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Perspectivas em análise do comportamento
versão On-line ISSN 2177-3548
Perspectivas vol.1 no.1 São Paulo 2010
ARTIGOS
Contato com a realidade, crenças, ilusões e superstições: Possibilidades do analista do comportamento
Contact with reality, beliefs, illusions and superstitions: Possibilities for the behavior analyst
Marcelo Frota Lobato Benvenuti
Universidade de Brasília (UnB), Brasil
RESUMO
O artigo discute as contribuições dos analistas do comportamento para a compreensão das noções de realidade, contato com a realidade e distorções da realidade. Para tanto, discute que na análise do comportamento contato e realidade são noções que remetem à construção de relações comportamentais, em especial relações identificadas com a construção da noção de causalidade das pessoas. Sensibilidade a eventos subsequentes é importante como pré-requisito para a construção de relações operantes; tal sensibilidade pode ser responsável pelo surgimento de comportamentos supersticiosos. Com o comportamento verbal, pessoas podem descrever certas relações de contiguidade entre eventos e mudanças ambientais como se fossem relações de contingência, o que tem sido chamado de regras supersticiosas. Como conclusão, o artigo mostra a importância da diferenciação entre comportamento supersticioso, superstições e regras supersticiosas, apresentando situações em que o comportamento verbal pode interagir com o comportamento supersticioso.
Palavras-chave: comportamento supersticioso, crenças, realidade, análise do comportamento
ABSTRACT
The article discusses the contributions of behavior analysis to understand the concepts of reality, contact with reality and distortions of reality. The discussion about contact and reality is concept referring to the construction of behavioral relations, especially relations identified with the construction of the concept of causality of people. Sensitivity to subsequent events is important as a prerequisite for building operant behavior; such sensitivity may be responsible for superstitious behaviors. With verbal behavior, people can also describe certain relations based in contiguity between events and environmental changes as they are relations based in contingency, which has been called superstitious rules. In conclusion, the article shows the importance of differentiating between superstitious behavior, superstitious rules and superstition, showing, however, situations in which verbal behavior can interact with superstitious behavior.
Keywords: superstitious behavior, beliefs, reality, behavior analysis
A idéia de contato com a realidade é cara aos profissionais da saúde, sendo a distorção neste contato frequentemente associada a quadros patológicos, descritos por psiquiatras, psicólogos e por pessoas interessadas na interface dos conceitos da psicologia ou da psiquiatria com as ciências da sociedade. O contato com a realidade pode ser acurado: a pessoa percebe as coisas como elas são, é capaz de diferenciar demandas pessoais de demandas dos outros, sabe diferenciar quem é ela e quem são os outros. Quando o contato com a realidade é distorcido, aquilo que dizemos sobre o mundo e sobre nós mesmos, o que sentimos e o que pensamos pode diferir da realidade.
Os exemplos em que essa noção está presente são tão frequentes que quase passam despercebidos; são tratados como algo tão óbvio que não merece questionamento ou investigação. Observando o comportamento no dia-a-dia, dizemos que uma pessoa está "aérea", "desligada", "sonhando acordada", "desconectada", precisando "colocar os pés no chão" ou "voltar para a Terra". Nas patologias, quando a perda de contato com a realidade é exacerbada, delírios e alucinações atestam a importância do contato com a realidade como definidor do estado saudável.
As contribuições da análise do comportamento começam com a discussão das noções de contato e de realidade. Conceitos desenvolvidos por analistas do comportamento nos campos metodológico, teórico e aplicado exigem que os dois termos sejam problematizados e, em decorrência, que se discuta sobre a noção de contato com a realidade.
Analistas do comportamento têm proposto que os fenômenos da psicologia sejam analisados como relações comportamentais, relações entre aquilo que uma pessoa faz - suas ações - e o ambiente. Relações comportamentais, por sua vez, são estabelecidas a partir de uma função ambiental básica, a seleção, que atua sobre a variação comportamental (Donahoe & Palmer, 1994; Skinner, 1981). A seleção atua sobre respostas do repertório de um organismo, bem como sobre relações contexto-respostas, fazendo com que antecedentes ambientais possam também assumir controle sobre respostas.
