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Revista Polis e Psique
versão On-line ISSN 2238-152X
Rev. Polis Psique vol.7 no.2 Porto Alegre maio/ago. 2017
ARTIGOS
Uma análise das construções de gênero na jurisprudência alagoana
The analysis building of gender jurisprudence alagoana
Un análisis de las construcciones de género en la jurisprudencia alagoana
Larissa de Moura CavalcanteI, Carlysson Alexandre Rangel GomesII, Lisandra Espíndula MoreiraIII
I Universidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão, SE, Brasil.
II Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil.
III Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
RESUMO
Esta pesquisa buscou compreender como as questões de gênero aparecem nos casos de violência contra a mulher na jurisprudência alagoana. Os documentos analisados foram acessados no site do Tribunal de Justiça de Alagoas, através do descritor “violência contra a mulher”. A discussão dos resultados teve inspiração nas ferramentas metodológicas de Michel Foucault. Formulamos dois eixos que contemplam os principais pontos encontrados na jurisprudência: 1) Vítima e agressor: subvertendo categorias de gênero através das decisões judiciais; 2) Loucos e santos: construção da identidade masculina e feminina por meio dos saberes psis. De forma geral, os materiais jurídicos acabam acionando categorias fixas de gênero, onde a mulher emerge como vítima e o homem como agressor, formulando subjetividades marcadas pela lógica judicial. A análise aponta para a necessidade de pensar a consolidação da Lei Maria da Penha de forma ampliada não apenas para relacionamentos heterossexuais, subvertendo na jurisprudência categorias fixas de gênero e sexualidade.
Palavras-chave: violência contra mulher; gênero; jurisprudência.
ABSTRACT
The purpose of this research is to understand how gender issues appear in cases of violence against women in the jurisprudence of Alagoas. The documents used in this analysis were obtained from the website of the Alagoas State Court of Justice, through the descriptor "violence against woman." The discussion was inspired by the methodological tools of Michel Foucault. We formulated two axes including the main points found in the jurisprudence: 1) victim and offender: subverting gender categories through judicial decisions; (2) nutcases and saints: construction of male and female identity through psy knowledges. In general, the legal materials end up triggering fixed categories of gender, where women emerge as victim and man as aggressor, formulating subjectivities framed by the judicial logic. The analysis points to the necessity to consider the consolidation of the Maria da Penha Law, not only for heterosexual relationships, but in a broad sense, to subvert the fixed categories of gender and sexuality found in the jurisprudence.
Keywords: violence against women; genre; jurisprudence.
RESUMEN
Esta investigación buscó comprender cómo las cuestiones de género aparecen en los casos de violencia contra la mujer en la jurisprudencia del estado de Alagoas. Los documentos analizados fueron recuperados en el sitio web del Tribunal de Justicia de Alagoas a través del descriptor “violencia contra la mujer”. La discusión de los resultados fue inspirada en las herramientas metodológicas de Michel Foucault. Formulamos dos ejes que incluyen los principales puntos encontrados en la jurisprudencia: 1) víctima y agresor: subvirtiendo categorías de género a través de las decisiones judiciales; 2) locos y santos, construcción de identidad masculina y femenina a través de los saberes psis. En general, los materiales jurídicos terminan accionando categorías fijas de género, donde la mujer surge como víctima y el hombre como agresor, formulando subjetividades enmarcadas por la lógica judicial. El análisis apunta hacia la necesidad de pensar en la consolidación de la Ley Maria da Penha no solo para las relaciones heterosexuales, sino de forma amplia, subvirtiendo en la jurisprudencia categorías fijas de género y sexualidad.
Palabras-clave: violencia contra la mujer; género; jurisprudencia.
Esse trabalho teve como objetivo analisar as construções e os atravessamentos de gênero que legitimam as decisões judiciais a respeito da violência contra mulher no Tribunal de Justiça de Alagoas, para problematizar a forma como são construídas as noções de homem e mulher nesses materiais. Esse objetivo se expressa através de algumas inquietações: Como são produzidas enunciações a respeito dos sujeitos nesses materiais? Como são produzidos enunciados que posicionam sujeitos a partir de sua sexualidade? Em relação aos documentos jurídicos, quais são os encaminhamentos e as argumentações que circulam nesses materiais? Quais são as relações de poder e saber que atravessam essas decisões?
A temática desse estudo se voltou às questões de gênero e sexualidade, compreendendo os efeitos dos diferentes processos socioculturais que classificam e posicionam os sujeitos diferentemente segundo sexo, gênero e sexualidade. Cabe sinalizar que não estamos tomando o conceito de gênero de forma isolada, mas na intersecção com outros marcadores como sexualidade, classe, raça. Segundo Scott (1995), gênero aparece como objeto de estudo na tentativa de rejeitar o determinismo biológico que o termo sexo carregava e é constitutivo das relações sociais, pois se baseia na diferença entre os sexos, uma das primeiras formas de significação das relações de poder.
Entretanto, a distinção sexo-gênero e a própria categoria sexual parecem pressupor uma generalização do “corpo” que preexiste à aquisição de seu significado sexuado. Colocamos em questão também a matriz heteronormativa que produz gênero no formato binário: masculino x feminino. Existem, portanto, estratégias que excluem e classificam as diferenças entre sexo, gênero e sexualidade na cultura como anterior ao discurso (Butler, 2003). Do ponto de vista teórico e social estamos diante de um amplo debate sobre as questões de gênero, no sentido de quebrar as categorias fixas de homem e mulher. Não esgotaremos essa reflexão nesse artigo, mas apresentaremos alguns pontos ao longo da apresentação e análise dos materiais jurídicos.
