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Revista Subjetividades

versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.19 no.2 Fortaleza maio/ago. 2019

https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v19i2.e9224 

DOSSIÊ: ÓCIO E CONTEMPORANEIDADE

 

A viagem a lazer como experiência (trans)formadora para idosos

 

Leisure travel as a (trans)formative experience for the elderly

 

El viaje de ócio como experiência (trans)formadora para ancianos

 

Les voyages de loisir en tant qu'expérience (trans) formative pour les personnes âgées

 

 

Cairo Cézar Braga de Sousa (Lattes)I; José Airton Nascimento Diógenes Baquit (Lattes)II; Karla Patrícia Martins Ferreira (Lattes)III

IDoutorado em Psicologia pela Universidade de Fortaleza. Professor do Departamento de Turismo e Hotelaria da Universidade Federal do Maranhão
IIDoutorando em Psicologia pela Universidade de Fortaleza
IIIPós-doutorado em Psicologia pela Universidade de Fortaleza. É atualmente professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O envelhecimento já se apresenta como uma realidade nas sociedades contemporâneas com o rápido crescimento da população idosa, motivado pelo aumento da expectativa de vida e pela redução da fertilidade e mortalidade. A partir daí, surgem desafios para esse segmento etário, principalmente em países que não se prepararam para tal tendência social, como é o caso do Brasil. Nesse contexto, esta pesquisa propõe-se a compreender os significados da viagem a lazer para o idoso. Como método investigativo, a pesquisa desenha-se como exploratória e descritiva, com abordagem qualitativa, de enfoque etnográfico. Teve-se como lócus de investigação a cidade de São Luís, Maranhão, a partir de um projeto voltado para o idoso da Universidade Integrada da Terceira Idade - UNITI. Como técnicas e instrumentos de coleta, utilizaram-se entrevistas narrativas, observação participante e diário de campo. Como técnica de análise, utilizou-se a análise de conteúdo de Bardin, para que se pudesse elaborar categorias. A coleta de dados segmentou-se em três etapas: a expectativa da viagem, a viagem e a pós-viagem. As categorias de análise e a interpretação dos conteúdos nos indicam que a viagem é uma atividade que atribui sentido à vida do idoso e estimula processos de autonomia, independência, qualidade de vida e expectativa de vida saudável, contribuindo para um envelhecimento com qualidade.

Palavras-chave: viagem; lazer; idoso; tempo livre.


ABSTRACT

Aging is already a reality in contemporary societies with the rapid growth of the elderly population, motivated by increased life expectancy and reduced fertility and mortality. From then on, challenges arise for this age segment, especially in countries that have not prepared for such a social trend, such as Brazil. In this context, this research aims to understand the meaning of leisure travel for the elderly. As an investigative method, the research is designed as exploratory and descriptive, with a qualitative approach, ethnographic approach. The research locus was the city of São Luís, Maranhão, from a project aimed at the elderly of the Integrated University of the Third Age - UNITI. As collection techniques and instruments, narrative interviews, participant observation, and field diary were used. As an analysis technique, Bardin's content analysis was used, so that categories could be elaborated. Data collection was divided into three stages: travel expectation, travel, and post-trip. The categories of analysis and interpretation of the contents indicate that travel is an activity that gives meaning to the life of the elderly and stimulates processes of autonomy, independence, quality of life, and healthy life expectancy, contributing to quality aging.

Keywords: travel; recreation; old man; leisure.


RESUMEN

El envejecimiento ya es una realidad en las sociedades contemporáneas con el rápido crecimiento de la población de ancianos, motivado por el aumento de la expectativa de vida y por la disminución de la fertilidad y mortandad. A partir de ahí, surgen retos para este segmento de edad, principalmente en países que no se prepararon para tal tendencia social, como es el caso de Brasil. En este contexto, esta investigación propone comprender los significados del viaje de ocio para el anciano. Como método la investigación se dibuja como exploratoria y descriptiva, con enfoque cualitativo, etnográfico. El locus de investigación fue la ciudad de São Luis, Maranhão, a partir de un proyecto especialmente para el anciano de la Universidad Integrada de la Tercera Edad - UNITI. Como técnicas e instrumentos de colecta, se utilizó entrevistas narrativas, observación participante y diario de campo. Como técnica de análisis, se utilizo el análisis de contenido de Bardin, para que se pudiera elaborar categorías. La colecta de datos se dividió en tres etapas: la expectativa del viaje, el viaje y el post- viaje. Las categorías de análisis y la interpretación de los contenidos indican que el viaje es una actividad que atribuye sentido a la vida del anciano y estimula procesos de autonomía, independencia, calidad de vida y expectativa de vida saludable, contribuyendo para un envejecimiento con calidad.

Palabras claves: viaje; ocio; anciano; tiempo libre.


RÉSUMÉ

Le vieillissement est déjà une réalité dans les sociétés contemporaines avec la croissance rapide de la population âgée, motivée par une augmentation d'espérance de vie et une réduction de fécondité et de mortalité. Dès lors, des défis se posent à ce groupe d'âge, en particulier aux pays qui ne sont pas préparés à cette tendance sociale, comme le Brésil. Dans ce contexte, cette recherche se propose de comprendre la signification des voyages de loisirs pour les personnes âgées. En tant que méthode d'investigation, la recherche est conçue comme exploratoire et descriptive, avec une approche qualitative et ethnographique. Le site de recherche a été la ville de São Luís, au l'état du Maranhão au Brésil. Il s'agit d'un projet destiné aux personnes âgées de l'Université Intégrée du Troisième Âge - UNITI. On a utilisé comme techniques et instruments de collecte des entretiens narratifs, de l'observation des participants et un journal de terrain. La technique d'analyse utilisée a été l'analyse du contenu de Bardin afin de pouvoir élaborer des catégories. La collecte des données a été divisée en trois étapes: les attentes des voyageurs, le voyage et l'après le voyage. Les catégories d'analyse et d'interprétation des contenus indiquent que les voyages sont un activité qui donne de sens à la vie des personnes âgées et stimule les processus d'autonomie, d'indépendance, de qualité de vie et d'espérance de vie en bonne santé. Cela contribue au vieillissement en qualité.

