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versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.41 no.67-68 São Paulo jan./dez. 2019

 

EM PAUTA LIBERDADE, DESTINO

 

O surrealismo do filme A idade do Ouro: uma leitura psicanalítica1

 

The surrealism of the film The Golden Age: a psychoanalytic reading

 

 

Christiane CarrijoI; Camael Gomes de LimaII; George Miguel Thisoteine Caldeira Menezes FreitasIII

IProfessora doutora-adjunta do departamento de psicologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru
IIGraduando em psicologia pela Unesp de Bauru
IIIBacharel em psicologia pela Unesp de Bauru

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A relação da psicanálise com o cinema é discutida a partir das imagens e da narrativa do filme A Idade do Ouro, de Luis Buñuel, por ele produzir uma série de estranhamentos e por trazer a dimensão do espectador para a cena da interpretação. O discurso psicanalítico abre a possibilidade de reflexão sobre o filme, porém sem limitar a obra de arte a uma interpretação unívoca do material apreciado - deseja-se ressaltar a dimensão da experiência do sujeito submetido ao filme. A quebra da lógica linear das imagens, presente na produção fílmica surrealista, auxilia a dar destaque aos significantes e a dimensão irracional, imprescindíveis para a psicanálise.

Palavras-chave: Psicanálise. Surrealismo. Cinema. Desamparo. Violência.


SUMMARY

The relationship between psychoanalysis and cinema is discussed from the images and narrative of the film The Golden Age, by Luis Buñuel, since it produces a series of oddities and brings the dimension of the spectator to the scene of interpretation. The psychoanalytic discourse opens the possibility of reflection on the film, but without limiting the art work to a single interpretation of the material appreciated - we want to emphasize the dimension of the experience of the subject submitted to the film. The rupture of the image's linear logic, present in the surrealistic film production, helps to highlight the signifiers and the irrational dimension, that are essential for psychoanalysis.

Keywords: Psychoanalysis. Surrealism. Cinema. Helplessness. Violence.


 

 

Introdução: psicanálise e cinema

A história da psicanálise com o cinema é marcada por casamentos e rupturas. Nessa trajetória, ao lado do cinema, ficou marcante o apelo à caricatura do psicanalista ou do exagero da relação clínica (Birman, 1996). A psicanálise, por sua vez, também esteve envolvida de maneira problemática com o cinema, como, por exemplo, quando peca, até hoje, pelo excesso das interpretações reducionistas e que muitas vezes apelam à alusão da sexualidade reprimida do artista como fonte ou registro primário presente nas obras, incluindo as produções da sétima arte (Frayze-Pereira, 2005; Rivera, 2002; Rivera, 2008).

Assim, a história da psicanálise com o cinema, que repete a postura presente da psicanálise com a arte, em geral sempre se deu com muito atrito produzido por ambos os lados; artistas, diretores, roteiristas e psicanalistas parecem não conseguir entrar em acordo sobre como interpretar. Enquanto que o artista procura valorizar a função poética de sua criação, os psicanalistas buscam encontrar algum sentido, algo que prenda a expressão ao conteúdo criado, o que poucas vezes é feito sem críticas contundentes. Seria possível dizer que os psicanalistas procuram exprimir uma metalinguagem da obra? Se respondermos afirmativamente, isto levaria a crer que essa função seria mais presente ou articuladora do discurso interpretativo. Ao se produzir um discurso explicativo/ interpretativo sobre o filme, pode-se setorizar as possibilidades de sentido deste, o que acaba com a pluralidade presente na função poética do discurso.

Jacques Lacan (1971-1972/2012) já apontava que não existe metalinguagem, querendo dizer que não há como fazer uma linguagem única que se use como referência. Desse modo, acompanhando a posição de Lacan, não concordamos com a possibilidade de usar o discurso psicanalítico para produzir uma interpretação que dê conta de explicar univocamente qualquer material, quanto mais uma obra de arte.

