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Junguiana

versão On-line ISSN 2595-1297

Junguiana vol.40 no.3 São Paulo  2022

 

Do pacto narcísico da branquitude à corresponsabilidade: um olhar para o complexo cultural racial

 

 

Del pacto narcisista de la blanquitud a la corresponsabilidad: una mirada al complejo cultural racial

 

 

Carmen Lívia G. PariseI; Guilherme ScandiucciII

IPsicóloga e analista junguiana. Membro e diretora administrativa do Instituto Junguiano de São Paulo (IJUSP/AJB), filiada à IAAP. Co-coordenadora do Arché - núcleo de psicologia arquetípica do IJUSP e do departamento de sexualidade de gênero da AJB. Coeditora da Revista Self e membro-fundador do Coletivo Aisthesis. e-mail: carmenlivia@hotmail.com
IIPsicólogo clínico e professor. Mestre e doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP, MA em Estudos Junguianos e Pós-Junguianos pela University of Essex (Reino Unido). Membro-fundador do Coletivo Aisthesis. e-mail: guiscandi@gmail.com

 

 


RESUMO

Este artigo propõe uma revisão crítica acerca das questões raciais no Brasil e suas relações com a psicologia junguiana e pós-junguiana. Iniciamos com um breve resgate histórico. Em seguida, trouxemos alguns debates contemporâneos sobre o tema, identificando as principais publicações da psicologia pós-junguiana e suas relações com a clínica. A ideia de complexo cultural abre importantes chaves de compreensão, bem como algumas colocações da escola arquetípica sobre o assunto. Constata-se um forte complexo racial presente na vida psicológica brasileira, que perpassa o atendimento psicoterápico. Conclui-se a fundamental importância da escuta do múltiplo diante das tendências a um discurso homogêneo presente atualmente, de forma mais ou menos direta e violenta.

Palavras-chave: racismo, complexo cultural, clínica psicológica, psicologia analítica.


RESUMEN

Este artículo propone una revisión crítica de las cuestiones raciales en Brasil y su relación con la psicología junguiana y posjunguiana. Comenzamos con una breve reseña histórica. Luego, trajimos algunos debates contemporáneos sobre el tema, identificando las principales publicaciones de la psicología posjunguiana y su relación con la clínica. La idea de complejo cultural abre importantes claves de comprensión, así como algunos posicionamientos de la escuela arquetípica sobre el tema. Hay un fuerte complejo racial presente en la vida psicológica brasileña, que impregna la atención psicoterapéutica. Concluye la importancia fundamental de la escucha de lo múltiple frente a las tendencias hacia un discurso homogéneo presentes en la actualidad, de forma más o menos directa y violenta.

Palabras clave: racismo; complejo cultural; clínica psicológica, psicología analítica


 

 

"Raça", racismo e sociedade brasileira

Comecemos com alguns dados: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1, a população do Brasil é composta hoje por 56% de negros, que representam 75% dos que vivem abaixo da linha de pobreza. Menos de 30% das lideranças nas empresas nacionais são negras, 67% do contingente carcerário também. São negros 75% das crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos vítimas de homicídio; 75% dos mortos pela polícia e 76% das vítimas de mortes violentas. Torna-se difícil dissimular o fato de que, aqui, classe importa, mas raça é, igualmente, combustível potente para a produção de assimetrias. Assimetrias essas que também ficaram evidentes assim que foram divulgadas notícias que contrastavam o perfil das primeiras pessoas a se infectar na pandemia do COVID-19 (brancas, de classes média e alta, recém-chegadas de viagens de férias ao exterior) ao das primeiras a morrerem (empregadas domésticas, negras, pobres)2.

Diante de tudo isso, perguntamos: por que dados como esses não deixam boa parte das pessoas perplexas? Melhor: por que, muitas vezes, nem sequer temos consciência deles? Por que, frequentemente, não nos causa estranheza termos tão poucos colegas negros na psicologia? Ao contrário do que possa parecer em um primeiro momento, o racismo é problema de todos nós e se nós, brancos, não nos engajarmos nessa luta, essa realidade não mudará.

A temática das relações raciais tem ganhado espaço crescente na sociedade nas últimas décadas, sendo assunto para a mídia, eventos acadêmicos, encontros de sociedades as mais diversas. A constatação a respeito do racismo estrutural fortemente presente no Brasil é uma das mais importantes, e a necessidade de se ter atitudes antirracistas se tornou crucial para quem olha de frente para este grave problema no país.

