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Revista do NUFEN
versão On-line ISSN 2175-2591
Rev. NUFEN vol.12 no.2 Belém maio/ago. 2020
https://doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol12.nº02artigo66
Artigo
DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol12.nº02artigo66
Vivências relacionais nas redes sociais em diferentes fases da vida
Relational experiences in networks at diferente stages of life
Vivencias relacionales en las redes sociales en diferentes fases de la vida
Andréa Pereira do Nascimento; Leilane Menezes Maciel Travassos
Faculdade de Santa Maria
RESUMO
Atualmente, as relações são facilitadas pelas tecnologias, porém vêm se tornando cada vez mais frágeis, o que confere relevância ao estudo dos relacionamentos modernos e de como jovens, adultos e idosos se percebem neles. Buscou-se, nesse sentido, caracterizar as vivências relacionais desse público nas redes sociais a partir do Método Empírico Fenomenológico de Giorgi, o qual possibilitou a análise da entrevista fenomenológica semiestruturada utilizada com seis (6) participantes de Cajazeiras-PB e permitiu, também, observar como cada um, na sua subjetividade, atribui sentido ao uso das redes sociais, revelando-se as seguintes Unidades de Sentido (US): Relações angustiantes; Passatempo e vício; Exibicionismo e Dificuldade em se desligar. Constatou-se a influência das redes sociais nos relacionamentos, além de convergências nos sentidos atribuídos pelos participantes a esse processo. Entende-se, portanto, que é importante uma continuidade nesse tipo de estudos, pois, a todo momento, as tecnologias de comunicação evoluem e nos acompanham.
Palavras-chave: Redes Sociais; Relações Interpessoais; Fenomenologia
ABSTRACT
The relationships are further facilitated by technological advancements at the current time, but they are becoming increasing fragile. So it is relevant to study modern relationships and how young people, adults and the elderly notice themselves in this process. Therefore, we sought to describe audience’s relational experiences in social networks with Giorgi Phenomenological Empirical Method and analyze them by semistructured phenomenological interview with six (6) participants from Cajazeiras-PB. Through this research, we mainly are able to observe how every individual, in their subjectivity, attributes meaning to the social networks, revealing the following units of meaning: harrowing relations; hobby and addiction; showing up and log off difficulty. Furthermore, we can notice the social networks influences in the relationships, besides the convergence in the meanings attribuited by the participants tô this process. We also think it is important to continue a study line, once we come to results that communication technologies involve and go along with everyone at every time.
Keywords: Networks. Interpersonal relationships. Phenomenology.
RESUMEN
Las tecnologías ahora facilitan las relaciones, pero se están volviendo cada vez más frágiles, lo que demuestra la importancia de estudiar las relaciones modernas y cómo las perciben los jóvenes, los adultos y las personas mayores. Por lo tanto, buscamos caracterizar las experiencias relacionales de este público en las redes sociales basadas en el Método Empírico Fenomenológico de Giorgi que permitió el análisis de la entrevista fenomenológica semiestructurada usada con seis (6) participantes de Cajazeiras-PB y permitió observar cómo cada uno, en el su subjetividad da sentido al uso de las redes sociales, revelando las siguientes Unidades de Sentido: relaciones angustiantes; Hobby y adicción; Exhibicionismo y dificultad para desconectarse. Con esto fue posible notar la influencia de las redes sociales en las relaciones, así como las convergencias en los significados atribuidos por los participantes a este proceso, siendo importante una continuidad en este tipo de estudios, porque en todo momento las tecnologías de comunicación evolucionan y nos acompañan.
Palabras clave: Redes Sociales; Relaciones interpersonales; La fenomenología.
INTRODUÇÃO
De acordo com Sousa e Cerqueira-Santos (2011), desde os primórdios, o ser humano vem desenvolvendo a habilidade de se socializar, de conviver em grupos, por uma questão de sobrevivência. Com o passar do tempo, as sociedades têm vivenciado constantes modificações e, de acordo com esse processo, as formas de se relacionar foram, também, se modificando.
Nos dias atuais, os relacionamentos estão cada vez mais distantes, o que se deve, dentre outros, à frequente falta de tempo, visto que as pessoas estão sempre ocupadas. As situações advindas de um contexto pós-industrial mobilizaram as sociedades de diferentes maneiras, fazendo com que as pessoas buscassem adentrar esse mundo moderno de todas as formas, alterando, inclusive, os seus modos de vida. Esse contexto faz com que haja um encurtamento no tempo dos seres humanos com relação a relacionamentos fora do ambiente casa-trabalho-estudo, os quais Schutz (1979) denomina de consociados, enquanto aqueles relacionamentos afastados são por ele chamados de contemporâneos.
O referido teórico, na sua Fenomenologia Social, discorre justamente sobre os relacionamentos, abordando a intersubjetividade como forma de compreender o sentido de mundo do outro. Para ele, é impossível ter acesso à subjetividade alheia de forma direta, pois a visão de mundo apresenta-se apenas para o próprio ego.
Por esse motivo, o conceito de intersubjetividade é essencial para que os sentidos sejam construídos, sendo a comunicação uma forma de mediar as subjetividades. Através desse processo, podemos compreender o outro e permitimos que o outro nos compreenda, numa reciprocidade (Kieling, 2010). Sabendo que o outro é semelhante a nós (também possui sentimentos, convicções e emoções), esperamos provocar nele uma reação diante daquilo que comunicamos (Gandra & Duarte, 2012).
Assim, considerando as relações no mundo social, os alter-egos (outro eu) se mostram de diferentes formas: há os consociados, aqueles que habitam no mesmo plano espaço-temporal que nós e com os quais exercemos uma relação de proximidade, e os contemporâneos, aqueles que sabemos de sua existência em algum lugar do mundo, que existem co-simultaneamente a nós e com os quais não nos relacionamos proximamente, visto que não se apresentam corporalmente, visualmente, diante de nós (Pinheiros, 2005).
