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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.11 no.1 São Leopoldo jan./abr. 2018

https://doi.org/10.4013/ctc.2018.111.07 

ARTIGOS

 

Interação família e trabalho: a percepção de docentes do ensino superior acerca da satisfação conjugal

 

Work-family interaction: the perception of college professors about marital satisfaction

 

 

Georgia Maria Melo Feijão; Normanda Araujo de Morais

Universidade de Fortaleza. Avenida Washington Soares, 1321, Edson Queiroz, 60811-905, Fortaleza, CE, Brasil. georgiafeijao@hotmail.com, normandaaraujo@gmail.com

 

 


RESUMO

O presente artigo buscou compreender as percepções de professores universitários acerca da sua satisfação conjugal (SC), bem como da influência que o trabalho exerce sobre a sua conjugalidade. Realizou-se um estudo de natureza qualitativa, por meio de entrevistas a seis docentes (três de cada sexo e idades variando de 34–50 anos). A análise de conteúdo das entrevistas gerou três categorias: (i) SC: Definição e Avaliação; (ii) Sobre as rotinas de trabalho próprio e do(a) companheiro(a); e (iii) Relação Conjugalidade – Trabalho Docente. Verificou-se que a SC foi definida a partir de diferentes elementos (companheirismo, sexualidade, confiança) e que foi avaliada positivamente pelos docentes. A rotina de trabalho (própria e do/a companheiro/a) foi descrita como bastante intensa, limitando o tempo destinado à vida conjugal e familiar. A distância física, o tempo passado longe dos filhos e do/a cônjuge e a necessidade de levar trabalho para casa foram mencionados como obstáculos à SC. Conclui-se que se constitui um desafio para esse profissional tentar conciliar vida conjugal/familiar e trabalho, duas esferas centrais ao bem-estar humano.

Palavras-chave: satisfação conjugal, professores, conjugalidade, relação trabalho-família.


ABSTRACT

The present article sought to understand the perceptions of college professors about their marital satisfaction (MS) and the influence that work has on their conjugality. A qualitative study which was made through interviews with six teachers (three of each sex and ages ranging from 34–50 years) was carried out. The content analysis of interviews generated three categories: (i) MS: definition and evaluation; (ii) their work routines and their partners'; and (iii) Teaching Job and Conjugality relationship. It was found that the MS was set from different elements (companionship, sexuality, confidence) and it was evaluated positively by professors. The work routine (their own and their partners') was described as quite intense making the time for the marriage and family life quite short. The physical distance in addition to the time spent away from the children and spouse as well as the need for taking work home were mentioned as obstacles to MS. The study concluded that trying to fit work in marriage/family life, which are two central spheres to human well-being, is a challenge for these professionals.

Keywords: marital satisfaction, teachers, conjugality, work-family relationship.


 

 

Introdução

O casamento e a família são considerados dimensões estruturantes muito importantes da vida individual e social. De acordo com Machado (2007), a opção feita por muitas pessoas acerca do casamento expressa não apenas o seu desejo por companhia, mas a busca de apoio e fortalecimento emocional, de forma que o casamento satisfatório tende a ser considerado um importante (mas não o único) indicador de felicidade e bem-estar pessoal.

É fato que a família, assim como as relações conjugais, vem passando por uma transformação no que diz respeito principalmente à sua configuração. Esta transformação, por sua vez, não deve ser entendida como algo negativo ou ameaçador, como anuncia o senso comum e a mídia, mas como possibilidade de evolução para novos padrões relacionais (Osório, 2011).

As mudanças que vêm acontecendo na estrutura e configuração familiar são reflexos da evolução da sociedade e vice-versa (Wagner et al., 2011) e são motivadas por alguns fatores, como por exemplo: as transformações no papel das mulheres (maior participação no mercado de trabalho e no sustento do lar); a desvinculação entre o ato sexual e a função de procriar; a maior visibilidade das relações homossexuais; e o aumento das separações/divórcios e dos recasamentos, dentre outros (Fleck e Wagner, 2003; Goldani, 1994; Osório, 2011; Wagner et al., 2005).

As demandas e exigências do trabalho, por sua vez, impõem uma série de cobranças aos profissionais e tendem a repercutir diretamente nas dinâmicas familiares e conjugais. Segundo Goulart Júnior et al. (2013), por exemplo, a sobrecarga de trabalho pode ser considerada como um dos principais fatores que geram desequilíbrio entre vida profissional e familiar, uma vez que quanto mais o indivíduo trabalha, menos tempo é destinado à família e ao cônjuge. Dessa forma, família (esfera privada) e trabalho (esfera pública) devem ser consideradas dimensões interdependentes e indissociáveis da vida social, fato que comprova a necessidade e a relevância de se analisar a interação família-trabalho (De Oliveira, 2009; Santana, 2013; Silva, 2006; Walber, 2009).

No caso da docência no ensino superior – foco do presente artigo – a análise da literatura mostra que os estudos tendem a enfatizar a influência desse tipo de trabalho sobre a saúde do docente (Borsoi e Pereira 2011; Cruz e Lemos, 2005; Juncá, 2012; Paiva e Saraiva, 2005); como eles percebem sua saúde geral (Fontana e Pinheiro, 2010; Rocha e Sarriera, 2006); quais as relações entre o processo de trabalho docente, as condições sob as quais ele se desenvolve e o possível adoecimento físico e mental (Lima e Lima-Filho, 2009); e a prevalência da Síndrome de Burnout nesse grupo (Carlotto, 2002; Cotrin e Wagner, 2011). Constata-se, assim, que pouca atenção é dada aos aspectos mais subjetivos do profissional docente, sobretudo no que tange à compreensão da interação família-trabalho e da SC, mais especificamente.