Diante de uma relação comportamental, uma análise funcional é realizada quando perguntas como estas são feitas: como tal relação comportamental foi construída? Como um determinado antecedente passou a desempenhar tal papel? Este evento subsequente é uma consequência do responder? Este consequente é um reforçador? (ver, por exemplo, Matos, 1999). Essas perguntas supõem o comportamento ocorrendo em um ambiente que é construído, não estático. De acordo com a análise de Tourinho (1997), a concepção de ambiente dos analistas do comportamento gradualmente foi se afastando de uma concepção naturalista, na qual o ambiente é entendido como algo que pode ser definido independente do organismo que se comporta. Por esse motivo, mostrando implicações especialmente para a noção de ambiente interno, Tourinho enfatiza que aquilo que nos circunda não deve ser necessariamente entendido como ambiente. Os eventos à nossa volta constituem um universo, parte do qual passa a afetar as ações de um organismo. É a parte do universo que passa a afetar as ações do organismo que pode ser denominada ambiente. De acordo com a análise de Skinner (1953/1965), "ambiente significa qualquer evento capaz de afetar o organismo" (p. 257). Os chamados princípios básicos da análise do comportamento descrevem como estímulos adquirem certas funções comportamentais: como determinada modificação do ambiente (e.g., certa quantidade de água, certa quantidade de dinheiro, o cumprimento de alguém) pode tornar- se um reforçador; ou como outra modificação (e.g., uma luz acesa, uma expressão do rosto) pode tornar-se estímulo discriminativo.
Assumindo que as funções ambientais são construídas, analistas do comportamento não perguntam como acontece o contato de alguém com a realidade, mas sim como se constrói a realidade na qual uma pessoa se comporta. A pergunta sobre o contato que uma pessoa mantém com a realidade não é interditada ao analista do comportamento. Ao contrário, os princípios básicos do analista do comportamento são ferramentas úteis para descrever como se constrói a realidade de uma pessoa e interpretar fenômenos psicológicos que parecem indicar distorções no contato com essa realidade.
O assunto é importante porque mostra o alcance dos conceitos da análise do comportamento e, ao fazer isso, promove debate com outras abordagens da psicologia. Taylor e Brown (1988), dois psicólogos com orientação da psicologia social, discutiram extensamente a relação entre contato com a realidade e a noção de saúde mental. Para definir contato com a realidade, os autores destacaram certas habilidades das pessoas e alguns de seus resultados: habilidades de importar-se com o outro, ser feliz e engajar-se em atividades produtivas e criativas. Estudos da psicologia social experimental, argumentam os autores, mostram que distorções da realidade aparecem na forma de: visão não realista do eu (self), ilusões de controle e otimismo não realista. Em linhas gerais, distorções da realidade envolvem uma visão que as pessoas mantêm de si mesmas que não corresponde às suas reais capacidades: uma pessoa pode estimar com otimismo exagerado suas próprias capacidades ou pode supor que as chances de que algo bom aconteça a ela sejam maiores do que realmente são. A noção de ilusão de controle, em especial, indica que algumas vezes superestimamos nossa capacidade de transformar o ambiente, superestimamos nossa capacidade de agir e produzir consequências importantes para nós.
Para Taylor e Brown (1988), apreensão e representação da realidade dependem de filtros cognitivos, que podem distorcer a realidade em uma direção positiva (no sentido de que a realidade passa a ser vista com otimismo exagerado, como mais interessante, mais bela, mais colorida do que realmente é). Parte da explicação dos autores, contudo, tem extraordinária aproximação com as propostas de analistas do comportamento. Para Taylor e Brown, a distorção na realidade pode ter um papel adaptativo na medida em que evita contato com problemas e opiniões negativas. Ao contrário do que é geralmente divulgado, a distorção na realidade não é algo necessariamente ruim, mas algo que contribui para que uma pessoa possa manter-se bem mesmo em condições desfavoráveis. Distorções na realidade mantêm afastadas críticas e opiniões desfavoráveis quando uma pessoa mantém-se acreditando em si mesma. Em situações em que o ambiente poderia contribuir para um sujeito passivo, a ilusão de controle previne contra a desistência e mantém a pessoa acreditando no papel de seu próprio comportamento (ver, por exemplo, Alloy & Clements, 1992).
