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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.10 no.1 Belo Horizonte jun. 2017

 

Artigo

 

Adaptação e evidências de validade e precisão do questionário de atitude frente à violência na escola

Adaptation and evidence of validity and precision of the questionnaire of attitudes towards violence in schools

 

Dalila Castelliano de Vasconcelos1; Inayara Oliveira de Santana2; Lucivanda Cavalcante Borges3; Ricardo Neves Couto4; Patrícia Nunes da Fonsêca5

1 Universidade Federal da Paraíba (UFPB), dalila_bal@hotmail.com.

2 Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), inayaraoliveira@hotmail.com

3 Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), luci.cborges@ig.com.br

4 Universidade Federal da Paraíba (UFPB), r.nevescouto@gmail.com

5 Universidade Federal da Paraíba (UFPB), pnfonseca.ufpb@gmail.com

 

 


RESUMO

Este estudo objetivou verificar os parâmetros psicométricos do Questionário de atitudes frente à violência na escola (CAHV), apresentando evidências de validade e precisão. Participaram 317 indivíduos, com idade entre 12 e 17 anos (M = 13,61; DP = 1,21), a maioria do sexo feminino (54,1%), de escolas particulares (51%) da cidade de João Pessoa-PB. Estes responderam o CAHV e perguntas sociodemográficas. Uma análise fatorial exploratória ordinal Unweighted Least Squares (ULS) sugeriu uma solução unidimensional, com cargas fatoriais variando de 0,39 a 0,76, explicando 37,11% da variância total. Ademais, a escala apresentou uma consistência interna satisfatória (alfa de Cronbach = 0,93; ômega de McDonald = 0,93), observando ainda diferenças nas pontuações quanto ao sexo e categoria de escola dos participantes. Conclui-se que o CAHV apresenta parâmetros psicométricos aceitáveis, podendo ser usada adequadamente em pesquisas no contexto em que está sendo validada.

Palavras-chave: Atitudes; violência em escolas; adolescentes; escala; validade.

 


ABSTRACT

This study aimed to verify the psychometric parameters of the CAHV, presenting evidences of validity and precision. Participated 317 individuals, with ages between 12 and 17 (M = 13.61; SD = 1.21), majority female (54.1%), from particular schools (51%) of João Pessoa - PB. They answered the CAHV and sociodemographic questions. An exploratory ordinal factor analysis Unweighted Least Squares (ULS) suggested a one-dimensional solution, with factorial loads varying from .39 to .76, explaining 37.11% of the total variance. In addition, the scale had a satisfactory internal consistency (Cronbach’s alpha = .93; McDonald’s Omega = .93), and were also observed differences in the scores according to the sex and school category of the participants. It is concluded that the CAHV presents acceptable psychometric parameters, and can be used for research in the context it is being validated.

Keywords: Attitudes; violence in schools; adolescents; scale; validity.

 

 

A violência vem ocupando um lugar de destaque na mídia mundial em virtude de uma crescente disseminação na sociedade (Lima, Coutinho, & Milani, 2013; Malta et al., 2010). A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2014) estima que, em 2012, ocorreram 475.000 mortes por homicídio, a maior parte nas Américas (165.617) e na África (98.081). No Brasil – segundo o Mapa da Violência de 2014 –, em 2012, 112.709 pessoas morreram em situações de violência; isso significa que, a cada grupo de 100 mil habitantes, 58,1 morrem em decorrência de condutas agressivas. Desse total, 56.337 foram vítimas de homicídio.