O termo "satisfação", etimologicamente, deriva dos termos em latim satis, que significa "suficiente", e facere, "fazer", remetendo ao conceito de contentamento ou estado de agrado decorrente de alguma coisa corresponder ao que dela se deseja (Ferreira, 1988). De acordo com a revisão de literatura sobre Satisfação Conjugal (SC), realizada por Scorsolini-Comin e Santos (2010), a satisfação é uma reação subjetivamente experienciada no casamento e constitui-se como um requisito fundamental para o bem-estar do indivíduo. É uma atitude a respeito do próprio relacionamento conjugal e é o resultado da diferença entre a percepção da realidade do casamento e as aspirações que os cônjuges têm para a relação. Implica a avaliação que uma pessoa faz acerca da positividade presente na relação, tendo como referência o que se espera dela, de forma que para alguém encontrar-se satisfeito, o nível de positividade deve superar as suas expectativas individuais (Wachelke et al., 2004).

A SC consiste, portanto, em um fenômeno complexo, subjetivo, que recebe influência de diversas variáveis. Entre estas, destacam-se as características de personalidade, atitudes e necessidades, valores, sexo, tempo de casamento, momento do ciclo vital do casal e da família, presença ou não de filhos, experiência sexual anterior ao casamento, nível de escolaridade, nível socioeconômico e nível cultural (Perlin e Diniz, 2005; Norgren et al., 2004).

Em se tratando do magistério no ensino superior, várias mudanças podem ser identificadas na contemporaneidade, a saber: aumento das vagas de trabalho, em virtude da expansão e interiorização do ensino superior (Brasil, 2013; Brasil, 2012; Sguissardi, 2008); a conciliação da docência com outras atividades de trabalho (ou mesmo vínculos formais de emprego); a carga horária excessiva de aulas e/ou de atividades relacionadas à profissão de professor do ensino superior (pesquisa, extensão e horas administrativas, por exemplo); as exigências cada vez maiores por produtividade e qualificação; o longo tempo de deslocamento semanal e, algumas vezes, diário, para poder chegar na IES onde se trabalha; a distância da família e as condições de moradia tantas vezes "improvisada" nas cidades onde trabalham; e, por fim, as habituais demandas de trabalho que o exercício de professor/a gera, como preparação de aulas, correção de provas, dentre outras (Borsoi, 2012; Cruz e Lemos, 2005; Lima e Lima-Filho, 2009). Tais mudanças de rotina e dinâmicas de trabalho, caracterizado por demandas excessivas, coloca os professores diante de novos desafios no que diz respeito à conciliação entre trabalho e vida conjugal/ familiar. No caso dos professores universitários essa sobrecarga de trabalho pode ser ocasionada pelo fato de suas atividades não se limitarem às horas que os mesmos destinam à(s) instituição(ões) de ensino superior em que atuam, uma vez que - mesmo em casa -, a realização de atividades laborais é constante.

Sobre esse aspecto, Perlin (2006) apresenta os conceitos de casais de duplo-trabalho e casais de dupla-carreira para definir um fenômeno característico da contemporaneidade, que diz respeito justamente à interação família-trabalho. Para a autora, o que caracteriza uma família de duplo-trabalho é o fato de ambos os cônjuges trabalharem em atividades que não requerem uma dedicação após a jornada de trabalho, fato que não gera grandes impactos na divisão de papéis familiares. A família de dupla-carreira (da qual os professores universitários são um exemplo), por sua vez, interfere diretamente no funcionamento tradicional familiar, uma vez que a carreira exige significativa dedicação e aperfeiçoamento, fazendo-se assim necessário uma reorganização de papéis nesse contexto familiar.

Ademais, no campo de estudos sobre carreiras, tem-se valorizado a ideia de que cada indivíduo constrói um percurso profissional não como um ator isolado, mas como alguém que está imerso numa família e numa comunidade; e como tal, desenvolve uma relação com outro(s) ator(es) social(is), os quais também estão inseridos numa ocupação profissional (Santos, 2015). Nessa perspectiva, portanto, as experiências concretas de trabalho e as experiências extralaborais, que envolvem o espaço de vida individual de cada sujeito, são consideradas complementares, já que "enquanto o indivíduo trabalha, ele vive a sua vida" (Lassance e Sarriera, 2009, p. 16).

Com base nos elementos destacados anteriormente, esse artigo tem como objetivo compreender as percepções de professores universitários acerca da sua satisfação conjugal, bem como sobre a influência que o trabalho docente exerce sobre a sua conjugalidade. Espera-se que esse estudo possa lançar luz ao campo de estudos sobre o trabalho docente (tradicionalmente centrado nas questões de saúde), em especial no que diz respeito à interface família-trabalho docente e à satisfação conjugal dos mesmos.

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa seis professores, sendo três do sexo feminino e três do sexo masculino. Os seguintes critérios de inclusão foram utilizados: os participantes deveriam estar casados ou em uma relação estável com um/a companheiro/a há pelo menos um ano; o relacionamento poderia ser heterossexual ou homossexual; e os docentes deveriam lecionar em uma IES privada do estado do Ceará. A amostragem foi por conveniência e não probabilística e o critério de saturação das informações foi utilizado para definir o número final de participantes entrevistados. Dessa forma, assim que os dados começaram a se repetir, as entrevistas foram interrompidas.

A Tabela 1 apresenta a caracterização sociodemográfica dos participantes (sexo, idade,tempo de relacionamento, orientação sexual e número de filhos do atual relacionamento). Verifica-se que os docentes têm em média 38 anos de idade (DP = 6,16) e oito anos de relacionamento com o/a atual companheiro/a (DP = 4,24). Cinco entrevistados descreveram-se como heterossexuais e possuindo o estado civil de casados. Apenas um participante descreveu-se como estando numa relação de união estável homossexual. Cinco docentes possuem filhos da relação atual.

A Tabela 2 apresenta informações sobre o contexto de trabalho dos docentes entrevistados, bem como do seu/sua cônjuge. Dentre os seis participantes, apenas dois não conciliam a docência com outra atividade laboral (e.g. atuação como psicólogo ou na promotoria pública), totalizando uma carga horária média de trabalho semanal de 31 horas (DP = 19,57). A respeito dos cônjuges, tem-se uma variedade de atividades, no entanto, com uma carga horária média semanal superior aos dos próprios participantes de pesquisa (M = 41 horas de trabalho; DP = 22,29).

