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versão impressa ISSN 0101-3106
Ide (São Paulo) vol.41 no.67-68 São Paulo jan./dez. 2019
EM PAUTA LIBERDADE, DESTINO
O destino do corpo. Nosso envelhecimento de cada dia... "dia após dia"
The fate of the body. Our daily aging... "day after day"
Rebeca Léa Berger
Psicóloga formada pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Formação em psicanálise pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. International trainer do International Institute for Bioenergetic Analysis (Associação Internacional de Institutos nos Estados Unidos e Canadá, Europa, Ásia e América do Sul) desde 2011. Membro fundador do Instituto de Análise Bioenergética de São Paulo desde 1999. Especialista em saúde pública na área da saúde mental pela (Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP), em convênio com o Centro de Estudos Franco da Rocha em São Paulo. Mestre em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
RESUMO
Estamos envelhecendo sob novas condições de longevidade e, portanto, diante de novos modos de existir. O avanço da medicina que traz soluções para doenças e dores do corpo altera a extensão do nosso tempo cronológico - o adiamento da compreensão do devir-corpo. É tempo de refletirmos sobre como avançar nosso saber e aceitar a realidade da finitude da vida, por mais que ela se estenda. É tempo de aprender, como humanidade, a conferir dignidade e conforto para as últimas etapas e processos da existência, assim como aprendermos, como humanidade, a cuidar do início da vida e a zelar pela passagem da vida infantil para a vida adulta. Os processos biológicos implicam nas mudanças de vigor e força física, e essas mudanças se manifestam nas dinâmicas das relações, nas características psíquicas e cognitivas, fazendo com que as etapas finais da existência sejam marcadas com muito sofrimento psíquico. Pensar os processos de envelhecimento como singulares e vitais, considerando a conexão corpo-mente enquanto unidade funcional, pode ser ponto de partida para as questões do humano e da sua subjetividade.
Palavras-chave: Envelhecimento. Análise bioenergética. Grounding. Narcisismo.
SUMMARY
We are aging under new conditions of longevity, and therefore we have new experiences to confront with. The advance of medicine which brings solutions to diseases and body aches brings the extension of our chronological time - the postponement of body's destiny. It is time to reflect on how to advance in our knowledge to accept the reality of the finitude of life, however much it extends. It is time to learn, as humanity, to know how to bestow dignity and comfort on the last stages and processes of existence, just as we have learned in the last century, as humanity, to take care of the beginning of life and to take care of the passage from childhood to adulthood. Biological processes imply changes in vigor and physical strength, and these changes manifest in the dynamics of relationships, psychic and cognitive characteristics, and the final stages of existence have been marked till nowadays by much psychic suffering. Thinking of aging processes as singular and vital processes, considering the mind-body connection as a functional unit can be a starting point for the questions of the human and his subjectivity.
Keywords: Aging. Bioenergetic analysis. Grounding. Narcissism.
Estou convencida de que a teoria e as técnicas utilizadas pela análise bioenergética oferecem um instrumental valioso para acessarmos nossos recursos internos criativos em qualquer idade. Acredito numa inteligência interna essencial, inerente ao ser, característica do nosso fluxo vital, e essa inteligência básica eu a imagino fluindo como a água que não para, contorna, envolve os obstáculos, passa pelos caminhos livres. Penso que já é tempo de a velhice ser tomada como parte de um contínuo da vida. A vida tem começo, meio e fim, como um processo, e estar vivo implica em envelhecer dia após dia.
Algumas vidas terminam muito cedo e outras acabam depois de muitos e muitos anos, e esses muitos anos deveriam poder ser vividos todos com qualidade e dignidade, fato que nós - a humanidade - ainda não aprendemos a fazer. Nossas ciências e práticas de saúde começaram, apenas muito recentemente, a organizar saberes e a mudar paradigmas sobre as necessidades das etapas que denominamos velhice. Ainda engatinhamos em busca de estratégias e metodologias para cuidarmos das últimas etapas da vida com dignidade e total compreensão das nossas necessidades reais.