Sobre a relação entre consociados, há ainda o conceito de orientação-ao-tu, que ocorre quando nos damos conta da existência desse outro diante de nós, no mesmo espaço, ao mesmo tempo, e o experienciamos como ser humano. Trata-se de um reconhecimento daquela presença, que pode ser unilateral (quando apenas um percebe o outro) ou recíproca (quando ambos se reconhecem mutuamente). Esse reconhecimento é justamente o que nos permite acessar a consciência alheia, ao observar e interpretar tudo aquilo que partilham conosco e demonstram para nós por meio do comportamento, expressão facial, forma como fala e tom de voz que utiliza (Pinheiros, 2005).
Nessas relações face-a-face, existem diversas nuances, podendo até mesmo vir a ser interrompidas, visto que vamos nos afastando do mundo dos consociados, o que leva as relações a se tornarem distantes e até mesmo anônimas (Kieling, 2010). Daí, surge o conceito de "contemporâneos", quando deixamos de ter uma relação face-a-face com o Outro, mas sabemos de sua existência em algum lugar do mundo, no momento presente, ainda que não se compartilhe do mesmo espaço: "sei que ele envelheceu desde que me deixou, e que, (...) estritamente falando, ele mudou com cada experiência adicional, com cada nova situação" (Schutz, 1964, p. 38). Porém, nada disso é levado em consideração e permanecemos com a mesma imagem daquele outro, como se ele fosse invariável, até que recebamos novas informações sobre ele, seja por meio de um novo encontro, pela fala de terceiros (Pinheiros, 2005), ou ainda, virtualmente, por meio das redes sociais.
Assim, nos relacionamentos atuais, isso ocorre ainda mais facilmente, visto que, mediante o uso das redes sociais, mesmo tendo nos distanciado de alguém, recebemos informações novas a todo momento, online. Destarte, de acordo com Bauman (2004), sociólogo contemporâneo, os relacionamentos da modernidade estão frágeis, dotados de um sentimento de insegurança. O autor descreve esses fatores ao falar de Amor líquido, tratando dos relacionamentos, em todos os tipos, evidenciando a sua flacidez, pelo fato de, entre outros quesitos, iniciarem e terminarem com a mesma facilidade, principalmente quando se trata dos relacionamentos virtuais do nosso líquido mundo moderno.
Contribuindo para esse cenário, o advento tecnológico foi se tornando ainda mais constante. Com o despontar da internet, surgiram também as famosas redes sociais, que, contraditoriamente, chegaram na intenção de tornar as pessoas mais conectadas, sem barreiras para se relacionarem (Hahl, Ocanha, Pedroso, & Santos, 2013). Trata-se de mais um resquício da revolução industrial, a partir da qual o ser humano vem desenvolvendo tecnologias cada vez mais avançadas, fazendo do século XXI uma temporada tecnológica.
Uma evidência disso é que, como mostram pesquisas recentes do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI, 2016a), as tecnologias têm estado cada vez mais presentes na vida das pessoas, principalmente como mediadoras da comunicação: em 2015, 51% das residências brasileiras possuíam acesso à internet e 89% dos usuários de internet faziam o acesso por meio de telefones celulares (esse percentual era de 76% em 2014) para acessar redes sociais (53%), enviar mensagens via WhatsApp (60%), entre outras atividades.
Dentre as atividades realizadas, as mais citadas na pesquisa por usuários de 10 anos ou mais foram as de comunicação, como envio de mensagens instantâneas via WhatsApp, Skype ou chat do Facebook (85%), e uso das redes sociais, como Facebook, Instagram ou Snapchat (77%). A pesquisa mostra ainda que essas atividades são mais comuns entre os mais jovens, pois o uso das redes sociais, por exemplo, foi citado por 88% dos usuários entre 16 e 24 anos, ao passo que se identificou que o uso dessas ferramentas de comunicação por pessoas com mais de 60 anos é minoria em comparação ao público jovem, totalizando 56% dos usuários.
Verifica-se, portanto, a importância social de se estudar como os relacionamentos estão se estruturando mediante a incessante atualização das tecnologias da comunicação, que, a cada dia, fazem surgir novos aplicativos de relacionamentos. Além disso, relacionamento "[...] é o assunto mais quente do momento" (Bauman, 2004, p. 6), em uma modernidade líquida, na qual as pessoas estão sempre em busca de novas amizades e de novos relacionamentos amorosos. Tal busca, facilitada pelas redes sociais, que excluem barreiras, pode ocorrer em qualquer lugar, a qualquer momento, não importa a distância, e é favorecida ainda mais com o avanço tecnológico pelo surgimento de dispositivos móveis e aplicativos.
Diante desse contexto e observando as mudanças nas formas de se relacionar, proporcionadas pelas alterações da própria sociedade, a escolha desta temática se deu em função do interesse em estudar o sentido que as pessoas em diferentes fases da vida atribuem aos relacionamentos virtuais, tendo em vista que, segundo pesquisas da CGI (2016b), há uma diferença significativa no uso das redes sociais entre jovens, adultos e idosos.
Portanto, o presente trabalho se propõe a responder ao seguinte questionamento: de que forma as pessoas, em diferentes fases da vida, vivenciam as redes sociais? Pretendendo analisar esse processo, considerando-se as especificidades de cada fase e tendo-se como principal objetivo caracterizar as vivências relacionais de jovens, adultos e idosos em relação ao uso das redes sociais. Para tanto, utilizou-se do método fenomenológico, criado por Edmund Husserl, que visa o estudo da estrutura dos fenômenos (Kahhale, 2008), por meio de análise embasada no Método Empírico Fenomenológico (MEF) proposto por Giorgi (1985).
MÉTODO
Trata-se de um estudo fenomenológico de abordagem qualitativa do tipo exploratório-descritivo-explicativo, realizada no município de Cajazeiras, 58.900-000, localizado no alto sertão paraibano, nordeste brasileiro, há 468 km da capital João Pessoa, com população de aproximadamente 61.816 habitantes, de acordo com o senso de 2016 do IBGE.
A fim chegar-se ao objetivo proposto, para obtenção dos relatos dos participantes, utilizou-se entrevista semiestruturada pautada nos critérios do método fenomenológico, isto é, tratou-se de uma entrevista fenomenológica. A respeito dessa ferramenta metodológica, Husserl estabeleceu três passos: epoché; exploração e revelação do direcionamento da consciência para o objeto da experiência. Por meio da epoché (suspensão de informações ou conceitos), o pesquisador deve descrever o objeto como se não soubesse absolutamente nada sobre ele para que, assim, o entrevistado tenha condições de fazer o seu próprio julgamento, evitando, dessa maneira, que ele seja enviesado pelo pesquisador (Gomes, 1997). Na sequência, vem a exploração, feita por meio de perguntas, ou seja, a entrevista em si.