Mots-clés: voyage; loisirs; personnes âgées; temps libre.


 

 

O envelhecimento já se apresenta como uma realidade nas sociedades contemporâneas com o rápido crescimento da população idosa, motivado pelo aumento da expectativa de vida e a redução da fertilidade e mortalidade. Estima-se, segundo Wong e Carvalho (2006), que no Brasil até 2050, 20% da população total esteja no segmento etário de 65 anos ou mais, trazido pelo Termo de Transição da Estrutura Etária - TEE.

Têm-se, ainda, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD (2013), que aponta o envelhecimento como uma tendência no Brasil, registrando o aumento contínuo da expectativa de vida, que hoje se apresenta em 73,9 anos, e tendo como estimativa, para o ano de 2060, 81,2 anos de idade. Diante disso, configuram-se diversos questionamentos a respeito de como se oferecer condições de lazer e de que forma esse segmento etário compreende o lazer e os benefícios trazidos por ele.

A partir daí, mostram-se os desafios desse segmento etário, principalmente em países que não se prepararam para tal tendência social, como é o caso do Brasil. Portanto, pesquisas e investigações são necessárias para que possamos, além de conhecer o novo idoso, contribuir de forma eficaz para que essa fase seja vivida com qualidade e dignidade.

Optou-se, diante disso, por investigar os significados da viagem a turismo para o idoso, por considerar que o lazer, o envelhecimento e o turismo são áreas temáticas contemporâneas que se complementam dentro da proposta de estudo e que ganham cada vez mais espaço no cenário mundial e nacional, em que se ofertam programas de apoio, discute-se a acessibilidade a esse segmento e se apresenta a viagem a turismo como uma das principais formas de lazer, através da fuga do cotidiano, do conhecimento de novas culturas e da oferta de descanso e qualidade de vida.

Quando se resolveu definir o idoso como sujeito da pesquisa, levou-se em consideração a tendência global do envelhecimento, motivado, principalmente - como veremos do decorrer deste texto -, pela diminuição das taxas de mortalidade e de natalidade no mundo, incluindo o Brasil. Além disso, vê-se no idoso a figura de alguém fragilizado socialmente pela cultura ocidental, que carrega estigmas de um envelhecer cercado de preconceitos e, na maioria das vezes, sem suporte psicológico para adentrar nessa etapa da vida. Busca-se, dessa forma, refletir sobre a contribuição da viagem a turismo para esse sujeito repleto de limites sociais e físicos, assim como sobre as demandas subjetivas de autonomia e respeito que dão mais sentido ao existir.

Para fins de delimitação, o idoso descrito pela Lei n. 10.741/2003 - Estatuto do Idoso - é o sujeito que se encontra com 60 anos ou mais de idade. Para viagem a lazer será considerado o descolamento superior a 24 horas, com pernoite na destinação visitada, cuja motivação da viagem não seja trabalho ou participação em evento.

 

Referencial Teórico

Envelhecimento, Ócio e Contemporaneidade

Com o crescente envelhecimento populacional, deparamo-nos com a demanda para discutir o papel do idoso na sociedade contemporânea, assunto que se restringia, há meio século, somente à esfera privada e à família (Netto, 2001), mas que hoje se apresenta como uma questão social e política. Oliveira, Pasian e Jacquemin (2001) acrescentam que o envelhecimento, historicamente, somente é compreendido em duas perspectivas: uma que o relaciona com o estágio final da vida, a morte do indivíduo; e outra que o relaciona a uma etapa cercada de sabedoria, maturidade e serenidade.

A chegada a esse segmento etário força o idoso a adaptar-se a uma nova realidade, a qual, muitas vezes, encontra-se despreparado para encarar. Angerami-Camon (1992) aponta o envelhecimento como uma etapa da vida em que existe um processo de desorganização crescente, em que as potencialidades do indivíduo desaparecem e são substituídas por limitações e disfuncionalidades, levando esse sujeito a um processo de isolamento social e, consequentemente, à necessidade de se adaptar.

Diante disso, o novo idoso, que pleiteia uma vida longa e saudável, não tem como driblar o envelhecimento, o qual Diogo, Neri e Cachioni (2009) definem como um processo dinâmico e progressivo, com a presença de modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas que determinam a perda gradativa da capacidade de adaptação do sujeito e, consequentemente, ocasionam a maior vulnerabilidade e possibilidade de incidência de processos de adoecimento patológico.

É importante ressaltar que o envelhecimento não é um processo isolado, ou não deve ser visto dessa forma. Fraiman (1995) chama a atenção para a necessidade de individualizar os processos de envelhecimento, considerando as diferenças individuais, para que não incorramos no erro de estigmatizá-lo. As normas sociais que são criadas para essa classe de indivíduos poderão contribuir para qualificá-los e/ ou prejudicá-los no processo de envelhecimento.

Melo, Simões e Brant (2014) apresentam o idoso na idade contemporânea como alguém a quem se "é atribuído um conjunto de representações, significados e aspectos simbólicos, que fazem parte do imaginário social que cria, reforça e reproduz ideias, pensamentos e imagens que contribuem para o processo de discriminação social dos indivíduos envelhecidos" (p. 61). Com isso, percebe-se a necessidade de convidar a sociedade civil, as instituições públicas e o povo em geral para discutir e valorizar o papel do idoso, já que, para muitos, esses símbolos e significados, passados de geração em geração, permanecem intactos.

Apesar da discriminação social ainda presente, cada vez mais o caráter positivo do processo de envelhecimento está sendo incorporado aos estudos, trazendo apossibilidade para novas ressignificações do termo, assim como também para se discutir o papel do novo idoso. Tal percepção é ressaltada por Cardoso e Ferreira (2009) quando expõem que o sentido do envelhecimento deixa de ser associado apenas ao fator degenerativo, dando espaço para uma visão mais positiva desse processo.

Dessa forma, quando o envelhecimento é percebido através de uma ótica menos preconceituosa, associada às novas possibilidades de qualidade de vida por parte do idoso, surge a possibilidade de diálogo entre a denominada Teoria do Envelhecimento Satisfatório e o ócio.