Para a psicanálise, o sujeito cria, a partir do seu discurso, uma realidade, estruturada por uma lógica fantasmática, que passa a ser o meio pelo qual ele tem entrada na realidade partilhada (Kaufmann, 1996). O significante é o que na fala é tomado com valor de significado; ele é a imagem própria do sujeito, a qual, sendo impartilhável, fica retida no tesouro de seus significantes, o próprio inconsciente (Andrès, 1996). Acessar o inconsciente é impossível. No entanto a análise leva a algo a que o Eu diz sobre si mesmo (sobre o Isso), assim, a experiência analítica se constitui como uma vivência estética que se impõe no dito (no apercebido) do sujeito. As consequências de levantar esse ponto poderiam ser muitas, uma vez que extrapola do campo psíquico o efeito da análise para o campo estético, mas, neste ensaio, somente iremos elaborar brevemente a comanda de um discurso particular coerentemente estruturado (Lacoste, 1996; Lascault, 1996). Esse discurso interessa à psicanálise, uma vez que pode tratar de como o sujeito lida com os seus atos falhos, paroxismos e contradições.

Concluída uma exposição breve de como entendemos ser mais adequado propor uma aproximação da interpretação psicanalítica com a arte, retomamos Glen Gabbard (1997), que fez uma retrospectiva de como se deu, historicamente, a entrada dos psicanalistas no cinema e de como a psicanálise se desenvolveu no campo das interpretações cinematográficas. Segundo Gabbard, teríamos a explicação dos aspectos mitológicos subjacentes à cultura, o filme como reflexo da subjetividade do seu criador, o filme como uma expressão de um momento universal do desenvolvimento ou de crise do psiquismo, a aplicação do trabalho do sonho de Freud ao filme, a análise da condição de espectador, a apropriação de conceitos psicanalíticos pelo criador do filme e a análise dos personagens da narrativa2. A condição que fala da análise da visão do espectador foi escolhida para alinharmos este trabalho, e seguirmos com nossa interpretação.

Desse modo, escolhemos o filme Idade do Ouro (1930), de Luis Buñuel, que impacta pelas imagens e produz uma série de estranhamentos pelo decorrer de suas cenas. A concatenação produzida ao assistir ao filme, causa no fim certa indignação, podendo até se encaminhar para um desprezo para com o diretor (estabelecendo que ele seja a figura de autoridade mais imediata). Esses aspectos trazem rapidamente a dimensão do espectador para a cena da interpretação. O que também aponta para como esse sentido é criado; que tipo de técnica está por traz de um efeito tão abrupto e o que se constitui como significativo para o espectador que sofre esse impacto.

Tania Rivera (2008) entende esse impacto das imagens sobre o espectador no cinema de duas formas possíveis: por meio das (i) imagem-muro e (ii) imagem-furo. O primeiro é de uma dimensão sem falhas - ela é uma imagem que a autora adjetiva como antianalítica, já que não permite ao espectador se pensar; o segundo, no entanto, descreve um tipo de imagem que coloca o espectador em questão a se pensar, provocando, por vezes, uma sensação vertiginosamente poético-trágica.

Ao colocar um filme, como o de Buñuel, na dimensão imagética apontada por Rivera, põe-se necessário apontar também a singularidade e até a idiossincrasia para sua compreensão. Não se trata mais de dar uma interpretação absoluta para a intenção do diretor ou de desvelar o sentido inconsciente ao filme. A dimensão da experiência do sujeito deve ser ressaltada, assim como assinala Jacques Lacan em "Ciência e verdade", a verdade de uma interpretação só pode ser dita a partir de um meio de dizer sobre o que se toma como verdade.

 

Surrealismo, raízes e efeitos outros

Luis Buñuel (1900-1983), nascido em Aragão, na Espanha, e eternamente marcado pelas contradições dessa cultura, fez parte da primeira vanguarda de dadaístas-surrealistas (Micheli, 2004). Filiando-se, inicialmente, ao colega de universidade Federico García-Lorca, a André Breton e, por fim, a Salvador Dalí, entrega-se totalmente ao movimento surrealista. Um movimento que se organiza das universidades para os cafés e as ruas.

Para os surrealistas, Sigmund Freud é o estandarte de uma nova era, na qual o irracional poderia então ter lugar na sociedade (Rivera, 2002), por isso André Breton, em 1928, publica seu intitulado "Manifesto Surrealista", texto esse que funda um método/técnica (expressão do automatismo psíquico), uma ética (o eterno é o que constitui as pessoas) e o projeto surrealista que poderia se estender para outras formas de expressão humana, o que historicamente chegou às reformas sociais, até tomar conta da cultura popular francesa (Alpendre, 2012; Machado, 2012; Nazario, 2012).