De acordo com Lima, Coutinho e Milani (2013), a violência vem atingindo indistintamente grupos sociais e econômicos (e.g. mulheres, negros, índios, homossexuais, pobres, ricos), instituições (e.g. família, escola), espaços públicos (e.g. hospitais, estádios de futebol, ruas, praças) e pessoas nas mais variadas faixas etárias (crianças, adolescentes, adultos e idosos). Todavia, cabe ressaltar que, notadamente, a violência é dirigida de forma mais frequente a grupos minoritários, sobretudo, mulheres e jovens/adultos do sexo masculino de cor negra. De modo particular, a violência contra a mulher tem chegado a índices elevados de prevalência e acarretado problemas físicos, sociais e psicológicos na vítima que, diante da situação, procura assistência no Sistema Único de Saúde, bem como no judiciário, em busca de proteção e defesa de seus direitos fundamentais (Vieira & Hasse, 2017). No caso da violência contra o negro, observa-se que tal prática está presente nas mais diversas áreas da cultura e da história brasileira (e.g. quadros, brincadeiras de crianças, novelas, músicas), sempre numa lógica de desqualificar a imagem da população negra e vinculá-la a aspectos negativos, acarretando, nesse caso, a exclusão social (Vergne, Vilhena, Zamora, & Rosa, 2015).

A violência contra crianças e jovens é a que mais tem crescido nas últimas décadas (Diáz-Aguado, 2005). A OMS (2015) calcula que, a cada ano, são cometidos em todo o mundo 200.000 homicídios entre crianças e jovens de 10 a 29 anos, o que representa 43% do total mundial de homicídios. Para cada jovem que morre por causa violenta, outros 20 jovens sofrem lesões que requerem tratamento hospitalar.

Isso posto, constata-se que a violência em crianças e jovens constitui um problema mundial de saúde pública, uma vez que coopera largamente com os índices de morte prematura, lesões e incapacidades, além de ter repercussões graves no funcionamento psicológico e social de uma pessoa. Ademais, a violência vem encarecendo os custos dos serviços de saúde, da previdência social e do judiciário (Araújo, Coutinho, Miranda, & Saraiva, 2012). Em qualquer tipo de violência, cabe ao poder público criar políticas que resguardem o direito desses grupos na sociedade e que promovam a qualificação desses indivíduos nos diversos contextos sociais, seja na família, na igreja, na escola.

Na escola, a violência tem se tornado cada vez mais evidente. Em pesquisa realizada em 1.453 escolas públicas e privadas das 26 capitais dos estados brasileiros e do Distrito Federal, ficou evidenciado que, de 60.973 escolares, 5,4% (ou seja, 3.292 estudantes) relataram ter sofrido algum tipo de violência (Malta et al., 2010). Quando não são as vítimas, terminam sendo as testemunhas dos atos violentos, como afirma Fischer et al. (2010). Este autor constatou que cerca de 70% dos alunos entre 11 a 15 anos de idade, de escolas públicas e particulares das cinco regiões brasileiras, informaram ter visto, pelo menos uma vez, um colega sendo maltratado no ambiente escolar.

Malta et al. (2014), a partir de pesquisa realizada com escolares do 9º ano do ensino fundamental de escolas públicas e privadas do Brasil, ressaltam que 8% dos estudantes afirmaram se sentir inseguros na escola,15,9% relataram ter sofrido agressão física nos 12 meses anteriores e 20,7% confirmaram seu envolvimento em brigas na escola. Os autores ainda advertem que as situações de violência foram mais prevalentes entre estudantes do sexo masculino e de escolas públicas.

A contínua exposição à violência no contexto da escola pode afetar a saúde e o bem-estar dos estudantes e, assim, gerar problemas comportamentais, de aprendizagem e emocionais, como estresse, ansiedade, depressão, baixo rendimento escolar e até mesmo, em casos mais severos, suicídio (Oliveira & Antonio, 2006; Oliveira & Ferreira, 2014). Esse cenário impõe a educadores, pesquisadores, governantes e sociedade em geral a necessidade de ampliar estudos com o intuito de compreender o fenômeno e encontrar estratégias de enfrentamento e prevenção, especialmente na infância e adolescência (Apostólico, Nóbrega, Guedes, Fonseca, & Egry, 2012).

Segundo Stelko-Pereira e Williams (2010), a violência escolar é uma modalidade de violência que ocorre dentro do espaço físico da escola ou fora dele, incorporando tanto a perspectiva mais explícita da violência, como agressão entre indivíduos, quanto a violência simbólica que ocorre por meio das regras, normas e hábitos culturais de uma sociedade desigual.