A Teoria do Envelhecimento Satisfatório surge a partir do estudo Aportaciones del ocio al envejecimiento satisfactorio, organizado pela Universidad de Deusto - Bilbao, em 2014, idealizada por Monteagudo, Amigo e Valle (2014). A partir dela se pressupõe o ócio como possibilidade subjetiva de se atingir um envelhecimento qualificado e satisfatório. O estudo reconhece o fenômeno do envelhecimento como um tema de grande relevância, especialmente para as agências europeias e internacionais. Compreende, ainda, que esse é um debate político, econômico e social muito necessário.

O ócio/lazer, a partir da análise da teoria do envelhecimento satisfatório, ganha centralidade quando é visto como uma das dimensões mais importantes para as pessoas idosas. O tempo livre e o ócio/lazer, ainda segundo o documento, são aspectos de grande relevância no processo de envelhecimento, e o ócio/lazer é visto - depois de saúde, família, situação financeira e questões de socialização - como a dimensão que mais contribui para a percepção de qualidade de vida em idosos.

Diante disso, Cuenca, Monteagudo e Bayón (2014) ressaltam que o ócio/lazer deve ser entendido como uma experiência pessoal e complexa, de livre escolha e satisfatória, e autotélica (com fim em si mesmo), entretanto com implicações individuais e sociais. Registra-se: é uma experiência subjetiva que tem diversos significados, e que tem na pessoa, no sujeito, o protagonista (sua principal referência). A qualidade das experiências é que define se foi possível ou não experienciar o ócio/lazer.

Monteagudo, Cuenca, Bayón e Kleiber (2013) complementam a afirmativa ao dizerem que o ócio/lazer está presente na forma, ou na influência decisiva, que o sujeito converte um tempo livre ou uma atividade em experiência. É uma experiência subjetiva a partir da atitude, da percepção e da interpretação dada às coisas, às atividades e aos momentos, para assim compreender o significado real dessa experiência.

Ressalta-se, contudo, complementando as afirmações anteriores, que tempo livre, segundo Martins (2016, p. 56), "é um indicativo de condição livre impressa e percebida pelo próprio sujeito, onde quer que ele se encontre, qualquer que seja a situação que ele esteja inserido". Nessa perspectiva, Martins (2016, p. 56) convoca à reflexão sobre a necessidade de um "exercício humano voluntário de identidade, desejo, reconhecimento e autorreconhecimento". A viagem, assim sendo, assume o caráter de facilitadora de liberdade de obrigações laborais e sociais, em que se pode vivenciar experiências que direcionem ao ócio.

Lazer, Idoso e Mobilidade

A sociologia do lazer, em muitas discussões, traz o lazer como uma possibilidade real de realização pessoal no que as ciências sociais chamam de terceira idade, tornando-os mais fortes. No entanto durante muitos anos esse fenômeno foi objeto de estudo da gerontologia social. Dumazedier (2008) alerta que, em função dessa dinâmica, "é um dos menos observados e um dos piores interpretados" (p. 114), reduzindo o estudo do lazer nesse segmento etário, muitas vezes, a práticas de algumas atividades, normalmente atomizadas, como descanso, férias, passeio etc.

Apesar de o envelhecimento mundial apresentar-se como uma tendência, ainda nos deparamos com políticas de lazer voltadas para o idoso com poucas bases epistemológicas e pouco eficazes. Nessa perspectiva, o lazer, enquanto ferramenta de socialização e de melhoria de qualidade de vida, deve ser ajustada à demanda e às características dessa demanda.

Soares e Silva (1999) ressaltam que "o indivíduo, ao participar de atividade de lazer, estabelece relações com as pessoas e com o mundo; condição que favorece o inter-relacionamento pessoal e a interação ambiental, contribuindo assim para a qualidade de vida" (p. 56). Tal afirmação corrobora a perspectiva de ofertar um lazer adequado ao segmento idoso, garantindo, assim, possibilidades reais de melhoria da qualidade de vida.

Silva, Silva e Rodrigues (2018) ratificam que o lazer possui forte influência na qualidade de vida do idoso e que sua prática traz benefícios para quem o exerce. Complementam, ainda, que esses benefícios proporcionam bem-estar e segurança pessoal, além de tornar os idosos protagonistas para a realização de atividades que facilitam interação e convívio social.

Nessa perspectiva, o lazer é tido como uma necessidade humana e uma dimensão da cultura, que caracteriza-se, segundo Gomes (2018, p. 71), pela "vivência lúdica e prazerosa de manifestações socioculturais no tempo/espaço social", na qual cita-se a viagem como elemento que propicia a experiência do lazer.

Por diversas vezes, esse lazer vem dar sentindo a vida, principalmente para aqueles que se deparam com uma perspectiva real de mais tempo livre e não se preparam para vivenciá-lo. Beauvoir (1990) ratifica tal afirmação ao dizer que "se o trabalhador aposentado se desespera por falta de sentido da vida presente, é porque em todo o tempo o sentido da vida lhe foi roubado" (p. 109). A partir daí, Ladislau (2002) expõe que a marginalização desse idoso acontece, muitas vezes, em espaços sociais que deveriam servir em oposição a isso, atribuindo sentido, favorecendo a socialização e estimulando o bem-estar.

Giraldi (2014) alerta para a necessidade de se pensar espaços para idosos voltados para as suas demandas, muitas vezes particulares, em que se devem considerar aspectos físicos, mas, além disso, aspectos voltados para demandas subjetivas, como suas memórias. Nessa perspectiva, três vertentes devem ser consideradas quando se pensa em espaços de lazer para o idoso: os aspectos formais, os sociais e os do imaginário.

Dessa forma, a viagem, em um contexto subjetivo, surge como elemento gerador de experiências enriquecedoras que possibilitam aos sujeitos transformações e percepções a partir do deslocamento para um local não habitual. Observa-se na literatura tentativas diversas de definir a viagem a partir das suas motivações, do deslocamento e do tempo de permanência. Contudo, faz-se necessário pensar a viagem em um contexto mais holístico, que convoque aspectos e demandas individuais, já que as expectativas e as percepções também são individuais.