Para iniciar nosso debate sobre psicologia analítica (ou junguiana) e questões raciais, é preciso definir o termo "raça". Esse termo não apresenta bases objetivas na biologia e na genética que possam sustentá-lo; é, portanto, um conceito criado no bojo das complexas relações sociais, um artefato cultural arbitrário (MORGAN, 2002; IANNI, 2004; ADAMS, 1996). Ou, como coloca a pesquisadora Munanga (2003, p. 22, citado por TRINIDAD, 2011, p. 25), "[...] o campo semântico do conceito de raça é determinado pela estrutura global da sociedade e pelas relações de poder que a governam". Os conceitos de negro, branco, mestiço têm significados diversos em países diferentes como Estados Unidos, Brasil, África do Sul, Inglaterra etc. Desta forma, o conteúdo de tais palavras é etnossemântico, político-ideológico e não biológico.

Ainda de acordo com Trinidad (2011), o século XIX foi o divisor de águas no que se refere aos sentidos atribuídos ao conceito raça, que mantinham, em comum, a inferiorização daqueles considerados diferentes. As teorias poligenistas deste século compreendiam a palavra raça e passam a classificar os humanos em termos físicos e de capacidade mental. Assim, os indivíduos de "raça branca" foram tidos como superiores aos da "raça negra" e "amarela", dadas suas características físicas hereditárias. Os negros, para os cientistas, seriam os mais estúpidos, emocionais, menos honestos e inteligentes e, portanto, mais sujeitos à escravidão e a todas as formas de dominação (MUNANGA, 2003, p. 21, citado por TRINIDAD, 2011, p. 28).

O termo racismo denota, sempre, três dimensões: uma concepção de raças biológicas (racialismo); uma atitude moral, em tratar de modo diferente membros de diferentes raças; e uma posição estrutural de desigualdade social entre raças (GUIMARÃES, 1999, p. 62, citado por TRINIDAD, 2011, p. 33). No caso do Brasil, é fundamental olharmos para o início do século XX. A miscigenação - que, até então, condenava o país ao fracasso - transformou-se, repentinamente, em solução. Defendendo a presença das três raças, o país constituía-se em uma democracia racial. Assim, a cultura mestiça foi, naquele momento, a saída para o impasse racial (TRINIDAD, 2011). De vilã, ela passa a ser uma qualidade para um povo bastante misturado. Estamos diante da famosa "democracia racial" brasileira, hoje sabidamente uma ideia falsa, uma espécie de persona do Brasil, dado o racismo estrutural reinante em nosso país.

E qual é a responsabilidade dos brancos na luta antirracista? Bem, para começarmos a responder essa pergunta, vamos recorrer à ideia de pactos narcísicos da branquitude, cunhada pela psicóloga Maria Aparecida Bento. Tais pactos se caracterizam exatamente pelo silenciamento dos brancos sobre a questão racial. São alianças inconscientes, intergrupais, caracterizadas pela ambiguidade e, no tocante ao racismo, pela interdição de negros em espaço de poder, pelo permanente esforço de exclusão moral, afetiva, econômica e política do negro, no universo social (BENTO, 2014).

Outra ideia que alicerça tais pactos é a invisibilidade de raça para as pessoas brancas. Brancos não tem raça, os não brancos, sim. Nos vemos como padrão de humanidade, enquanto outros são vistos como diferentes. Nesse sentido, nos pergunta uma outra psicóloga, Lia Vainer Schucman: quando raça foi um problema para nós brancos? Quando foi que pensamos o que significa ser branco? Quando pensamos em roupas étnicas, por que pensamos em roupas asiáticas e africanas, mas nunca em ternos e gravatas? Quando foi que pensamos: hoje vou sair de casa vestido como branco? (SCHUCMAN, 2014).

Assim, fica evidente que, ao falarmos de racismo hoje, não estamos falando de algo referente ao âmbito moral: não quer dizer que alguém seja ou não racista porque é uma boa ou uma má pessoa. Todo dia a gente aprende a ser racista, pois o racismo é estrutural, é um pilar da nossa sociedade, é um fundamento sobre o qual ela se estrutura. E como se molda a sociedade brasileira?

O Brasil foi estruturado a partir de um projeto colonial racista. O racismo estava na discriminação da cor da pele, mas também na desqualificação dos elementos simbólicos que compõe as culturas não brancas e que produzem um deslocamento do ser para lugares não brancos. Na nossa herança colonial, aprendemos a identificar como parte "nobre" da cultura aquilo que cultivamos institucionalmente, o que tem origem branca europeia. A alma europeia devastou as almas indígena e negra ao destruir sua religião, sua mitologia, sua visão de mundo. Um semiocídio ontológico que serviu de pressuposto e desculpa para o genocídio físico. Junto com os corpos, ia sendo exterminado também o sentido do Outro. Esse mecanismo estava diretamente relacionado com a colonização do tipo plantation que prevaleceu na América portuguesa, onde a vida da colônia estava a serviço do enriquecimento e desenvolvimento da metrópole (NOVAIS, 1997).