Para Charlot (2002), deve-se considerar a violência na escola a partir de três níveis: o primeiro, a violência no ambiente escolar, é aquele que ocorre dentro das dependências da escola, sem estar ligado diretamente à natureza e às atividades da instituição (e.g. disputas de gangues); o segundo, a violência à escola, refere-se aos comportamentos de depredação do espaço escolar (e.g. brigas e ameaças a professores e alunos visando diretamente à instituição e àqueles que a representam); o terceiro nível, violência da escola, diz respeito à violência que se estabelece nas relações de poder em sala de aula ou a minimização da importância do professor no contexto.

Considerando a diversidade de definições sobre violência no contexto escolar, no presente estudo será adotado o conceito de violência na escola que diz respeito à violência interpessoal, em suas manifestações física, verbal e psicológica, praticada por adolescentes nas escolas, seja contra os seus pares, seja contra os educadores, e expressa através de atos como intimidação, insultos e brigas, passando por agressões físicas mais graves (Leme, 2009; Malta et al., 2014; Ristum, 2014; Sposito, 2001).

Como fenômeno complexo, a violência apresenta múltiplas causas e possui uma grande variedade de formas de interação (Ristum, 2014). De acordo com Stelko-Pereira e Williams (2010), a violência pode advir de características individuais, da escola e da sociedade na qual a escola está inserida. Com relação ao indivíduo, destacam-se a constituição genética, o sexo, a idade, a etnia, a história de vida e a dinâmica familiar. Os elementos que se referem às características da instituição escolar compreendem a localização, as instalações físicas, os recursos humanos disponíveis, o método de ensino empregado, as ideologias predominantes, o histórico da instituição, entre outros. Com relação aos aspectos da sociedade na qual a instituição escolar se insere, pode-se destacar o estilo de liderança (democrática ou não), a desigualdade socioeconômica e a igualdade de gênero e de etnia.

Para Gómez, Navarro, e Ruiz (2005) e Silva-Oliveira et al. (2014), o estudo das atitudes de adolescentes frente à violência escolar é relevante, uma vez que permite compreender o fenômeno e conscientizar profissionais para a prevenção do problema e para a realização do diagnóstico precoce. Nesse sentido, instrumentos que permitam avaliar as atitudes de adolescentes frente à violência nas escolas podem ser úteis para o trabalho de coordenadores e professores no que se refere aos processos de socialização e de ensino e aprendizagem. Além disso, avaliações precisas e confiáveis que utilizam instrumentos validados possibilitam comparações de resultados entre escolas, diferentes regiões e épocas, como também podem identificar alunos que estejam em situação de risco, seja como vítimas de violência escolar ou como autores (Silva & Alves, 2011; Stelko-Pereira, Williams, & Freitas, 2010).

 

Instrumentos de avaliação da violência na escola

A violência nas escolas pode ser avaliada a partir da utilização de diferentes perspectivas metodológicas, com base em dados tanto qualitativos quanto quantitativos. No presente estudo, será utilizado instrumento psicométrico e, portanto, adotada uma ênfase quantitativa. A seguir, serão apresentadas algumas escalas que tratam da violência no contexto escolar.

Charkzuc (2005) elaborou e validou o Inventário de Indicadores de Violência na Escola (IIVE) com 32 itens e uma estrutura com três subescalas que compreendem 11 fatores, os quais têm as respectivas denominações e índices de consistência interna apresentados a seguir. A primeira escala, “manifestações de violência na escola”, é composta pelos fatores: violências entre alunos (α = 0,82), violência sexual professor/aluno e aluno/professor (α = 0,83), envolvimento de pessoas de fora da escola em situações de violência (α = 0,79), violência verbal entre professor/aluno e aluno/professor (α = 0,75), porte e utilização de armas (α = 0,81) e violências contra o patrimônio (α = 0,73); a segunda escala, “ocorrências pessoais de violência na escola”, reuniu os fatores: violências pessoais envolvendo professores (α = 0,77), violências pessoais envolvendo alunos (α = 0,86) e demais ocorrências pessoais de violência (α = 0,74); por fim, a terceira escala, “sentimentos relativos à violência na escola”, é caracterizada por mais dois fatores: sentimentos de segurança (α =0,76), sentimentos de insegurança (α =0,70).