Percebe-se, portanto, a importância de compreender a viagem/turismo como um deslocamento que gera inter-relações entre os envolvidos no processo, sendo visto como um fenômeno social que deve ser investigado nas mais diversas vertentes (social, cultural, ambiental e econômica), e realizado no tempo livre dos sujeitos, gerando impactos que devem ser controlados. É comum, por exemplo, observar definições sobre viajantes baseando-se em critérios objetivos relacionados ao deslocamento, tempo de permanência e motivação, sendo menos comum perceber esse viajante a partir de demandas subjetivas que perpassam definições técnicas.

Ignarra (2003) apresenta os viajantes como consumidores de serviços turísticos e categoriza-os em três modalidades: o turista, o excursionista e o visitante. Entretanto, optou-se em não trabalhar o contexto de viajante a partir das suas segmentações, mas, sim, a partir do que essas categorias têm em comum: a busca por experiências em um local visitado.

Esse viajante, segundo Netto e Lohmann (2008), pode ser motivado a deslocar-se a partir de quatro possibilidades: a) questões físicas, que se relacionam com saúde, descanso, esporte etc, sendo entendido pelos autores como uma necessidade básica, já que ajuda na redução de tensões cotidianas; b) cultural, na qual se objetiva aprender ou conviver com o novo, incluindo-se idiomas e aspectos folclóricos; c) interpessoal, em que se cita o desejo por conhecer novas pessoas e relacionar-se com elas, seja em uma visita a amigos e familiares, seja por aspectos afetivos/relacionais; e d) status/prestígio, em que questões voltadas à autoestima e desenvolvimento pessoal são supervalorizadas e expostas.

O viajante seria, nesse sentido, alguém que busca equilíbrio entre a pressão do cotidiano e a liberdade para relaxar, bem como a liberação das tensões e das inquietações. Krippendorf (2009) ressalta que o viajante cria expectativa, faz plano e prepara-se para a viagem a fim de satisfazer os desejos, as necessidades subjetivas e as objetivas não possíveis no dia a dia e que, muitas vezes, são reprimidas.

Assim sendo, se pensarmos a viagem e o viajante enquanto elementos amparados pela subjetividade, ou seja, enquanto elementos que estão para além de dados objetivos, então nos depararemos com um conceito fundamental para entender as estruturas físicas e simbólicas presentes no ato de viajar: o conceito de mobilidade.

A ideia de mobilidade torna-se importante para demonstrar a amplitude que há em torno de uma viagem, pois o conceito de mobilidade não fica restrito a questões de deslocamento. Como aborda Cavalcante, Mourão e Ferreira (2018), a mobilidade supera a ideia de deslocamento, pois está relacionada a aspectos subjetivos, como esperanças, vontades e motivações, sendo um conceito polissêmico, integrando "a ação de se deslocar - seja uma ação física, virtual ou simbólica - ao conjunto de atividades do indivíduo e da sociedade" (Cavalcante, Mourão & Ferreira, 2018, p. 141).

O termo mobilidade, portanto, não se resume somente à ação, uma vez que engloba desejos e sentimentos, podendo ser compreendido de diversas formas, dependendo do contexto. Comumente, o conceito de mobilidade é relacionado à superação de fronteiras de vários tipos no espaço e no tempo. Tal superação pode ser realizada "a pé ou por meio dos modais existentes, tais como transporte coletivo, carro, bicicleta e motocicleta" (Cavalcante, Mourão & Ferreira, 2018, p. 141).

Dessa forma, a mobilidade tende a ser percebida somente na perspectiva dos transportes, mas a amplitude do conceito pode ser percebida nas suas diversas modalidades: mobilidade social, mobilidade urbana, mobilidade estudantil, mobilidade de pessoas com deficiência, entre outras. É importante ressaltar ainda que a mobilidade implica tanto a dimensão temporal quanto espacial. Essas duas dimensões, quando juntas, formam quatro tipos de mobilidade: mobilidade cotidiana (movimento interno e cíclico); mobilidade residencial (movimento interno e linear); viagens e turismo (movimento externo e cíclico); e migrações (movimento externo e linear) (Cavalcante, Mourão & Ferreira, 2018).

Dito isto, é importante perceber que o conceito de mobilidade torna-se singular para compreendermos a viagem realizada com idosos, pois a ideia de mobilidade também contempla os estudos sobre viagens e turismo, revelando que há muito mais implicações do que, simplesmente, reduzi-la ao processo de deslocamento, o que envolve aspectos subjetivos que estão presentes na própria etimologia da palavra mobilidade e motivação, ambas do latim movere, ou seja, mover-se em busca de algo que nos falta. E, nesse processo de busca por algo que nos falta, a viagem também aparece como um deslocamento subjetivo.

 

Procedimentos Metodológicos

A presente investigação é do tipo descritiva e exploratória, com uma abordagem qualitativa. Foram utilizados métodos específicos para uma abordagem qualitativa de enfoque etnográfico, orientados a partir de Baztán e Martins (2014), com a aplicação de entrevistas narrativas, observação participante e diário de campo. Classifica-se a etnografia, ainda segundo Baztán e Martins (2014), como enfoque que utiliza diversas técnicas, em que, neste caso, buscou-se compreender a experiência através da percepção dos idosos que se encontram em viagem a lazer.

A coleta de dados se deu através de três etapas. Na primeira, o pesquisador se inseriu no habitat dos sujeitos investigados na intenção de adaptá-los à sua presença. Nessa etapa, que se chamou de "expectativa sobre a viagem", utilizou-se como instrumentos de coleta as entrevistas narrativas e a observação participante; na segunda etapa, chamada de "a viagem", utilizou-se do diário de campo e participação observante para atingir os objetivos propostos por uma investigação etnográfica; e, por fim, na pós-viagem, utilizou-se das entrevistas narrativas a partir de perguntas norteadoras. As perguntas norteadoras, aplicadas a partir do roteiro de entrevistas com os idosos, dividiu-se em duas etapas básicas. Na primeira etapa, anterior a viagem, perguntou-se: Qual a sua expectativa quando vai viajar?; já na segunda etapa, pós-viagem, perguntou-se: Como você se sentiu durante a viagem? e Se você tivesse que escolher uma palavra para definir a experiência de viajar, qual palavra seria? Além disso, utilizaram-se perguntas baseadas nos pressupostos da investigação: A viagem tem o mesmo significado para você como tinha antes dos 60 anos?; Você considera que a viagem proporciona melhoria da auto estima?; A viagem gera satisfação para você?