Nos dias de hoje, nossa civilização continua fundamentada em uma estrutura desigual. Alguém precisa fazer um trabalho que valha menos dinheiro, que pareça menos importante, para que alguém possa desempenhar uma função supostamente mais importante e mais bem remunerada. Exemplo típico seria o caso das empregadas domésticas que cuidam de nossas casas e filhos para que possamos nos dedicar às nossas carreiras. E será justamente o racismo que fará com que essas pessoas continuem sendo tão desvalorizadas, que o trabalho que elas ocupam continue parecendo valer menos. Até mesmo quando ocupam os mesmos cargos que os brancos, negros chegam a ganhar até 30% menos, ainda de acordo com o IBGE.

Essa condição será sustentada pela ideia de raça, na qual um fenótipo teria uma continuidade interna, determinando características morais e intelectuais, por exemplo. No Ocidente, ao fenótipo branco é atribuída uma superioridade moral, intelectual e estética. A distribuição do poder econômico e político por aqui ajudou com que essas ideias fossem disseminadas, o que engendrou a produção de subjetividades que, por sua vez, produzem esse poder racista. Nesse contexto, todos nós fomos formatados racistas.

Assim, a branquitude é "um lugar de privilégio racial, econômico e político, no qual a racialidade, não nomeada como tal, carregada de valores, de experiências, de identificações afetivas, acaba por definir a sociedade" (BENTO, 2002, p.5, citada por SCHUCMAN, 2014, p. 92). Por isso mesmo é que hoje se diz que não basta não sermos racistas, precisamos de práticas diárias antirracistas: desde nos preocuparmos com a representatividade negra em nossos ambientes de trabalho e nas referências usadas em nossos estudos até no simples fato de termos em casa, por exemplo, boneca preta para os filhos e filhas, não só para os negros se sentirem representados, mas, principalmente, para brancos pararem de se sentir "o centro do mundo". Precisamos recuperar e atualizar nossa pluralidade e diversidade constitutivas: legitimar partes, fazer a necessária reparação histórica e incluir as lógicas negligenciadas. Só assim poderemos promover a descolonização da psique brasileira.

E quanto à psicologia analítica? De que forma o racismo aparece entre nós e nas ideias que cultivamos? Bem, já há algum tempo alguns autores vem apontando o racismo presente em algumas visões e posturas do próprio Jung (ADAMS, 1996; BREWSTER, 2017; DALAL, 1988; LU, 2020). A figura de Carl Jung é sabidamente controversa e ambivalente a respeito de algumas temáticas; sobre as relações raciais talvez sejam intensamente problemáticas certas posições do autor. Em nosso ponto de vista, temos de partir disso para avançarmos na discussão. A intenção aqui não é tecer acusações ou mesmo recriminar as ideias do homem Jung, por muitas vezes datadas e afinadas com seu tempo. O que nos preocupa é entendermos de que forma tais ideias podem influenciar o campo junguiano hoje e a importância de serem revisadas de forma a trabalharmos nossa base teórica em uma direção antirracista.

O conhecido artigo do psicanalista Farhad Dalal (1988) sobre a relação de Jung com o racismo traz questões importantes para serem reconhecidas, e por vezes serem respondidas criticamente também. Quando Jung discorre sobre negros e os assim chamados "primitivos", temos um problema (JUNG, 1998; 2000; 2013). Como mostra Dalal, há uma nítida narrativa acerca dos "primitivos": estes possuem uma consciência inferior. Exemplo:

Quando o primitivo "pensa", ele tem, literalmente, visões, cuja realidade é tão grande que ele confunde, frequentes vezes, o psíquico com o real. Powell diz: "A confusão das confusões é aquele hábito universal dos selvagens - a confusão do objetivo com o subjetivo". Spencer e Gillen observam: "O que um selvagem experimenta durante um sonho é tão real para ele como aquilo que ele vê quando acordado". O que eu, pessoalmente, pude observar na psicologia do negro, endossa essas afirmações (JUNG, 2013, p. 44, par. 46).

Em segundo lugar, Jung equipara a consciência dos negros com o inconsciente dos brancos (estariam próximos). E por fim, o negro adulto é comparado à criança branca (mais uma vez, estão próximos na visão dele). Exemplos:

Eu consideraria a questão pelo seu reverso: coloco o inconsciente como um elemento inicial, do qual brotaria a condição consciente. As funções mais importantes de qualquer natureza instintiva são inconscientes, sendo a consciência quase que antinatural. Ao observarmos os primitivos, veremos que eles ficam sentados horas a fio. Quando lhes perguntamos: "O que está fazendo? O que você está pensando?" eles se ofendem e dizem: "Só um doido é que pensa só ele tem pensamentos na cabeça. Nós não pensamos". Se concebem algum pensamento fazem-no antes com a barriga ou com o coração. Algumas tribos negras garantem que os pensamentos nascem na barriga, pois apenas conseguem apreender as ideias que realmente lhes perturbam o fígado, os intestinos ou o estômago. Em outras palavras: são atingidos apenas por pensamentos emocionais. As emoções e os afetos são, obviamente, sempre acompanhados por enervações psíquicas. Os índios Pueblos afirmaram-me que todos os americanos são loucos. É lógico que fiquei um tanto espantado e perguntei-lhes por que achavam isso. "Bem, os americanos disseram que pensam com a cabeça. Nenhum homem perfeito faz isso. Nós pensamos com o coração". Esses índios se encontram exatamente na idade homérica, onde o diafragma (phren = espírito, mente) era considerado a sede das atividades psíquicas, o que significa uma localização psíquica de natureza diversa (JUNG, 1998, p. 6, par. 15).