Foram incluídos na pesquisa indivíduos a partir de 16 anos, pela maior facilidade de se expressar, e que fizessem uso de redes sociais, seja por meio de aplicativos em celulares ou outros dispositivos móveis e de computadores. Excluiu-se indivíduos com até 15 anos e aqueles que não faziam uso de redes sociais. Portanto, o estudo foi realizado com dois jovens (entre 16 e 24 anos), duas adultas (entre 25 e 59 anos) e duas idosas (a partir de 60 anos).1 As faixas etárias estão baseadas na divisão utilizada na pesquisa do Comitê Gestor de Internet do Brasil (2016).
Após submissão ao Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade Santa Maria-FSM, com número de aprovação CAAE 69389817.4.0000.5180, entrou-se em contato com os participantes, agendando-se local e horário mais propícios para os mesmos. Para obter-se maior fidedignidade das falas, optou-se por gravar as entrevistas com o consentimento dos participantes.
Antes de iniciar a entrevista propriamente dita, solicitou-se ao participante a descrição de uma experiência (vivência relacional) com o uso das redes sociais. Após isso, utilizou-se a entrevista semiestruturada e, ao longo do processo, surgiram novas perguntas, demonstrando atenção, por parte da pesquisadora, ao conteúdo narrado. Dessa maneira, além de perguntas formuladas previamente, a entrevista foi se articulando ao fenômeno e, a partir do que surgia ao longo do relato, também foram deflagradas novas perguntas que possibilitaram explorar ao máximo o fenômeno, evidenciando-o. Posteriormente, realizou-se a análise dos dados, por meio da técnica de análise de Giorgi.
Segundo Gil (2010), a análise de Giorgi tem origem na abordagem fenomenológica e é caracterizada por ser simples, considerando-se as seguintes etapas no uso do Método Empírico Fenomenológico (MEF): 1) sentido do todo, 2) definir unidades de significado (US), 3) expressar as unidades na perspectiva psicológica e 4) sintetizar as US.
Dessa maneira, após transcrever o material, é necessário, de início, que se leia de maneira cuidadosa o todo, com o objetivo de obter um sentido geral daquilo que foi expressado pelo sujeito. Em seguida, deve-se dividir o material em unidades de sentido (US), que, de acordo com Branco (2014), revelam-se nos sentidos comuns identificados nas falas dos sujeitos, o que, por sua vez, permite a formulação de categorias para um posicionamento teórico. Diferente de uma análise de conteúdo, aqui essas categorias não são medidas e codificadas, elas surgem mediante os sentidos que os sujeitos atribuem ao fenômeno estudado.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A seguir, discute-se a análise das experiências e das essências encontradas nas falas dos seis participantes que serão chamados aqui pelos nomes fictícios de Leandro e Tomas (jovens); Eliza e Cláudia (adultas) e Ana e Maria (idosas). Para se chegar às Unidades de Sentido (US), como afirma Branco (2014), foi necessário reconhecer que as falas dos sujeitos não estão desligadas do senso comum para, posteriormente, descrevê-las em linguagem psicológica articulada ao tema desta pesquisa. Os referidos participantes possuem o perfil sociodemográfico especificado no quadro abaixo:
Por meio da leitura cuidadosa de todas as entrevistas, foram desveladas convergências das vivências dos diferentes entrevistados, nas quais encontram-se as US. Para Branco (2014), as US se revelam nos sentidos comuns dos sujeitos em relação às suas vivências. São elas: Relações angustiantes; Passatempo e vício; Exibicionismo e Dificuldade em se desligar. Isso foi possível após a redução fenomenológica que considerou a abstração, por parte das pesquisadoras, de valores pessoais, conceitos ou qualquer teoria que pudesse exercer influência no conteúdo expresso pelos participantes, focando apenas na fala e naquilo que foi expresso no momento da entrevista.
Através da redução fenomenológica e da análise das convergências, foi possível descrever nos sub-tópicos seguintes o fenômeno do uso das redes sociais e apreender os sentidos que os sujeitos atribuem a esse processo, bem como a percepção deles a respeito dos relacionamentos interpessoais modernos. Ao final da análise das categorias, foi feita uma síntese das US, especificando suas diferenças e similaridades, o que possibilitou chegar à essência do fenômeno.
RELAÇÕES ANGUSTIANTES
Foi solicitado aos participantes que relembrassem e descrevessem uma vivência relacional nas redes sociais. De acordo com Comiotto (1999), vivência relacional implica um vínculo intenso, sendo impossível existir relações, no que diz respeito ao ser humano, sem que se tenha uma atribuição de sentimentos, valores e expectativas por parte de cada um.
Na fala de cada participante, emergiram diferentes situações e cada um, de acordo com seu contexto e com a fase do ciclo vital em que se encontra, atribuiu um sentido diferente e subjetivo a essas situações. Leandro descreve conflitos de relacionamentos provocados por comportamentos de ciúmes de seu companheiro como reação a elogios em suas publicações nas redes sociais, aos quais ele costuma responder educadamente:
Ah! Briga no relacionamento, com ciúme de mim, né, porque o povo comenta minhas coisas, fica elogiando [...] dando em cima mermo, indiretamente, que a pessoa percebe, e gerava briga no relacionamento porque eu respondia educadamente às pessoas e o outro era ciumento (Leandro, 21 anos).
Aqui, já podemos observar como o uso das redes sociais afeta os relacionamentos de Leandro, especificamente os amorosos, demonstrando em sua fala um sentimento de insegurança, corroborando com Freire, Machado, Queiroz, Bezerra, Freire, Vasconcelos, e Cruz (2010), que afirmam que alguns recursos disponíveis nas diferentes tecnologias, às quais temos acesso hoje, levam a uma provocação e, muitas vezes, ao agravamento do quadro de ciúmes nesse tipo de relacionamento, tornando a pessoa com tendência ao ciúme cada vez mais insegura em relação ao seu parceiro.