Instrumento

Foi utilizada uma entrevista estruturada, especialmente elaborada para esse estudo pelas autoras do artigo. A entrevista constou de 10 questões. Iniciou-se solicitando que os participantes relatassem como se deu o início do atual relacionamento (a forma que se conheceram, quais expectativas surgiram após o primeiro encontro, entre outros). Posteriormente, investigou-se o que eles entendem por satisfação conjugal; que aspectos eles pontuam como positivos e como negativos em relação ao seu relacionamento conjugal; como eles percebem sua rotina de trabalho, assim como a do(a) companheiro(a); de que maneira o trabalho influencia na vida conjugal; que estratégias o casal utiliza para manter ou melhorar a qualidade da relação conjugal; e, por fim, quais os planos futuros em relação a seu relacionamento.

Procedimentos

Enviou-se um e-mail convite para todos os professores (n = 118) que atuam em uma IES privada cearense. No email, explicavam-se o objetivo da pesquisa e os critérios de inclusão para participação. Os professores que responderam ao e-mail se disponibilizando em participar foram contatados para o agendamento da realização da entrevista, sendo que se buscou contatar igual número de participantes do sexo masculino e feminino.

Presencialmente, os objetivos e procedimentos da pesquisa foram explicados aos participantes, além de ser solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A entrevista foi realizada pela primeira autora junto ao participante em local privado na referida instituição, assegurando assim o sigilo frente aos relatos particulares relacionados à vida conjugal do/a docente. A entrevista foi gravada e posteriormente transcrita e analisada, tendo uma duração média de 30-45 minutos.

Para análise dos dados foi utilizada a Análise Temática de Conteúdo (Bardin, 2011), que consiste, operacionalmente, nas seguintes etapas: leitura flutuante (pré-análise), análise temática e tratamento dos resultados. A leitura exaustiva das entrevistas permitiu a elaboração de núcleos comuns de respostas pelas duas autoras do artigo (independentemente), que consistiram nas categorias de análise do estudo. Estas foram, por sua vez, discutidas, com base na literatura prévia desse campo de estudos (literatura sobre trabalho docente, interação família- trabalho e sobre satisfação conjugal).

Procedimentos éticos

A pesquisa recebeu aprovação do Comitê de Ética da Universidade de origem das autoras (Parecer 1.104.685) e seguiu todas as recomendações propostas na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) acerca da pesquisa com seres humanos. Todos os participantes assinaram o TCLE, consentindo sua participação.

 

Resultados e Discussão

Três categorias de análises foram identificadas após a Análise de Conteúdo das entrevistas: (i) Satisfação Conjugal: Definição e Avaliação; (ii) Sobre as rotinas de trabalho próprio e do/a companheiro/a; e (iii) Relação Conjugalidade-Trabalho Docente. As categorias foram elaboradas a priori com base nos eixos temáticos do roteiro de entrevista, sendo que mais de uma pergunta pode ter sido utilizada para compor uma mesma categoria. A Tabela 3 apresenta a descrição das categorias e subcategorias de análise resultantes da análise das entrevistas.

Satisfação Conjugal (SC): definição e avaliação

Verificou-se uma diversidade de respostas dos participantes sobre a definição de satisfação conjugal, evidenciando o quanto esse conceito é complexo e subjetivo, assim como aponta a literatura (Norgren et al., 2004; Wagner e Falcke, 2001). Nas entrevistas, satisfação conjugal foi associada a uma perspectiva para além do casal, uma perspectiva de família, relacionada à boa maternidade/paternidade, como expresso pela Docente 1: "Pra estar satisfeita eu não preciso só ter um bom amante, eu preciso de um bom pai, então mudei um pouco meu conceito de satisfação depois da chegada do filho". O conceito, na visão dos docentes entrevistados, levou também em consideração os aspectos que evidenciam uma visão menos idealizada da conjugalidade, que não estão associados à felicidade plena e completude.

É quando a gente passa a ter a consciência de que a gente não se casa pra ser feliz, é uma ilusão [...] É como se uma vida conjugal não fosse apenas ser feliz, pelo contrário, a dor, a dificuldade e a superação fazem parte do casamento, se você não tem essa condição é melhor realmente você não se casar. Você tem que compreender que a pessoa tem as suas limitações e que ela não vai mudar por sua causa (Docente 5).

Os participantes relacionaram a SC a múltiplos aspectos (e.g. companheirismo, sexualidade, confiança), assim como retratam Wagner e Falcke (2001). Tais autoras definem satisfação conjugal como sendo composta por diferentes variáveis, abrangendo desde as características de personalidade dos cônjuges até a forma como o relacionamento a dois é construído. "É a pessoa estar bem no aspecto no íntimo, no sexual que é importante, mas também na questão do companheirismo, do respeito" (Docente 3).

Envolve fatores muito singulares, de expectativa de vida, de temperamento, o quê que eu desejo, o que eu espero do outro, até onde eu posso ceder, enfim, mas eu entendo como a realização, a sensação de bem-estar, o equilíbrio da relação em boa parte do tempo, a presença de conflitos que também é saudável e que também faz parte (Docente 2).

Deste modo, a fala dos docentes remete satisfação conjugal a companheirismo, respeito, satisfação sexual, reconhecimento das limitações de cada um, incompletude, além de excelência na atuação paterna. Tais definições corroboram o entendimento de Hendrick e Hendrick (1997) de que a SC depende da percepção individual e subjetiva do sujeito. Daí o surgimento de diferentes conceitos e percepções e a necessidade de se investigar o entendimento que as pessoas têm sobre o termo (Mosmann, 2007).

Sobre a avaliação do nível de SC, entre os participantes, verifica-se que esta tende a ser positiva. No entanto, apenas dois participantes expressaram a satisfação sem descrever qualquer ponderação: "Eu me considero satisfeita sim, a gente consegue ter uma relação madura" (Docente 2); e "Eu estou muito bem, estou muito feliz" (Docente 5). Os demais participantes tenderam a pontuar alguma situação que os fazem pensar de que uma ideia de "satisfação plena", ausente de conflitos/discussões é irreal. Seja pelo fato de estar morando longe (Docente 1), pela presença de conflitos e discussões (Docentes 4 e 6, respectivamente), ou mesmo por não saber se o "excelente" existe (Docente 3), esses participantes demonstraram uma avaliação mais ponderada da sua SC.