Os dados foram analisados através da análise de conteúdo de Bardin (1977). No processo de organização da análise, seguiram-se as seguintes etapas: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Na Exploração do material coletado, a partir das narrativas dos sujeitos entrevistados, foram recortadas unidades de registro, em que se identificou as palavras-chave que iniciaram as primeiras categorizações, que chamamos de categorias iniciais

Logo após esse tratamento inicial, as primeiras categorias foram agrupadas em temas, dando origem as categorias intermediárias, que, posteriormente, deram origem as categorias finais. O processo de categorização foi finalizado com o tratamento dos Resultados, inferência e interpretação. A partir da análise comparativa, realizou-se a justaposição das categorias encontradas, considerando os aspectos semelhantes e diferentes em cada uma delas.

Após a categorização, realizou-se a interpretação e diagnóstico dos resultados com a finalidade de responder aos questionamentos iniciais, comprovar ou refutar os pressupostos, e identificar os significados da viagem de lazer para o turista idoso. Tudo isso tendo em vista o compromisso ético com os dados coletados e com a validade, confiabilidade e generalização, compreendendo a importância da pesquisa no seu contexto macro.

Com relação aos aspectos éticos desta investigação, houve a preocupação e o compromisso com os sujeitos, de modo que o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade. Assim, foram cumpridos os aspectos éticos da pesquisa que envolve seres humanos, respeitando as premissas da Resolução n.º 466/2012 do CNS do Ministério da Saúde.

Pressupomos riscos mínimos aos sujeitos investigados, deixando-o livres para abandonar a pesquisa a qualquer momento, assegurando a preservação da integridade e dignidade. Os investigados puderam ter acesso aos detalhes da investigação através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE.

O Ambiente Investigado: Universidade Integrada da Terceira Idade - UNITI em São Luís/ Maranhão

A investigação teve como lócus a Universidade Integrada da Terceira Idade - UNITI. Esta é um projeto de Extensão da Universidade Federal do Maranhão - UFMA, sob gestão da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Estudantis - PROEXAE, com apoio do Governo do Estado do Maranhão através da Secretaria de Gestão e Previdência do Estado do Maranhão, e do Serviço Social do Comércio - SESC-Ma. A Universidade Integrada da Terceira Idade foi criada em 1995 e tem como objetivo geral oferecer à população idosa a prática de atividades que lhe possibilitem fortalecer a participação social e política, assumir conscientemente o seu processo de envelhecimento e gozar do pleno exercício da cidadania. A instituição foi escolhida como objeto de investigação pelo vínculo institucional com a Universidade Federal do Maranhão, onde um dos pesquisadores atua como docente do Departamento de Turismo e Hotelaria.

Os Participantes da Pesquisa

O universo da pesquisa foi composto por uma turma da Universidade Integrada da Terceira Idade - UNITI, do ano de 2017, turma B, composta por 40 alunos matriculados, em que, desse total, 32 ainda frequentavam o projeto. Selecionou-se a turma B por indicação da coordenação do programa de extensão, por ser a turma com melhor frequência. Entretanto, como se optou por investigar sujeitos idosos, que - segundo a OMS (2002), a Lei n. 8.842/1994 e a Lei n. 10.741/2003, respectivamente, a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso - são aqueles com 60 anos ou mais de idade, definiu-se como critério de inclusão e exclusão para a amostra.

Os critérios de inclusão foram pautados nos seguintes aspectos: ter 60 anos ou mais de idade; ser aluno da UNITI (2017); capacidade física e/ou psicológica para deslocar-se em viagem; interesse em participar da pesquisa; disponibilidade de tempo para participar da viagem proposta. Após definidos os critérios de inclusão e exclusão, ficou-se com o número de 19 sujeitos, o que representou aproximadamente 59,40% dos alunos matriculados que estavam frequentando a turma B do projeto.

 

Apresentação e Análise dos Resultados

A Viagem com Idosos: Um Percurso Etnográfico

A viagem aconteceu no dia 09 de abril de 2018, com destino à cidade de São José de Ribamar. Optou-se por esse destino por questões logísticas e possibilidades de atrativos acessíveis aos idosos. São José de Ribamar fica localizada no estado do Maranhão, a 30 km de São Luís, no extremo leste da ilha. Segundo dados da prefeitura de São José de Ribamar (2018), foi fundada em 24 de setembro de 1952 e possui cerca de 170 mil habitantes.

A viagem teve a sua saída marcada para as 8h30, com previsão de retorno às 17h30. Às 7h30 já tinha idoso aguardando a hora do embarque. Notou-se certa ansiedade para que chegasse logo o horário de partida, contudo era preciso aguardar o restante do grupo até o horário marcado. À medida que vinham chegando, eles já iam sentando uns próximos aos outros, conversando, rindo, felizes. Perguntavam inúmeras vezes se já estava perto, e riam como se já soubessem a resposta.

Observou-se que muitas se maquiavam enquanto aguardavam, ajustavam a roupa. Foram bem produzidas, com chapéus, bolsas, salto. "Aliás, era um momento especial, não podiam ir de qualquer jeito" (Entrevistada 12).

Consideramos uma tolerância de 15 minutos, e saimos às 08h45 no ônibus da UFMA, com vários lanches que eles organizaram para todos, o que incluía bolo, suco, tapioca e chocolate. De forma muito organizada, eles tomaram seus lugares, formando duplas e cada dupla seria responsável um pelo outro até o fim do roteiro.

A sensação de 'quero chegar logo' parecia presente em todos os sujeitos, que, após a conferência da lista de presença, já começaram a conversar, interagir e socializar. Procurou-se não interferir, apenas observar e registrar o que fosse tido como relevante.

Foi solicitado por um dos idosos que se realizassem orações para que todos "fossem e voltassem em paz", e assim foi feito. O grupo todo iniciou a oração do Pai Nosso, e parte do grupo rezou a Ave Maria. Após esse momento de oração, deu-se a partida no ônibus, iniciando-se aviagem. A nossa principal preocupação era que os idosos agissem de modo o mais natural, e que pudessem nos enxergar como parte do grupo, e assim aconteceu.