Stelko-Pereira, Williams e Freitas (2010) elaboraram e adaptaram o instrumento denominado Questionário de Investigação de Prevalência de Violência Escolar (QIPVE). Esse instrumento foi criado para investigar a violência escolar a partir de múltiplos informantes da escola, tendo quatro versões: alunos, professores, inspetores e, por fim, diretores/coordenadores pedagógicos. O questionário dedicado aos alunos possui 18 itens que se dividem em três dimensões: Violência Psicológica (α = 0,93), Violência Material (α = 0,76) e Fator de risco (α = 0,95). Ele é capaz de avaliar situações de violência escolar em que os alunos participam enquanto vítimas e autores.

Apesar do aumento do número de estudos, ainda são poucos os instrumentos brasileiros de avaliação de violência escolar que tiveram suas propriedades psicométricas aferidas (Stelko-Pereira et al., 2010). Especialmente aqueles que permitem conhecer como os adolescentes veem a violência escolar e quais atitudes tomariam em relação a episódios de violência. Em revisão da literatura científica internacional realizada no dia 5 de janeiro de 2016, na base de dados Dialnet, foi introduzido o termo “Evaluación de las creencias actitudinales hacia la violência”, encontrando-se dois registros. Não obstante, apenas um utilizava um instrumento de avaliação: Cuestionario de Actitudes Hacia la Violencia-Questionário de Atitude Frente à Violência em Escolas (CAHV – 25). Esta medida foi elaborada por Ruiz, Llor, Puebla e Llor (2009) na língua espanhola, com o objetivo de avaliar as crenças atitudinais frente à violência escolar, em uma amostra não clínica de adolescentes da Espanha.

Para a construção do questionário, os autores partem do pressuposto teórico de que a maior parte das condutas se produz de forma espontânea e as atitudes guiam, em grande medida, esses processos psicológicos automáticos. Admite que os comportamentos violentos dos adolescentes no contexto educativo têm uma vertente mais afetiva ou emocional do que instrumental e, portanto, tendem a ser impulsivos e não premeditados. É possível concluir que a avaliação das atitudes frente à violência poderia contribuir para a criação de modelos preditivos desse comportamento no contexto educativo.

A partir disso, um conjunto inicial de 45 itens foi distribuído em seis fatores teóricos, os quais, após ser realizada uma análise fatorial com 275 participantes, apresentou uma estrutura final de 25 itens com quatro fatores, apresentando alfas de Cronbach variando de 0,68 a 0,90. Considerando-se os parâmetros psicométricos adequados para fins de pesquisa apresentados pelo Questionário de Atitude Frente à Violência em Escolas (CAHV – 25) e a importância de ampliar a oferta de instrumentos validados que permitam avaliações precisas e confiáveis, o presente estudo tem por objetivo verificar os parâmetros psicométricos do Questionário de Atitudes Frente à Violência em Escolas (CAHV), apresentando evidências de validade fatorial e consistência interna.

 

Método

Participantes

Para alcançar os objetivos propostos, contou-se com uma amostra não-probabilística (por conveniência) de 317 estudantes com idades variando entre 12 e 17 anos (M = 13,61; DP = 1,21), em sua maioria do sexo feminino (54,1%), de escolas públicas (49%) e particulares (51%) da cidade de João Pessoa/PB. Estes estavam divididos entre o 7º (17%), o 8º (47%) e o 9º (36%) ano do ensino fundamental. Tenha-se em conta que o tamanho amostral e a sua razão de participantes por item (mínimo de 10) são adequados para a realização das análises propostas (Hair, Black, Babin, Anderson, & Tatham, 2009).

 

Instrumentos

Os participantes receberam um livreto contendo oCuestionario de Actitudes Hacia la Violencia (CAHV) eperguntas de caráter demográfico para caracterização da amostra, tais como sexo, idade, escolaridade e categoria da escola (pública vs. particular).