Pois, embora uma criança não nasça consciente, sua mente não é tábula rasa; ela vem ao mundo com uma interioridade definida, e a mente de uma criança inglesa não é a mesma, nem trabalha como a de um pretinho australiano, mas sim, no mesmo sentido que o faz uma pessoa dos dias atuais na Inglaterra. O cérebro nasce com uma estrutura acabada, funcionará de maneira a inserir-se no mundo de hoje, tendo entretanto a sua história. Foi elaborado ao longo de milhões de anos e representa a história da qual é o resultado. Naturalmente traços de tal história estão presentes como em todo o corpo, e se mergulhamos em direção à estrutura básica da mente, por certo encontraremos traços de uma mente arcaica (JUNG, 1998, p. 37, par. 84).

Jung enfatiza a emocionalidade dos negros, como uma raça toda, em qualquer país. Está associada a impulsos, agressividade, descontrole, não havendo grandes reflexões por parte do indivíduo negro. Jung não estuda, por exemplo, a filosofia de origem Iorubá, mas tende a ver o pensamento deste povo como primitivismo; o que não é inteiramente negativo, mas olha os africanos com grande curiosidade, dado que o europeu teria perdido essa conexão direta com a alma, em sua visão. A pessoa branca muito emocional é sinal de atenção, possessão do complexo etc. O negro emocional é o natural, normal. Vejamos as seguintes colocações de Jung:

Para mim, foi uma lição: essas pessoas [africanos do norte] vivem por seus afetos; são conduzidos por eles. De um lado, sua consciência os orienta no espaço, comunicando-lhes as impressões vindas de fora e, de outro, são agitados por pulsões e afetos de ordem interior. Mas, isso, sem reflexão; o eu é desprovido de qualquer autonomia. No europeu, as coisas não se passam muito diferentemente; mas nós somos um pouco mais complicados. Em todo caso, dispomos de uma certa dose de vontade e de intenção refletida (JUNG, 1963, p.259).

[...] em algum lugar somos também um negro, ou um chinês ou qualquer outro homem do mundo, em tal hora somos apenas seres humanos da mesma raça que todos os homens. Temos os mesmos arquétipos, bem como todos possuímos fígado, olhos e coração. Não importa que a pele seja negra. Evidentemente há uma importância relativa, pois provavelmente o negro terá uma camada cultural a menos que você. Os diferentes estratos da mente correspondem à história das raças (JUNG, 1998, p.42, par.93).

Assim, na evolução da consciência há um atraso por parte dos negros. Europeus estão na frente e precisam lidar com a sombra, dado que o ego é essencial e elástico (JUNG, 1998; 2000). Os negros, na visão de Jung, estão no estágio da infância da humanidade. O autor também tem sérias desconfianças em relação ao hibridismo e à mistura de diferentes "raças", conforme demonstra Kevin Lu (2020). Suas observações sobre os estadunidenses não são menos problemáticas, pois os pretos aí são entendidos como espontâneos, risonhos, emotivos. Jung (1998) também demonstra nítido preconceitos em relação aos chineses habitantes de Nova York.

É fácil verificar que o homem de cor influenciou o "comportamento" americano com seus movimentos primitivos, com sua emotividade transparente, com seu lado criança à flor da pele, com seu senso de música e ritmo, com sua linguagem divertida e pitoresca (JUNG, 2000, par. 965).

Fanny Brewster (2017) cita, a título de exemplo, a forma como ele - e posteriormente os junguianos - reproduz o racismo da sociedade em uma hierarquia na qual os negros ficavam na base e os brancos, no topo. Diz ter sentido no seu próprio corpo de mulher negra e analista junguiana, o estigma presente na linguagem junguiana quando ela se refere ao negro como estranho, diferente, primitivo, Outro (BREWSTER, 2017).

Para Brewster (2017), há também o silenciamento, uma vez que diante de todo ódio racial presente nos Estados Unidos no início do século XX - inclusive com o surgimento da Klu Klux Klan e dos linchamentos de pessoas negras - não se encontra na literatura junguiana menções ao impacto ou influência da violência racial branca. Estaremos nós também sob entorpecimento dos pactos narcísicos?

Brewster (2018) tenta dar voz ao que foi silenciado em seus inúmeros estudos. Em Archetypal Grief, por exemplo, se dedica a compreender os efeitos psicológicos intergeracionais da perda infantil vivenciada por mulheres escravizadas nas Américas e de seus efeitos contínuos na sociedade contemporânea. Essas perdas gerariam um trauma cultural, que se estenderia por gerações.