É necessário também pensar o conceito de gênero na sua articulação com a Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha (Brasil, 2006) que, no Brasil, é um dos dispositivos mais importantes na visibilização e enfrentamento da violência contra mulher. Levando em consideração a importância da definição de uma lei para a questão da violência de gênero, cabe também pensar os efeitos que as leis produzem na sua operacionalização, quando incidem concretamente sobre a vida das pessoas.
Nesse sentido, é importante enfatizar o conceito de judicialização da vida. Essa noção é concebida como o ato de reivindicar das instâncias jurídicas a legitimidade das relações cotidianas, ou de maneira mais ampla, designa “os processos que se visibilizam através da ampliação da ação do Estado em áreas de ‘problemas sociais’ como mecanismos de garantia e promoção de direitos” (Rifiotis, 2015, p. 266).
As situações que envolvem a judicialização da vida não estão circunscritas somente ao campo do Direito, estão dispersas em diversas práticas com o objetivo de regulamentar e controlar as relações da sociedade. A escola, os saberes psi, a polícia controlam “os comportamentos e as populações ... mas certamente vem transferindo seu poder decisório e seu objetivo de prevenir e corrigir as virtualidades da infração para o poder judiciário” (Lobo, 2012, p.29).
Esse dispositivo multiplica as atribuições do âmbito jurídico, definindo outros sentidos da violência e articulando-se com outras instituições sociais. Com a judicialização da vida colocamos alguns problemas que anteriormente eram resolvidos de forma privada nas relações com outras instituições, entretanto, isso não significa que sejam resolvidos de forma coletiva ou social, porque permanecem na lógica individual e culpabilizante, não promovendo a autonomia e a alteridade das relações sociais, o que possibilitaria a emergência de novos modos de viver que escapam ao que é imposto pelo ordenamento legal.
Nesse contexto essa pesquisa se fundamenta em debates acadêmicos que, apesar de prezarem pelas desconstruções das categorias fixas de homem e mulher (Butler, 2014), mostram a legitimidade de visibilizar o quanto os sujeitos associados a categoria mulher sofrem múltiplas formas de violações e violência e como o espaço jurídico tem sido convocado a enfrentar essas violências. É fundamental o questionamento das produções no âmbito jurídico a partir da Lei Maria da Penha, principalmente no que tange as produções de sujeitos, pois são eles os mais afetados.
As categorias do sexo verdadeiro, gênero distinto e da sexualidade específica são pontos de referências estáveis para a maioria das teorias e da política feminista. No feminismo a política é pensada por meio dos interesses das mulheres, sendo assim como afirma Butler (2003), a distinção entre sexo e gênero e a categoria sexual pressupõe uma generalização do corpo que está colocado antes do seu significado sexuado:
O gênero é o mecanismo pelo quais as noções de masculino e feminino são produzidas e naturalizadas, mas ele poderia ser muito bem o dispositivo pelo qual estes termos são desconstruídos e desnaturalizados (Butler, 2003, p. 59).
O deslocamento da origem política e discursiva da identidade de gênero para um interior psicológico não permite a análise da constituição política do sujeito marcado pelo gênero e as construções produzidas sobre a interioridade de seu sexo e da verdadeira identidade. Sendo assim, os gêneros são produzidos como efeito de verdade de um discurso sobre a identidade primária e estável. A performatividade deve ser tomada: “Não como um ato singular e deliberado, senão antes como a prática reiterativa e referencial mediante a qual o discurso produz os efeitos que nomeia”. (Butler, 2002, p.18)
Ao mesmo tempo em que o gênero funciona como um aparato onde os masculinos e femininos são produzidos e naturalizados, ele tem a capacidade de ser desconstruído. A própria idealização do gênero pode ser questionada e consequentemente desnaturalizada e desinvestida. O problema em basear códigos de violência contra mulher em termos de sexualidade, onde o gênero é o efeito de uma subordinação sexualizada dentro da heterossexualidade, é que as visões de gênero e sexualidade são reforçadas e normatizadas. Sendo assim, entendemos que a Lei Maria da Penha é um dispositivo que coíbe a violência contra mulher, mas acaba reproduzindo a categorias fixas heteronormativas. Apesar dessa fixidez, algumas brechas começam a aparecer em decisões ainda isoladas, ampliando essa legislação para mulheres trans¹ e para homens em relacionamentos homoafetivo² ou mesmo heteroafetivo³.
Metodologia
Tendo em vista que buscamos compreender como as questões de gênero aparecem nos casos de violência contra a mulher na jurisprudência alagoana, apoiamos as análises nas ferramentas teóricas propostas por Michel Foucault. Para Foucault (2006), o discurso não trata apenas de uma fala ou escrita, mas do modo como o que está dito estabelece relações de poder e de saber. Nesse sentido, o mesmo vai mostrar a ligação do discurso com as questões de desejo e poder. O discurso “não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (Foucault, 2006, p.10).