Sobre os aspectos pontuados como positivos no cotidiano do relacionamento foram apresentadas diferentes respostas: admiração mútua, atração sexual, maturidade, temperamentos semelhantes, gostos em comum, companheirismo, intimidade, cumplicidade, paciência e a oportunidade de ter uma família. As falas das docentes 1 e 2 ilustram alguns desses aspectos.

Acho que tem uma admiração mútua muito grande, que eu acho que foi a fonte de onde começou e ela permanece, acho que tem uma atração sexual boa, acho que isso também permanece apesar de toda a correria, isso é uma coisa que fortalece, mas acho que principalmente isso tem uma admiração mútua, de uma admiração mesmo da pessoa, do que cada uma é, transcende essa questão... (Docente 1).

Eu acho que o que tem de melhor pra mim na nossa relação é essa maturidade que a gente tem como pessoa, o temperamento da gente que combina, a gente gosta de coisas em comum, isso ajuda muito, ele é uma pessoa caseira, eu também. [...] a gente não tem o temperamento de estar discutindo, perdendo a cabeça, perdendo o controle, então essa estabilidade também ajuda muito (Docente 2).

Machado (2007) realizou um estudo sobre comportamentos dos maridos que estariam relacionados à satisfação conjugal feminina. O estudo foi realizado com 103 mulheres casadas (há 16 anos em média, com um a dois filhos, a maioria católica, segundo grau completo e renda individual entre R$ 300,00 e R$ 900,00) e encontrou que a maioria dos aspectos relacionados ao sentimento de satisfação e felicidade do casal, à semelhança da presente pesquisa, dizem respeito ao âmbito doméstico, da convivência no cotidiano (gostar de coisas em comum, temperamento comum, ter admiração mútua e atração sexual, entre outros.).

No estudo de Norgren et al. (2004), sobre os casamentos considerados de longa duração (20 anos ou mais), os casais apontaram alguns motivos para permanecerem juntos que também foram citados nas falas dos docentes aqui entrevistados, como por exemplo serem pacientes, compreensivos e parceiros; o que sugere que diferentes pessoas percebem como positivos determinados comportamentos/ aspectos do relacionamento. Além destes fatores, as autoras verificaram que a satisfação conjugal tende a aumentar quando há proximidade, estratégias adequadas de resolução de problemas, coesão, boa habilidade de comunicação, quando os cônjuges estão satisfeitos com seu status econômico e são praticantes de sua crença religiosa.

Semelhanças também foram encontradas quando comparados os resultados com o estudo de Wachelke et al. (2004), realizado com 10 participantes de ambos os sexos (5 homens e 5 mulheres, com idade variando de 17 a 25 anos), todos namorando à época do inquérito. Nesse estudo foram elencados pontos positivos para a satisfação conjugal, fatores como apoio emocional, confiança, similaridade de atitudes e valores, compreensão, similaridade de interesses e atividades, atração sexual, proximidade e outros.

A atração sexual, pontuada apenas pelo Docente 1, é descrita por Wilhelm e Oliveira (2011) como um elemento importante da qualidade do relacionamento conjugal, uma vez que "as pesquisas que relacionam satisfação conjugal e relacionamento sexual revelam a intimidade entre essas duas variáveis" (p. 7).

No entanto, Machado (2007) também encontrou no seu estudo sobre satisfação conjugal alguns comportamentos positivos que não foram citados pelos docentes nesse estudo, foram eles: presentear, sair da rotina ou viajar, ser carinhoso, entre outros. Segundo as mulheres participantes do estudo de Machado (2007) esses comportamentos positivos masculinos estariam relacionados à sua satisfação conjugal.

A respeito dos aspectos percebidos como negativos do relacionamento, foram mencionados dois grandes blocos de respostas. No primeiro, estão as respostas relacionadas às diferenças de comportamento, temperamento, valores e culturas dos membros das díades (organização versus desorganização; pontualidade versus não pontualidade; extroversão versus introversão, por exemplo), tal como ilustram as

falas das docentes:

Têm umas diferenças de ver a vida que eu acho que é uma coisa que estressa o cotidiano, eu sou extremamente pontual, ele é extremamente atrasado. Eu sou organizada e focada, ele é disperso, então essas diferenças no cotidiano dá uma apimentada, porque você já vem estressada aí você já acha que isso é uma coisa que dificulta, mas são coisas mesmo de características de cada um que a gente teve que ir cedendo pra ficar juntos (Docente 1).

De negativo eu acho que essa dificuldade de tocar em determinados pontos mais frágeis, mas que são pontos que precisam ser revistos, eu acho que essa é uma dificuldade. A diferença de culturas, de valores de família também (Docente 2).

Ele é muito calado, muito tímido, às vezes eu falo pra ele que eu não consigo adivinhar o que ele quer, se ele não fala. O que eu tenho pra conversar, ele tem de calado (Docente 3).

Já no segundo bloco, estão incluídas as respostas que fizeram alguma menção à dimensão do "trabalho", ressaltando-se a competição entre os cônjuges no âmbito do trabalho, o ciúme (principalmente por conta do "tipo" de trabalho), a rotina cansativa, bem como o excesso de trabalho que limita e diminui o tempo de convívio para o casal e/ou família, conforme mostram os depoimentos a seguir:

Eu não vejo muita coisa que a minha esposa faça como ruim, eu vejo que eu faço. Talvez eu acabe evitando uma série de conflitos por trabalhar muito, talvez eu acabe evitando passar mais tempo com meus filhos, talvez eu acabe encurtando alguns conflitos que talvez sejam necessários porque alguns conflitos são, é como se eu evitasse tanto os conflitos que eu acabe não amadurecendo o relacionamento (Docente 5).