A abordagem que Alexandre Lowen faz da neurose traz em seu fundamento a compreensão de que vivemos uma era narcisista: nossa cultura está voltada para exigências determinadas por idealizações que muitas vezes se opõem à realidade da nossa natureza, que desconsideram a realidade de nossas necessidades psicobiológicas e emocionais. Queremos ser eternamente jovens, nunca falhar, ser sempre o melhor, o maior o mais bem-sucedido, e para tanto negamos ou nos defendemos de nossas vulnerabilidades humanas. No processo de nos defendermos - que começa no berço -, ao mesmo tempo que estruturamos nossa capacidade para sobreviver atendendo às demandas das idealizações, sufocamos também nossa força vital no processo de negação e controle das emoções, sentimentos e sensações relativos à nossa vulnerabilidade humana.
No processo de desenvolvimento psicossomático, padrões de respiração e articulação muscular se constituem para sustentar nossa imagem idealizada. A análise através do discurso sustentado pela análise da função emocional da respiração e da estrutura muscular - a estratégia terapêutica da análise bioenergética - nos coloca em contato com nossas dificuldades, com nossos sofrimentos, com nossos medos. Através da expressão em um ambiente seguro, a frustração pode ser elaborada e pode-se entender onde e como a ilusão possivelmente está sufocando nossa vitalidade.
Na velhice, nossa força física cai, a estrutura muscular que sustentava nossas defesas se enfraquece e nos sentimos vulneráveis e "sem chão". Penso que a estratégia terapêutica de contato com a realidade - do self corporal, do mundo exterior e do outro - que fundamenta a análise bioenergética é valiosa na abordagem das questões que surgem nessa etapa de vida.
Isso implica em organizarmos nossas vidas orientados pelo self para podemos encontrar novos "chãos" (grounding é o conceito da bioenergética que expressa a ideia de "ter chão"). No contato com a realidade das limitações, supõe-se a possibilidade de encontrarmos novos caminhos.
Perder a força física é fato, a diminuição da capacidade auditiva pode ocorrer, a redução da visão pode acontecer, artroses podem atrapalhar nossa velocidade; uma série de mudanças físicas e fisiológicas fazem parte do processo do ser vivo (que tem começo, meio e fim), mas uma série de outras perdas são mitos que a nossa sociedade obcecada pela ideia de eterna juventude transforma em verdades absolutas. A capacidade de aprendizagem não precisa diminuir.
É mais do que tempo de refletirmos sobre os processos de envelhecimento, pensando-os como decursos singulares e vitais. Em 1970, Simone de Beauvoir aborda o tema do envelhecimento com uma obra exaustiva sobre as condições dos que envelhecem nas sociedades atuais e nas primitivas. Tanto em seu trabalho como em trabalhos subsequentes fica evidente que a situação dos idosos nas sociedades tradicionais e nas organizações econômicas e sociais anteriores ao capitalismo moderno não era mais humana do que na atualidade.
As soluções práticas adotadas pelos primitivos com relação aos problemas que os velhos lhes colocam são muito diversas: pode-se matá-los, deixar que morram conceder-lhes um mínimo vital, assegurar-lhes um fim confortável, ou mesmo honrá-los e cumulá-los de atenções. Veremos que os povos ditos civilizados lhes aplicam os mesmos tratamentos: apenas o assassinato é proibido, quando não é disfarçado. (Beauvoir, 1970/1990, p. 108)
A humanidade ainda não aprendeu a tratar de maneira humanizada seu próprio envelhecimento. No entanto, na contemporaneidade, as sociedades começam a ter recursos advindos de várias áreas do conhecimento para olhar de modo mais humanizado os problemas e conflitos que a realidade do envelhecimento nos coloca. Os aspectos da crueldade de um sistema social e a dor por ela provocada concretamente recaem sobre indivíduos. Isso é verdade em qualquer fase da nossa existência, mas aqueles que alcançam as fases mais adiantadas de envelhecimento chegam nesse ponto de maneira mais fragilizada organicamente e, portanto, incapazes de defesa, assim como os bebês - mas estes a natureza se encarrega de dotar da sedução vital que mobiliza os adultos para o seu cuidado e proteção. Aceitar com indiferença o sofrimento diante de condições de carência e indignidade no tratamento dos velhos de hoje e considerar isso como fenômeno imutável é garantir para nós esse mesmo destino. É através da busca de soluções nos sistemas das sociedades humanas que chegaremos ao envelhecimento digno de nossa condição humana.