Um filme surrealista de certo modo era feito para chocar de fato, como bombas atômicas, tornando o desamparo o destino certo ao qual o espectador deveria ser conduzido (Alpendre, 2012; Machado, 2012). Mas é importante destacar que não se tratava de lançar o espectador ao desamparo como que para mostrar-lhe como a linguagem não acessa de forma total a obra de arte. O movimento surrealista também tem, além das influências freudianas, raízes no impressionismo, dadaísmo e no marxismo (Micheli, 2004).

O impressionismo é uma escola que surge em uma Europa onde o oriente começa a ressoar em seu território. O neocolonialismo exercido por países europeus passa a criar uma ponte cultural que trará a apropriação ou, num outro sentido, uma expropriação de aspectos arquitetônicos e morais para cidades como Paris, Berlim, Weimar, Lisboa, Londres, entre outras (Gombrich, 2012). Essa importação cultural trará uma certa instabilidade, um estranhamento social, que o impressionismo compra como aposta para a inovação do campo da técnica e da arte.

O marxismo é uma influência herdada indiretamente do dadaísmo, mas que só veio a se tornar expressiva no próprio surrealismo. O "dadá" surge de um grupo de desertores da Primeira Guerra Mundial, que não viam sentido em sustentar uma guerra por disputas comerciais entre países dominados por elites burguesas. Desse modo, o campo artístico se renovou numa forma que agora era possível criticar o sistema como articulação para a produção da arte. Todas as influências são expressas em diversos momentos do filme, às vezes mais manifestas, em outros momentos mais latentes.

Por fim, com o intuito de começar a trabalhar com o filme, ainda entendemos um último fato histórico como importante de ser relatado. L'Âge d'Or é uma continuação do curta-metragem Cão andaluz (Un chien andalou), de 1929. O desejo de uma continuação do filme vem da aposta que o casal aristocrata Charles e Marie-Laure de Noilles fazem sobre a criatividade de Buñuel em produzir imagens. Apesar dessa aposta, ao término da estreia, dizem os relatos, o público já se encontrava inquieto. Quando chegou às ruas, destruiu lojas e criou um clima de anarquia e grande violência aos arredores do cinema, até a dispersão policial (Buñuel, 1982/2014). Sendo que, nos dias seguintes, nos arredores do cinema, os anarquistas ainda criavam certo tumulto por conta das sessões, até que, pelos próximos cinquenta anos, o filme foi proibido de ser transmitido, na França.

 

Trabalho com os significantes: a quebra da lógica linear das imagens

Dessa forma, abre-se um caminho para pensar em alguns significantes que se sobressaem no filme: a violência, a perseguição e o desamparo, principalmente. Esses significantes, a partir de nosso caminho, se tornaram constantes e marcantes no enredo do filme. E, um aviso a todos, entendemos que qualquer tentativa de formalização das cenas nos distanciará do objeto em questão, que é o surrealismo, e o deixará tosco, o que retirará o foco da análise (Acioli, 2012).

Essa marca é tida para nós, espectadores, como nonsense, como uma perda do filme. Buñuel, como bom surrealista que era, procura dar forma à perda repetitiva, incessante e velada que ocorre no automatismo psíquico. Ao mesmo tempo, as imagens do filme e a sequência das cenas nos obrigam a produzir algum sentido, que transcenda esse nonsense velado construído por Buñuel.

Existem vários elementos no filme que aparecem deslocados, de uma forma que não é mais possível determinar o conteúdo originário deles. Os padres rezando nos rochedos, o bloco de fundação da cidade (de material desconhecido), o casal se atracando sexualmente, o cartaz sobre o propagandista de rua, o homem chutando o violino, o rosto da protagonista em regozijo no divã, a cena da vaca deitada, a espontaneidade do protagonista em chutar um cego antes de entrar no táxi, o guarda atirando na criança, a carroça que passa no meio da festa, a cena da protagonista chupando o dedo da estátua e, por fim, o aparecimento da figura de Jesus em uma orgia dos maiores bandidos da época. Essas cenas pouco se articulam umas com as outras, são algumas das imagens que fazem algo cair e que se sobrepõem a história de fundo, trazendo o nonsense burneliano. Ficam como marca do significante do diretor, que para nós é destacado como centro da cena e que não aprofundaremos em uma interpretação geral.