Talvez seja a gestão dessa rotina. Como eu disse, durante a semana, a gente não tem tempo pra nada, então por que não sair quinta-feira pra comer uma pizza nós dois pra conversar, quando estou dando aula não posso e quando eu chego estou cansado, ela tem que cuidar das crianças, aí eu digo "vamos levar as crianças também", aí ela diz "não, com as crianças não dá" (Docente 6).

Da mesma forma que a semelhança de gostos e temperamentos foi descrito como aspectos positivos no relacionamento entre os cônjuges (ver subcategoria anterior), as diferenças de comportamento, temperamento e valores foi avaliada como negativa, pois dependendo das influências exercidas pelo temperamento do cônjuge, esse fator pode ser entendido como um gatilho para conflitos e confrontos.

A ausência de diálogo sobre aspectos importantes para o relacionamento, expressos nos fragmentos "de negativo eu acho que essa dificuldade de tocar em determinados pontos mais frágeis" (Docente 2) e "ele é muito calado, muito tímido, às vezes eu falo pra ele que eu não consigo adivinhar o que ele quer, se ele não fala" (Docente 3) corrobora a importância do aspecto "comunicação" nos relacionamentos conjugais. Figueredo (2005) aponta entre as habilidades essenciais para a qualidade da relação conjugal a capacidade de ouvir de forma não defensiva e com atenção. O autor afirma que um número significativo de casos de separações conjugais ocorre devido à dificuldade de um ou ambos os cônjuges em comunicar-se de maneira efetiva.

É indiscutível a importância da comunicação nas relações humanas, particularmente as afetivas (Miranda, 1987). Porém, é importante que se analise o conteúdo do discurso e não somente a sua quantidade/qualidade, uma vez que pode ocorrer muita troca entre os cônjuges o que, supostamente, indicaria relacionamento profundo; pode-se falar muito, contudo somente coisas negativas ou depreciativas em relação à vida e ao outro.

Comparando-se os resultados da presente pesquisa aos resultados do estudo realizado por Machado (2007), encontra-se também uma diferença relacionada aos aspectos que prejudicam o relacionamento. Em Machado (2007) as mulheres entrevistadas citaram os seguintes comportamentos como estando relacionados à sua insatisfação conjugal: ofensas e agressões, envolvimento com outras pessoas e tomada de decisões sem consulta prévia ao outro. Nenhum desses aspectos, no entanto, foi mencionado pelos docentes aqui entrevistados.

Féres-Carneiro (2003), em sua pesquisa realizada com 16 mulheres e 16 homens das camadas médias da população carioca, com idades que variavam entre 25 a 35 anos e 45 a 55 anos, separados legalmente ou não do primeiro casamento e que ainda não estavam recasados, apontaram como principal fator responsável por este término, a traição, principalmente a masculina; aspecto não mencionado pelos docentes, provavelmente pelo fato de que não se tratava de casais em conflito ou separação, mas que - conforme visto na categoria anterior – descreveram-se como satisfeitos no seu relacionamento.

O aspecto do trabalho foi mencionado por três dos seis docentes entrevistados, todos do sexo masculino (Docentes 4, 5 e 6). Nenhuma entrevistada mulher (Docente 1, 2 e 3), portanto, citou esta dimensão, frisando eminentemente as diferenças de comportamento, temperamento, valores e culturas dos membros das díades como aspectos negativos. É interessante que o trabalho tenha sido citado como um aspecto negativo do relacionamento conjugal, mesmo antes de qualquer pergunta mais específica sobre ele ter sido feita na entrevista. Ao mesmo tempo, é curioso que ele tenha sido citado apenas pelos participantes do sexo masculino, uma vez que a sobrecarga trabalho-administração doméstica-cuidado dos filhos é geralmente mencionada como uma preocupação feminina.

Sobre essa influência da profissão na vida familiar, o estudo de Souza e Moreira (2012) que teve como participantes 30 pais e 30 mães do Estado da Bahia, totalizando 30 casais que convivem juntos e têm filho(s) com idades entre dois e cinco anos, destaca que a atividade profissional deixa os pais ligeiramente mais cansados para realizarem atividades em casa que as mães; embora o trabalho doméstico continue sendo executado pelas mulheres, mesmo quando elas participam ativamente na economia familiar.

Sobre as rotinas de trabalho próprio e do(a) companheiro(a)

A rotina de trabalho dos docentes participantes foi descrita como bastante intensa. Pelo menos quatro dos seis entrevistados, conciliam o trabalho na docência com outras atividades (outros vínculos de trabalho, pós-graduação, etc.), fato que certamente está relacionado ao objetivo de somar as rendas das diferentes atividades para compor o orçamento doméstico. No que diz respeito às mulheres, foi citado o envolvimento com as tarefas domésticas; ao passo que os docentes do sexo masculino não mencionaram o seu envolvimento com esse tipo de atividade. Tal fato corrobora a literatura, quando mostra que as mulheres tendem a se envolver bem mais com as atividades domésticas e o cuidado com os filhos que seus companheiros (Guimarães e Petean, 2012).

As mulheres também relataram o caso de companheiros que tendem a não enxergar os afazeres domésticos e cuidados com os filhos como trabalho (Docente 1): "Ele [marido] se sente mais atribulado do que eu, só que eu fico com uma carga enorme chamada filho. Então, às vezes, pra ele é como se eu tivesse mais tempo porque só trabalho um dia. [...] Como se o trabalho doméstico não fosse um trabalho" (Docente 1). Ao passo que em um caso (Docente 2), o parceiro diminuiu sua jornada de trabalho para ajudar nos cuidados com o filho do casal: "Ele [marido] entende e se sente realizado também por saber que eu estou satisfeita apesar de que isso mexeu muito com a rotina, que aí são dias que ele sai mais cedo, que ele fica com meu filho, vai deixar a babá em casa porque ela mora distante, ele se reorganizou pra isso" (Docente 2).

