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Revista Brasileira de Psicanálise
versão impressa ISSN 0486-641Xversão On-line ISSN 2175-3601
Rev. bras. psicanál v.42 n.3 São Paulo set. 2008
RESENHAS
Resenha: Cíntia Buschinelli1
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
A barca branca
Marialzira Perestrello
São Paulo: Nova Razão Cultural, 2007, 80 p.
Não é segredo. Sabe-se que psicanalistas, quando desejam alimentar sua capacidade de ouvir o inusitado, experiência sine qua non da prática clínica, recorrem à leitura de poesias. A leitura poética transporta o leitor a lugares surpreendentes, aos quais não se pode chegar pelas vias comuns transitadas pela consciência. A poesia abre os espaços de reflexão do psicanalista, mas não só: ela tem a qualidade de oferecer descanso a seus pensamentos. Esse é um fato. Na cabeceira dos divãs dos psicanalistas, além dos livros que acolhem sua preferência teórica, jamais deveriam faltar seus poetas favoritos.
Agora, imaginem vocês, caros leitores, quando quem nos oferece belos poemas, além de poeta é justamente uma psicanalista, cuja presença marca a história da psicanálise brasileira. É a Marialzira Perestrello que nos referimos. Vamos apresentá-la então àqueles que já tomaram conhecimento2 de sua larga experiência psicanalítica, mas desconhecem, por enquanto, sua veia poética.3
Olhava além, muito além
dessa imagem.
Casa em silêncio.
Paisagem fora do mundo.Via longe
olhava além
de mim mesma.
Espelho foi o título recebido por esse poema. Ele se encontra à nossa disposição em A barca branca, livro publicado em 2007.
A escrita de Marialzira, como o Espelho deixa antever, possui a capacidade da grande poesia, qual seja, da beleza simples. Ela oferece uma atmosfera tranqüila de tempo ameno e discreto, toca com suavidade e bem por isso ganha o interior de seu leitor sem alarde, mas com a potência de quem chegou para ficar.
A barca branca se junta a mais de dez livros de poemas publicados,4 somados ao romance Pedaços da vida e futuro esquecido, além de uma extensa produção psicanalítica, resultado de sua longa e profícua trajetória como psicanalista.
Aqueles que se detiverem na poesia de Marialzira vão perceber de imediato seu tom intimista solidamente ancorado não só em seus pensamentos e emoções cotidianas, mas na contemplação daquilo que está à sua volta. São palavras que aguçam os sentidos do leitor para a captação do instante. Muitos dos poemas de Marialzira são construídos sob a forma de diálogo. Um convite ao leitor para que ele se posicione como interlocutor da escritora e, desse modo, partilhe intimamente de sua experiência. Veja, a seguir, Persistência:
Mas a vista não é a mesma?
Por que, então, o encanto?
É que para o artista
O amor persiste
Enfim, leitores, sobre poemas devemos falar o mínimo possível, para não turvar de modo algum a leitura que se possa deles fazer. Resta dizer sem delongas que se entregar à poesia de Marialzira é sem dúvida uma experiência e tanto.
1 Membro associado da SBPSP.
2 Como psicanalista, foi uma das pioneiras no Rio. Publicou mais de 30 artigos no Brasil e alguns no exterior.
3 Sergio Paulo Rouanet, em matéria publicada no Jornal do Brasil (2006) a propósito da capacidade criativa de Marialzira, diz o seguinte: Sabia-se há muito que essa personalidade era múltipla. Como um poeta que ela ama particularmente, Ghoethe (aos 90 anos ela está aprendendo alemão somente para poder ler no original os clássicos dessa língua), não era nenhum segredo que ela possuia ao menos duas almas ou duas vocações: uma psicanalítica e outra poética.
4 Entre eles, temos: Há um quadrado no céu (1972); Nosso canto a nosso jeito (1975); Ruas caladas (1975); Mãos dadas (1989); A música persiste (1995); Tudo é presente (2001); Caminhos da vida (2005).