Canezin e Almeida (2015) afirmam que pessoas ciumentas costumam marcar presença curtindo ou respondendo comentários que os fazem sentir-se ameaçados. Além disso, verifica-se que por meio desses recursos, como por exemplo, conversas em redes sociais ou comentários, o parceiro ciumento encontra uma forma de exercer controle na relação (Freire, et al, 2010). Corroborando com isso, Leandro relata sobre a "briga no relacionamento" em consequência de comentários aos quais ele respondia. Trata-se, portanto, de um relacionamento abusivo, no qual ocorre uma invasão de privacidade, o que torna os relacionamentos, como diria Bauman (2004), inseguros, inconstantes e mergulhados numa ansiedade, levando ao pensamento de estar vivendo uma mentira.
Tomas, por sua vez, também traz uma situação envolvendo relacionamento amoroso, porém trata-se de uma experiência diferenciada: um término de namoro no qual a pessoa utilizou de uma rede social, evitando, assim, um contato presencial nesse momento. Tomas revela certa indignação ao relembrar tal situação, mas, por outro lado, percebe que as redes sociais facilitam a sua comunicação interpessoal:
Uma experiência pelas redes sociais foi o término de um namoro [...] pelo WhatsApp [...] a pessoa utilizou as redes sociais pra evitar algum contato visual [...] e simplesmente terminou e se afastou [...] mas as redes sociais, fora esse ponto negativo, existe um fato positivo, que é, por exemplo, eu vejo o perfil no facebook de uma pessoa [...] então é mais fácil, eu já vou ter acesso ao que ela curte, ao que ela pensa, então eu já vou ter de certa forma uma base para que eu tenha alguma conversação com ela, então, de certa forma, me auxilia nas comunicações [...] é tipo uma, é... não gosto de usar esse exemplo, mas já fica tipo assim, é... uma vitrine mostrando a pessoa, a pessoa com todos os detalhes (Tomas, 22 anos).
Na fala de Tomas, percebemos duas perspectivas quanto ao uso das redes sociais. Na visão dele, a comunicação virtual em questão foi algo negativo, pois evitou o estar face-a-face com a pessoa. Porém, ao mesmo tempo em que afirmou isso, deu-se conta de que era justamente o objetivo da pessoa: "evitar algum contato visual". De acordo com Copetti (2009), para algumas pessoas, a comunicação online pode ser algo positivo, justamente por não precisar mostrar o rosto, mostrar as suas expressões faciais, pelas quais se demonstra grande parte dos sentimentos. Por outro lado, verifica-se a angústia de Tomas exatamente por não ver a pessoa nesse momento.
Tomas traz em sua fala um fator que, para ele, é bastante positivo: o auxílio nas comunicações, utilizando as redes como um meio de conhecer melhor uma pessoa. De certa maneira, ele apresenta uma virtualização das relações, de forma que o conhecimento de uma pessoa acaba não se dando pela convivência, mas por meios digitais, o que, segundo ele, facilita dar início a uma conversação. Aproximar e facilitar as relações interpessoais, de acordo com Canezin e Almeida (2015), são o principal objetivo das redes sociais.
Durante toda a entrevista, Tomas demonstrou certa timidez. Especialmente para pessoas com este traço, as redes sociais possuem uma função muito importante: oferece suporte social, auxiliando na comunicação dessas pessoas introvertidas. Como afirmam Tijiboy e Machado (2005), as redes possibilitam a construção de uma nova personalidade, onde a "timidez encontra a ousadia" (p. 6). Assim, o sujeito pode criar a si mesmo e se recriar sempre que julgar necessário, num processo de metamorfose.
Eliza revela uma situação que, para ela, foi marcante: um conflito em um grupo de uma rede social no qual ela foi acusada de algo que não fez. Tal situação ocorreu num momento em que ela se encontrava debilitada pelo falecimento de um familiar, o que a deixou ainda mais abatida:
Teve uma que me marcou. Quando eu tava num grupo do whatsApp [...] conversando com o povo, né, numa boa, aí uma mulher veio falar comigo no privado, ela veio brigar comigo e disse que tava me vendo dar em cima do marido dela, aí eu fui chorar, morri de chorar nesse dia [...] Aí fui dizer lá no grupo, que ela tinha feito isso, acho que ela deve ter ficado morta de vergonha. Aí eu saí do grupo, algumas pessoas vieram no privado, me pedir desculpa, fiquei arrasada nesse dia. Tinha acabado de chegar de um funeral do meu tio, aí acontecer um negócio desse, ser esculhambada (Eliza, 27 anos).
Para Canezin e Almeida (2015), muitos casais utilizam as redes sociais como um meio de controle do parceiro, para saber com quem conversa, o que curte, o que comentam, preferindo, não raramente, utilizar uma única rede social para o casal, poupando trabalho. Na situação exposta por Eliza, havia um casal num mesmo grupo em uma rede social. Observa-se que a conversa gerou ciúme numa das partes do casal, que, numa demonstração de ciúme, prontamente conversou com Eliza, que já se encontrava debilitada pela morte de um familiar. Verificamos, portanto, o quão esse tipo de comportamento repercute: gera angústia, constrangimento e insegurança, não só para o casal, mas também para as pessoas em volta, como no caso de Eliza.
Cláudia, por sua vez, recorda uma situação na qual reencontrou, por meio de uma rede social, um amigo que há muito tempo não o via. A forma pela qual relatava revelou o quanto a experiência foi agradável para ela, fazendo emergir um novo sentimento pela pessoa em questão:
Eu estava na minha casa, né, como sempre num dia de domingo, fazendo os meus afazeres e de repente o celular dá um toque [...] quando eu olho a mensagem, de cara eu não reconheço a pessoa [...] E vou olhar o perfil e... é, reconheci, né, que era uma pessoa que eu tinha visto há muito tempo, um amigo meu, né, foi amigo de infância, ele tinha ido embora, sempre vinha visitar os pais dele [...] mas a gente nunca tinha contato e nesse dia [...] ele falou comigo e a partir daí a gente começou a conversar, a conversar e, assim, depois dessa conversa, é... surgiu, assim, algo novo, surgiu um sentimento diferente da minha pessoa em relação a ele, só que eu não comentei nada com ele, até hoje nunca comentei (Cláudia, 38 anos).