Porém, em todos os relatos dos docentes, seja do sexo masculino ou feminino, o trabalho/qualificação da mulher foi valorizado, o que mostra as mudanças na estrutura familiar ao longo dos anos para atender as necessidades do mundo atual (Osório, 2011; Wagner et al., 2011). Essa realidade é comprovada na fala da Docente 1: "Ele [marido] sempre deu muito apoio, talvez uma coisa que eu acho que ele admira em mim é essa, é ser estudiosa, acho que desde o início isso foi um atrativo".

Ainda, verificou-se nos relatos dos docentes 1 e 3 uma implicação para a rotina doméstica do tipo de atividade desenvolvida na docência. Nesse sentido, parece existir uma extensão do trabalho docente para esfera doméstica, uma vez que diversas atividades são realizadas em casa, como nas falas que seguem: "Eu concentro meu trabalho um dia na semana, fisicamente, mas o trabalho de docência ele se estende. Os outros dias eu me divido entre planejamento de aula, correção de trabalhos, aulas na pós-graduação e estudo da pós-graduação" (Docente 1).

O que demanda muito do meu tempo é, por exemplo, corrigir uma prova, fazer uma frequência, responder email de aluno, então essas atividades, preparar aulas, eu não gosto muito de repetir textos, então essas atividades pra administrar fica um pouco complicado quando as crianças estão em casa (Docente 3).

Com relação à rotina de trabalho do/a companheiro/a, na maioria dos docentes entrevistados, esta também foi apontada como intensa e desgastante. Tal fato demanda dos casais uma nova organização da dinâmica familiar, uma vez que ambos os cônjuges estão envolvidos com o trabalho e desta forma precisam também dividir os afazeres domésticos. Essa concepção se distingue da forma como tradicionalmente as famílias funcionavam, ou seja, de maneira objetiva e clara no que diz respeito à divisão do trabalho e cuidado com os filhos (Souza e Moreira, 2012), uma vez que ao homem era incumbida a responsabilidade pelo sustento financeiro do lar e à mulher cabia o cuidado com a casa, os filhos e o marido.

O Docente 5 reconhece o fato de que, por estar em outra cidade, isso gera uma sobrecarga de trabalhos para sua esposa, a qual tem que cuidar dos filhos sozinha e ainda estudar. De acordo com ele, mesmo que a esposa não exerça nenhuma atividade fora de casa, isso se constitui como uma dificuldade para sua esposa: "Ela nesse momento está se preparando para concurso, estudando, e acaba que é uma dificuldade cuidar de duas crianças sozinha, da casa, e ainda aguentar o marido". Essa percepção é bem distinta da ideia do Docente 6, segundo o qual as tarefas domésticas realizadas por sua esposa não são vistas como um trabalho. "Ela é assistente social, ela trabalha no Hospital Regional aqui da nossa cidade, de uma da tarde às sete da noite, de terça à sexta-feira... Ela trabalha só nessa atividade. Pela manhã ela está em casa com as crianças".

A análise dessa subcategoria corrobora os resultados de estudos anteriores, mostrando que, em relação às atividades domésticas, ainda existe uma desigualdade entre homens e mulheres frente às promessas de igualdade de funções (Jablonski, 2003). Nesse sentido, os homens parecem desempenhar uma "função coadjuvante, colaborativa ou periférica", uma vez que ainda é das mulheres a maior responsabilidade com a casa (Jablonski, 2010, p. 272).

Relação conjugalidade-trabalho docente

No que concerne à influência do trabalho docente na conjugalidade, de maneira geral, percebeu-se que o trabalho vem ocupando cada vez mais espaço na vida desses docentes, o que limita o tempo destinado à vida conjugal e pode gerar dificuldades no cotidiano do casal. Vários fatores foram mencionados nesse sentido (distância física, irritação/estresse pelo trabalho realizado, ser mulher e ter começado a trabalhar, ter que levar trabalho para casa e o excesso de trabalho). A distância física do cônjuge em virtude da realização de atividades de trabalho/qualificação profissional em outra localidade foi considerada como bastante prejudicial ao relacionamento e como um aspecto que inviabiliza a presença do cônjuge nas datas comemorativas da família (aniversário da esposa e filhos, por exemplo). Especificidades relacionadas ao trabalho docente também foram mencionadas, como o fato de continuar trabalhando em casa, fora da IES em que o docente atua, para além de sua carga horária.

Influencia, isso é inegável. Ontem mesmo quando eu cheguei em plena segunda feira, quase morto de cansado, parecia que era sexta e isso influencia diretamente porque quando eu cheguei ainda fui mandar email, inclusive passar as orientações de monografia e lá vem a queixa "Mas meu amor, você chegou e ainda está trabalhando?" (Docente 4).

Acredito, claro. Nesse momento pelo excesso de trabalho, na verdade eu já venho pensando há algum tempo em diminuir essa carga horária de trabalho. Dar um pouco mais de atenção à minha esposa e consequentemente aos meus filhos. Eu acredito sim que o trabalho, de uma certa forma, em excesso, acaba influenciando nessa satisfação (Docente 6).

A maioria dos casais desse estudo pode ser classificada como casais de dupla-carreira, definidos por Diniz (1999, p. 34-35) como "casais onde ambos os esposos exercem profissões conhecidas como 'carreiras' por terem uma demarcação clara das etapas de desenvolvimento e progressão, por exigirem um alto grau de instrução e treinamento, de comprometimento com o trabalho e de reciclagem constante". O arranjo conjugal de dupla-carreira se distingue do modelo tradicional, no qual apenas um dos cônjuges trabalhava fora de casa (Jablonski, 2010); e, por sua vez, implica novos desafios à manutenção desta união, seja por meio da divisão de afazeres ou de reinvenção de rotinas. Porém, esta forma de organização permite uma realização pessoal em ambos os cônjuges (Diniz, 1999).

Outro aspecto que merece ser destacado é o fato de que os casais estão "aceitando" a ideia de um dos cônjuges residir em outra cidade em busca de uma qualificação e/ou realização profissional, corroborando os achados de Heckler (2013). Além da busca de qualificação profissional e/ou realização profissional, merece destaque o fato de que as mulheres estão sendo corresponsáveis pelo sustento financeiro da família, contribuindo fortemente com as despesas com os filhos, lazer e outros compromissos. Nesse sentido, "homens e mulheres trabalham juntos e duramente para produzir um patrimônio familiar confortável. Tal perspectiva quebra o pacto da vida pública para o homem e privada para a mulher. A relação é intensamente balizada pela parceria econômica, além da afetiva" (Souza e Moreira, 2012, p. 13).