Há ainda a apropriação, sem atribuição de autoria ou influência. Um dos grandes diferenciais da psicologia junguiana é o fato de ela ser epistemologicamente híbrida, composta por ideias que se aproximam de ontologias outras, o que a leva numa direção para além do homem branco moderno, na medida em que promete um encontro para além de dois egos, de duas consciências. O modo como Jung trabalha a ideia de participatión mystique, por exemplo, pressupõe essa influência: relações coletivas, distante do conceito moderno de individualidade (JUNG, 2013). O ego diferenciado, que separa sujeito de objeto, fica indiferenciado e a pessoa exposta a uma experiência psicológica de maior contato com o outro, algo que ocorre, por exemplo, na relação transferencial em análise.

As raízes da psicologia americana continuam europeias, apesar de a psicologia junguiana ter bebido de fontes africanas e indígenas. Com que se parece uma verdadeira psicologia multicultural junguiana? Entender que o racismo como uma possível energia arquetípica está sempre presente na sala de atendimento é um bom começo.

Além da produção de Fanny Brewster, muita coisa vem sendo pensada na psicologia tanto no sentido da compreensão do racismo e seus catastróficos efeitos, quanto na direção da construção de uma psicologia antirracista. Uma importante expoente de tal psicologia é Grada Kilomba, psicanalista e artista portuguesa, de raiz angolana.

De acordo com Kilomba (2019), "o negro" foi como que uma invenção do branco, ele não existe por si só. Sua identidade, enquanto sujeito, fica dificultada, uma vez que nele é projetado tudo o que o branco espera ou até mesmo precisa que ele seja. O branco fantasia uma negritude, a partir de um Outro alienado de si mesmo e projeta esse Outro no negro, privando-o de um contato com um Eu que não intermediado por esse olhar. E o pior: a parte projetada, nesse caso, será a parte "má" do ego, preservando intacta a positividade do branco. O mecanismo de defesa utilizado será então a negação dessas partes más em nós que resulta em cisão e projeção. Kilomba afirma que se a informação original é que nós estamos tirando o que é deles, tal informação será refutada e projetada no outro: eles vêm aqui e retiram o que é nosso. Seguindo a autora, a aproximação da culpa faria com que, em um primeiro momento, nos valessemos ainda da intelectualização ou da racionalização, com ponderações do tipo: "somos todos humanos" (KILOMBA, 2019).

A psicologia analítica acompanha esse raciocínio ao entender, por vezes, a projeção como uma defesa contra a ansiedade ou partes inaceitáveis da personalidade sendo colocadas em uma pessoa ou objeto externo ao sujeito - o que daria uma libertação provisória a ele (SAMUELS et al., 1998). O mal e o feio estão no outro, dito de forma grosseira. Mas a teoria junguiana fala também da projeção como um meio pelo qual os conteúdos do mundo interno se tornam disponíveis à consciência do ego: a projeção iria então além de um mecanismo de defesa, podendo ser o início da elaboração de uma cisão na psique. Na proposição de Kilomba (2019), isso corresponderia ao momento em que o branco consegue passar pela vergonha ao dar-se conta dos seus privilégios, e chega, enfim, a um reconhecimento de quem ele, de fato, é. Só a partir disso poderia haver a reparação, no sentido de sacudir as estruturas de poder e fazer a diferença.

 

Psicologia pós-junguiana e novos diálogos possíveis

Estas problematizações têm muita importância para o trabalho clínico. Há poucas produções que tratam diretamente da questão racial em psicoterapia. Polly Young-Eisendrath (1987) publicou um artigo bastante crítico sobre a falta de analistas junguianos negros nos Estados Unidos. Michael Adams (1996) explora o tema com profundidade, num livro dedicado ao tema das questões do racismo, que será abordado mais à frente. Helen Morgan (2002), analista britânica branca, por sua vez, escreve sobre um ato falho de sua paciente negra, que diz temer passar por um "whitewashing" - a tensão racial se explicita.

No Brasil, temos alguns exemplos de trabalhos que versam sobre a temática. Vivian Buck (2014) relata um caso clínico no qual as questões transferenciais e contratransferenciais são interpretadas a partir dos efeitos do racismo. Guilherme Scandiucci (2018) também relata atendimento a uma paciente negra com "persona branca". Bruno Mota (2019), autor negro, analisa o complexo cultural ligado à escravidão e ao racismo estrutural no Brasil. Esteves e Tancetti (2020) exploram a violência racial sofrida por mulheres negras e a falta de consciência de tal complexo cultural dentre analistas.