A situação relatada por Cláudia traz à tona a fenomenologia social de Alfred Schutz, descrita em Pinheiro (2005). No passado, o amigo de Cláudia fazia parte de suas relações consociadas (aquelas relações face-a-face que se encontram no mesmo plano espaço-temporal e se experienciam de forma a reconhecer a presença um do outro, reciprocamente). Porém, as relações face-a-face têm a possibilidade de interrupção, e assim aconteceu. O amigo passou, então, a fazer parte das relações contemporâneas de Cláudia (ela sabia da existência dele em algum lugar no tempo presente, porém não tinha um contato visual com ele).
Portanto, observamos o papel das redes sociais no processo de relacionamentos a distância para que Cláudia pudesse ter algum contato com o seu amigo de infância, o que a levou a construir um novo sentimento por ele, diferenciado daquele da infância. Para Canezin e Almeida (2015), as relações virtuais também possibilitam idealizações, que podem ou não ser compartilhadas e correspondidas. No caso de Cláudia, ela preferiu guardar tal sentimento apenas para si mesma, o que pode ter gerado nela um sentimento de angústia por não expressar seu sentimento.
Maria relata duas vivências que ela considera de níveis diferentes em relação às redes sociais, ou seja, revela a parte negativa e a parte positiva desses meios, recordando o quanto a primeira foi desagradável (demonstrando repúdio pela situação ocorrida de propostas desagradáveis que lhe foram feitas) e destacando, a seu ver, a beleza da segunda experiência (tendo feito uma nova amizade, primeiro, virtualmente e, depois, encontrando-o pessoalmente):
Me veio à mente assim, uma coisa, que às vezes as pessoas usam a internet pro mal, né, pra... e fazerem propostas não muito agradáveis, então isso já... já me aconteceu uma vez, né, que quando eu vi, eu disse: "opa, então essa não é uma pessoa pra mim... pra ser meu amigo". Às vezes, a gente não quer excluir, coisa assim, e aí vem com outras intenções, aí eu excluí, né, quando eu vi, eu excluí. Foi uma coisa bem negativa, assim, mas geralmente não acontece assim. Como eu te contei esse caso, né, já é uma outra situação, outra experiência bonita, de amizade [...] um amigo assim, que a irmã dele eu conhecia [...] era muito minha amiga, muito amiga mesmo, e... e ela passou meu telefone pra ele e como ele viaja, aí ele chegou aqui, logo me ligou, né, dizendo: "ó eu tô indo aí"
[...] e com isso, meu Deus, já se tornou amigo [...] eu vejo que... que é uma pessoa muito boa, até por sinal eu conheço a família, alguns membros da família, então aí já é diferente também, né, então já foi uma coisa muito bonita (Maria, 62 anos).
Maria destaca o fato de que as redes sociais podem ser utilizadas com fins negativos, corroborando com Santos (2010), para quem essa negatividade não está intrínseca às redes sociais, pois qualquer tecnologia é neutra, acompanhando a própria evolução do ser humano. Quem define se quer fazer delas uma ferramenta para o bem ou para o mal é quem a usa, é algo subjetivo de cada um. Percebe-se que Maria sentiu-se bastante angustiada com a forma com qual a referida pessoa utilizou as redes para com ela, tendo como reação excluir de seu ciclo de amizades virtuais. Em contrapartida, ela destaca uma situação que a deixou bem contente, o que demonstrou na forma como se expressou ao falar, com animação. Nessa situação, faz uma amizade virtual que logo depois conheceu pessoalmente. Ao contrário de Cláudia, Maria passou de uma relação contemporânea para uma relação de consociados com a pessoa em questão, o que a deixou muito feliz.
Maria e Cláudia, portanto, destacaram o uso das redes sociais, principalmente, para fins de relacionamentos, como foi observado. Mas, para além dessa perspectiva, há também a possibilidade do uso desses meios para o trabalho, como destaca Ana ao relatar a sua vivência como uma forma de suporte para o trabalho artesanal que faz. Ela relatou que, por meio de vídeos no Youtube, aprende a produzir alguns materiais, como laços de fita para tiaras infantis: "Meus laços, minhas tiaras… É tudo medido os centímetros, num sabe, aí quando eu tenho uma dúvida vou atrás, aí vou procurar até encontrar aquilo que eu quero" (Ana, 64 anos).
Na fala de Ana, percebemos seu bem-estar em relação ao que faz com as redes sociais, associando-as ao seu trabalho, demonstrando ir sempre em busca de melhorá-lo, de produzir com perfeição. De acordo com Araújo, Cardoso, Moreira, Wegner e Areosa (2012), esse sentimento de pertencimento gera maior qualidade de vida na pessoa idosa.
Percebe-se aqui as diferenciadas vivências em relação ao uso das redes sociais, subjetivas e singulares, cada uma imbuída de sentimentos e valores atribuídos, seja pelas palavras ou pelo próprio modo como o indivíduo se expressa. Assim, como diz Comiotto (1999), o ser relacional atribui sentido a tudo o que faz, inclusive às relações interpessoais.
É justamente nisso que este trabalho visa manter o foco, não no fato em si, mas no fenômeno com toda a sua peculiaridade e individualidade. Assim, foi notório na fala da maioria dos participantes um sentimento de angústia nas suas relações. Os mais jovens referem-se a relacionamentos amorosos, em que esse sentimento pode se revelar, seja pelo fato de as redes sociais impedirem uma relação face-a-face para a expressão dos sentimentos, seja por meio da insegurança de um dos parceiros. Tal insegurança, por sua vez, também pode gerar angústia nas pessoas que compõem o ciclo social do casal, como aconteceu na situação relatada por Eliza. Ou ainda, essa angústia pode surgir mediante o contato com alguém que faz mau uso dessa ferramenta, como mostrou uma das idosas. Em resumo, a angústia parece estar presente em todos os relatos, exceto no da Ana, em que se revela o bem-estar que sente no uso das redes voltado ao seu trabalho.