Desta forma, problematizamos a construção de homens e mulheres a partir dos documentos jurídicos sobre a violência contra mulher, a partir da perspectiva arqueológica de Foucault (2006). Com essa ferramenta metodológica, buscamos evidenciar a formação dos saberes - compreendendo a história como algo que não é linear, homogêneo e contínuo e identificamos enunciados - tendo como horizonte os discursos aos quais se filiam. Não buscamos a origem dos enunciados, nem uma linearidade dos discursos, a análise aqui empreendida segue o caminho daquilo que foi dito e nas condições que tornaram possíveis sua emergência.
Sendo assim, essa pesquisa analisa a formulação e os atravessamentos de gênero que constituem as decisões jurídicas que versam sobre violência contra mulher no Tribunal de Justiça de Alagoas, pensando o modo como as noções de homem e mulher são fabricadas. Além disso, problematizamos como são produzidas as enunciações sobre homens e mulheres nos documentos a partir da sexualidade. No que tange aos materiais jurídicos, questionamos quais são os argumentos e encaminhamentos produzidos na teia de relações de saber e poder que constituem as decisões.
Materiais
Passamos ao material analisado - a Jurisprudência se refere ao conjunto de acórdãos dos tribunais. Os acórdãos são os documentos gerados a partir da decisão conjunta de julgadores num tribunal de segunda instância, ou seja, no geral são desdobramentos de processos decididos em primeira instância. Nesse caso, os materiais foram pesquisados no Tribunal de Justiça de Alagoas. Nesse material nos interessa a produção de modos de subjetivação a partir da violência contra mulher, não importando assim o caráter da decisão, ou o tipo de documento: habeas corpus4; apelação criminal5; ação penal originária6.
A busca dos materiais foi realizada em dois sistemas diferentes, conforme a organização das informações nessa instância: jurisprudência antiga (materiais de 1996 a 2010) e jurisprudência atual (a partir de 2010). Para a análise mais detalhada dos documentos nesse trabalho, convencionamos utilizar 8 acórdãos de cada uma das plataformas. Na jurisprudência antiga, ao colocar o descritor “violência contra mulher” encontramos 127 acórdãos. No entanto, o descritor abarcava documentos muito variados que não estavam em ordem cronológica. Foi necessária a leitura das súmulas7 e quando a mesma não apresentava as informações, fazíamos a leitura na íntegra. No total, foram lidos 47 acórdãos para selecionar os 8 materiais pertinentes para a nossa pesquisa. O critério de exclusão foi baseado no fato de que alguns materiais não se relacionavam com nosso objetivo de pesquisa, priorizando os documentos mais recentes. Esses documentos tratavam de outros tipos de violência contra mulher, como por exemplo: estupro, assédio sexual e assédio moral.
No link da jurisprudência atual, com o mesmo descritor “violência contra mulher”, encontramos 272 acórdãos. Como a jurisprudência atual é toda digitalizada por meio do Sistema de Automação da Justiça, antes de abrir o documento, o sistema já informa se é um crime de violência contra mulher e se abarca a Lei Maria da Penha, o que facilitou a seleção. Ao todo foram lidas 32 súmulas para extrair 8 documentos pertinentes.
É importante salientar que não tivemos acesso aos processos na íntegra, apenas aos acórdãos, que algumas vezes descrevem detalhes das situações analisadas e outras vezes são mais sucintos. De maneira geral, os documentos são a costura de vários outros materiais que são referenciados nele conforme as argumentações necessárias: depoimentos, laudos, pareceres, decisões anteriores, leis e doutrinas. Interessava-nos compreender como as argumentações que sustentam as decisões acionam outras “vozes” para validar o que se julga.
Nesse sentido, é possível pensar nos documentos a partir da noção de arquivo de Foucault (2005), ou seja, aquilo que define a atualidade do enunciado, o seu funcionamento. Um conjunto de ditos da prática jurídica, o arquivo “faz aparecerem às regras de uma prática que permite aos enunciados subsistirem e, ao mesmo tempo, se modificarem regularmente. É o sistema geral da formação e da transformação dos enunciados” (Foucault, 2005, p. 148). Sendo assim, buscamos compreender a funcionalidade dos discursos que produzem homens e mulheres nos materiais jurídicos, analisando-os como um arquivo, descrevendo seus contornos, contrastes, ditos e sombras.
Apresentamos na tabela presente no anexo A a lista com a referência aos acórdãos: número do acórdão, data e tipo de documento e a base de dados consultada. Conforme o corpus de análise apresentado, realizamos a leitura dos 16 acórdãos, analisando os argumentos e fontes utilizados para fundamentação das decisões. A intenção é colocar em análise as relações de saber/poder produzidas nos materiais jurídicos. As relações de poder não estão fixadas na lei ou na decisão final de um processo, mas na “multiplicidade de correlações de força imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas de sua organização” (Foucault, 1988, p.88). Nesse sentido, o foco não é a decisão, mas a problematização de enunciados que produzem e reproduzem posições de sujeito em função das relações de gênero, compreendendo a racionalidade que permite esses argumentos.
Com base nos questionamentos que apresentamos inicialmente, formulamos dois eixos de análise: 1) Vítima e agressor: subvertendo categorias de gênero através das decisões judiciais; 2) Loucos e santos: construção da identidade masculina e feminina por meio dos saberes psis.