Kimbles (2014), autor negro estadunidense, tem um capítulo primoroso sobre como complexos pessoal e cultural estão entrelaçados no inconsciente. Enquanto um analista preto atendendo uma paciente branca, depara-se com fantasias de escravização e sexualidade interpenetradas por questões familiares (relativas ao complexo paterno). Discorre em detalhes o caso clínico e mostra a importância das relações raciais no atendimento.

Acreditamos que algumas concepções ligadas ao universo pós-junguiano dialogam melhor com o pensamento contemporâneo. A noção de anima mundi, por exemplo, presente em Jung e ampliada por James Hillman (1993), é uma crítica ao investimento de energia psíquica no ego e uma abertura para a presença na psique no ambiente coletivo, com foco no meio urbano. Não é difícil fazer relações da anima mundi com a crítica ao antropoceno, algo que vem sendo discutido por ambientalistas nas últimas décadas. Mas sendo o foco deste artigo as relações raciais, vamos expor como os pós-junguianos podem contribuir para tal debate.

Para além das dinâmicas da consciência e inconsciência individuais, a psicologia analítica também tem importantes contribuições à questão no que tange ao funcionamento da cultura e do inconsciente coletivo. Em seu livro "The Multicultural Imagination: Race, Color and the Unconscious" (1996), Michael Adams defenderá que as categorizações raciais não são fatores naturais, mas artefatos culturais ou constructos que são arbitrários, assim raça só existiria na realidade psicológica dos racistas. Nesse sentido, as questões ligadas à raça e ao racismo podem ser pensadas na perspectiva do inconsciente, tanto quanto o sexo.

O autor postulará a racialidade do inconsciente, não como se houvesse um instinto racial ou como se a psicologia de pessoas de diferentes raças fosse diversa, mas porque entende que o inconsciente coletivo compreende fatores arquetípicos e fatores estereotípicos, étnicos-culturais. A construção da realidade psíquica seria, portanto, mediada por categorias ou tipos (arquétipos ou estereótipos) naturalmente herdados ou tão culturalmente arraigados que pareceriam herdados (ADAMS, 1996). Esse aspecto merece ser observado tanto nas nossas relações sociais, quanto quando estamos atendendo em nossos consultórios. Nos percebermos racializados, na medida em que o racismo pode ser uma energia estereotípica, pode ser um bom orientador de nossa escuta.

Outra ideia importante trazida nos anos 2000 por Samuel Kimbles e Thomas Singer foram os complexos culturais. Tais complexos emergiriam do inconsciente cultural, camada que estaria em relação, simultaneamente, com a camada arquetípica e com a camada pessoal da psique e com o mundo externo compartilhado. Eles se formariam através de experiências grupais repetitivas e históricas que se enraízam no inconsciente cultural e tomam a psique coletiva do grupo ou a psique individual ou coletiva do indivíduo de forma autônoma, podendo, inclusive se utilizar de forças bastante irracionais em nome de suas lógicas (SINGER, KIMBLES, 2020).

Se por um lado, os complexos culturais fornecem sentimento de pertencimento, identidade e continuidade histórica, por outro lado podem gerar estereótipos e preconceito, uma vez que são bipolares, ou seja, seu modo de funcionar faz com que o ego grupal ou individual fique identificado com uma parte do complexo cultural inconsciente e outra parte seja projetada em outro grupo ou um de seus membros. Nesse sentido, podem constituir uma ameaça à diversidade (SINGER, KIMBLES, 2020).

Assim, a importância de conhecermos os complexos culturais nos quais estamos mergulhados se justifica na medida em que uma cultura que não esteja em poder de um complexo tem mais autonomia na relação entre os grupos e pessoas que a constituem, uma vez que suas consciências não estão tomadas por conteúdos emocionais carregados que podem alterar suas percepções e comportamentos. Estarmos mais conscientes dos complexos culturais que nos atravessam, coletiva e individualmente, talvez nos possibilite despertar do entorpecimento a que os pactos narcísicos nos submetem.

A já citada pesquisadora negra Fanny Brewster falará de um complexo racial que atua em cada indivíduo, mas também no nível coletivo. A inconsciência dele pode ter efeitos catastróficos de projeção e destruição, mas se nos propusermos a olhar verdadeiramente para ele, poderemos entrar em contato com o privilégio branco, a raiva branca, a consciência da fúria branca. Ela entende a questão do racismo como uma sombra que está no complexo e que age diretamente no caso da branquitude, projetado pela via dessa sombra destruidora (BREWSTER, 2019).

É evidente que, no que tange as questões clínicas, a questão não se limita às diferenças raciais no atendimento psicoterápico. O complexo cultural opera de muitas formas e por vezes de forma mais silenciosa. Quanta violência existe por detrás de um universo no qual uma maioria de analistas brancos atendendo em consultórios privados pacientes também brancos? Quanta dor e tortura de todos os tipos foi necessária para uma segregação racial esmagadora e excludente? A branquidade da prática clínica está em todo lugar e, enquanto complexo, atravessa qualquer atendimento no limite, assim como as questões de gênero.