A contribuição dos analistas do comportamento para essa discussão passa por um exame dos conceitos que permitem identificar como se dá a construção de relações de causalidade. Como as pessoas aprendem que um evento A causa B? Como aprendem que determinada ação é responsável por determinada mudança ambiental? Essas perguntas permanecem importantes mesmo que façamos uma troca, como sugere Skinner (1953/1965), das noções de causa e efeito pela noção de relação funcional. Como aprendemos que uma variável do ambiente está funcionalmente relacionada a uma variável do comportamento (ou do responder de um organismo)? Uma das maiores contribuições da análise do comportamento tem sido a identificação de que comportamento não-verbal e verbal estão envolvidos na construção da causalidade. Da mesma forma, tanto variáveis não-verbais quanto verbais contribuem para construção de relações causais que não correspondem às de outras pessoas que estão à volta.
A noção de comportamento operante é chave para a compreensão da construção de causalidade: no comportamento operante, respostas são emitidas e seguidas de certas consequências. A depender das consequências, estas podem retroagir sobre quem as emitiu, fazendo com que respostas da mesma classe sejam mais prováveis no futuro. A noção de comportamento operante mostra que as pessoas – bem como outros organismos não-humanos - agem e transformam o ambiente, o que define a maneira pela qual o comportamento irá ocorrer no futuro. Se a probabilidade da consequência é baixa ou zero, é provável a extinção; se a probabilidade é alta, o efeito costuma ser de reforçamento.
No processo de reforçamento, comumente, dizemos que a pessoa "sabe", "aprende", "associa", "entende", mas o processo depende das contingências, responsáveis por mudanças que as pessoas, frequentemente, são incapazes de descrever. Uma determinada contingência entre resposta e consequência define uma relação operante: se respostas são emitidas, consequências são produzidas; na ausência de tais respostas, o ambiente não se modifica, consequências não são produzidas. Se uma criança chora, então a mãe aparece, coloca a criança no colo, apresenta alimento; se o braço é estendido, então são produzidas mudanças visuais e proprioceptivas; se emprestamos força a um objeto, então o objeto se desloca. Um efeito possível dessas relações de contingência é que as respostas sejam reforçadas e o comportamento, fortalecido: a criança volta a chorar, o braço volta a ser estendido, voltamos a empurrar um objeto. De certa forma, podemos dizer que quando uma pessoa age e produz consequências no ambiente, relações causais são aprendidas. Diante dessas relações, seria possível afirmar que as pessoas aprendem sobre as relações de contingência, mas a afirmação pode dizer mais do que se quer e implicar mecanismos que, na verdade, não existem. As contingências modificam os organismos e deixam seus efeitos bem visíveis. O que é aprendido é justamente o que foi modificado pelas contingências: respostas que produzem certas consequências voltam a ocorrer no futuro. O comportamento operante se constrói e se mantém por conta das consequências que se seguiram no passado e se seguem, no presente, contingentes a determinadas respostas.
Uma relação operante é possível por conta de determinadas características dos organismos que se comportam. Ao analisar o surgimento do comportamento ao longo da evolução das espécies, Skinner (1984) chamou a atenção para certos pré-requisitos que tornam possíveis as relações operantes e que dependem da história filogenética que define certos organismos como membros de uma espécie. Entre esses pré-requisitos, estão a sensibilidade a certos eventos ambientais como reforçadores e a existência de repertório indiferenciado, passível de ser modificado pelas contingências de reforço. A sensibilidade a reforçadores não é necessariamente a sensibilidade a consequências, eventos que são produzidos pela resposta. Organismos para os quais relações operantes são possíveis são aqueles sensíveis a eventos subsequentes ao responder, sem que necessariamente esses eventos sejam consequências de quaisquer ações. Por esse motivo, um evento ambiental deve ser contíguo, isto é, próximo no tempo a uma resposta para que possa funcionar como reforçador.