Resultados e discussão
Em relação ao contexto regional, a região nordeste é a terceira região brasileira com 5,6 mortes de mulheres por 100 mil habitantes. Levando em consideração apenas as capitais, o nordeste fica em primeiro lugar nesse ranking, possuindo três capitais com taxa superior a 10 homicídios por 100 mil habitantes, como Maceió, João Pessoa e Fortaleza (Waiselfisz, 2015). O relatório nacional lançado em agosto de 2013 (BRASIL, 2013), cita Maceió como a 34ª no ranking dos 100 piores municípios do Brasil em termos de violência contra a mulher, com uma taxa de 11,9 homicídios para cada 100 mil mulheres. Apesar desses números alarmantes, em pesquisa às políticas públicas regionais não foram encontrados planos municipais ou estadual de combate a esse tipo de violência. Além disso, com relação a rede especializada no enfrentamento à violência contra mulheres, a mesma se mostra insuficiente e com pouca articulação entre os poderes. Esses fatos nos levam a supor que talvez o campo jurídico, em especial o Direito Penal, seja a aposta de combate a violência contra a mulher no estado.
Vítima e agressor: subvertendo categorias de gênero através das decisões judiciais
Esse eixo problematiza o modo como mulheres e homens emergem nos materiais em categorias fixas de vítima e agressor. Entendemos que as leis, inclusive a Lei Maria da Penha, constituem instrumentos pelos quais as pessoas são normalizadas, mas conforme Butler (2014) é um equívoco só considerar as regulações legais. As categorias masculinas e femininas reivindicadas pela lei são fruto de uma regulação mais ampla da sociedade que toma a heterossexualidade como a norma e o sujeito que não a segue como desviante. Entretanto, enquanto relações de poder, essas regulações jurídicas ou cotidianas pressupõem resistências e não podem ser tomadas como totalizantes ou homogêneas.
O “homem” aparece, nesses acórdãos, vinculado a sua posição social e jurídica: reincidência, residência, trabalho, família, periculosidade, confissão são aspectos que o constroem. Ou seja, as argumentações vão salientar se ele é réu primário, se confessou espontaneamente o crime: “O Juiz monocrático ao aplicar a pena considerou a primariedade do réu e a confissão espontânea.” (TJAL 3.0342), ou se tem residência fixa: “Sustentaram que o ora paciente possui residência fixa” (TJAL 0800331-46.2014.8.02.0900).
Há tentativa de embaralhar as categorias de vítima e agressor. O homem como sujeito que usa da sua força para agredir a mulher também reivindica a categoria de vítima conforme as reações da mulher a essa ação violenta. Nessas decisões a atitude violenta da mulher é usada pela defesa do acusado para minimizar a pena: “O denunciado começou a agredir fisicamente a vítima, primeiro puxando seus cabelos, enquanto esta reagia jogando algumas panelas ferventes no acusado...Defendeu sua inocência dos fatos que lhes são imputados, aduzindo legítima defesa” (TJAL 3.0342). No entanto, em algumas decisões, essa argumentação da defesa não é considerada pelos desembargadores, priorizando fontes oficiais, como laudos que atestam a agressão, Boletim de Ocorrência e depoimento de policiais que presenciaram o crime.
A posição do homem também é nomeada pela mulher, quando salienta que ele é um bom companheiro, apesar dele ter cometido atos agressivos. “Destacou que a vítima, em declaração prestada, afirmou que o paciente não é pessoa violenta, sendo um bom companheiro” (TJAL 0800492-56.2014.8.02.0900). Aqui a argumentação busca de alguma maneira descaracterizar a responsabilização do homem pela desconstrução da periculosidade.
Já a mulher emerge em outras posições, variando entre conotações que tentam descaracterizar a vítima salientando a sua possibilidade de defesa e outras conotações que sustentam a posição de vítima vulnerável - “Existiam motivos legítimos para a concessão das medidas protetivas de urgência. Expôs, ainda, acerca da situação de completa vulnerabilidade da vítima” (TJAL 0801832-9.2013.8.02.0900).
A tentativa de descaracterização da mulher como vítima se utiliza de vários argumentos, inclusive construindo-a como “desequilibrada”, rapariga, prostituta. O desequilíbrio ou o descontrole não são tomados como efeito dos conflitos, mas como causa e como característica que desqualificaria a palavra da mulher. “Suposta vítima não se apresenta como uma pessoa indefesa... pessoa que infelizmente não aceita a separação do casal e que se encontra atualmente e também naquele momento com um desequilíbrio emocional muito grande” (TJAL 50028).
Da mesma forma, a prostituição é utilizada na tentativa de depreciar, deslegitimar e vincular a um lugar feminino negativo. O “xingamento” merece destaque, pois é uma forma de visibilizar as construções de gênero. Nesses usos da palavra, a prostituição não aparece como uma questão de trabalho, mas como uma falha moral que tiraria a legitimidade da queixa. Busca-se, portanto, fazer ver que a classe, a raça, o gênero e, no caso, a prática sexual permitem as estratificações do social (Rubin, 2003; Butler, 2003).
Quando a declarante mandou que o autor fosse embora de casa, pois ela queria se separar dele, o mesmo partiu pra cima da declarante ameaçando-a e agredindo fisicamente com um cabo de vassoura e tapas em suas costas;.... que o autor ainda destratou-a como palavras de baixo calão, como: rapariga e prostituta (TJAL 0801267-10.2014.8.02.0000).