PASSATEMPO E VÍCIO
De acordo com as suas vivências relacionais, cada participante possui uma representação própria das redes sociais, revelando-se nas suas falas como um passatempo ou como um vício. Leandro afirma utilizá-las como um passatempo, em momentos que não tem muitos afazeres: "Passatempo, tipo, eu não tô fazendo nada, eu pego e entro no facebook, vou ver o que é que o povo tá postando" (Leandro, 21 anos), assim como Ana, que traz como uma forma de distração: "Ah minha filha, distrai [...] eu fico com aquela alegria, com aquela felicidade dentro de mim [...] Quando eu tô usando, quando eu tô fazendo" (Ana, 64 anos).
Para Tomas e Eliza, as redes sociais já possuem uma representação diferenciada, de vício/hábito:
É praticamente parte da nossa convivência. Assim, já se torna um hábito tão comum quanto comer, quanto tomar banho [...] na verdade elas ocupam bastante parte do nosso dia-a-dia [...] você evita até mesmo sair de casa [...] É tanto que às vezes torna mais suportável você conversar com as pessoas por meio das redes sociais do que por meio da, é... pessoalmente (Tomas, 22 anos).
[...] eu uso direto, direto, desde quando eu acordo, eu fico assim revezando, no whatsApp e no instagram, depois facebook, aí depois volta pra um, depois pro outro, parece que é assim, fica um certo tempo, aí enjoa e volta pro outro, aí vai revezando, tipo um círculo vicioso, num sai nunca de nenhum (Eliza, 27 anos).
Percebe-se que estes dois participantes passam grande parte de seu tempo utilizando redes sociais, o que, para Santos (2010), leva ao risco de tornar as relações cada vez mais virtuais, pois as redes sociais não devem ser a única ferramenta de comunicação. Por outro lado, Tomas e Maria se remetem à aproximação que as redes sociais lhes proporcionam em relação a outras pessoas: "[...] você fica em casa utilizando redes sociais e, a partir das redes sociais, já se aproxima de outras pessoas [...] quando eu falo de aproximar, eu falo de conhecer mais elas, ter diálogos com elas, construir conversas, certo" (Tomas, 22 anos).
[...] eu acho tão bonito... assim é uma coisa tão boa, porquê... aproxima as pessoas, né, às vezes [...] não aproxima tanto, daí talvez seria um pouco negativo, mas eu vejo como uma coisa boa, né, que... que sabendo usar, é muito bom. É... é com rapidez que a gente tem o contato, né (Maria, 62 anos).
Cláudia traz a perspectiva da reaproximação: "[...] você pode encontrar pessoas, né, pessoas que, por exemplo, que há muito tempo não encontrava e, a partir das redes sociais, você pode reencontrar essas pessoas" (Cláudia, 38 anos).
EXIBICIONISMO
Em relação aos registros realizados nas redes sociais, todos os participantes se remeteram a fotos, revelando nas suas falas um mesmo sentido: de mostrar-se para o mundo, seja com fotos de si mesmo ou do momento que vive ou, ainda, de alguma produção sua: "Eu gosto de postar foto minha [...] o que eu mais posto é foto, tudo igual [...] Num tem nem muita diferença um do outro, mas só pela vontade de postar" (Leandro, 21 anos). "Eu só costumo registrar fotos que eu tiro com amigos, com minha filha, algum momento especial, tipo aniversário, eu costumo sempre postar e falar daquele momento que aconteceu, que foi tirada aquela foto" (Cláudia, 38 anos). "Eu num sei fazer nada... eu faço... eu boto assim, chega (neta), poste aqui [...] É... peço pra (neta) postar [...] Meus laços! Os laços que eu faço, as fotos dos laços, ói... tem tudin no facebook" (Ana, 64 anos).
Eu costumo, geralmente, registrar momentos, geralmente, através de fotografias, certo, tiro uma foto, já publico no instagram e já compartilho no facebook automaticamente, já mostrando onde eu estou, o que eu estou fazendo exatamente, então é aquele momento em que estou presente, então quero compartilhar aquele momento pras redes sociais (Tomas, 22 anos).
[...] eu acho que eu posto muita foto e, geralmente, é sozinha, porque eu num tenho muitos amigos, né, num saio muito de casa, aí acho que é por isso que eu embarco tanto nas redes sociais. Aí, às vezes, eu tô em casa aí vou me arrumar só pra tirar foto, não vou nem sair de casa, só pra tirar foto mesmo e postar (Eliza, 27 anos).
[...] algumas fotos que eu vejo que podem ser colocadas [...] geralmente, tudo é possível de mostrar, claro [...] pelo menos, porque o que tem é em relação à faculdade, ou aqui na escola que a gente posta muita coisa assim (Maria, 62 anos).
Na maioria das falas, percebe-se uma necessidade de mostrar-se para o mundo, registrando momentos ou encontros. Percebemos, especificamente nas falas de Leandro e Eliza, um caráter narcisista no ato de tirar fotos de si mesmo, inclusive de maneira mecânica. Para Lima (2015), as redes sociais são utilizadas não só como meio de comunicação, mas também como expressão da subjetividade, onde as pessoas se recriam e se mostram para o mundo da forma como desejam ser vistas. Além disso, também podem ser utilizadas como meio para a pessoa exibir ou exaltar a si mesma, fazendo uma referência ao narcisismo contemporâneo, pelo qual a pessoa narcisista espera ser admirada ou aprovada. Percebe-se esse processo na fala de Eliza, que se arruma "só pra tirar foto".
Tal situação acontece hoje, principalmente, por meio das selfies, uma autofotografia que, de acordo com Miranda (2012), tornaram-se descartáveis mediante as novas tecnologias que permitem ver a foto no momento em que é tirada, além de possibilitar vários e vários cliques, tornando o ato de se fotografar mecânico. Assim, o indivíduo tem a possibilidade de tirar várias fotos de si mesmo, podendo então escolher aquelas que lhe agradam ou se agradando por todas e postando-as, como no caso de Leandro.
DIFICULDADE EM SE DESLIGAR
Durante a entrevista, foi solicitado aos participantes que se colocassem na situação de viver num mundo onde, de repente, as redes sociais desaparecessem. Todos os participantes revelaram a sua dificuldade em se desligar desse mundo virtual. Leandro e Eliza imaginam essa dificuldade para se adaptar: "Ele ia ser mais difícil de você conhecer as pessoas, conversar, porém ia ser melhor, assim, ia ser mais verdadeira as relações, porque é muito superficial nas redes sociais" (Leandro, 21 anos).