O envelhecimento na sociedade atual, no Brasil, vem acompanhado de condições e "know-how" que certamente não existiam na França do período em que Simone de Beauvoir escreveu A velhice. No entanto são pequenas as diferenças nas atitudes que, embora apontem para um futuro melhor, ainda não diminuem substancialmente a crueldade do ponto de vista psicológico, social e material que recai sobre os velhos.
Os sentimentos depreciativos e fóbicos sobre a velhice são introjetados pela cultura e na cultura. As mudanças que existem na atualidade dizem respeito muito mais ao adiamento do que se considera o início da velhice. Existem mudanças positivas, tanto da capacidade médica para resolver problemas quanto na filosofia de vida diante do envelhecimento. Contudo essas mudanças ainda não foram integradas pela sociedade como um todo, na maneira como se compreendem as necessidades dos indivíduos que envelhecem e mesmo nas políticas sociais, ainda que a questão dos idosos já esteja incluída nas pautas das discussões políticas, mesmo que já existam programas na saúde pública e ainda que esteja sendo extensamente tratada pela mídia.
No trabalho Corpo, imagem e subjetividade: envelhecimento como processo vital, refleti sobre o envelhecimento do ponto de vista da análise bioenergética, enfatizando a importância de levarmos em conta o fato de que vivemos em uma sociedade narcísica que reforça o consumo de estilos de vida direcionados por imagens desconectadas do self corporal.
A força muscular e o estado do corpo esquelético definem nossa aparência, que concorda com a ideia de potência, juventude e beleza até determinado momento da vida. Com o declínio da força muscular, a imagem antes sustentada se torna incongruente e não contempla mais as demandas narcísicas. Nesse cenário surgem as questões de ordem existencial: "Quem sou eu, que já não correspondo mais ao que é socialmente valorizado? Quem sou eu que já não posso mais me definir a partir do olhar apreciativo do outro e, portanto, de mim mesmo? Quem sou eu que já não sou mais desejável pelo outro?". Adoecemos, assim, em parte pelas perdas miticamente atribuídas ao envelhecimento. As aquisições da juventude assumem um valor definitivo: nascemos, desenvolvemos e amadurecemos funções, chegamos ao auge de nossa potência e depois... fala-se apenas em perdas.
O termo envelhecimento, como adoto, denota o processo da vida em uma concepção que faz parte do ciclo completo do vivo. Morrer sem completar o ciclo é o que todo organismo vivo evita.
Beauvoir já havia observado o sofrimento da geração que envelhece e a desconexão com a geração dos mais jovens:
O velho permanece em atitude de defesa mesmo quando todas as garantias de segurança lhe são dadas, porque não tem confiança nos adultos: é sua dependência, que ele vive sob a forma da desconfiança. Sabe que os filhos, os amigos, os sobrinhos, que o ajudam a viver - financeiramente, ou cuidando dele, ou hospedando - podem recusar-lhe essas ajudas, ou restringi-las; podem abandoná-lo ou dispor dele contra a sua vontade: obrigá-lo a mudar de residência, por exemplo, o que é um dos seus terrores. Conhece a duplicidade dos adultos, teme que lhe façam favores em nome de uma moral convencional, que não implica respeito, nem afeição por ele; tratam-no - pensa - de acordo com os imperativos da opinião: esta última pode ser contornada, ou contar menos que certas comodidades. As desgraças que o velho teme - doença, deficiências, aumento do custo de vida - são tanto mais temíveis quanto susceptíveis de acarretar mudanças nefastas na conduta de outrem. Longe de esperar que seu irreversível declínio natural seja sustado ou compensado pelo comportamento de seus parentes ele suspeita que estes últimos precipitarão o curso desse declínio: por exemplo, se ficar muito cheio de deficiências será colocado no asilo. (1970/1990, p. 570)
Outra autora, Guita Debert, identifica a tendência de se ver o velho numa situação de pauperização e abandono, em que é a família que precisa arcar com o peso da situação. Nesse cenário, embora seja descrita uma realidade que de fato existe, encontramos um campo fértil para o crescimento, enraizamento e cristalização de estereótipos da velhice: um período de retraimento por causa de doença e de pobreza, uma situação de dependência e passividade. Mas Debert (1999) escreve também sobre a tendência que surge de se apresentar os idosos como pessoas ativas, capazes de inventar e reinventar respostas para os desafios do seu cotidiano, capazes de redefinir sua experiência de vida e se contrapor aos estereótipos ligados à velhice.