O CAHV foi proposto por Ruiz et al. (2009) e teve suas qualidades psicométricas averiguadas na Espanha. É composto por 25 itens respondidos em uma escala Likert de cincos pontos (de 1 = discordo totalmente a 5 = concordo totalmente), na qual os itens 6 e 24 pontuam de forma inversa. Apresenta uma estrutura com quatro fatores, a saber: o primeiro (7 itens), denominado “violência como forma de diversão”, apresentou consistência interna, medida através do índice do alfa de Cronbach, de α = 0,78; o segundo (5 itens), denominado “violência para melhorar a autoestima”, teve α = 0,78; o terceiro fator (6 itens), descrito como “violência para lidar com problemas e relações sociais”, apresentou α = 0,68; o quarto fator (7 itens), denominado “violência percebida como legítima”, apresentou α = 0,72.

 

Procedimento

Inicialmente, foi realizada a tradução do CAHV por meio da técnica de back translation (Sousa & Rojjanasrirat, 2010), auxiliada por profissionais bilíngues (português-espanhol). Assim, a medida foi traduzida por dois psicólogos bilíngues e, em seguida, retraduzida para o espanhol, com a colaboração de dois professores bilíngues de língua espanhola, que não conheciam o instrumento (tradução às cegas). Depois, as versões foram comparadas em termos de sua equivalência, comprovando-se que a tradução ao português refletia adequadamente o sentido da medida em espanhol.

Vencida essa etapa, procedeu-se à validação semântica (Pasquali, 2010) do CAHV. Na oportunidade, participaram dez alunos, cinco de escola pública e outros cinco de particular, com idades entre 12 e 17 anos e escolaridade variando do 7º ao 9º ano do ensino fundamental. Esse procedimento permitiu verificar se os itens eram legíveis e adequados às parcelas com menor e maior escolaridade da população-alvo. Nessa etapa, nenhuma alteração foi proposta na medida pelos participantes.

Para a coleta de dados, realizou-se contato com a direção das escolas, solicitando a anuência para proceder com a pesquisa. Seguindo os procedimentos éticos, conforme Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, os pais e responsáveis das crianças e adolescentes foram contatados para a solicitação de autorização, o que se efetivou com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). No momento da aplicação, foi explanado o objetivo geral da pesquisa para os participantes e informado que a colaboração não traria dano pessoal e que a adesão ao estudo deveria ser voluntária, sendo possível desistir a qualquer momento sem prejuízo. Ademais, foi enfatizado que a pesquisa preservava o anonimato das respostas. Por fim, foi solicitado às crianças e aos adolescentes que assinassem o Termo de Assentimento e respondessem o livreto.

Finalmente, foi agendado para cada instituição o melhor horário para a aplicação dos questionários. A coleta de dados foi realizada em ambiente coletivo (sala de aula), no entanto, os instrumentos foram respondidos de forma individual; estiveram sempre presentes um ou dois aplicadores para esclarecer quaisquer dúvidas dos estudantes. Todos os participantes tiveram que apresentar previamente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), autorizando o uso das informações prestadas. Em média, foram necessários aproximadamente 10 minutos para concluir sua participação.

 

Análises de Dados

Utilizou-se o SPSS, em sua versão 21, para calcular medidas de tendência central e de dispersão, a fim de caracterizar a amostra, e testes Mann-Whitney para comparar as pontuações dos participantes quanto a sexo e categoria de escola. Com o software Factor 9.2 (Lorenzo-Seva & Ferrando, 2013), investigou-se a dimensionalidade do CPD-S com o método Hull Comparative Fit Index (CFI; Lorenzo-Seva, Timmerman, & Kiers, 2011), a partir de uma análise fatorial exploratória categórica Unweighted Least Squares (ULS) com correlações policóricas; considerando que o método Hull é um dos melhores métodos disponíveis para estimar a dimensionalidade de um conjunto de itens, a partir do estudo de simulação de Lorenzo-Seva et al. (2011). Ademais, calculou-se a consistência interna do CAHV com base nas correlações policóricas. Essas análises foram conduzidas levando-se em consideração o fato de que a escala Likert utilizada é composta de categorias ordenadas, não sendo possível considerá-la como contínua (Holgado-Tello, Chacón-Moscoso, Barbero-García, & Vila-Abad, 2010; Lara, 2014).