Entendendo as redes sociais como uma extensão dos relacionamentos humanos (Silva, Frizzi, Junior, Cabestré, & Santos, 2013), Leandro traz a dificuldade que poderia emergir no conhecimento de novas pessoas. Por outro lado, percebe que os relacionamentos que surgem em redes sociais são superficiais, acreditando que, sem elas, se tornariam mais autênticas. Essa fala remete ao conceito de relações dialógicas de Buber (2006), que afirma a importância de uma relação Eu-Tu, estruturada no face-a-face, configurando-se como um encontro autêntico e inteiro, e somente nesse tipo de relação aparece o ser em sua totalidade, possibilitando uma produção de sentido mediante o ser que se revela.
Refletindo sobre suas relações ao longo do tempo, Leandro observa o quanto vêm se tornando frágeis em relação ao passado: "Hoje em dia tem muito sexo, mas antigamente não, era uma coisa mais sólida, eu achava, apesar da pouca idade, parecia um relacionamento mais maduro" (Leandro, 21 anos).
Cláudia também traz a sua percepção sobre os relacionamentos atuais:
Eu acho que, hoje em dia, os relacionamentos eles não são mais valorizados. É... acredito que, é aquela coisa um pouco banal, a questão de... hoje, eu vou pra determinado local, eu fico com uma pessoa, namorei, beijei, fiquei com aquela pessoa, até transa pode acontecer, saio dali, pronto, aquela pessoa passa a não existir pra você. Outro dia, acontece a mesma coisa. Eu acho assim, que, hoje em dia, são poucas as pessoas que realmente valorizam o relacionamento a partir do respeito, a partir da construção, do convívio, um conhecer a diferença do outro, um conhecer o lado positivo, negativo... a questão de construir. Hoje, não. É viver o momento e acabou (Cláudia, 38 anos).
Atualmente, as relações vêm se tornando frágeis (Bauman, 2004) ou "superficiais", nas palavras de Leandro, e relações Eu-Tu estão raras. O mundo virtual até permite uma construção de várias relações, facilitando a comunicação com novas pessoas, como coloca Leandro (que, inclusive, faz uso de diversos aplicativos de relacionamento, como mostram os seus dados sociodemográficos), porém, como afirma Bauman (2004), não se configuram como relações e sim conexões que podem facilmente ser desfeitas. Para La Taille (2009), esse processo ocorre devido à desvalorização das relações, que carecem de afetividade. Essa facilidade em se comunicar e "conhecer pessoas", a que se refere Leandro, existe no mundo virtual, porém, nessas relações, não há troca. Está muito mais fácil se relacionar e de conhecer pessoas atualmente, contudo, dificilmente, encontram-se relações de reciprocidade, afetividade ou totalidade na virtualidade.
Sobre o conhecimento de novas pessoas, Eliza traz uma perspectiva diferente, na qual percebemos um agravamento da timidez quanto aos relacionamentos face-a-face mediante o uso das redes sociais: "[...] já sou meio tímida, aí, quando inventaram negócio de rede social, aí pronto, piorou tudo, ficou mais difícil, assim, de eu me entrosar com as outras pessoas" (Eliza, 27 anos).
Por outro lado, Eliza e Tomas se referem a uma dificuldade de adaptação num mundo sem redes sociais, e ao mesmo tempo, a primeira percebe que seria melhor:
Eu acho que seria difícil me adaptar, mas eu acho que eu viveria, assim, melhor, sem as redes sociais, aproveitaria mais a vida. Mas, assim, cancelar de cara, eu acho que eu ia ficar perdida [...] 90% do meu dia eu tô nas redes sociais. E é uma perda de tempo grande, viu. Você deixa de estudar, deixa de fazer um monte de coisa [...] mesmo você com sono, você tá lá mexendo nas coisas, é uma perda de tempo (Eliza, 27 anos).
Ficaria sem sentido, uma vida, é... sem sentido [...] o que você iria fazer com esse tempo que você teria ocupado com... o tempo que você dedica às redes sociais? Então, eu ficaria no começo: "o que eu faço agora?" (Tomas, 22 anos).
Percebemos aqui uma dificuldade de adaptação e uma falta de sentido. Tais pensamentos podem surgir do fato de que os mais jovens já nasceram numa era digital, convivendo diariamente/constantemente com esses meios. Eliza especifica uma situação:
Eu acho que eu tô meio afastada, assim, das pessoas pessoalmente, porque eu fico mais no celular. Até minha irmã, ela reclama muito, né, porque ela diz que a gente sai né, pra algum canto, eu vou pedir a senha do wifi do lugar, por exemplo, e ver quem tá conversando com a pessoa (Eliza, 27 anos).
Mendes (2012) coloca justamente essa influência tecnológica na forma como o ser humano se relaciona. Com o passar do tempo, locais que antes eram cheios de conversas hoje permanecem silenciosos. Lanchonetes, restaurante, qualquer local público onde as pessoas deveriam se encontrar, estão cheios de gente, mas cada um na sua individualidade, com os seus celulares, comunicando-se com o mundo inteiro e esquecendo da pessoa a frente.
As idosas percebem que, num mundo sem as redes, poderia emergir uma dificuldade principalmente no que diz respeito aos seus respectivos trabalhos:
Prestava não [...] porquê se você num tiver nada sendo medido, num dá certo nada. Aí como é que eu vou fazer um laço desse, se eu num sei quantos centímetros tem, isso aqui eu num sei quanto, quanto é que leva. Que eu fiz aqui tudo pelo... tudo medido (Ana, 64 anos).
Oh, meu Deus! Eu acho que seria muito ruim, porque eu, eu uso muito, como eu já te disse, pra essas coisas [...] é perguntar alguma coisa pra minha, pro meu grupo da faculdade [...] é informar [...] às vezes, tem uma reunião, a gente combina, por exemplo, aqui na escola, a gente combina, vamos tal hora, se tem que levar alguma coisa, leva tal material, ou se tem um lanche, por exemplo, leva isso, leva aquilo. Então, combina as coisas tudo assim, então isso é, claro, tudo mais rápido, que... quando a gente tem muita coisa pra fazer, isso ajuda, né, os meios ajudam (Maria, 62 anos).
