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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.46 no.1 São Paulo jan./mar. 2012

 

ARTIGOS

 

Reflexões críticas sobre os processos intersubjetivos: contratransferência, revêrie e o processo de simbolização

 

Critical reflections on the inter-subjective processes: countertransference, reverie and the process of symbolization

 

Reflexiones críticas sobre los procesos intersubjetivos: contratransferencia, revêrie y el proceso de simbolización

 

 

Elias M. da Rocha Barros; Elizabeth L. da Rocha Barros

Membros efetivos e analistas didatas da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP

Correspondência

 

 


SUMÁRIO

Os autores traçam uma história dos conceitos de contratransferência e de revêrie desde suas introduções, associando-os aos novos conceitos psicanalíticos correlatos que foram sendo introduzidos e exigiram sua redefinição. Em seguida descrevem o processo que permeia a constituição da contratransferência e, sobretudo, o papel da evocação. Sonhos, narrativas e suas expressões atuadas evocam em nós metáforas que combinam articulações discursivas e não discursivas que dão forma aos sentimentos que estão sendo projetados em nós na transferência. Nós, ao interpretarmos, colocamos essas experiências evocadas numa outra base simbólica, ou seja, transmutamos a linguagem evocativa dos símbolos visuais do sonho ou das metáforas, ou ainda das vivências expressivas da contratransferência, em linguagem verbal descritiva de significados e, desta maneira, ampliamos a capacidade de pensar a experiência ao atribuirmos significado aos sentimentos envolvidos. Os trabalhos de Ogden sobre revêrie são discutidos e considerados seminais na elaboração do conceito de revêrie da forma como o utilizamos hoje.

Palavras-chave: contratransferência, revêrie; conter, evocação, expressividade, simbolismo; Ogden; Langer.


ABSTRACT

The authors thread a story of the concepts of countertransference and reverie, since the beginning of their use, associating them to new correlated psychoanalytic notions which were gradually introduced and which demanded the redefinition of these original concepts. Next, they describe the process which permeates the constitution of countertransference and, above all, the role of evocation. Dreams, narrations and their expressions evoke in us metaphors, which combine discursive and non-discursive articulations, which in turn give shape to the feelings which are being projected in us during transference. As we interpret, we place these evoked experiences on another symbolic base, transforming the evocative language of the visual symbols of the dream or metaphor, or yet of the expressive occurrences of countertransference, into a verbal language descriptive of meanings. As such, we amplify the capacity of reflecting upon the experience by attributing meaning to the feelings involved. The works of Ogden on reverie are discussed and considered primary to the elaboration of the concept in the way it is used today.

Keywords: countertransference; revêrie; contain; evocation; expressivity; symbolism; Ogden; Langer.


RESUMEN

Los autores trazan una historia de los conceptos de contratransferencia y de revêrie desde que fueron introducidos asociándolos a los nuevos conceptos psicoanalíticos relacionados que fueron siendo introducidos y exigieron su redefinición. A continuación describen el proceso que permea la constitución de la contratransferencia y sobre todo el papel de la evocación. Sueños, narraciones y expresiones actuadas nos evocan metáforas que combinan articulaciones discursivas y no discursivas que dan forma a los sentimientos que están siendo proyectados en nosotros durante la transferencia. Nosotros al interpretar, colocamos estas experiencias evocadas, en otra base simbólica, es decir, transmutamos el lenguaje evocador de los símbolos visuales del sueño o de las metáforas o incluso de las vivencias expresivas de la contratransferencia, en un lenguaje verbal descriptivo de significados y de esta forma ampliamos la capacidad de pensar en la experiencia al atribuir significado a los sentimientos involucrados. Los trabajos de Ogden sobre revêrie son discutidos y considerados fundamentales en la elaboración de los conceptos de revêrie de la forma como los utilizamos hoy.

Palabras clave: contratransferencia; revêrie; contener; evocación; expresividad; simbolismo; Ogden; Langer.


 

 

O fenômeno da contratransferência tem sido tão frequentemente discutido na literatura psicanalítica que dizer algo novo a respeito tornou-se um desafio. Paradoxalmente, contudo, tanto se debate sobre esse tema, também porque ainda existem importantes lacunas a serem preenchidas na compreensão do processo. Por exemplo, não se sabe ao certo como é transmitida e se estrutura na mente do analista nem como adquire um significado de modo a se transformar, para se tornar uma interpretação útil (ver Brown, 2011). O termo contra-transferência na literatura psicanalítica tendeu a perder a precisão e a se tornar polivalente. A partir da introdução da noção de revêrie (Bion, 1962a) e aprofundado significativamente por Ogden, (1997b), o conceito de contratransferência ganha outra dimensão e passa a ser englobado por esta.