De repente, eles tiraram seus instrumentos musicais das bolsas e começaram a cantar, começaram a brincar uns com os outros, falar alto e sorrir - sorrir era o que eles mais faziam! Cantavam músicas religiosas, músicas tradicionais maranhenses e clássicos da música popular brasileira. Animação não faltava. Do fundo do ônibus, uma das viajantes gritava: "Quem é velho aqui?" e o grupo respondia: "Ninguém!", e continuavam a cantar. Alguns mais à vontade, outros mais tímidos. Essa animação durou todo o trajeto. Um dos participantes gritou: "Tem alguém cansado aí?" e o grupo respondeu: "Não!". Essa é a imagem que ficou: de disposição, disponibilidade para sorrir, ambiente fraterno e força de vontade.

Quando chegamos a São José de Ribamar, a preocupação inicial era descer o mais rápido possível para aproveitar o máximo da cidade, dos atrativos e da viagem. Os idosos desceram de forma muito organizada, ajudados pela equipe pedagógica da UNITI, e solicitaram ao motorista que a primeira parada fosse na Igreja de São José de Ribamar. Depois de alguns minutos, eles mesmos começaram a chamar pelos outros para se organizarem e dar continuidade ao roteiro. De repente, eles lembraram que não fizeram nenhum registro do grupo e resolveram parar em frente ao monumento da Igreja para fazer esse registro. "Somos todos uma família", lembrou a senhora Ana Luiza.

Já era aproximadamente 11h45, o sol estava muito quente, mas a única queixa era de que eles iriam "ficar com os olhos fechados na foto". "A gente não sai de casa pra ficar feia. Se for pra ficar feia, eu nem saio [risos]. Aqui só tem gente nova, bonita e rica [risos coletivos]" (Maria de Nazaré, 2018).

Paramos para o almoço em um restaurante simples da cidade, com o preço de oito reais o prato, para que todos tivessem condições de almoçar e, principalmente, para que todos almoçassem juntos - algo que eles trazem quase como uma filosofia. Depois, deu-se continuidade aos roteiros e se decidiu visitar a estátua de São José de Ribamar. Posteriormente, paramos para as compras, um momento muito aguardado pelos idosos.

Algo que chamou a atenção nesse momento foi a aproximação quase que total das idosas que participavam da viagem, e o apoio financeiro dado àquelas com menor poder de compra, que ganharam das colegas bolsas, chapéus... Dona Emília se emocionou com o chapéu que ganhou da Dona Margarida, que, além disso, emprestou-lhe o protetor solar sob a alegação de "proteger a pretinha" do sol.

Quando avisados pela coordenadora da UNITI sobre a necessidade de retornar à UFMA, veio em coro um "Não, tá cedo!". Já eram 16 horas. Mesmo não desejando, todos entraram no ônibus, com sorrisos largos, apesar do cansaço. Dona Nonata comentou: "Se tem alguma coisa melhor que viajar, ainda não inventaram".

No retorno, aproximadamente às 16h15, eles se mostraram um pouco cansados e foi o momento de "lanchar", como eles gostavam de falar. Um grupo assumiu a liderança, mas a preocupação em todo o momento era dividir igualmente para que todos pudessem lanchar juntos.

Apesar de todo o cansaço, eles não paravam de conversar, de rir, de cantar. Levantavam-se e convidavam a todos a participar das canções, a interagir. Aqueles com os instrumentos musicais assumiram a função de regentes e puxavam o grupo ao sincronismo. As músicas eram propostas, nunca impostas. Eles debatiam, questionavam, até decidirem que música cantar. E assim foi de São José de Ribamar até São Luís do Maranhão, especificamente até a Universidade Federal do Maranhão.

A chegada foi comemorada. Todos que desciam aguardavam o restante para que pudessem despedir-se uns dos outros. Fizeram questão de agradecer a oportunidade, abraçando todos os envolvidos. E, por fim, Dona Maria dos Anjos chamou a atenção de todos para que completassem a frase que ela iria iniciar: "Por isso que digo sempre, viajar é..." e todos responderam: "uma cura sem remédio!".

As Categorias Encontradas

A partir da análise das narrativas, configurou-se oito categorias, desenvolvidas e consolidadas a partir dos três momentos do campo: expectativa sobre a viagem, a viagem e a pós-viagem. As categorias utilizadas foram encontradas a partir do método de análise de conteúdo de Bardin (1977), sendo estabelecidas as seguintes categorias: 1. Socialização e integração; 2. Adquirir conhecimentos; 3. Fuga da rotina; 4. Aproveitar o tempo livre; 5. Contato com a natureza e outras culturas; 6. Melhoria da saúde e do bem-estar; 7. Imagem pessoal e autoestima; 8. Liberação das obrigações familiares.

Categoria 1: Socialização e integração

Quando perguntados se a viagem tem o mesmo sentido/prazer que antes dos 60 anos, viram-se muitas referências a novas amizades, a serem parecidos, ao fato de terem necessidades parecidas e poderem ser eles mesmos estando com pessoas de igual segmento etário. Muitas questões podem ser consideradas quando se fala em socialização e integração, entretanto é importante salientar que não é a viagem em si que traz satisfação, pois, conforme Doll (2007), é a percepção subjetiva do reconhecimento e da integração social a partir dessa atividade realizada.

Portanto, o bem-estar, o conforto gerado pela viagem em pares, com pessoas do mesmo segmento etário, e a troca de afeto são o que gera a percepção subjetiva de reconhecimento mencionada pelo autor e, consequentemente, a integração social a partir desse reconhecimento. Assim, perceber quais características da viagem faz com que o idoso se sinta mais à vontade, mais integrado e facilitam a socialização é também garantir a ele bem-estar, satisfação e o reconhecimento necessário.

Categoria 2: Adquirir conhecimento

Já quando se fala na categoria Adquirir conhecimento, tem-se o conhecimento sobre as pessoas e os lugares e o conhecimento sobre si. Experiência é a palavra que define essa categoria, experiência que se guarda e experiência que transforma.

No contexto da viagem, o contato com novas culturas em si já é algo que estimula a aquisição de novos conhecimentos. O contato com outras pessoas, desde contatos rápidos (com os moradores) a contatos mais longos (com o grupo de viagem), também proporciona conhecimento sobre si e sobre o outro. Uma coisa comum é se perceber capaz de fazer coisas que antes não imaginava, por nunca ter tido a oportunidade de experimentar.