Os materiais jurídicos nos apontam um jogo de produção de sujeitos nessas categorias. São posições produzidas, disputadas e ocupadas por diferentes atores e processos. Nossa reflexão busca visibilizar alguns desses lugares, nos aspectos que se repetem ao longo dos acórdãos e em momentos que se modificam rompendo em cada texto, buscando “desconstruir o discurso dominante de fragilidade feminina e o mandato de poder, dominação e força masculina... dar visibilidade aos aspectos excluídos ou ocultados para dar sentido ao discurso dominante” (Beiras e cols, 2012, p.41).
Não apenas o discurso jurídico, como nos alerta Butler (2003), a própria a teoria feminista, em alguns momentos aposta na identidade e regularidade da categoria mulher. Essa aposta política permite alcançar objetivos e interesses feministas, no entanto, também formam um sujeito em nome de quem a representação política é almejada. Portanto, não é exclusividade do âmbito jurídico construir a categoria mulher, nesse caso a partir da Lei Maria da Penha ou da jurisprudência.
Apesar de o movimento feminista ter afirmado a categoria mulher para conseguir alguns direitos, essa “identidade” não contempla a diversidade. As diferenças de raça, sexualidade, escolaridade, classe social, por exemplo, produzem violações distintas e diferentes formas de ser mulher. Com relação à questão da raça, o movimento de mulheres negras denunciou o quanto a luta feminista não levou em consideração as especificidades dessa categoria, uma vez que, as desigualdades impostas para as mulheres no espaço público não são vivenciadas da mesma forma. Somente no século XX que a igualdade de gênero e os direitos das mulheres negras ganharam força nas reinvindicações. Ao pensar a violência contra mulher é fundamental ter em mente que as agressões são vivenciadas de formas diferentes por meio do atravessamento da raça, pois ser mulher e negra no Brasil significa ter um acesso reduzido às políticas públicas e ser alvo de racismo (Moura, 2009). Essa foi uma limitação encontrada nos materiais analisados, tendo em vista que não apresentavam muitas informações sobre as mulheres, impossibilitando analisar as diferenças argumentativas em relação a vários desses marcadores.
Esse reforço sobre a unidade da categoria mulher acaba não incluindo a multiplicidade das intersecções sociais, culturais e políticas. A suposição de uma coerência de qualquer dos gêneros produz e incita uma heterossexualidade estável e oposicional, é isso que vemos na Lei Maria da Penha e na jurisprudência correlata a ela. Apesar do jogo de argumentações, há na jurisprudência também a construção que liga ser mulher à condição de vulnerabilidade e passividade. A lei e sua aplicação nas decisões jurídicas pode ser uma forma de visibilizar essas posições de mulher e evidenciar as tensões entre os objetivos de proteção e de potência do sujeito.
Potencializar a desestabilização dessas noções de gênero é um processo importante. Da mesma forma, questionar as definições de outras categorias, por exemplo, a categoria vítima entendida como passiva, indefesa e em constante vulnerabilidade, desqualificando quando a mesma reage a violência. Segundo o argumento de defesa, se a mulher reage no momento de agressão, ela não se enquadraria totalmente na Lei Maria da Penha, visto que poderia se defender. A passividade seria condição de reconhecimento da violência nos argumentos que buscam a redução da pena para homens em caso de tentativa de defesa da vítima. Ou seja, a vulnerabilidade da posição de gênero só se efetivaria se a mulher cristalizar sua posição numa noção restrita de mulher/vítima/indefesa. Para Preciado (2010), “o próprio gênero é a violência, as normas de masculinidade e feminilidade, tal como as conhecemos, produzem violência”. Nesse sentido, Preciado questiona a educação sexista que de certa forma arma os homens numa cultura de guerra, mas não equipa da mesma forma a parcela feminina da população (Preciado, 2010).
Não aceitar que as mulheres possam se defender ou utilizar a sua reação como mecanismo para diminuir as responsabilidades do homem por seu ato é um meio de reforçar a submissão. Apesar da Lei Maria da Penha buscar a punição, ou responsabilização dos agressores, ela não tem como impedir totalmente que a violência aconteça. Estamos aqui analisando especificamente situações onde a violência já está instalada, mas a lei prevê também ações educativas e preventivas. Essas ações poderiam colocar em questão os enunciados que sustentam construções sociais. As construções sociais de gênero, da mulher como frágil, movida pelas emoções, acometidas por desequilíbrio emocional, ciúmes e subordinadas a um homem que tem o direito de lhe bater, ainda são muito fortes e utilizados nos argumentos a favor do homem. Cabe salientar que, em muitos casos, essas associações são citadas nos documentos, mas não são levadas em consideração para a decisão. Ou seja, nem todos os enunciados que aparecem nos materiais são utilizados como justificativa para a decisão. Alguns são citados exatamente para na sequência serem desconstruídos.
A partir do conceito de judicialização da vida, podemos compreender que a aposta de resolução de conflito foca na responsabilização/criminalização jurídica, salientando as categorias de vítima e réu/autor de violência, que é a forma de designação das partes. Nessa mesma operação produzem-se no mínimo dois sujeitos: o homem perigoso, ameaçador, violento, mas com a sua liberdade restringida; e a mulher tomada como um ser mais vulnerável e que precisa da proteção do Estado. Mas também outros atores vão aparecendo no discurso jurídico que abrange as questões da violência contra mulher: a sociedade que sofrerá as consequências do exercício ou não da violência e o Estado como instância substitutiva da proteção da mulher. A análise precisa compreender as categorias que estão sendo construídas, potencializadas ou reguladas pelas mesmas estruturas de poder através das quais buscam legitimação ou por meio das quais são solicitadas para prestar contas (Butler, 2003).