Nossa sensibilidade a eventos subsequentes, essencial para o comportamento operante, nos torna suscetíveis a armadilhas das coincidências. A contiguidade entre respostas e mudanças ambientais pode ser suficiente para o efeito do fortalecimento do comportamento. Contingência entre respostas e reforçadores define uma relação operante: o organismo age e transforma o ambiente que passa a atuar como determinante do comportamento no futuro. Contiguidade entre respostas e ambiente, mesmo sem haver dependência entre um e outro, pode fazer com que alguém se comporte como se estivesse produzindo mudanças que, na verdade, não dependem do comportamento. Tal é o caso do comportamento supersticioso, adquirido e mantido por relação acidental com reforço (Skinner, 1948). Um exame das condições sob as quais comportamento supersticioso pode ser observado, bem como suas características em tais situações, ajuda a compreender como analistas do comportamento podem contribuir para a compreensão das noções de realidade e distorção da realidade.
Comportamento Supersticioso
No seu trabalho clássico, "Superstição no Pombo", Skinner (1948) trabalhou com oito pombos privados de alimento. Os pombos eram colocados, individualmente, em caixas de condicionamento, onde recebiam alimento em intervalos de 15 segundos. Observadores registravam as atividades dos pombos e pouco antes da apresentação do alimento eram retiradas fotos do pombo se comportando na caixa. Skinner notou que certas respostas dos pombos aumentaram de frequência e passaram a ocorrer previsivelmente pouco antes do alimento ser apresentado. A resposta que aumentou de frequência variou entre os pombos: esticar o pescoço em direção a certo ponto da caixa, bater asas, balançar-se da direita para a esquerda, etc.
Analisando o padrão sistemático e idiossincrático produzido no experimento, Skinner (1948) concluiu que: "O pombo se comporta como se houvesse uma relação causal entre seu comportamento e a apresentação de alimento, embora tal relação não exista" (p. 171). Acontecia de o pombo estar casualmente emitindo alguma resposta no momento em que o alimento foi apresentado. Como resultado, a resposta era acidentalmente reforçada e voltava a ocorrer (i.e., aumentava de frequência). Como uma nova apresentação do alimento acontecia em tempo curto (15 segundos), era provável que a nova apresentação fosse mais uma vez próxima temporalmente de uma resposta semelhante. Assim, um intervalo curto entre as apresentações do alimento era necessário para a aquisição do comportamento supersticioso; para a manutenção, um intervalo mais longo poderia ser utilizado. Para um dos pombos, para o qual a resposta de balançar-se da direita para a esquerda foi reforçada, o intervalo de 15 segundos foi aumentado para 60 segundos. O resultado foi que o pombo continuou se comportando supersticiosamente até que alternações entre situações de suspensão da apresentação de alimento com a apresentação independente do responder resultaram na eliminação do comportamento supersticioso.
Skinner (1948) notou que as respostas que os pombos emitiam como resultado da seleção acidental sofriam considerável deslocamento topográfico. Este resultado é pouco explorado experimentalmente e conceitualmente, mas importante para a discussão sobre as diferenças entre comportamento mantido meramente por contiguidade ou mantido por contingência com reforçadores. O deslocamento topográfico acontece por conta da variabilidade no responder e porque a seleção do responder pelo reforço estava em curso sempre que o alimento era apresentado. Quando há uma relação de dependência entre resposta e reforço, certo nível de variabilidade impede que o reforço seja produzido. O resultado é o enfraquecimento dessas formas de responder (responder variado) e o fortalecimento das respostas que atendem à contingência e produzem o reforço. No caso do comportamento supersticioso, a variabilidade não tem relação com a probabilidade de aparecimento do reforço; portanto, novas formas de responder podem ser selecionadas e o resultado é a mudança gradual, às vezes abrupta, no responder.
As investigações sobre comportamento supersticioso continuaram e exploraram alguns dos aspectos identificados no estudo inicial de Skinner (1948). Para alguns autores, comportamento supersticioso, mantido por relação acidental com reforço, é raro e sua generalidade, questionável (e.g., Staddon & Simmelhag, 1971; Timberlake & Lucas, 1981). Apesar disso, o comportamento supersticioso tem sido consistentemente relatado em outros estudos. Comportamento supersticioso pode ser observado tanto em arranjo simples, como a apresentação de eventos ambientas como alimento ou pontos independentemente do comportamento dos sujeitos ou participantes (e.g., Ono, 1987), quanto em arranjos mais complexos, como esquemas múltiplos e concorrentes, em que componentes da situação experimental combinam reforço dependente com apresentação independente ou extinção (e.g., Catania & Cutts; 1963; Higgins, Morris & Johnson, 1989).