Ainda, a respeito da rotina de trabalho, apesar de intensa, os docentes 4 e 5 tendem a se descrever como estando satisfeitos com ela: "Então é uma rotina de muito trabalho, mas também de muita satisfação" (Docente 4); e "Eu acho que eu não saberia viver sem estar nesse ritmo" (Docente 5). Para Walber (2009), o "sentir-se útil, demonstrar realização e sucesso em uma profissão socialmente reconhecida remete ao significado de possuir uma ocupação social, e observa-se que o trabalho possui também a função de identificar e inserir o sujeito na sociedade" (p. 70). Paralelo à satisfação pessoal pelo desempenho de uma atividade laboral, há a satisfação em ver a realização pessoal da companheira e o sentimento de admiração/valorização pela carreira do(a) cônjuge: "Ele [marido] entende e se sente realizado também por saber que eu estou satisfeita" (Docente 2).

Esse tipo de argumentação evidencia que vivemos um período em que os papéis em relação ao sexo precisam ser flexibilizados, visando ao fortalecimento e satisfação das relações. Entre os casais contemporâneos, portanto, desejos pessoais relativos à profissionalização também são compartilhados e ocupam um lugar de destaque no que se refere à satisfação conjugal (Souza e Moreira, 2012).

Sobre a influência da conjugalidade no trabalho, duas entrevistadas do sexo feminino acreditam que situações/conflitos conjugais não afetam ou afetaram as atividades laborais, sobretudo porque nunca vivenciaram maiores conflitos com o cônjuge: "Não, a gente tem uma relação muito boa, ele é muito tranquilo e eu já sou um pouco mais ansiosa então isso se contrabalança, é muito legal a relação, sempre foi muito boa" (Docente 1); e "Não, eu acho assim que eu nunca tive um grande problema conjugal, talvez por isso assim, eu nunca tive aquele momento de dizer assim 'ah, meu casamento está em crise, vou me separar'" (Docente 3).

Achados semelhantes são encontrados no estudo de Souza e Moreira (2012, p. 11) que apontam que o "diálogo com o companheiro auxilia na resolução de problemas profissionais, na opinião de 56,7% dos respondentes. Portanto, a repercussão adversa das atividades familiares no trabalho, é mínima".

Os demais entrevistados, porém, queixaram- se da interferência da conjugalidade no trabalho, alguns deles acreditando ser até mais intensa do que a influência que o trabalho exerce na conjugalidade. As falas ilustradas na sequência, portanto, atestam a afirmação de que, quando situações e demandas familiares começam a interferir nas atividades de trabalho, o desempenho no trabalho tende a diminuir (Frone et al., 1997).

Influencia, eu acho que sempre tem o esforço de separar as coisas, mas família e trabalho são coisas tão importantes na vida da gente que influencia das duas partes e eu acho que até talvez mais quando as coisas não vão bem em casa acho que interfere mais no trabalho do que o contrário, acredito que possa haver essa diferença de intensidade, de interferência. Já aconteceu de ter uma discussão com ele e chegar no trabalho chorando e ter que se recompor pra atender um cliente ou uma pessoa do trabalho dizer "ah, você está triste, o quê que tu tem?", isso acontece (Docente 2).

Normalmente, quando há uma crise, uma discussão em casa eu acredito que a gente venha pro trabalho pensando nessa história e durante o dia ou durante o tempo que a gente dispõe no trabalho a gente acaba pensando um pouco nisso, como é que eu vou resolver isso depois que eu voltar pra casa (Docente 6).

Todos os seis participantes reconhecem a importância que essas duas esferas (conjugalidade e trabalho) têm para o bem-estar pessoal. No entanto, os docentes entendem e vivenciam essa interação família-trabalho (conjugalidade-trabalho docente) de diferentes formas. Sobre este aspecto, Edwards e Rothbard (2000, p. 175) dividiram em cinco categorias os mecanismos de interação entre família-trabalho, são elas:

Contaminação (trabalho e família são similares, havendo um impacto de uma dimensão sobre a outra); compensação (a insatisfação num domínio leva a pessoa a aumentar seu envolvimento ou procurar recompensas no outro); segmentação (separação do trabalho e da família, de modo que um domínio não influencia o outro); escoamento de recursos (recursos como tempo, atenção e energia são limitados e aqueles despendidos num domínio ficam indisponíveis para outro); e conflito (demandas do trabalho e da família são mutuamente incompatíveis, de modo que cumprir as demandas em um domínio dificulta o cumprimento em outro).

Algumas destas categorias se apresentam nos conteúdos das entrevistas, o que nos faz hipotetizar algumas situações. Por exemplo, o docente 5 que se envolve inteiramente no trabalho, tendo consciência de demandar mais atenção para a esfera profissional do que a familiar, poderia ser caracterizado na categoria "compensação". Os docentes 1 e 3 estão mais vinculados à categoria "segmentação", uma vez que dizem conseguir fazer com que os conflitos conjugais não interfiram no trabalho. O docente 4, que relata vivenciar essa interação de maneira tão mútua que uma vez não estando satisfeito em seu relacionamento, isso dificulta o cumprimento das demandas de trabalho, poderia ser classificado na dimensão "contaminação"; assim como os docentes 2 e 6, que também percebem claramente o impacto causado de uma dimensão sobre a outra, e por isso buscam sempre estratégias para resolução de possíveis conflitos.