A judicialização da vida é um dispositivo importante para pensar a questão, pois coloca em debate a “naturalização das práticas judiciárias como o maior veículo para estabelecer as relações cotidianas, sejam elas de ordem formal-institucional, como as de trabalho, administrativas e penais, sejam elas de ordem afetiva, como as conjugais ou parentais” (Nascimento; Scheinvar, 2012, p.1). No que tange ao Direito, sua vinculação com outros saberes como o saber da psicologia, acabam se tornando ferramenta de controle dos modos de vida e produtores de subjetividades. Há uma suposição que a relação entre o homem e a mulher deveria ser exercida de uma determinada forma.
Alertamos para o viés heterossexista da forma como a Lei Maria da Penha é operacionalizada, tomando o casal heterossexual como uma expressão máxima da subordinação. É necessário considerar outras formas de violência igualmente graves acionadas pelas categorias de sexo/gênero/sexualidade, por exemplo, contra gays, lésbicas, transexuais, bissexuais, entre outros. Além disso, esse argumento é perigoso uma vez que naturaliza a violência do homem contra a mulher como da “ordem dos instintos” e por isso inevitável, naturalizando a visão de mulher-vítima e homem-agressor e relações restritas a heterossexualidade. Entendemos, assim, que a Lei Maria da Penha é um dispositivo que proíbe a violência, mas que reproduz categorias de gênero heterossexuais da cultura.
Homens perigosos: construção das identidades masculinas por meio dos saberes psis
Este eixo buscou analisar como os saberes psis (psicologia e psiquiatria) são usados nos documentos para produzir identidades de homens e mulheres. Compreendemos que se constrói a utilização da ciência para construir uma imagem de um sujeito perigoso (homem) - que possui algum transtorno mental ou faz uso de substância entorpecente e ao mesmo tempo um sujeito que é preciso proteger (mulher), já que essa convive com um indivíduo que é considerado um “risco”.
No âmbito da violência contra mulher, encontramos alguns enunciados que associam drogas e criminalidade. Outros enunciados associam a violência à periculosidade, ou seja, o homem é visto como perigoso e analisado por sua conduta e história de vida e não apenas pelo delito. Nesse sentido a operacionalização da Lei Maria da Penha, ao acionar os saberes psis, incita a revisão da intervenção sobre a vida de mulheres e homens e a atuação da psicologia no âmbito jurídico.
A associação entre o abuso de entorpecentes ou transtornos mentais e a violência contra a mulher se mostra bastante forte nos documentos. Num documento, a alegação da defesa chama atenção para o fato do homem ter consumido bebida alcoólica e “teve ciúmes da mesma, pois a encontrou dentro de casa bebendo com outro homem... um caso típico de ciúmes” (TJAL 0801922-7.2014.8.02.0000). Apesar de ser uma argumentação questionável, tendo em vista que desculpabilizam os agentes, abre espaço para desnaturalizar posições de gênero. Ou seja, os enunciados, ao associarem a violência ao uso de drogas ou transtorno, não partem unicamente do argumento que ser homem é ser violento. Há um deslocamento da violência naturalizada para a psicologização das condutas, ou ainda, um deslocamento das justificativas da violência contra a mulher antes associadas à biologia do sexo para, agora, a história de vida do sujeito. Apesar de problemático, esse deslocamento pode ser subversivo, pois não entende a masculinidade colada automaticamente com a violência.
Os jogos enunciativos dos acórdãos mostram formulações que explicitam a necessidade de construção do homem como perigoso, legitimando as ações de criminalização impostas pela lei: “o acusado figura como Réu em dois processos... avalio que a análise de outros processos em tramitação, para o fim de verificar a suposta periculosidade do Agente, caracterizada pela sua reiteração delitiva” (TJAL 0801922-7.2014.8.02.0000). A história do sujeito é acionada para comprovar características de sua conduta que justifiquem a violência.
A partir da avaliação dos elementos subjetivos - reincidência, características psicológicas - busca produzir a virtualidade do indivíduo, identificando e medindo sua periculosidade: “manutenção da prisão do paciente é necessária, diante das dúvidas que pairam sobre a sua sanidade mental, sendo concreto o risco de que o mesmo venha a lesionar direito de outrem” (TJAL 5.0423). Os saberes psi são referidos como técnica para sanar essas dúvidas e aferir o risco que o sujeito pode representar: “O final da instrução criminal está pendente do exame de sanidade mental” (TJAL- 3.0361).
Família, inserção social, comportamentos anteriores, uso de drogas, instabilidade são algumas noções expostas ao longo dos documentos como modo de construção da figura masculina. Os materiais buscam delimitar quem é esse sujeito e qual o perigo que representa, ampliando a inserção do poder jurídico sobre a vida, tendo por base esses saberes na aplicação e intensidade da punição: “o acusado é propício a cometer delitos desta natureza, denotando, assim, concretamente, sua periculosidade, ousadia e destempero” (TJAL 0800331-46.2014.8.02.0900).