 

Resultados

Evidências de validade e precisão

A fim de realizar a análise fatorial exploratória ordinal ULS, obteve-se primeiro a adequação da matriz de correlação policórica através dos índices Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) = 0,94 e do teste de esfericidade de Bartlett = 3164,9(300); p < 0,01, os quais se mostraram adequados. Pode-se observar a dimensionalidade pelo método Hull (CFI), o qual sugeriu uma solução unidimensional, apresentando um índice de ajuste Global Fit Index (GFI) = 0,98. As cargas fatoriais dos itens do CAHV e a consistência interna da escala são apresentadas na Tabela 1

 

 

Em resumo, assumindo o critério de saturação mínima igual ou superior a |0,30|, como indicado na literatura (Pasquali, 2012), todos os itens, excetuando o item 24 [Iria me sentir mal comigo mesmo se, para defender um(a) amigo(a), tivesse que brigar com outro(a) garoto(a)], compõem a estrutura final do instrumento, com saturações variando de 0,39 a 0,76. Portanto, a denominação desse fator parece clara, tratando-se de atitude frente à violência na escola. Este apresentou um valor próprio (eigenvalue) de 8,95, explicando 37,11% da variância total. Ademais, apresentou evidências de precisão igualmente adequadas.

 

Influência das variáveis demográficas

Por fim, realizaram-se análises acerca das fontes de variações no índice geral de atitude frente à violência na escola. Buscando comparar duas condições, realizaram-se testes de Mann-Whitney com duas variáveis sociodemográficas dos participantes, a saber: sexo e categoria da escola. Os resultados apontam uma diferença significativa quanto ao sexo dos participantes [U = 7937,50 (z = 4,52); p < 0,001], sugerindo que os adolescentes do sexo masculino (Mediana = 56,00; Posto médio = 177,06) apresentaram maiores índices de atitude frente à violência do que os adolescentes do sexo feminino (Mediana = 46,89, Posto médio = 131,32). Além disso, foi encontrada também uma diferença significativa entre os participantes que estudavam nas duas categorias de escola [U = 9440,00 (z = 2,99); p < 0,001], sugerindo que os participantes oriundos de escolas públicas (Mediana = 52,00; Posto médio = 169,64) apresentam maiores índices de atitude frente à violência nas escolas do que os oriundos de particulares (Mediana = 47,16; Posto médio = 139,25).

 

Discussão

O objetivo de averiguar as qualidades psicométricas do CAHV em uma amostra brasileira foi alcançado. Esse instrumento apresentou uma estrutura unifatorial (atitude frente à violência na escola), a qual difere da estrutura original com quatro fatores encontrada na Espanha (Ruiz et al., 2009). Leva-se em conta que, nesta pesquisa, o planejamento feito utilizou análises estatísticas adequadas à natureza ordinal dos dados, com estimadores Unweighted Least Squares (ULS), implementados com correlações policóricas (Asún, Rdz-Navarro, & Alvarado, 2016; Holgado-Tello et al., 2010).

Após as análises, foi perdido apenas um item por não atingir a carga mínima exigida (0,30) na análise fatorial exploratória, e o CAHV ficou composto por 24 itens, distribuídos em uma única dimensão, explicando 37,11% da variância total. Ademais, os resultados apontam índices de precisão (alfa de Cronbach e ômega de McDonald) acima do recomendado pela literatura internacional atual (Cohen, Swerdlik, & Sturman, 2014), sendo justificado o seu uso em contexto de pesquisa.

É importante ressaltar que, devido as diferenças culturais, aspectos semânticos e linguísticos precisam ser considerados na adaptaçao do instrumento, sobretudo no caso de instrumentos como o desta pesquisa, que aborda a temática da violencia na escola, construto este atravessado por aspectos sócio-político-culturais (Silva & Alves, 2011). Ademais, devido as diferentes formas de expressao, nao há um consenso sobre a definiçao da violencia escolar, especialmente quando se leva em consideraçao a variabilidade cultural, podendo, portanto, ser algo dinâmico e mutável (Debarbieux, 2002).