Essa forma, embora positiva, por outro lado pode também levar ao viés de padronizar a imagem do que "todo velho" deveria ser. Envelhecer não é um processo que nos torna todos iguais. Envelhecemos como vivemos, das mais diferentes formas, nas mais diversas circunstâncias materiais, culturais e psíquicas. Um aspecto é comum: desde a Antiguidade, falamos do sofrimento, do medo e da atitude de evitar a velhice.
A velhice, numa visão antropológica, deve ser pensada como um fato ao mesmo tempo natural e cultural. A cientista social Elizabeth Mercadante se ocupou do tema da construção da identidade e da subjetividade do idoso e diz que
é natural e, portanto, universal se apreendida como um fenômeno biológico, mas é também imediatamente um fato cultural na medida em que é revestida de conteúdos simbólicos, evidenciando formas diversas de ação e representação [...] um corpo biológico pode envelhecer das mais variadas formas, tendo em vista as diferenças socioculturais. (1997, pp. 3-4)
Hoje podemos pensar que o processo de desenvolvimento humano individual não precisa parar diante do desgaste biológico que ocorre ao longo dos anos. O campo teórico começa a considerar que verdades (valores e significados) culturais constroem inclusive realidades somáticas. Lévi-Strauss, em um artigo de 1949, já fala em eficácia simbólica, em que a crença em algumas circunstâncias tem força sobre a realidade. Um membro da tribo que se cura pelas palavras de ritos do seu pajé é um exemplo de eficácia simbólica. Outro é o da senhora judia que acredita merecer o castigo de morrer - por ter recebido como transplante em seu organismo um órgão de porco -, apresentando sintomas físicos graves dos quais se recupera completamente depois de conversar com seu rabino. O fenômeno conhecido como "efeito placebo" também é um exemplo de eficácia simbólica. Pensando nas representações sociais negativas do envelhecimento e da velhice, uma pessoa pode ter sua autonomia motora, capacidade cognitiva e potência vital comprometidas pela ação da crença na verdade cultural de que após certa idade isso tem que acontecer.
Segundo os conceitos da análise bioenergética, nossa constituição psíquica ocorre a partir do self corporal. Os primeiros anos de vida são de estruturação e organização de funções que dão sustentação à ação no mundo através da constituição do ego. Nessa noção de desenvolvimento psíquico, a teoria bioenergética identifica e diferencia o self de um falso self. A ação direcionada por imagens mentais desconectadas da realidade corporal cria uma condição existencial específica que denominamos de realidade de um falso self. Este se define em contraposição à condição existencial e à ação direcionada pelo self, com base em necessidades que se apoiam na realidade corporal - na qual se inclui a percepção e a consideração de si mesmo e do outro no mundo.
A psicologia do desenvolvimento em geral descreve as etapas infantis, atribuindo uma idade a cada acontecimento físico e/ou psíquico. As descrições do desenvolvimento infantil são úteis e necessárias, mas não bastam para nos ensinar sobre a singularidade de cada bebê. Não é suficiente para revelar o milagre vital que é um bebê. Abordar o envelhecimento dessa mesma forma generalizante, em etapas, pouco revela sobre o milagre que é o ciclo completo da vida.
O envelhecimento (como conceito e termo aqui utilizados), é o processo da vida inteira. É o próprio movimento vital: inicia-se com a vida e finaliza com ela.