A possibilidade de definição da periculosidade de alguém se constrói a partir das técnicas de exame, como individualização dos modos de punir (Foucault, 1987). Nessa operação, o foco desloca-se do crime cometido para um conjunto mais complexo de características do sujeito e que indicariam uma virtualidade criminosa.
Esse ideal de liberdade responsabiliza o sujeito ao mesmo tempo em que permite seu encarceramento. O crime passa a ser uma ameaça à sociedade e o sujeito que o comete torna-se um inimigo social a quem cabe punição, nesse caso a de privação de liberdade. O sistema jurídico acaba produzindo um sujeito, ao mesmo tempo, que o representa. A punição vai funcionar como uma pedagogia da prevenção, pois se entende que o que não for punido, pode ser aceito socialmente. A própria Lei Maria da Penha funciona como uma intensificação da punição, tendo em vista que antes da lei, a punição se restringia ao pagamento de cestas básicas e isso era visto como paliativo e por essa lógica não punia suficientemente para ser pedagógico. Punir esse sujeito no âmbito da Lei Maria da Penha é fazê-lo também de exemplo para os demais.
Entram em jogo tensões relevantes no enfrentamento à violência contra a mulher. A Lei Maria da Penha pode ser avaliada positivamente, servindo como uma forma de enfrentamento às sistemáticas violações de direitos das mulheres, buscando a garantia de atendimento das mulheres em situação de violência e também práticas de prevenção. Do ponto de vista do aspecto penal, a positividade da Lei Maria da Penha estaria na sustentação de uma atuação mais intensa, efeito da luta do movimento feminista para um tratamento mais rigoroso desse problema no sistema jurídico. Nesse sentido, a intensificação das penas funcionaria como reconhecimento da violação de direitos em situações de violência contra mulheres.
Entretanto, a ênfase na sua operacionalização punitiva pode produzir e cristalizar outras formas de desigualdade. Os processos de criminalização não incidem da mesma maneira em populações diversas. A intensificação da punição, não sendo mais possível a aplicação de penas alternativas, coloca em questão o excesso de criminalização. Nesse sentido, cabe colocar em questão a necessidade de desconstruir essa lógica de produção de sujeitos perigosos, muitas vezes atravessada por questões de classe, história de vida, uso de drogas, critérios de normalidade que não representam necessariamente maior ou menor índice de violência.
Nesse sentido, salientamos a importância da problematização dessas questões subjetivas na aplicação da Lei Maria da Penha, que nos convocam como trabalhadores psi. A forma como os sujeitos são produzidos nos documentos mostram a necessidade de desconstrução das noções de homem e mulher e da presunção da violência inerente às relações heterossexuais. Da mesma forma, a importância da aplicação e enfrentamento à violência nos convoca a compreender e problematizar as desigualdades produzidas no modo como o homem passa a ser construído como um sujeito perigoso a ser controlado ou excluído.
Considerações finais
O objetivo deste trabalho foi analisar os enunciados que constroem relações de gênero em documentos jurídicos referentes à violência contra mulher, problematizando as demandas feitas ao judiciário a partir dos conceitos de judicialização da vida e de processos de subjetivação, compreendendo a forma como as questões de gênero são construídas nos documentos da jurisprudência alagoana. Desse modo, foi possível investigar como homens e mulheres são representados de forma distinta nos materiais, através de enunciados que sustentam relações de poder específicas.
Nas noções de vítima e agressor analisamos como as mulheres e homens emergem nos documentos com as categorias fixas. Além disso, problematizando a matriz heterossexista foi possível visibilizar o quanto as categorias de gênero não são pensadas como subversivas reproduzem essa lógica na Lei Maria da Penha. As posições de homens e mulheres são múltiplas nos documentos, porém permanecem numa lógica maniqueísta de bem e de mal, agressor, vítima, inocente, algoz.
Na problematização dos saberes psis e das construções do réu/agressor como um indivíduo perigoso buscamos analisar como são produzidas identidades dos sujeitos nos materiais, ou seja, como a noção de sujeito perigoso (homem) aciona a necessidade de verificação de características e comportamentos. O uso de substância entorpecente, algum transtorno mental - a ser avaliado pelo saber psi, comportamentos anteriores indicariam a periculosidade do sujeito e o risco social que ele representa. Apontamos que a atribuição dos saberes psis é desconstruir as identidades elaboradas no interior das ciências, que possam contribuir para a formulação da lei.
Entendemos que os corpos carregam um discurso, portanto, o que é visto como adequado ou não na sexualidade feminina ou masculina são formas de normatividade, vinculadas à matriz heterossexual. Concordamos com Butler que o sujeito é aquele que presume ser a pressuposição no agenciamento e, ao mesmo tempo, permanece submetido a uma série de regras que o precedem (Prins; Meijer, 2002). Sendo assim, o mecanismo que regula o gênero é ele mesmo generificado, “é o aparato pelo qual a produção e a normalização do masculino e do feminino se manifestam junto com as formas intersticiais, hormonais, cromossômicas, físicas e performativas que o gênero assume” (Butler, 2014, p.253).
Partimos do pressuposto que a formação discursiva é composta pelo poder jurídico, científico e por uma racionalidade binária que concebe a partir de dois indicadores: o de vítima e o de agressor. As estratégias de ordenamento e normalização do sujeito pelo Direito incidem sobre a configuração do que se convencionou denominar de violência contra mulher, que para além de punir os desvios e irregularidades, corrige a anormalidade e ajusta as potencialidades.