Quando nos propormos a voltar ao assunto, encontramos uma inspiração e um roteiro numa proposta de Laplanche (1987/1993) quando este pergunta:

Como progride o pensamento analítico? E responde: "Por repetição e ruptura, por banalização e reafirmação, por circularidade e aprofundamento. Os momentos inovadores são também retorno à fonte. O aprofundamento é reafirmação de uma exigência originária (p. 52).

O presente artigo pretende seguir esse processo descrito por Laplanche. No decorrer dos anos de prática clínica o significado da contratransferência passa por diversos momentos de esgotamento e ruptura que demandam novos aprofundamentos. Quais seriam os conceitos ou contextos culturais específicos à nossa área que impuseram uma reorganização da noção de contratransferência?

Antes, porém, de enumerar alguns desses pontos cruciais, gostaríamos de identificar o campo e a natureza essencial da problemática que esse conceito procura abarcar. Irma Brenman Pick (1985) escreveu: "Na verdade, é impossível acolher a experiência do paciente sem também passar por uma experiência" (p. 159).

Quando estamos com outra pessoa em uma relação, ela nos impacta o espírito de diferentes maneiras, e isto ocorre até mesmo quando nos gera apenas indiferença.

Quando esse impacto ocorre na relação analítica, este demanda reflexões aprofundadas, dadas as implicações de suas consequências. A maneira do paciente se relacionar conosco a partir de sua presença tem um efeito sobre nós - seja sob a forma de sentimentos vividos, pensamentos evocados, sensações corpóreas, desejos que se delineiam, estados de espírito que se impõe, às vezes agradáveis, outras fortemente desagradáveis - e sugere a existência de um fenômeno peculiar em curso. Sendo a psicanálise uma forma de relação única, esta não pode evitar indagações sobre o que fazer com essas experiências. Ignorá-las? Considerá-las fruto de idiossincrasias pessoais? Considerá-las manifestações neuróticas e, assim, descartá-las? Buscar entendê-las como formas de comunicação que nos contam algo sobre o paciente e parte do contexto relacional vivido? Como processá-las? Deveríamos nos tornar atentos observadores do que se passa em nosso mundo interno e tentar colocar em palavras os sentimentos despertados em nós pela presença do paciente? Desde o início, o conceito de contratransferência representou tentativas de responder a essas questões.

Freud (1910) expressou sua preocupação com a natureza perturbadora do impacto do paciente sobre o analista, que poderia deslocá-lo da posição objetiva análoga à postura do cirurgião, preconizada por ele. Este, nessa altura, não associou a perturbação à essência da escuta psicanalítica, ou seja, à natureza do acolhimento da experiência emocional do paciente proporcionado pelo analista no contexto transferencial. Na psicanálise moderna, é esse modo especial de escuta que nos permite construir uma interpretação psicanalítica. Provavelmente, por não dar ênfase ao caráter interpessoal da sessão analítica, Freud tomou a contratransferência como uma interferência, uma espécie de ruído perturbador e deformador da percepção e da objetividade, expressão de conflitos inconscientes não resolvidos do analista. Na perspectiva de sua teoria, todo conflito estava relacionado com a sexualidade e desembocaria, inevitavelmente, naquela relação considerada nuclear, a edipiana, que só poderia ser tratada em análise. Freud tinha razão em apontar que o analista não poderia ser dirigido e submetido por suas emoções ao reagir ao paciente, seja interpretando ou de qualquer outra forma, mas deixou de se dar conta de que nessas emoções, vividas na contra-transferência, estava presente também algo que pudesse refletir um elemento de uma vivência que pertencia à dinâmica mental do paciente e que poderia ser usado para compreender mais profundamente seu funcionamento mental.

Sendo assim, acreditamos que acolher o paciente, nesse momento inicial da teoria analítica, consistia em eliminar da sessão, através de uma re-análise pessoal, toda e qualquer interferência que perturbasse a objetividade do analista.

Com o acúmulo da experiência clínica e a introdução de novos conceitos que permitiam observar melhor a dinâmica mental do paciente, o conceito de contratransferência precisou ser aprofundado, e seu significado clínico, revisto.