De especial interesse para a presente discussão, o estudo de Catania e Cutts (1963) mostrou que o comportamento supersticioso pode ser observado em situações em que o reforço depende do comportamento dos participantes. Esses autores pediram que estudantes universitários trabalhassem em uma situação em que dois botões de resposta estavam disponíveis como manipulandos e pontos em um contador poderiam ser ganhos. Um dos botões produzia os pontos de acordo com um esquema de intervalo variável – em média, a cada 30 segundos, uma resposta, se emitida, produzia pontos como consequência. Outro botão, concorrentemente disponível aos participantes, não produzia qualquer consequência planejada. No experimento, alguns dos participantes responderam sistematicamente aos dois botões: respostas emitidas no botão que não produzia consequências planejadas eram reforçadas acidentalmente quando o participante mudava para o outro botão e produzia os pontos. A novidade do experimento é que o comportamento supersticioso foi observado em uma situação em que o reforço dependeu do responder. Catania e Cutts demonstraram o efeito do reforço acidental de certas respostas quando outra resposta que satisfaz um conjunto de contingências é reforçada. Esse tipo de superstição foi chamado pelos autores de superstição concorrente. Em um artigo de revisão, Ono (1994) usou a expressão superstição topográfica para se referir a esse efeito, de forma a salientar que em algumas situações o reforço produzido por uma resposta pode selecionar topografias extras, que não são necessárias para a produção do reforço.
Em resposta às afirmações de que comportamentos supersticiosos seriam raros, Neuringer (1970) realizou um experimento em que pombos tiveram três respostas de bicar um disco reforçadas com alimento em esquema de reforço contínuo e, em seguida, alimento passou a ser apresentado independentemente de qualquer resposta. Neuringer mostrou que as respostas de bicar o disco mantiveram- se frequentes mesmo depois de cerca de 60 sessões nas quais o alimento foi apresentado pelo procedimento de tempo fixo ou variável. Tendo sido fortalecidas no início do experimento por relação de contingência, mesmo que poucas vezes, as respostas dos pombos mantiveram-se por contiguidade com o alimento. Para Neuringer, esse resultado mostrava que comportamentos supersticiosos seriam frequentes e muito prováveis, não uma possibilidade rara ou casual. Neuringer salientou ainda que, nos ambientes naturais, há grande possibilidade de reforçadores potenciais que não dependem do comportamento. Respostas passíveis de serem afetadas por esses reforçadores também são frequentes no repertório de qualquer organismo.
Retomando a discussão anterior, é possível usar as noções de contingência e contiguidade para analisar como se constroem noções de causalidade envolvendo o próprio comportamento e o ambiente. A noção de comportamento operante fornece um ponto de partida, pois mostra como o comportamento passa a ser afetado por consequências uma vez que respostas tenham produzido essas consequências. No entanto, o comportamento operante é possível por conta da sensibilidade a eventos subsequentes ao responder. Nosso comportamento é sensível ao mecanismo básico que torna possível a construção de relações comportamentais cada vez mais complexas: a seleção. A própria possibilidade de construção de relações operantes depende da sensibilidade à seleção. Por isso, o comportamento pode ser selecionado por reforçadores que aparecem meramente contíguos ao responder e o resultado é que, presos às armadilhas das coincidências, passamos a nos comportar como se estivéssemos produzindo modificações ambientais que na verdade não depenem do nosso comportamento.
Reforçamento modifica o organismo sem a necessidade de consciência ou de se "saber o que está acontecendo". O processo todo é não-verbal e, portanto, não consciente, assim como quando o responder é afetado pela mera contiguidade com reforçadores. O comportamento verbal, contudo, pode ter o seu papel. Quando aprendemos a falar sobre nosso comportamento, sobre o mundo que nos cerca, sobre a relação entre eles, etc., novas complexidades são introduzidas. Para uma compreensão maior das noções de realidade e distorção da realidade, devem ser examinados estudos que têm sido realizados para a investigação do que é chamado em análise do comportamento de regras supersticiosas, bem como devem também ser examinados outros estudos que investigam a relação do comportamento supersticioso com o comportamento verbal.