Os acórdãos analisados reforçam a noção de homem e mulher construída historicamente pelo discurso machista, patriarcal e também afirmados pelos diversos campos de saber. Contestamos, assim, a noção da justiça como cega que decide sob o rigor da lei, pois o que se pensa hoje a respeito da violência contra mulher e as verdades produzidas a seu respeito pelos campos de saberes são produtos das relações de poder que estão movendo esses campos. Dispositivos de saber e poder que atravessam diversos espaços como o da internet, onde esses materiais podem ser encontrados; o da família onde ocorre a violência; passando pelos saberes psis, saberes de excelência para falar de sujeitos; pelos tribunais de justiça, que é o lócus das disputas judiciais, bem como por outros espaços da vida social.
Segundo Rifiotis (2015) no sistema de justiça penal, a judicialização tem como consequência a análise criminalizante, o que provoca dificuldades para pensar alternativas não penais para a violência contra a mulher. Além de não corresponder a perspectiva do sujeito, acaba governando seus corpos, ou seja, a partir da judicialização amplia-se a ação do Estado na vida dos sujeitos com o argumento da promoção de direitos.
Nesse sentido, é fundamental entender que as expectativas que surgem com a promulgação da Lei Maria da Penha precisam ser analisados para ser possível ver os dispositivos que incidem sobre o sujeito. Como afirma Rifiotis (2015):
Se por uma lado, o rompimento de uma imaginada fronteira público-privada pode abrir caminho para a afirmação do caráter político das relações de gênero, por outro, especificamente no campo do processamento jurídico, ela pode significar uma forma de intervenção e/ou controle sobre a qual cabe também um reflexão crítica (Rifiotis, 2015, p. 26).
Extrair dados dos documentos que versam sobre a Lei Maria da Penha é produzir uma memória social das formas de aplicação do Direito e enfatizar que como várias instâncias do campo jurídico produzem sujeitos de forma dicotômica no binômio vitima-agressor. Apontamos nesse trabalho uma estratégia local para ir de encontro ao não natural e conseguir a desnaturalização de gênero que é: pensar a Lei Maria da Penha ampliada para outros tipos de relacionamento que não seja o heterossexual, subvertendo na jurisprudência categorias fixas de gênero.
Anexos
Banco de dados | Acórdão | Ano | Tipo de documento |
Jurisprudência antiga | 5.0423 | 2009 | Habeas corpus |
3.0342 | 2009 | Apelação criminal | |
50275 | 2010 | Ação penal originária | |
50273 | 2010 | Habeas corpus | |
30295 | 2010 | Apelação criminal | |
3.0361 | 2010 | Habeas corpus | |
30444 | 2010 | Habeas corpus | |
50028 | 2011 | Ação penal originária | |
Jurisprudência atual | 0800492-6.2014.8.02.0900 | 2014 | Habeas corpus |
0800384-7.2014.8.02.0900 | 2014 | Habeas corpus | |
0801394-0.2014.8.02.0000 | 2014 | Habeas corpus | |
0801367-0.2014.8.02.0000 | 2014 | Habeas corpus | |
0801832-9.2013.8.02.0900 | 2014 | Habeas corpus | |
080013-63.2014.8.02.0900 | 2014 | Habeas corpus | |
0800331-6.2014.8.02.0900 | 2014 | Habeas corpus | |
0801922-7.2014.8.02.0000 | 2014 | Habeas corpus |
Fonte: Autores (2015)
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Data de submissão: 05/12/2016
Data de aceite: 21/12/2016
1 http://www.tjsp.jus.br/Institucional/CanaisComunicacao/Noticias/Noticia.aspx?Id=28416
2 http://s.conjur.com.br/dl/lei-maria-penha-gays.pdf
3 http://www.conjur.com.br/2008-out-30/lei_maria_penha_aplicada_proteger_homem
4 Remédio jurídico co-processual destinado a proteger a liberdade de locomoção (Sarmento, 2011).
5 O pedido que se faz à instância superior, no sentido de reexaminar a decisão proferida pelos órgãos inferiores. (Tourinho Filho, 1994).
6 Ação para examinar a ocorrência de crime ou contravenção. No Supremo Tribunal Federal são iniciadas ações penais contra autoridades que contam com foro privilegiado, ou seja, não podem ser julgadas em instâncias inferiores. O Supremo também julga recursos em outras ações penais. (http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=126).
7 “Sumário” ou “resumo” e origina-se do latim summula, refere-se ao teor reduzido ou abreviado de um julgado ou enunciado jurisprudencial que reflete entendimento pacífico de determinado tribunal (Pinheiro, 2007).
I Larissa de Moura Cavalcante: Psicóloga/UFAL, bolsista UFAL (2014-2015), Mestranda em Psicologia UFS e bolsista CAPES. E-mail: larissamoura74@yahoo.com.br
II Carlysson Alexandre Rangel Gomes: Estudante de graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas e bolsista FAPEAL (2014-2015). E-mail: carlysson_al@hotmail.com
III Lisandra Espíndula Moreira: Psicóloga e Mestre em Psicologia Social e Institucional/UFRGS, Doutora em Psicologia/UFSC e professora Adjunta da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: lisandra.moreira@ip.ufal.br