Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Saúde & Transformação Social
versão On-line ISSN 2178-7085
Saúde Transform. Soc. vol.4 no.4 Florianopolis out. 2013
CARTAS
O discurso da agroecologia para a promoção da saúde: uma perspectiva construcionista social.
The discourse of agroecology to promotion health: a social constructionist perspective
Deise Warmling
Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva-UFSC
Departamento de Saúde Pública
Centro de Ciências da Saúde
Universidade Federal de Santa Catarina
Campus Universitário - Trindade
Florianópolis (SC) – CEP 88040-900
deisentr@gmail.com
Na perspectiva construcionista, o conhecimento não é entendido como algo que algumas pessoas possuem e outras não. Mas sim é construído entre elas, nas relações estabelecidas. Entende-se que são os discursos que o produzem e nos possbilitam ver o mundo de diferentes maneiras. É a medida que alguns discursos são valorizados em detrimento de outros que se constróem teorias, e nesta sobreposição, manifestam-se as relações de poder. O conhecimento produz efeitos práticos, que podem ser tanto legitimadores como silenciadores; beneficiadores ou opressores. O que está em jogo são os interesses: de quem e para quem; de onde e para onde; porque e para quem se fala.
A perspectiva construcionista nos convida a refletir criticamente sobre todo aquele conhecimento que é tomado como óbvio. Assim, podemos nos remeter ao discurso da agroecologia enquanto promotora de saúde. A relação entre ambas temáticas vem se fortalecendo no Brasil por diversas ações institucionais. No ano de 2012 houve a divulgação do Dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO, denominado "Um Alerta sobre os Impactos dos Agrotóxicos na Saúde", no congresso mundial World Nutrition realizado na cidade do Rio de Janeiro, no mesmo ano. O dossiê teve por objetivo alertar tanto a população quanto o estado brasileiro sobre o uso abusivo de agrotóxicos em nosso país, assim como a contaminação ambiental e o impacto negativo sobre a saúde das pessoas. Foram reunidos estudos que indicavam os prejuízos à saúde humana do uso extensivo de agrotóxicos, bem como os seus resíduos encontrados em água, alimentos e até mesmo leite materno.
Desde 2001, realiza-se anualmente o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (PARA) o qual é coordenado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. O programa funciona a partir de amostras de alimentos coletados em supermercados pelas vigilâncias sanitárias municipais e estaduais e busca identificar os alimentos que são mais contaminados por agrotóxicos, bem como quais são os insumos mais presentes e se são de uso legal ou ilegal no Brasil. Os relatórios divulgados do PARA encorajam os consumidores à compra de alimentos produzidos por meios agroecológicos, uma vez que o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking mundial do consumo de agrotóxicos.
Em pesquisas com agricultores agroecológicos, observa-se comumente que o principal motivo para a transição agroecológica foram questões relacionadas à saúde, com destaque para a redução dos casos de intoxicações por agrotóxicos e o aumento da produção de alimentos saudáveis para o consumo.
Ainda descreve-se a promoção da agroecologia que preconiza a diversificação de culturas, como uma alternativa de aumento da variedade do consumo alimentar das famílias produtoras. Sendo este um possível ponto de partida para a melhoria da qualidade da alimentação delas. Neste caso, levaria-se em consideração que os alimentos adquiridos em supermercados são cada vez mais industrializados o que representa uma queda na qualidade nutricional da dieta.
O discurso da promoção de saúde a partir da agroecologia constrói a informação que vem sendo muito disseminada por profissionais de saúde, que recomendam o consumo de alimentos agroecológicos para que as pessoas adotem estilos de vida mais saudáveis. Em 2012, o Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) divulgou aos profissionais a necessidade destes alertarem a população para o consumo de alimentos sem agrotóxicos, que fossem obtidos por meio de culturas ecológicas. Como os discursos não se dão de forma isolada, mas sim estão entrelaçados entre si, enquanto efeito do discurso da agroecologia e da promoção de saúde constroem-se condutas de categorias profissionais.
São também efeitos deste discurso, a ascensão do mercado de alimentos agroecológicos, os quais tem sua procura aumentada em função das recomendações dos profissionais de saúde. Entretanto, nesse caso, a expansão do mercado de alimentos agroecológicos se dá na categoria de produtos diferenciados, com valor agregado e custo mais elevado. Conforme é sabido, o problema da má alimentação e nutrição tampouco se restringe a quantidade de alimentos produzidos, mas sim compõe uma rede complexa de distribuição e acesso à população, permeada pela desigualdade social. Desta forma, fica o questionamento de quais seriam os segmentos da sociedade que teriam acesso ao consumo desses alimentos diferenciados promotores de saúde? Todos teriam acesso a esses alimentos ou eles ocupariam alguns nichos específicos de mercado? Neste sentido, quais são os interesses que estão sendo atendidos pela agroecologia enquanto promotora de saúde, os do setor saúde ou da economia? Não estariam as necessidades econômicas sendo legitimadas por discursos predominantes na área da saúde?
A promoção da saúde ainda apresenta o desafio de não deixar-se recair sob a ótica do enfoque comportamental, educativo e de responsabilização individual. O qual considera prioritariamente a transformação de hábitos e estilos de vida dos indivíduos, em detrimento da transformação social. Entretanto, sem demérito as políticas públicas de fomento a agroecologia e que possuem enquanto perspectiva a promoção de saúde, reitera-se a essencialidade do estado não deixar de focar em questões estruturais que envolvem os determinantes sociais do processo saúde-doença.
Refletindo-se sobre as questões estruturais, cabe a ideia de que a natureza do capitalismo é capitalizar a natureza. Essa capitalização se dá no sentido de reduzir a natureza a recursos, os quais devem servir aos sistemas de produção e maximização de lucros. Na lógica de produção vigente, o valor da natureza tem deixado de ser medido pelo potencial de favorecer a vida humana e tem se reduzido a objeto de consumo ou meio de produção. Assim entende-se, que ações moderadas as quais se adaptam ao sistema produtivo e pactuam com a lógica de expansão do capital enquanto estratégias para promoção da saúde, estariam fadadas ao fracasso. E para o enfrentamento dos determinantes sociais de saúde seriam necessários outros horizontes históricos, que transcendessem a lógica da acumulação, do lucro e da mercadoria.