Algo também cai ao espectador diante dessas cenas. Nesse momento, somos jogados, pela cena, a tentar recuperar alguma coisa. Isso é reproduzido pelo filme de forma "repetitivada". Repetição que fica anunciada desde o começo. O escorpião representa o ódio, a violência e a vingança (Chevalier & Gheerbrant, 1999), ou seja, está em jogo no filme, desde o começo, a destrutividade. O protagonista se constitui no filme como um grande sádico, alguém que infringe sofrimento ao outro tirando prazer e que, para além disso, é condição para que possa prosseguir. Isso fica explícito em como ele reage aos guardas, no momento em que chuta o cego, quando xinga o seu superior ou quando ele dá um tapa na cara da mãe da protagonista.

Mesmo o impulso sexual erótico presente, construído entre os protagonistas, em especial pela figura da protagonista, se sobrepõe a um contexto de violência produzida. Violência que, no filme, retoma o sadismo do protagonista como vingança e puro ódio. Mesmo nos momentos de sexualidade, parece ocorrer um atracamento entre os personagens - como ocorria entre os escorpiões, uma necessidade de uso do outro para retirar o máximo de satisfação, independentemente das condições que o outro tenha para dar. Isso ocorre por que a protagonista tem um sentido inverso, pois produz situações onde essa violência fica tamponada. Assim, como a pulsão de Eros que dá forma à destrutividade irreal da pulsão de Tânatos, o sadismo tenta se fazer pleno pela protagonista que prende seu amante violento no ato sexual. Isso dura até que, no fim do filme, ela encontra algo que lhe satisfaça no lugar do antigo objeto.

Porém a violência no filme ultrapassa o âmbito dessas duas personagens. No seu decorrer, podemos identificar momentos que parecem de uma irrupção dessa violência, dessa vingança e desse ódio. Destacamos a seguintes cenas: dos escorpiões; a morte dos milicianos; a histeria coletiva do grupo de burgueses contra o casal; o guarda matando o menino; e o castelo onde os quatro maiores bandidos do mundo estão com Jesus, fazendo o que quiserem, e somente este saí com vida. A seguir trataremos de cada uma dessas cenas.

Os escorpiões também são a representação de uma dimensão humana que transpassa todo o filme. Eles se envolvem um com o outro, se atracando em uma espécie de dança de acasalamento, que para nós fica mais como uma agressão das duas partes. Apresentando essa relação dual entre agressão e erotismo, tendo como fator primordial a calda e as pinças, que cumprem papel de comunicação e defesa.

Os milicianos, que apresentam alguma expressão de vida, algo como um último suspiro que, de forma quase delirante, têm de cumprir o seu destino, o de pôr em prática uma vingança. No entanto a força que os constitui também é a que os destrói, marcando o fim, um por um, dos soldados até a derrota total. Eles nunca chegariam a saber se detiveram ou não os padres! É uma cena construída de forma interessante, na qual cada soldado vai morrendo, se desfazendo e levando consigo a sua imagem, o que chega ao ponto do encontro com o nada do último deles.

Continuando a sequência das primeiras cenas do filme, temos o episódio da histeria coletiva do grupo de burgueses contra o casal, na lama. Essa cena representa um ataque materializado dos valores morais da família burguesa contra a expressão do desejo sexual humano. Não só ocorre uma intrusão na relação dos protagonistas, como os policiais presentes levam o protagonista, como se fossem prendê-lo. Uma ação que a partir daí o revela violento de forma inconstante e vingativa.

Apesar de serem, visualmente, muito expressivas, as duas últimas cenas guardam um caráter marcante, em especial pela irrupção e violência. A primeira, a cena onde o vigia, após beijar uma criança de uns 7 anos e ter o que parece ser seu fumo derrubado por esta, toma o rifle e a atinge de forma certeira. A queda do menino é imediata, e o som do rifle não consegue abafar, no espectador, a imagem da criança caindo. Curiosamente, nesse momento, toda a pompa e gala presentes na mansão do pai da protagonista, os convidados saem à varanda e, ao confirmar "mais uma morte em Roma...", retornam para a sua confraternização.