Comportamento Verbal e Comportamento Supersticioso
Ao discutir comportamento supersticioso, Skinner (1953/1965) se preocupou em diferenciar comportamento supersticioso de superstições. Em uma passagem bastante elucidativa, afirmou que
"apenas uma pequena parte do comportamento fortalecido por contingências acidentais evolui para as práticas ritualísticas as quais denominamos "superstições", mas o mesmo princípio está presente. . . . rituais supersticiosos na sociedade humana em geral envolvem fórmulas verbais e são transmitidos como parte da cultura. Nessa medida, diferem quanto ao simples efeito de um reforço operante acidental. Mas devem ter tido sua origem no mesmo processo e são provavelmente mantidos por contingências ocasionais que obedecem ao mesmo padrão". (pp. 86-87)
Ono (1994) insistiu na diferença entre comportamento supersticioso e superstições, apostando também no papel do comportamento verbal para diferenciá-los. Para Ono, superstições devem ser entendidas a partir da noção de comportamento governado por regras (ou comportamento verbalmente controlado, conforme Catania, 2003). Superstições podem ser compreendidas como comportamento controlado por descrições de contingências, como antecedentes verbais que não descrevem acuradamente as contingências ambientais às quais uma pessoa está exposta. Na definição de Ono (1994), superstições podem não ter qualquer relação com comportamento supersticioso. A definição de superstição destaca o papel do antecedente do comportamento e, assim, chama a atenção para variáveis relevantes no comportamento governado verbalmente: quem fornece a descrição da contingência, o tipo de descrição (e.g., completa, fragmentada, etc.), quais as consequências sociais por emitir ou não respostas quando a descrição é oferecida.
Tomadas em conjunto, as considerações de Skinner (1953/1965) e Ono (1994) obrigam a diferenciar comportamentos supersticiosos de superstições. Comportamento supersticioso é o efeito da contiguidade sobre o comportamento individual; indica a seleção do responder de um indivíduo pela coincidência de respostas com mudanças ambientais. Superstições, por outro lado, são práticas de grupos de pessoas ou, pelo menos, constituem-se de comportamentos individuais afetados por variáveis sociais, como as instruções e descrições verbais.
Higgins, Morris e Johnson (1989) realizaram um experimento em que tentaram avaliar a relação entre mecanismos sociais responsáveis pela aquisição de repertórios novos e o comportamento supersticioso. O experimento foi realizado com crianças e os autores avaliaram se instruções e aprendizagem por observação poderiam facilitar o comportamento supersticioso quando as crianças trabalhassem em uma situação na qual bolinhas de gude fossem apresentadas independentemente do comportamento. Em uma das condições do estudo, os pesquisadores diziam que as crianças poderiam ganhar bolinhas de gude caso pressionassem o nariz de um boneco na forma de palhaço, pelo qual as bolinhas eram apresentadas. Essas crianças passaram por várias sessões nas quais períodos sinalizados de reforço independente eram intercalados a períodos sinalizados de ausência de reforço (mult VT EXT). A racional desse delineamento era tentar isolar o efeito da instrução do efeito da interação entre instrução e reforço acidental. Se as crianças estivessem sob controle exclusivo da instrução, o responder ocorreria tanto em extinção quanto no componente com a apresentação das bolinhas de gude; se as crianças respondessem apenas em VT, deixando de responder no componente extinção, ficava demonstrada a interação entre instruções e comportamento supersticioso. As crianças do estudo começaram as sessões respondendo nos dois períodos do esquema múltiplo, mas logo passaram a responder apenas no período de apresentação das bolinhas e continuaram a fazê-lo ao longo de mais de quinze sessões. Em uma segunda etapa do experimento, outras crianças assistiam a um filme que mostrava as crianças que haviam se comportado "supersticiosamente". As crianças que assistiam ao filme eram, em seguida, colocadas nas mesmas condições das crianças da primeira etapa do estudo. As crianças que assistiram ao filme também passaram a pressionar o nariz do palhaço como se houvesse uma relação entre a resposta e a apresentação das bolinhas de gude. Os resultados do trabalho não podem ser atribuídos apenas ao efeito da regra ou da modelação: o responder "supersticioso" deve ser entendido necessariamente como um produto da instrução ou modelação combinado a reforçamento acidental.