Essa ampliação da percepção sobre si mesmos, suas potencialidades e limites, continua reverberando no dia a dia após a viagem, trazendo para o idoso um efeito terapêutico, com melhoria de sua autoestima e saúde psíquica.

Categoria 3: Fuga da rotina

A categoria Fuga da rotina convoca a uma reflexão sobre elementos aprisionadores do dia a dia, em que as obrigações com as atividades laborativas, as obrigações sociais, as obrigações familiares, e quaisquer outras obrigações, assumem um caráter muitas vezes não prazeroso ou de não liberdade. Percebe-se nos discursos a sua convocação por meio de expressões como: "um ambiente diferente", "algo novo, aqui eu faço tudo", que remetem a uma experiência não cotidiana, algo que não se faz com determinada frequência, mas algo desejado. Já quando expressam: "todo dia a mesma coisa", "eu não consigo fazer quando estou em casa", convocam a reflexão sobre o não corriqueiro, o prazer desvinculado das obrigações, a liberdade existencial.

A rotina, por vezes, é algo que não atribui sentido ao sujeito, muitas vezes um condicionante social que define os tempos e o que deve ser feito neles. Dumazedier e Ripert (1967) enxergam o viajante como alguém que viaja no seu tempo livre, tempo em que rotineiramente há uma desvinculação das obrigações. Krippendorf (2009) complementa que o turismo, a viagem, faz oposição ao que chama de modelo existencial na sociedade industrial, em que o sujeito tem nas suas esferas existenciais o trabalho, a moradia e o lazer, e o turismo e/ou viagem aparecem como o anticotidiano, quase como um movimento de resistência que procura atribuir sentido ao viver.

Categoria 4: Aproveitar o tempo livre

Fala-se, agora, da categoria Aproveitar o tempo livre, em que as narrativas trazem o aspecto simbólico da viagem quando ela está excluída das obrigações do dia a dia, relacionando-se com liberdade, que, em alguns momentos, vem a partir do luto ou da autonomia dos filhos. Alguns sujeitos relatam, ainda, que nunca haviam viajado, ou porque trabalhavam muito, ou porque se casaram cedo, ou por conta de filhos dependentes. Viajar, para eles, assume um caráter ainda mais existencialista, cercado de possibilidades subjetivas e de liberdade para gerir-se.

Para alguns autores, viajar é uma moderna atividade de lazer, e o viajante é o sujeito impactado por essa atividade, que se realiza no tempo livre, já que, nesse contexto, o lazer aparece como uma atividade livre de obrigações.

O sujeito, quando se apropria desse tempo livre, volta-se pra si e adota a prática de viajar quase como um estilo de vida. Marcellino (2012) ressalta, entretanto, que se faz necessário pensar o lazer desvinculando não tão somente do tempo destinado ao trabalho, mas também de outras obrigações, como obrigações sociais, familiares, religiosas etc. Percebe-se, nas narrativas, justamente esse aspecto em que o sujeito compreende essa desvinculação como algo saudável à existência.

Categoria 5: Contato com a natureza e outras culturas

A categoria Contato com a natureza e outras culturas está fortemente relacionada à própria atividade turística, que convoca ao deslocamento. Nos discursos há um apelo à novidade, ao belo, ao novo, às experiências vividas e às experiências que serão socializadas com parentes e amigos. Aspectos voltados à curiosidade e ao inusitado são elementos que geram estímulos a essas viagens, além de todas as motivações que podem ser coletivas, mas também particulares.

Botton (2012, p. 7) defende que "poucas atividades estão tão associadas à busca da felicidade quanto o desejo de viajar para um lugar distante". Ressalta-se que a viagem não se resume apenas ao deslocar-se, tão somente, mas existe todo um aspecto simbólico por trás, como já debatido durante toda esta investigação. Mas é preciso compreender que, durante a viagem, o viajante se depara não somente com os aspectos físicos, mas também com os não físicos, como hábitos, cultura e hospitalidade. Santana (2009) acrescenta aí questões como familiaridade, bons atos e identidade.

Categoria 6: Melhoria da saúde e do bem-estar

O idoso, a partir das narrativas, leva muito em consideração as relações de troca, a receptividade e o acolhimento, aspectos afetivos que garantem o bem-estar e, consequentemente, a satisfação desses sujeitos.

A viagem impacta diretamente na qualidade de vida do sujeito idoso, de modo que se percebeu o surgimento da categoria Melhoria da saúde e do bem-estar entre os achados da investigação. Frequentemente, identificavam-se nas narrativas alguns trechos como "eu me sinto bem", "eu me sinto muito bem", "me sinto feliz" e "esqueço as doenças quando eu viajo", o que demonstra a relação direta entre as experiências geradas pela viagem e a melhora da saúde e sensação de bem-estar.

Categoria 7: Imagem pessoal e autoestima

Para contextualizar a categoria Imagem pessoal e autoestima, deve-se salientar que é possível que o idoso vivencie, ao adentrar nesse segmento ou sentir-se pertencente a ele, uma crise de identidade. Gáspari e Schwartz (2005) relatam uma possibilidade de o idoso ter a sua autoestima abalada, pois existe uma tendência à minimização da aceitação de si e da sua nova condição social. Essas questões, ainda segundo os autores, são as repercussões subjetivas apontadas como responsáveis por uma reação em cadeia que pode direcionar o sujeito à diminuição da sua autonomia, liberdade e convívio social; podendo, inclusive, interferir nos seus relacionamentos interpessoais.

Por isso, garantir a melhoria de autoestima é proporcionar ao sujeito idoso garantia de que as suas relações sociais serão otimizadas, fazendo com que eles busquem atividades que lhe deem prazer, pessoas que lhe façam bem e situações em que não se sintam constrangidos. Percebe-se, portanto, a viagem como elemento fortalecedor da autoestima e, consequentemente, elemento que garante fortalecimento da imagem positiva de si mesmo, da autonomia, do fortalecimento de laços afetivos e da sensação de mais liberdade.