Por fim, destacamos a cena final do filme: um castelo em um penhasco (um indício de perigo já no anúncio da cena), de onde sai Jesus. Esse personagem, que em um primeiro momento poderia causar certo ar cômico ao filme, vem acompanhado da descrição de que lá havia quatro dos maiores bandidos, os quais naquele dia fizeram de tudo que desejavam e, que no fim, somente um deles sobreviveu: Jesus. Também foi anteriormente anunciado que se tratava de uma grande orgia, com grandes atos e performances, que levaram ao fim esses grandes bandidos e outras incontáveis pessoas.

Essas cenas marcam uma apoteose que o filme constrói ao longo da exposição. Esse efeito causa em nós, invariavelmente, uma sensação de desamparo ao longo da obra, seja por conta dos choques morais particulares, mas, principalmente, pelas imagens que de uma forma excitante causam impacto sobre a percepção e a quebra da lógica linear que a constitui.

Talvez, a sensação de desamparo produzida no espectador possa articular de forma interessante os demais efeitos significantes que o filme provoca. O desamparo pode ser produzido por um excesso de excitação, o que provocaria um desprezo tão grande que o sujeito seria jogado em um estado próximo ao de um desespero traumático (Hanns, 1996). No enredo do filme, a perseguição ao sexo é imposta, a qual é certamente violenta e exige uma participação do outro para além da tela (no qual o público é colocado em meio a um jogo de identificações), o que leva o público a afundar em uma angústia de não poder aterrar o desejo ou, no caso dos protagonistas, até que chegue ao fim do filme, e isso marca muito bem a que ponto pode chegar a tão caçada satisfação sexual.

Para Marin (2002), existe a hipótese de que pessoas possam cometer atos violentos, destrutivos, quando expostas ao desamparo, na busca desesperada da preservação de um Eu. Poderíamos fazer uma hipótese: a de que os personagens são tomados constantemente de estupefação, num coroamento do desamparo vivido pelo espectador.

Assim, seguindo essa ideia, o filme constrói dois momentos para o protagonista: o primeiro quando ele sai com a cara coberta, após a protagonista "o trocar" pelo maestro, e a cena seguinte, em que ele joga todas as coisas e mais um padre pela janela de um quarto. Ambas as cenas retratam uma reação própria do momento do desamparo, no qual, o sujeito, em meio a um transbordamento de energia interna (no primeiro caso do protagonista) e num ataque externo (no segundo caso do protagonista), necessita descarregar ou conter essa entrada.

 

Considerações finais

Pensamos o filme a partir da análise da condição de espectador (Gabbard, 1997) como maneira de dar destaque às imagens surrealistas e nos sensibilizar para a dimensão do sentir, numa ênfase estética, e, também, indagar à psicanálise os significantes suscitados no ato de olhar, como uma provocação às representações inconscientes. Associações, justaposições, uma significação que escapa à racionalidade do espectador e imagens isentas de definições estáveis marcam a narrativa de A Idade do Ouro e exemplificam, de certa maneira, a potência poética e subversiva do surrealismo.

Se o cinema conduz o espectador a navegar na corrente da imagem e do sonho, a psicanálise marca o filme e o onírico com o parentesco do campo imaginário, enquanto, ao mesmo tempo, "o cinema é a arte do real e a psicanálise é o tratamento do real pelo simbólico" (Dunker & Rodrigues, 2013, p. 17). Numa imagem furo, A Idade do Ouro mobiliza nosso mal-estar e estranhamento e se confirma como um marco cinematográfico da produção fílmica surrealista.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
CHRISTIANE CARRIJO
CAMAEL GOMES DE LIMA
GEORGE MIGUEL THISOTEINE CALDEIRA MENEZES FREITAS
Rua Rio Grande, 308/132
04018-000 – São Paulo-SP
tel.: 11 94949.9387
georgemtcmf@gmail.com

Recebido 28.05.2019
Aceito 29.06.2019

 

 

1 Inicialmente apresentado na Conferência "L'Âge d'Or" (Idade do Ouro), realizada pelo projeto de Extensão Seminários de Psicanálise e Saraus Artísticos, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru, em parceria com o Conselho Regional de Psicologia – 06, Sub-sede de Bauru, na data de 8 de abril de 2017.
2 As divisões foram feitas a partir de uma tradução livre das seções do artigo de Gabbard proposta pelos autores deste artigo.

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