A alma da cidade (anima mundi) também pode ser olhada do ponto de vista do complexo racial. Enquanto brancos (caso dos autores deste artigo), circulamos com liberdade nas partes centrais da cidade - mais ainda no caso do homem cis, claro. É um tipo de abertura para a psique urbana, diferente de quem tem pele escura. Qual a experiência psicológica de ser perseguido num supermercado? Um grupo de jovens brancos pode circular pela madrugada se divertindo, bem ou malvestidos. Desnecessário dizer que se fosse um grupo de jovens pretos haveria grande possibilidade de serem violentamente revistados, no melhor dos casos.

Se pensarmos no caso dos indígenas, a situação não é diferente, sobretudo em tempos em que o fascismo mostra suas garras. Os povos originários, como sabemos, estão ainda em pior condição hoje, perdendo suas terras para o garimpo e outras práticas ilegais. Definitivamente, os não brancos estão submetidos a uma necropolítica - na conhecida expressão de Achille Mbembe - que tem avançado em passos largos.

Falhamos enquanto sociedade no aspecto da pluralidade democrática. Não podemos, enquanto analistas (junguianos ou não), nos furtar a perceber e pensar criticamente a presença do complexo cultural racial, pois obviamente a alma é atravessada por séculos de sangue derramado que se esvai da pele com mais melanina. Tal situação evidentemente persiste nas periferias das cidades brasileiras, pois sabemos que a polícia é mais um órgão do estado que garante o bom funcionamento da necropolítica. Na nossa visão, nada disso escapa à psique, seja qual for a situação clínica em questão.

Voltando às questões da psique e da cor, o que todas essas construções teóricas parecem trazer em comum é a ideia de que o racismo se alicerça psicologicamente em um pensamento oposicional. Dirá James Hillman (1986) que o embranquecimento do ocidente ocorreu simultaneamente ao enegrecimento do resto do mundo e que pessoas identificadas pela cor se tornam identificadas com a cor.

Nesse sentido, Hillman (1986) irá postular que a fantasia supremacista é arquetipicamente inerente à branquitude, à consciência branca. Para tanto, primeiramente o autor recorre à raiz indo-europeia da palavra: ser claro, brilhoso, reluzente. Retoma o fato de os norte-europeus, principalmente germânicos, se enxergarem étnica e religiosamente escolhidos pelo deus cristão, como se fossem instrumentos do Espírito para prosseguir com o "avanço", com a obtenção de novas marcas culturais na escala civilizatória que registra os graus de distanciamento entre natureza e cultura. Hillman tentará uma compreensão via aproximação arquetípica com a cor branca e nesse percurso se deparará com algumas ideias de branco consteladas na nossa tradição cultural.

O autor irá postular então que o branco forma sua própria sombra branca, sua própria doença, que, por ser branca, é indiscernível para a consciência definida em termos de luz. Por isso, nós nos sentimos livres da sombra na supremacia branca. Como se a linguagem do branco, só pela virtude de suas ressonâncias arquetípicas, pudesse restaurar a pureza, eliminar o pecado, a culpa e a vergonha.

No entanto, o autor adverte que na supremacia branca, a sombra é branca, mas, ainda assim, é sombra. O mau aqui não é como uma ausência do bom, mas como um excesso de presença do bom: a sombra desse branco fica misturada, imperceptivelmente, na unidade lunar que forma, na crença de opus concluída, sem sombra. Esta é a ilusão induzida pela supremacia, que verá suas próprias sombras no preto, não porque eles sejam inerentemente opostos, mas porque é arquetipicamente dado que o branco imagina em oposição, a supremacia do branco depende da imaginação oposicional. E quando a percepção do branco aqui implica na percepção simultânea do preto lá, temos a projeção. Ou seja, toda a sombra da própria lógica branca ficará projetada no preto.

Hillman trará ainda um outro ponto de extrema relevância. Se o pensamento branco é oposicional e se a supremacia branca deste ego é uma "pureza" branca que ele tenta preservar fobicamente, então o si mesmo branco requereria um outro negro, não só para perpetuar um ego defensivo, mas para subvertê-lo - ou ao menos para revisá-lo (HILLMAN, 1986).

Vale lembrar que a cor preta, arquetipicamente falando, ameaça o próprio centro da identidade, o que entendemos por "Eu" até então, e essa é também sua virtude. Essa cor dissolve o significado e a esperança pelo significado. É um arauto da mudança, da descoberta invisível e da dissolução das ligações com tudo aquilo que foi tomado como verdade e realidade, fato sólido ou virtude dogmática. Escurece e sofistica o olhar de forma que ele pode enxergar através (HILLMAN, 2013).