Messy (1999) diferencia o termo velhice de envelhecimento. Para ele, velhice é a ruptura no processo de envelhecimento e não tem data marcada, independe da idade cronológica ou das condições biológicas e não é obrigatória. Não é inerente ao ciclo vital essa ruptura que se manifesta repentinamente num dia específico em que começamos a envelhecer. Não é definida por uma idade comum, tampouco por um mesmo acontecimento. Pode ser tudo e qualquer coisa. Essa ruptura pode ocorrer por uma perda que a pessoa não conseguiu elaborar.
Pode existir um momento de ruptura na consumação do envelhecimento - não cronológico e não genérico -, no qual o ego se desorganiza, enquanto perda de controle sobre a sua unidade corporal. É um momento de ruptura do ego ou de quebra da relação do ego com as imagens que o constituem, trazendo a possibilidade de irrupção da senilidade. Diferentemente dessa visão, o estereótipo social prevê, inevitavelmente, essa ruptura. Portanto nosso imaginário contém esse fantasma que aparece, em medidas diferentes, em todos nós, como o momento em que perderemos o controle de nós mesmos, de nossas ações e atividades e antecipamos a velhice sob a forma de um espelho fragmentado - uma referência à antecipação que a criança faz do seu futuro grandioso na fase do espelho -, forma que resulta da projeção e introjeção do olhar social e que se reflete na experiência das pessoas como a imagem do ego feiúra, que vem usurpar o lugar do ego ideal.
Nesse aspecto, decorre do estereótipo da velhice - que contrapõe a imagem do velho, como negativa, sempre em contraste com a imagem do jovem, sempre positiva - um movimento psíquico defensivo, maníaco ou depressivo. O movimento defensivo consiste em colocar a senilidade no outro sob a forma de apontar que o vizinho, colega ou parente está ficando "gagá", o que garante a quem fala que ele não faz parte do universo de pessoas "gagás". O movimento depressivo consiste em antecipar em si a senilidade testemunhada no outro. Ambos os movimentos apareceram no discurso coletivo da sociedade sob a forma de, por exemplo, fazer um gesto indicativo de birutice - dizer que acha que o outro está confuso ou o medo de ficar como o outro, que lhe parece senil.
A negação do envelhecimento ou a depressão e melancolia são radicalizações antagônicas diante das mudanças sutis, porém inexoráveis, que ocorrem por estarmos e continuarmos vivos. Tanto a negação como a melancolia representam a ausência de um novo grounding (um novo enraizamento) na situação existencial recente: ausência da possibilidade de projetos ou novos modos de existir com as transformações.
O que viria a ser recentes enraizamentos ou novos modos de existir? É a capacidade de reconhecer, aceitar e solucionar dificuldades e situações que são vividas como restritivas e limitadoras, com base em um novo paradigma diferente da forma conhecida como vinha sendo feita.
Os próprios termos "limitações" ou "perdas", quando se referem às características acarretadas pelo processo da existência - envelhecimento -, conotam em si a existência de um modelo único ideal de existir: ser jovem com todas as características psicossomáticas presentes nessa fase (potência sexual, força muscular, acuidade dos sentidos, entre outras).
O contato com a limitação paradoxalmente leva ao contato com os recursos para uma solução. Essa posição filosófica também corresponde a uma realidade psicossomática. O mecanismo de negação de um fenômeno exige para sua manutenção um gasto de energia psíquica e, portanto, somática, significativa. O empenho para manter o mecanismo da negação, que é inconsciente, resulta na restrição da mobilidade. Para a negação ser mantida, é necessário que toda uma cadeia de associações de temas, que pode levar a pessoa ao contato com o evento, seja evitada. Por isso a mobilidade psíquica e afetiva se restringe. Ao contrário do mecanismo de negação ou de qualquer outro mecanismo elusivo, o contato com as dificuldades libera o fluxo energético. Reinventar a vida significa superar momentos de dificuldades, não por meio de sua remoção, mas aceitando-o, permitindo o fluxo de energia na dificuldade, o que possibilita o contato com recursos internos conhecidos e/ou desconhecidos que se revelam no processo.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência:
REBECA LÉA BERGER
Rua Edgard Cavalheiro, 83
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Recebido 16.06.19
Aceito 29.06.19