Citaremos alguns desses momentos críticos que levaram à sua reorganização: 1- A introdução do conceito de identificação projetiva. Klein (1946/1952) ao sugerir que o paciente projeta para dentro da mente do analista, e não sobre este, introduz a ideia de que o paciente faz alguma coisa com a mente do analista e, nesse processo, induz sentimentos associados frequentemente a um convite à ação, seja para que este sinta certas emoções ou engaje-se no desempenho de um determinado papel. Guedes de Azevedo (2011) aponta para outro aspecto central da identificação projetiva, a saber, que a partir de sua conceituação, a projeção não pode mais ser dissociada de sua relação dialética com os processos introjetivos, sendo essa parte do processo de construção do próprio ego. 2- Os conceitos holding, espaço transicional, potencial e ilusão propostos por Winnicott obrigam mais uma vez os analistas a reverem o significado clínico do termo. Bollas (1983, p. 2) posteriormente associa esses conceitos à noção de "uso do objeto que possibilita ao analista criar internamente um 'ambiente vivo' das relações de objeto arcaicas não resolvidas". 3- Os de continência e de revêrie da forma como foram introduzidos por Bion e aprofundados por Thomas Ogden. Cabe aqui sugerir que seja consultado o artigo de Thomas Ogden (2005) que muito apropriadamente diferencia os conceitos de holding e de continência que frequentemente são confundidos. Associado a essas noções também devemos citar a postulação de uma função alfa e a proposta da existência de elos emocionais L (amor), K (conhecimento) e H (ódio) que estruturavam a dinâmica psíquica. 4- O quarto elemento que também leva a uma ruptura e posteriormente a um aprofundamento conceitual não deriva apenas de uma ideia única, mas de uma preocupação em entender os processos de simbolização e aquilo que Green (2002, 2005) define como o processo terciário, como modo de intermediação (simbólica) e ligação entre os processos primário e secundário Esses processos se tornam essenciais para compreendermos como operam as mentes do analista e do paciente, e seu estudo nos permite construir hipóteses sobre como as identificações projetivas recebidas, parte de sua contratransferência ou, como posteriormente iremos formular, de sua revêrie, podem ser transformadas em uma interpretação útil para o paciente. Neste item cabe também incluir o que o casal Botella (2001) descreve como o trabalho da figurabilidade. O termo refere-se a um vasto conjunto de fenômenos, mas diz respeito, sobretudo, a uma regressão tópica que se manifesta no trabalho do sonho e que consiste em colocar em figurabilidade (imagens visuais) emoções vividas durante o processo de elaboração da dor psíquica. Esse fenômeno descrito pelo casal Botella difere da noção de revêrie, por incluir de forma primordial no conceito a presença do impulso inconsciente

Esses momentos de ruptura foram seguidos por um aprofundamento da definição de contratransferência que posteriormente foi reorganizado pelo conceito de revêrie e se tornou essencial no pensamento psicanalítico contemporâneo, porque passamos a olhar para a relação analítica considerando um caráter fundamentalmente interativo.

As propostas iniciais de redefinição do significado do conceito e igualmente de seu uso na clínica partiram de Aguayo (2011), H. Racker (1968) e depois Paula Heimann (1950). Esses autores propõem, independentemente um do outro, a transformação dos sentimentos contratransferenciais em instrumentos de pesquisa da personalidade do paciente. Essa sugestão surge diretamente da incorporação à psicanálise do conceito de identificação projetiva e da teoria das relações objetais. Acolher o paciente, nessa altura, consistiria em tomar os sentimentos contratransferenciais como aspectos do paciente projetados para dentro da mente do analista, expressivos de sua dinâmica defensiva destinada a manter em equilíbrio sua vida psíquica. A formulação da interpretação dependeria do exame minucioso desses sentimentos projetados e que, por sua vez, modificavam a própria percepção que o paciente tem do analista.

Money-Kyrle (1956) dá um passo à frente no aprofundamento do conceito ao ampliar o escopo da pesquisa propiciada pela contratransferência, apontando para o fato de que as projeções do paciente podem estar intimamente ligadas às reações internas singulares do analista a essas projeções. Dessa forma, Money-Kyrle introduz a ideia de que os sentimentos despertados no analista pela escuta psicanalítica interagem com o seu próprio mundo de objetos internos e, deste modo, torna o fenômeno a ser estudado muito mais complexo. Acolher aqui significa estabelecer associações entre os sentimentos do paciente projetados no mundo interno do analista e examinados a partir de como isto acontece, para depois identificar as funções que essas projeções exercem na dinâmica mental do paciente.

Bion (1951, 1958, 1962a, 1962b), em lugar do termo contratransferência, preferia falar do impacto das identificações projetivas no analista e, posteriormente, de revêrie, desde o momento que introduziu o conceito. Baseado no mecanismo de identificação projetiva, acreditava que existisse um fluxo contínuo de fantasias inconscientes ocorrendo tanto na vigília quanto no sonho e que, na sessão, elas implicam em continuados convites (e tentativas de manipulação) para o analista sair de sua postura e atuar aspectos do mundo interno do paciente. Bion (1962a, pp. 23-24) escreveu: "A teoria da contratransfe-rência oferece explicações somente parcialmente satisfatórias, porque se refere a sua manifestação como um sintoma dos motivos inconscientes do analista, mas deixa de fora sem explicar a contribuição do paciente." As ideias de Bion, segundo Ferro (2007), introduzem não só a noção de que a identificação projetiva possa ter uma função comunicativa, mas também, e, sobretudo, que aquilo que foi projetado para dentro da mente do analista possa ser transformado.