Descrições de contingências que não correspondem com precisão às contingências não-verbais ou que descrevem contingências incorretamente também podem surgir quando pessoas têm de resolver tarefas experimentais. Nesse caso, é possível dizer que os participantes formulam autorregras ao longo da interação com a tarefa experimental. Essas autorregras podem ou não ter relação com as contingências não-verbais dispostas na condição experimental. Quando consequências de acerto ou erro são previamente programadas, pessoas podem descrever que certos padrões de respostas são mais eficientes do que outros quando, na verdade, não são (ver, por exemplo, Heltzer & Vyse, 1994; Rudski, Lischner & Albert, 1999).
Heltzer e Vyse (1994) publicaram um exemplo experimental com o sugestivo título "Consequências Intermitentes e Resolução de Problemas: Controle Experimental de Crenças Supersticiosas". No estudo, os participantes deveriam distribuir oito respostas em duas chaves. O critério para reforço era que os participantes emitissem quatro respostas em cada chave. Além disso, nem toda sequência era reforçada: sequências que obedeciam ao primeiro critério eram reforçadas toda vez que aconteciam, ou de acordo com um esquema intermitente de razão fixa que exigia duas sequências (FR2), ou ainda de forma randômica, também com a exigência de duas sequências (RR2), mas cuja possibilidade de reforço não era meramente intermitente. Ao final, os participantes eram questionados sobre como deveriam se comportar na tarefa para ganhar pontos. Heltzer e Vyse encontraram o que chamaram de "relatos supersticiosos" durante a realização da tarefa experimental. Participantes descreviam certas sequências como mais efetivas do que outras, especialmente os participantes que foram submetidos à condição em que as sequências corretas eram reforçadas de acordo com o esquema RR2.
A relação entre comportamento supersticioso e superstições é responsável por certa confusão na literatura analítico-comportamental. Examinando alguns dos artigos que discutem os fenômenos conceitual e experimentalmente, é possível encontrar expressões como transmissão cultural das superstições (Higgins, Morris & Johnson, 1989), regras supersticiosas (Ninness & Ninness, 1999), autorregras supersticiosas (Ninness & Ninness, 1998) ou crenças supersticiosas (Heltzer & Vyse, 1994). Essa é uma confusão perigosa de termos, pois as contingências e os resultados comportamentais são bastante diferentes nos artigos discutidos. Em resumo, é possível afirmar que: a) determinadas descrições de contingências podem facilitar o surgimento de comportamento supersticioso; e b) autodescrições "supersticiosas" (no sentido de que as descrições não correspondem às contingências dispostas pelo ambiente) podem surgir quando as pessoas têm de resolver determinadas tarefas experimentais. No primeiro caso, instruções facilitam o comportamento não-verbal mantido por relação acidental com reforço; no segundo, autorrelato "incorreto" decorre de situações nas quais está ocorrendo comportamento não-verbal mantido por reforço dependente.
Com o comportamento verbal, pessoas podem aprender sobre as causas do comportamento sem necessidade de contato direto com o ambiente. Podem aprender que certas ações são efetivas na produção de consequências sem contato direto com essas consequências. A análise de Skinner (1957/1992) foi um marco importante para a compreensão de interações em que "o homem age apenas indiretamente sobre o ambiente" (p. 1). Características das relações verbais são responsáveis por boa parte da complexidade que caracteriza o comportamento humano e podem estar presentes em episódios caracterizados como do campo das "ilusões" das pessoas em relação a si próprias e ao mundo em que vivem (Panetta, da Hora & Benvenuti, 2007). Esse é, provavelmente, o modo pelo qual aprendemos a confiar na "sorte", a temer o "azar", a nos envolver em episódios comportamentais caracterizados como ilusão de controle ou superstições e também o modo pelo qual desenvolvemos crenças irracionais.