Das narrativas dos sujeitos investigados, podemos retirar alguns fatos que têm relação com a melhoria da autoestima, por exemplo: a relação com a liberdade relatada por alguns entrevistados; a maturidade como um elemento positivo na fase idosa; o estímulo à atividade, movimento e autonomia; a correlação com a jovialidade, o rejuvenescimento e a energia vital; a consciência de si, enquanto sujeito que deve ser priorizado; a vaidade começa a ser estimulada, muitas vezes somente após a consciência do sujeito enquanto idoso; e a sensação de força, de vida a percorrer.

Categoria 8: Liberação das obrigações familiares

Já como descrição da nossa última categoria de análise, Liberação das obrigações familiares, temos realidades que apontam a família, ou as relações familiares, como um possível impeditivo ao aproveitamento do tempo livre, e, por vezes, limitador de experiências de lazer, como viajar. Ressalta-se, novamente, que o tempo livre, essencialmente disponível e aproveitado, exclui a obrigação familiar, assim como de outras obrigações. Sabe-se, contudo, que o idoso, muitas vezes, aposentado ou não, é sobrecarregado de funções familiares e tarefas domésticas, e (re)significar essa dinâmica é possibilitar que o idoso tenha mais tempo pra si e para as atividades que lhe dão prazer.

Explica Dumazedier (2008) que o sujeito goza dos prazeres, desenvolve de maneira interessada as capacidades do seu corpo e do seu espírito. A busca pela autossatisfação dá ao indivíduo o direito de utilizar seu tempo da forma que achar melhor e/ou mais conveniente. Porém, o que se observa, muitas vezes, através das narrativas, é que esse tempo verdadeiramente livre e esse prazer para si vêm a partir do momento que o idoso enxerga os filhos como autônomos, vê as obrigações com o(a) esposo(a) como já supridas, e tem seu rendimento disponível somente para si. Isto acontece, em alguns casos, quando os filhos se casam ou saem de casa, na separação e/ou viuvez, ou quando o idoso se aposenta ou vira pensionista.

É preciso, nesse ponto, uma reflexão sobre a educação para o envelhecimento, já que muitas vezes, mesmo como todas as condições favoráveis para se apropriar do seu tempo livre, o idoso tem as atividades escolhidas por quem não vai realizá-las, os familiares. Por vezes, o impacto é na própria autoestima do sujeito, quando ele é inibido, desqualificado ou tem sua autonomia questionada.

 

Considerações Finais

A viagem vivenciada pelo idoso assume mais do que um caráter recreacional e de divertimento, pois aparece como possibilidade existencial de integração, socialização e valorização social, assim como se pressupõe que a viagem possui significados diferentes para aquele que se encontra na fase idosa, já que ela proporciona, subjetivamente, possibilidades que geram satisfação.

A viagem assume um contexto existencial de atribuir sentido à vida dessas pessoas, de modo que resiste a ser traduzida apenas pelo deslocamento, pelo tempo de permanência e/ou local visitado, pois é entendida subjetivamente como prazer, felicidade, ânimo, experiência, novidade, vida, lúdico, aventura, luz, resgate de si, alegria, renascimento, interação, renovação e liberdade. Assim, a viagem é entendida, a partir dos achados, como uma ferramenta de fortalecimento de laços sociais, de valorização de si, de resgate da autoestima e, por vezes, de resistência.

O campo da investigação demonstrou que o idoso é cercado de possibilidades. A perspectiva que é dada a esse período de vida, as atitudes tomadas, o apoio da família e os processos de socialização contribuem significativamente para a construção de imagem positivas desse estágio etário. Por isso, refletir sobre questões de saúde e social, comportamentos, hábitos, fatores pessoais, entorno físico e social, além de questões econômicas, contribui bastante para o sentido atribuído à velhice. Nessa perspectiva, a viagem proporciona bem-estar físico, psicológico e social aos idosos, a ponto de eles esquecerem parcialmente e/ou completamente, durante a experiência de viajar, das doenças, dos problemas, dos familiares, para apenas "curtirem" e "viverem", como os idosos mesmos gostavam de registrar.

Como limitações desta investigação cita-se a quantidade de idosos entrevistados, que, por questões sociais e culturais, convocariam um universo ainda maior de narrativas, em locais diversos (cidades e estados) para que pudéssemos, efetivamente, apontar o significado da viagem para idosos brasileiros.

Além disso, destaca-se que a viagem funciona como elemento que pode direcionar a experiência de ócio para idosos. Considera-se que o ócio, na perspectiva da viagem para idosos, é um agente facilitador ao chamado envelhecimento satisfatório. A experiência de ócio para idosos contribui quando direciona o idoso a sentir-se envolvido com a vida, melhorando as relações sociais e dando sentido a atividades que estão sendo executadas por eles, atribuindo sentido à existência.

Tem-se a compreensão de que muitos são os desafios para se oferecer ao idoso, em especial, ao brasileiro, condições dignas para envelhecer, sendo necessária a efetivação de políticas públicas inclusivas e eficazes, com foco em aspectos não somente recreacionais e voltados para atividades físicas, mas com características complexas que convoquem questões sociais, físicas e também psicológicas. O idoso investigado deseja ser enxergado a partir das suas forças, das suas possibilidades e da sua potência, com respeito, dignidade e apoio que libertam, e não que aprisionam.

Com isso, espera-se que esta investigação contribua na busca constante por qualidade de vida ao idoso, de modo que o lazer e ócio vivenciado e experienciado, a partir da viagem a lazer, fomente comportamentos e atitudes mais ativos, um olhar voltado para si e novas possibilidade de bem-estar. Espera-se, ainda, que novas investigações sejam estimuladas a partir dos objetos centrais deste artigo: viagem, lazer, idoso e tempo livre.

 

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Endereço para correspondência:
Cairo Cézar Braga de Sousa
E-mail: cairocezar@yahoo.com.br

José Airton Nascimento Diógenes Baquit
E-mail: airtonbaquit@gmail.com

Karla Patrícia Martins Ferreira
E-mail: karlaferreirapsi@gmail.com

Recebido em: 31/03/2019
Revisado em: 14/05/2019
Aceito em: 06/06/2019
Publicado online: 22/08/2019

 

 

Nota sobre o artigo: O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico-FUNCAP

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