como a tradição de não participação dos usuários e da sociedade civil nas instâncias de controle social.

 

Considerações finais

A realização deste trabalho, tomando como tema o Programa Bolsa Família, com enfoque na questão da intersetorialidade e nas ações complementares a partir da gestão das condicionalidades, permitiu um percurso de construção entre teorizações sob diversos prismas, observando-se os desafios, paradoxos, limites e possibilidades de um programa de transferência de renda, em nível local.

Perpassar, mesmo que brevemente, o cenário de experiências de programas dessa natureza em nível internacional, identificar a influência de forças econômicas mundiais nas propostas e nos debates até a instituição do Programa Bolsa Família, tal como foi definido no contexto brasileiro, levaram ao entendimento de que aspectos econômicos são colocados como prioridade na definição de políticas públicas, em consonância com um contexto capitalista de produção.

O PBF é considerado uma importante estratégia de enfrentamento dos problemas relacionados à fome e à pobreza, embora longe de alcançar, por si mesmo, sua real superação, dada a complexidade do fenômeno e a desigualdade social e econômica vigentes.

Destaca-se que o PBF alcança alguns frutos, tais como aumento da frequência escolar e cumprimento da agenda de acompanhamento da saúde. No entanto, a transferência de renda por si só não é suficiente para a superação da pobreza e das desigualdades. Faz-se necessário integrar a transferência de renda a estratégias mais amplas, articulando desenvolvimento econômico e desenvolvimento social, contemplando a pobreza em seu caráter multidimensional.

Embora deixada de lado desde sua aprovação em lei no Brasil, a garantia de uma renda básica de cidadania universal, similar a programas vigentes em alguns países da Europa, é a proposta mais democrática já apresentada, configurando uma possibilidade de superação de perspectivas restritivas e discriminatórias, em direção à justiça social. Uma política de renda básica destinada a todos os cidadãos de uma dada sociedade não estabelece contrapartidas e exigências relacionadas a critérios de rendimentos, composição familiar, idade, sexo e situação socioeconômica, pois considera direitos consagrados constitucionalmente.

A análise do PBF no nível local implica em tomar como pressupostos a complexidade e dinamicidade inerentes à sua operacionalização. Os resultados mais relevantes originados da pesquisa permitiram evidenciar que, embora haja um esforço de consenso discursivo, há dissenso nas práticas, em razão da pouca interlocução entre os órgãos envolvidos. Se a gestão do PBF e das condicionalidades requer cooperação intergovernamental e articulação intersetorial, sua operacionalização se processa em meio a desafios, especialmente pela ambiguidade impressa nas ações ditas de enfrentamento da pobreza, pelo caráter fragmentado e limitado da intervenção no âmbito das políticas públicas relacionadas ao programa.

Apesar de ser proposto como programa de inclusão social, observa-se que o grande problema do PBF é que ele não é baseado na concepção de direitos, pois o acesso ao programa não é garantido a todos que dele necessitam, mas numa seletividade excludente. O Programa deixa de fora um grande contingente de pessoas selecionadas por meio do Cadastro Único, considerando-se que existe uma limitação da quantidade de pessoas a serem beneficiadas em cada município, mesmo que vivam em pobreza extrema e necessitem urgentemente serem beneficiadas.

O PBF funciona como um programa de concessão paliativo, centralizado na transferência monetária e de baixo valor, não ultrapassando o caráter assistencialista e paternalista na sua condução. A transferência de renda não se articula adequada e suficientemente a estratégias que, de fato, garantiriam superação das vulnerabilidades identificadas e inclusão social. Isso dependeria de articulação com políticas de habitação, geração de emprego e renda, entre outras ações dirigidas ao público em situação de pobreza.

Apesar de seu discurso em torno da garantia de direitos de cidadania, com a utilização de mecanismos coercitivos na gestão das condicionalidades, o PBF constitui-se como um programa de exceção, uma vez que funciona como mecanismo de regulação e tutela das famílias, independentemente de haver ou não violação de direitos no contexto familiar.