Outra forma de classificação para explicar a relação trabalho-família é proposta por Santos (2015) e implica em dois tipos de discursos: o da complementaridade e o da subalternização de papéis. No primeiro deles (complementaridade), mais frequente no presente estudo, a carreira profissional e a família ocupam lugares distintos na vida, sendo que ambos são muito importantes para a identidade do indivíduo e dificilmente podem ser hierarquizados, dada a importância diferenciada, mas complementar que possuem. Embora complementares, trabalho e família podem se alternar nessa perspectiva. Dessa forma, é possível que um papel tenha a sua importância relativizada em relação a outro papel que em um determinado momento esteja mais em foco, conforme descrito na teoria da saliência dos papéis (Lassance e Sarriera, 2009). Por exemplo, pode-se citar o caso de docentes que se dispõem a trabalhar em diferentes instituições e com uma carga horária bastante intensa, em detrimento do seu papel como cônjuge. Ou, desse mesmo profissional, que em outro momento do seu ciclo de vida familiar, aceita reduzir a sua carga horária ou rotina de viagem diante do nascimento do seu primeiro filho (Santos, 2015).

No discurso da subalternização, por outro lado, a identidade dos indivíduos está ligada exclusivamente a uma das dimensões: a carreira profissional ou a família. Nos indivíduos para quem a prioridade é dada ao trabalho, por exemplo, verifica-se uma subalternização da vida familiar e pessoal à profissão. Para esses indivíduos, o trabalho tende a ser associado a prazer, realização pessoal e missão de vida; o tempo pessoal tende a ser ocupado majoritariamente com atividades de trabalho; e a identidade pessoal está fortemente ancorada na profissão. Quando, ao contrário, é dada prioridade à dimensão familiar e a esfera do trabalho fica subalternizada, percebe-se uma maior valorização das atividades relacionadas à família (cuidado com a casa, cônjuge e filhos), em detrimento das atividades profissionais.

 

Considerações Finais

O presente artigo teve como objetivo compreender as percepções de professores universitários acerca da sua satisfação conjugal, bem como sobre a influência que o trabalho docente exerce sobre a sua conjugalidade. A análise das entrevistas gerou três categorias (Satisfação Conjugal: Definição e Avaliação; Sobre as rotinas de trabalho próprio e do/a companheiro/a; e Relação Conjugalidade-Trabalho Docente) que, em conjunto, permitem uma compreensão mais global acerca da interação família e trabalho entre docentes do ensino superior, especificamente no que toca à temática da satisfação conjugal.

Em linhas gerais, pôde-se verificar que os professores entrevistados descrevem a SC a partir de múltiplos elementos (companheirismo, satisfação sexual, confiança, por exemplo) e que fazem uma avaliação positiva da mesma. Além disso, diferentes aspectos foram mencionados como positivos no relacionamento conjugal: admiração mútua, atração sexual, maturidade, temperamentos semelhantes, gostos em comum, companheirismo, intimidade, cumplicidade. Como negativos foram citadas as diferenças de comportamento, temperamento, valores e culturas dos membros das díades, além de questões relacionadas ao trabalho (e.g. competição entre os cônjuges, ciúme, rotina cansativa e o excesso de trabalho que limita e diminui o tempo para o casal e/ou família).

Os docentes afirmaram possuir uma rotina bastante intensa de trabalho, conciliando o trabalho no ensino superior com outras atividades. Embora todos os entrevistados valorizem em seus relatos o trabalho/qualificação da mulher, apenas entre estas o envolvimento com as tarefas domésticas foi mencionado como uma atividade importante a ser conciliada com o trabalho. Com relação à rotina de trabalho do/a companheiro/a, esta também foi apontada como intensa e desgastante. Tal fato demanda dos casais uma nova organização da dinâmica familiar, uma vez que ambos os cônjuges estão envolvidos com o trabalho e desta forma precisam dividir igualitariamente os afazeres domésticos. No entanto, independente do sexo, os relatos mostram que as atividades domésticas continuam a ser uma responsabilidade predominantemente feminina.

Outro importante achado do estudo foi que o maior envolvimento com o trabalho vem gerando dificuldades no cotidiano do casal, como por exemplo: distância física – motivada pelo trabalho ou busca de qualificação profissional; irritação/estresse pelo trabalho realizado; jornada "tripla" nos casos das mulheres que têm que conciliar trabalho fora de casa e os cuidados domésticos; além de algumas especificidades relacionadas ao trabalho docente, como levar demandas de trabalho para o ambiente doméstico (preparar aulas e corrigir provas, por exemplo), carga horária excessiva de aulas e/ou de atividades relacionadas à profissão de professor do ensino superior, entre outras. Portanto, conforme percepção dos participantes é muito evidente o quanto o trabalho docente limita o tempo destinado à vida conjugal e o quanto isso pode contribuir para o surgimento de conflitos.

Em termos de limitações desse estudo, pontua-se que os participantes aqui entrevistados são oriundos de uma IES privada cearense e que, em sua maioria, conciliam a docência com outras atividades profissionais. Sendo assim, sugere-se que estudos futuros possam focalizar a perspectiva de docentes de instituições públicas, com dedicação exclusiva à docência. Outra sugestão refere-se à necessidade de inclusão de docentes vinculados à pós-graduação e não apenas à graduação, como aqui realizado. A inclusão de docentes com diferentes graus de vinculação à graduação e pós-graduação, assim como com diferentes vínculos (públicos ou privados) pode contribuir para uma maior diversidade de percepções acerca da vinculação família-trabalho e da satisfação conjugal.

Finalmente, entende-se que a realização desse estudo confirmou a importância de se pesquisar a interação família-trabalho, dando visibilidade ao arranjo conjugal denominado de dupla-carreira, ou seja, casais que trabalham fora em tempo integral, seja por uma realização pessoal/profissional ou por necessidades econômicas. Pesquisar esse aspecto junto a professores universitários é consideravelmente relevante, uma vez que no Brasil, estudos realizados com essa categoria profissional abordam principalmente aspectos relacionados às condições de trabalho e à saúde de maneira geral, de forma que pouca atenção é dada à dimensão familiar/conjugal. Nesse sentido, espera-se ter contribuído para o campo de estudos do trabalho docente, assim como para a temática da interação família-trabalho e da satisfação conjugal.

 

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Submetido: 30/09/2016
Aceito: 12/11/2016

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