Verificamos nas falas das idosas uma negação a esse mundo sem as redes, tratando-o como algo muito ruim. Maria se remete a um ponto que ela considera positivo: a rapidez para se comunicar. Santos (2010) enfatiza justamente esse benefício da internet na vida do ser humano, facilitando e agilizando a troca e a propagação de mensagens.
Nesse sentido, podemos observar o quanto elas já se encontram adaptadas às tecnologias, ainda que tenham nascido e crescido num contexto bem diferenciado do que se tem hoje, no que diz respeito às redes sociais. Convivem, atualmente, com jovens e com atividades que levam a utilizá-las. Maria, através da escola ou da faculdade, como ela relatou, e Ana, pela convivência com os filhos e netos, como podemos observar no trecho seguinte:
Elas compraram um celular pra mim. Eu disse: "eu num quero que eu num sei usar isso, eu num sei"... "Mainha aprende"... mas eu num sei, eu num consigo, aí pelejando (incompreensível) passava de dois meses sem nem olhar pra ele, aí eu digo: "Vou cair na real e vou aprender, vou analisar". Aí, quando eu disse um dia, eu disse (neta): "Ensina vovó a procurar o... como é o nome (neta)? O youtube, os vídeos? Sim, pra poder eu saber aonde eu caçar, num sabe?" Aí ela me ensinou, eu peguei e me liguei. Aí eu fui batendo, batendo, até conseguir acertar [...] Foi uma coisa boa, minha fia. Nem queria e depois consegui e num é nada mal é tudo é boa (Ana, 64 anos).
De acordo com Maciel, Pessin e Tenório (2012), idosos que se relacionam com as tecnologias de comunicação se sentem mais acolhidos e inseridos na sociedade, podendo conviver melhor no contexto atual, estimulando também a cognição e favorecendo o bem-estar. Por este motivo, as idosas não se imaginam sem as TIC. Numa sociedade onde prevalece uma concepção biológica do ser idoso (fraco, impossibilitado...), podemos perceber as definições sociais nas idosas participantes (Araújo et al, 2012), que se adaptaram ao meio virtual, aumentando as suas relações sociais, integralizando as tecnologias aos seus trabalhos, melhorando a comunicação com as pessoas com as quais convivem e facilitando o próprio exercício do trabalho, obtendo maior autonomia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa buscou, por meio de uma perspectiva fenomenológica, caracterizar as vivências relacionais de jovens, adultos e idosos em relação ao uso das redes sociais. Tendo em vista as diferentes perspectivas de desenvolvimento humano, foi possível verificar diferentes formas de pensar e de atribuir sentido ao uso das redes. Cada um, em sua individualidade e mediante as suas experiências subjetivas, externalizou diferentes vivências, todas imbuídas de valores e significados, sendo possível também encontrar convergências entre os sentidos atribuídos.
Por meio da perspectiva dos mais jovens, que já nasceram numa época tecnológica, pudemos observar a influência do uso das redes sociais na maneira como se comunicam, por vezes sentindo dificuldades nas relações face-a-face e comunicando-se excessiva e quase exclusivamente através desses meios. Nesse sentido, através das unidades significativas expressas pelos participantes, notou-se um sentimento de angústia nas relações, sejam elas de que tipo forem. Percebemos isso, principalmente, em relacionamentos amorosos, muito mais frágeis atualmente, inconstantes e inseguros.
Com isso, algumas falas remeteram ao agravamento de ciúmes e à possibilidade de facilitar à pessoa ciumenta o controle da relação, deixando o outro lado numa situação de subordinação, caracterizando o relacionamento como abusivo, no qual se tem uma invasão de privacidade. Especificam ainda momentos em que comportamentos ciumentos afetam não só o casal, mas todos a sua volta.
Dessa forma, verificamos a existência do sentimento de angústia nas relações formadas a partir de redes sociais, nas quais não existe afeto, autenticidade ou totalidade e as pessoas são tratadas como objetos, num meio virtual onde se torna muito fácil encontrar outras pessoas. Assim, os relacionamentos acabam por serem mergulhados nesse mar de inconstância e insegurança.
Em relação à fase adulta e à velhice, observamos um enfoque na possibilidade de encontros e reencontros que as redes sociais proporcionam, oportunizando o conhecimento de novas pessoas a distância ou o reencontro de pessoas que não se viam há muito tempo, por exemplo. Tais situações podem ainda ser favorecidas pela praticidade em se comunicar de forma fácil e rápida.
Além disso, falando especificamente de idosos, as redes sociais facilitam a sua inserção social, fazendo-os sentir-se mais autônomos, gerando um sentimento de bemestar, independência e pertença ao meio social, o que contraria o que a sociedade costuma entender como pessoa idosa, visto que as participantes descreveram situações nas quais interagem com o meio virtual e o utilizam a seu favor, principalmente no ambiente de trabalho.
Dessa maneira, percebemos a importância de uma continuidade de estudos nessa direção, sabendo que as tecnologias acompanham a evolução humana e que, a todo momento, surgem novas atualizações que nos acompanham também em qualquer local, influenciando na forma como nos relacionamos com o mundo a nossa volta.
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Notas sobre as autoras:
Andréa Pereira do Nascimento: Especialista em Docência do Ensino Superior pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG); Bacharel em Psicologia pela Faculdade Santa Maria (FSM); Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) andrea.pn94@gmail.com
Leilane Menezes Maciel Travassos: Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB); Especialista em Preceptoria do SUS pelo Instituto Sírio Libanês de Ensino e Pesquisa (ISLEP); Docente do curso de Psicologia da Faculdade Santa Maria (FSM); Bacharel e Licenciada em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) leilanemacielpsico@yahoo.com.br
Recebido em : 01/02/2019
Aprovado em: 25/04/2020
1 Os diferentes ciclos de vida constituíram um critério para escolha dos participantes, tendo em vista a hipótese de diferenças no uso das tecnologias por idade (CGI, 2016a), mas não foi um critério para a exposição dos resultados. Este se restringe à análise dos sentidos atribuídos pelos participantes de maneira geral, sem separálos por idade, o que, ao final, acaba por mostrar as convergências e divergências de acordo com o nível de desenvolvimento de cada um, nas suas próprias falas e nas considerações finais desta pesquisa.