Os resultados da pesquisa permitiram observar que, embora as ações do PBF se norteiem por portarias interministeriais, o esforço de articulação intersetorial ocorre por iniciativas isoladas dos profissionais que lidam diretamente com o público, como forma de buscar soluções pontuais. Vale salientar a importância da construção de uma estrutura intraorganizacional com definições claras dos seus objetivos, forma de funcionamento e oportunidades de participação das equipes dos CRAS e CREAS nessas estruturas, considerando-se tão importante a participação desses profissionais quanto dos gestores no planejamento das ações em torno do PBF, dada a experiência destes no atendimento aos beneficiários e o conhecimento de questões do território.

Destaca-se, ainda, a necessidade de que essa estrutura contemple a integração dos trabalhadores da assistência social, da saúde e da educação dos diferentes níveis da gestão, de modo a construir uma rede de atenção pautada no aprofundamento conceitual, no melhor entendimento dos objetivos do programa e aprimoramento da metodologia de trabalho pelos diversos atores envolvidos na sua execução, superando-se a lógica do mero cumprimento de agendas para fins burocráticos e estatísticos e fortalecendo-se o compartilhamento de responsabilidades e a cooperação.

Outro aspecto relevante é a necessidade de organização de uma equipe com dedicação exclusiva à atualização dos cadastros, a destinação de recursos orçamentários suficientes, para permitir maior flexibilidade e ampliação das ações complementares, previstas no PBF como fundamentais para a inclusão social das famílias. Da mesma forma, é relevante o estabelecimento de apoio financeiro, técnico e operacional para a Comissão de Controle Social, a reapropriação do veículo destinado à realização de visitas e abertura para que a Comissão participe do planejamento e controle dos recursos do IGD, de modo que ela se reorganize, funcione regularmente e cumpra a finalidade que justifica sua criação.

Ao pensar o atendimento ao público do Programa, os resultados da pesquisa permitem afirmar que, assim como a forma de acolhimento às famílias para realização do cadastro, prestação de informação, orientação e acompanhamento pode selar os contornos do programa e a interação das famílias com ele, o caminho da saída para a superação do vínculo de dependência em relação ao benefício, que muitas vezes se instala, poderia passar pela interação entre direitos sociais e as decisões das famílias, conforme suas possibilidades existenciais contextualizadas e particularizadas e o protagonismo delas na construção de percursos próprios de inclusão e exercício da cidadania.

O presente estudo nos permite considerar que a prática da intersetorialidade ainda é pouco institucionalizada, havendo necessidade de regulamentação que oriente e ofereça respaldo aos setores no estabelecimento de ações articuladas. Entende-se que sem o enfrentamento de questões político-institucionais dificilmente os órgãos municipais poderão avançar na qualificação do PBF para ampliar e fortalecer a rede de atenção. Para além dos desafios da operacionalização de um programa social de tamanha complexidade, seria importante investigar a existência de limites inerentes ao contexto do sistema capitalista de produção, o que extrapola o âmbito deste trabalho.

Por fim, vale enfatizar que o estudo ora apresentado representa um esforço de entendimento sobre os fundamentos de um programa de combate à pobreza e de aspectos relacionados à sua operacionalização em nível local. Estabelecemos recortes na delimitação de certo foco de estudo, de modo a contribuir com a análise dos processos e apontar a necessidade de expansão e aprofundamento das pesquisas, dada a relevância do tema.

 

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Endereço para correspondência:
Rosângela Maria de Sousa Botelho Dias
Rua Cascalho Rico, 131, bairro São Miguel
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Telefones: (37) 3221 8947
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Izabel C. Friche Passos:
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Email:  izabelfrichepassos@gmail.com

Recebido em: 09/05/2014
Reformulado em: 05/10/2014
Aceito em: 15/10/2014

 

 

1 A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (CAAE Nº 02235212.2.0000.5149) e todos os entrevistados assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
2 Valores do ano de 2013, que convertidos em dólares variam entre $15 e $149.
3 Em artigo posterior, que analisará dados colhidos junto a algumas famílias beneficiárias, teremos oportunidade de voltar a essa questão.

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