A violência escolar ocorre dentro do espaço físico ou fora dele, incorporando as agressões físicas ou simbólicas que ocorrem por meio de regras, normas e hábitos culturais de uma sociedade desigual (Stelko-Pereira & Williams, 2010). Nesse cenário, destaca-se que o viés das atitudes, mensurado no CAHV, é uma importante dimensão a ser considerada, uma vez que a literatura aponta uma relação entre as percepções, as crenças, as atitudes e o comportamento humano na explicação desse complexo e importante fenômeno social (Seidl de Moura et al., 2004).

No tocante às variáveis demográficas, observou-se que os alunos do sexo masculino e de escolas públicas apresentaram maiores indicadores de atitudes frente à violência, ou seja, demonstram ter comportamentos que expressam a violência como uma forma de diversão, para melhorar a autoestima e para lidar com problemas e relações sociais, além de terem a violência como uma forma legítima de agir frente a determinadas situações. Esse resultado corrobora a literatura, que aponta um predomínio da violência para o sexo masculino (Bandeira & Hutz, 2012; Medeiros et al., 2015), isso porque, culturalmente, o menino é ensinado desde cedo a se defender pela força, o que avigora a ideia da violência, diferentemente da menina, que é estimulada a ser educada e frágil. Também foi constatado que os alunos de escolas públicas apresentaram mais atitudes frente à violência, resultado que também confirma o estudo de Malta et al. (2014). Priotto e Boneti (2009) afirmam que a localização geográfica da escola pode influenciar no nível de violência, embora não se possa confirmar a relação entre tais variáveis. O que se pode afirmar é que a escola é apenas um reflexo da violência que impera na sociedade e nas famílias.

Em síntese, é recomendado que, ao se falar de violência, leve-se em consideração um conjunto de variáveis (e.g. família, sociedade, cultura, escola, amigos, dentro outras) para que se possa entender melhor o complexo fenômeno da violência na escola. Isso posto, percebe-se a necessidade de mais pesquisas que abordem o tema, incluindo diferentes variáveis sociodemográficas, sobretudo o sexo e tipo de instituição. Ressalta-se que os resultados deste estudo não findam a discussão acerca da temática, mas possibilitam uma reflexão da situação, bem como oferecem um instrumento de avaliação da violência.

 

Considerações finais

Ressaltam-se as evidências psicométricas reunidas neste estudo, oferecendo contribuições para conhecer a adequação desse instrumento no contexto paraibano; no entanto, não se descartam possíveis limitações desta pesquisa. Especificamente, enfatiza-se que a amostra por conveniência (Cozby, 2003) não é representativa da população brasileira, nem mesmo da paraibana, pois foi constituída exclusivamente por estudantes do ensino fundamental. Não obstante, ressalta-se que não foi o propósito deste empreendimento generalizar os resultados, e pesquisadores e interessados em estudar a temática contam com uma medida adaptada para o português do Brasil, com evidências de validade e precisão satisfatórias para o uso em contexto de pesquisa.

Dado o exposto, sugere-se continuar a contribuição com a produção científica que aborda o tema, integrando esforços, dada a importância de estudos desta natureza, que podem ajudar na conscientização de profissionais para a identificação e prevenção do problema (Silva-Oliveira et al., 2014). Em estudos futuros, será necessário seguir testando o CAHV por meio de análise confirmatória e invariância fatorial quanto a grupo, aplicando e refinando o uso da medida. Recomenda-se também conhecer diferentes evidências de validades (e.g. convergente e discriminante), aplicando a medida com outras medidas; sugere-se, ainda, conhecer a sua associação com desejabilidade social, por caracterizar-se como um fator de distorção de respostas ou promoção pessoal (Gouveia, Guerra, Souza, Santos, & Costa, 2009), e avaliar sua estabilidade temporal (teste-reteste). Ademais, propõe-se a realização de novos estudos com amostras mais heterogêneas e de diferentes regiões do Brasil, ampliando, assim, o arcabouço teórico e as contribuições científicas na área.

 

Referências

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Recebido em 26/04/2016

Aceito em: 23/03/2017

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