Se olharmos através dessas projeções, entendendo que o que se projeta no negro é tudo que o ego branco acha que é negativo, talvez possamos chegar à uma equação interessante. Negativo também é oposto de positivo, do que é manifesto, visível, revelado. Se seguirmos esse raciocínio talvez possamos dizer que o que foi colocado nos negros fale também de uma essência sutil referente à psique branca, uma vez que seus atributos ocultos e violadores pertencem à adjetivação de Hades, do reino dos mortos, das múltiplas possibilidades inconscientes.

Assim, a mensagem ali corporificada seria psíquica. Ela nos levaria para baixo, para o profundo, o psicológico e nos roubaria nossos "bens" e ameaçaria nosso ego estabelecido até então através de suas portas trancadas para o Outro, o diferente. Trariam o retorno do reprimido: a morte, o que não está no mundo da consciência, dos vivos. Estamos diante da morte metafórica do ego branco: o ego branco precisa morrer metaforicamente.

Se adentramos essa dimensão psicológica, talvez possamos livrar os negros de carregar a sombra sociológica da primitividade, uma vez que passaríamos a questionar a fantasia desenvolvimentista do ego; da vitalidade, se colocarmos em xeque a força heroica do ego como única força motriz, e da inferioridade ao dialogarmos com a fantasia moral ou política do ego. Ao fazermos uma passagem do branco virginal para um branco lunar, talvez possamos conduzir a branquitude a refletir sobre ideias tais como a limitação da sua liberdade, a expansão de seu etnocentrismo para coletivos universais, o tingimento de sua branquitude com variedade, o que desafiaria sua superioridade e mancharia sua inocência.

Se deixamos de colocar as coisas em oposição, poderemos ir além da supremacia branca. Nos tornarmos policromáticos, não monocromáticos. Cada ato de consciência é supremamente inconsciente. "Não há uma luz toda branca, uma percepção imaculada, somos todos mestiços da mente", diz Hillman (1986, p. 48, tradução livre). Para libertar as diferenças precisamos de um pensamento sem contradição, sem dialética, sem negação: um pensamento afirmativo cujo instrumento seja a disjunção; um pensamento do múltiplo, da multiplicidade dispersa e nômade.

Não podemos sair das nossas peles, mas da nossa mente branca, sim. E urge que façamos, pois o racialismo, como construção mítica da diferença racial, é o centro semiótico da mentalidade genocida. Passou da hora de entendermos que essa dominação não prejudica apenas uma camada fenotipicamente marcada, mas todos nós, pois essa inconsciência não nos permite nos reconhecer em nossa própria diversidade constitutiva.

Somos fruto de uma experiência civilizatória de desconforto, de não lugar, um projeto institucional de morte de corpos e saberes. Para sairmos dessa lógica tanática, precisaremos nos apoiar no múltiplo, no diverso e no plural como condições fundantes do psiquismo. É preciso pensar a partir da diversidade em vez de buscarmos uma pretensa unidade, pois o fazer alma - de um indivíduo ou de um povo - se dá de inúmeras formas e se alimenta das tensões prenhes do novo, com as diferenças em movimento.

Está ideia está presente também na filosofia Banto, povo ao qual pertencia a maioria dos negros escravizados trazidos para o Brasil. Para os bantos é o moyoo a força vital que nos mantém vivos, uma força que é não permanente, mas que vai se renovando, principalmente através dos encontros, dos "cruzos"3 entre Eu e outro, entre as diferentes culturas. Uma perspectiva de ser através da encruzilhada, a partir dos afetos e tensões que acontecem quando culturas se cruzam e que pode ser expressa pela filosofia do ubuntu: Eu sou porque nós somos, eu sou eu e o outro, eu mais o outro (PARISE, SCANDIUCCI, 2021).

Podemos aprender com eles e sustentar nossas ideias e nossas práticas diárias a partir da ideia do múltiplo sempre que estivermos diante dos discursos homogêneos, onde apenas uma verdade prevalece. O diverso e o plural são condição do viver psíquico e da vida civilizatória. Quando aprendermos a conviver com a diferença, dentro e fora de nós, e mais que isso: quando aprendermos a honrá-la, poderemos reinventar a vida nas frestas desse projeto de horror.

E Acredito, acredito sim

que os nossos sonhos

protegidos

pelos lençóis da noite

ao se abrirem um a um

no varal de um novo tempo

escorrem as nossas lágrimas

fertilizando toda a terra

onde negras sementes resistem

reamanhecendo esperanças

em nós

(Conceição Evaristo).

 

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Recebido: 03/08/2022
Revisado: 07/12/2022

 

 

1 Fonte: http://www.ibge.gov.br, acesso em 19/05/2022.
2 Ver, por exemplo, relatório Health at a glance, elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e cinco parceiros, entre eles o Brasil. Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/negros-tem-15-mais-chance-de-morrer-por-covid-19-no-brasil-diz-ocde/. Acesso em 30/06/2022.
3 Termo utilizado por Luiz Antonio Simas, por exemplo no livro "Umbandas: uma história do Brasil" (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021).

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