Ainda não está claro o papel que descrições supersticiosas têm sobre o comportamento. O estudo de Heltzer e Vyse (1994) sugere que essas descrições são resultado das contingências, isto é, respostas verbais dos participantes à situação experimental. Descrições supersticiosas também podem surgir em situações em que mais de uma pessoa trabalha em determinada situação experimental, como é o caso dos estudos planejados para a investigação experimental de fenômenos sociais (Sampaio et al., 2009). Seja no caso individual ou no caso de contingências entrelaçadas, ainda não é claro o papel que tais descrições têm sobre o comportamento. Seriam antecedentes do comportamento? Seriam apenas descrições sob controle de algum aspecto da tarefa ou de algum aspecto do comportamento dos participantes? Essa é ainda uma questão em aberto na análise do comportamento. Com um procedimento semelhante ao de Higgins, Morris e Johnson (1989), Benvenuti, Panetta, da Hora e Ferrari (2008) compararam o desempenho supersticioso de participantes universitários em esquema mult VT EXT com o relato que os participantes faziam da situação. Ao final de cada sessão, os participantes descreviam aquilo que faziam: quando apresentaram responder supersticioso no componente VT, diziam que precisavam responder para ganhar os pontos; quando não havia responder supersticioso, os participantes diziam que não precisavam responder para ganhar os pontos. Esses resultados sugeriramm que autorrelatos supersticiosos podem ser descrições do próprio comportamento supersticioso, mais do que parte das contingências que controlam o responder. Assim, autorrelatos seriam mais efeitos do que causas na determinação do responder supersticioso observado no estudo.
O fato de os autorrelatos poderem ser analisados como descrições do próprio comportamento supersticioso sugere um uso mais cuidadoso de expressões como regras falsas, regras supersticiosas, crenças supersticiosas ou mesmo regras inacuradas. Os participantes podem estar apenas emitindo comportamento verbal sob controle de seus próprios comportamentos. Nesse caso, seriam descrições verdadeiras e acuradas. Ao descreverem seus próprios comportamentos, a autodescrição pode parecer uma regra falsa ou supersticiosa, ou mesmo incorreta ou inacurada, mas apenas porque o ouvinte não conhece o comportamento supersticioso que serviu como antecedente para o autorrelato.
Finalizando
O presente artigo apresentou algumas evidências de comportamento supersticioso em diferentes contingências, simples e complexas. Regras supersticiosas podem também surgir em diversas tarefas e não devem ser confundidas com o comportamento supersticioso (comportamento mantido por relação acidental com reforço), embora instruções e aprendizagem por observação possam facilitar o surgimento do comportamento supersticioso. Assim, comportamento verbal interage com responder supersticioso na forma de instruções que facilitam o comportamento supersticioso. Comportamento verbal também pode aparecer na forma de descrições supersticiosas, eventualmente produto de contingências que geraram o responder supersticioso.
A presente discussão mostra o potencial da análise do comportamento para avaliar conceitos como ilusões, crenças e superstições que, supostamente, controlam o comportamento. A ênfase do analista do comportamento está na análise de contingências que, conforme o modelo de seleção pelas consequências de Skinner (1981), busca a explicação do comportamento a partir da confluência das histórias filogenética, ontogenética e cultural. Realidade e distorções da realidade são entendidas a partir das noções que descrevem comportamento. A história filogenética parece ser responsável por uma sensibilidade especial a eventos subsequentes ao responder, condição necessária para a seleção do comportamento pela história ontogenética. Por conta da sensibilidade aos eventos subsequentes ao responder, diferentes organismos, inclusive o homem, são suscetíveis às armadilhas das coincidências. Como resultado, desenvolvem comportamentos supersticiosos, que podem ser facilitados por variáveis sociais como instrução e aprendizagem por observação. O papel do comportamento verbal e das práticas culturais ainda não é claro, mas pode ser beneficiado por análises como a do antropólogo Marvin Harris (e.g., 1978), que mostra as vantagens materiais de práticas culturais que, aparentemente, são irracionais e supersticiosas.
Aquele que muitas vezes é tido como "distante da realidade", "supersticioso" ou "dado a ilusões" é, na verdade, tão sensível ao ambiente, tão próximo da realidade, quanto qualquer outro. Como membro da espécie humana, é sensível à contingência e à contiguidade entre ações e mudanças ambientais (essenciais para sua sobrevivência). Como tal, é suscetível às "peças" que relações de contiguidade podem nos pregar. Para descrever o comportamento de quem estabelece ou perde o contato com a realidade, analistas do comportamento descrevem relações comportamentais.
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Marcelo Frota Lobato Benvenuti
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Submetido em 31/08/2009
Primeira decisão editorial em 20/01/2010
Aceito para publicação em 21/01/2010