Irma Brenman Pick (1985) em seu artigo sobre a elaboração da contratransferência enfatiza que o paciente projeta sentimentos para dentro dos objetos internos do analista e não simplesmente para dentro da mente deste. Essa ênfase indica que o trabalho de elaboração da contratransferência é um trabalho árduo, complexo e exige muita habilidade e experiência por parte do analista.

É preciso notar que nem a contratransferência nem a revêrie são delimitadas por fronteiras firmes que as separe entre si, e ambas do que seria, por exemplo, um processo secundário tal como o pensamento.

Na história dos conceitos psicanalíticos poderiamos dizer que no início a contratransferência poderia ser vista como análoga a uma fotografia de um momento relacional. Posteriormente, com a evolução da compreensão da relação analítica como um processo inter-relacional - bipessoal (Ferro, 1995, 2007) - a contratransferência passou a ser comparada analogicamente com um filme, como algo que resulta da movimentação de muitas fotografias. A partir daí deixamos de poder falar em contratransferência isoladamente e passamos a associá-la àquilo que Bion (1962b, p 309) denominou revêrie. Nesse momento os processos mentais em curso na mente do analista se tornaram o foco da investigação e o campo a partir do qual a interpretação é elaborada.

Canestri (1994, 1996) sugere que o que melhor caracteriza a psicanálise contemporânea, em contraste com o estágio inicial, é uma forma de interpretar que incorpora a escuta e o processo subsequente que ocorreu em nossas mentes como função desse tipo particular de abordagem. Nessa caracterização bastante eloquente da psicanálise fica claro que não mais podemos ignorar o impacto que o paciente tem sobre o analista como consequência direta de seu método. Acreditamos também que estejam presentes nessa caracterização da psicanálise as noções de transferência como situação total (Klein, 1946/1952, Joseph, 1985) e igualmente a contratransferência como situação total (Ogden, 1997b,).

Aprofundar esse tema hoje consiste, sobretudo, em reafirmar a necessidade do exame da experiência pela qual passa o analista, do ponto de vista da natureza e do modus operandi, do impacto perturbador do paciente sobre ele, isto é, de como a experiência ocorre e do trabalho mental necessário para superar a perturbação, a fim de transformá-la em interpretações verbalmente comunicáveis. Este é o aspecto que pretendemos examinar e aquilo que seria distintivo desse artigo.

Pierre Fédida (1986), refletindo a partir da apropriação francesa do conceito de con-tratransferência e preocupado com a possibilidade de transformação da psicanálise em uma psicologia da comunicação e/ou das relações interpessoais, adverte para a necessidade de construirmos uma metapsicologia da contratransferência. No caso, ela teria como modelo a metapsicologia do sonho e, sobretudo, a lógica que articula o trabalho onírico. Neste artigo procuraremos desenvolver esse tema propondo as bases operacionais dessa lógica. O alvo de sua crítica ao fazer uma reflexão era a descrição dos fenômenos contratransferenciais em termos limitados aos processos de comunicação em curso associados no mais das vezes apenas aos pensamentos latentes ocultos, deixando para um segundo plano a problemática dos cenários inconscientes que estavam sendo atuados na relação com o analista.

Fédida (1986, 1991) vai utilizar os escritos de pintores e escultores, particularmente de Cézanne e Giacometti, descrevendo a relação entre a observação das paisagens naturais e os processos que subjaziam à criação da obra pintada na tela como base para a discussão dos processos de transformação existente entre o observado e o criado pelo artista. Seus escritos mencionam como os aspectos externos influenciaram as telas dos artistas a partir do que evocavam em suas subjetividades, e como estas eram transformadas mentalmente antes de serem transpostas para a tela. No caso, o que está em foco é o que ocorre na mente do artista entre o processo de evocação que se estabelece após a contemplação da paisagem natural e a produção artística em curso. Essa reflexão nos leva a acreditar que seja oportuno examinarmos a dinâmica e a lógica presentes no processo de evocação que consideramos veículo primordial da identificação projetiva.

As evocações frequentemente assumem uma forma imagética1, que propomos ser representativa dos sentimentos envolvidos na relação viva daquele momento e que supomos que seja expressiva da relação com os outros e com o mundo. Na perspectiva kleiniana, estamos falando de identificações projetivas que Bion (1992), por sua vez, considerava ser uma forma de pensamento pré-verbal, uma matriz primitiva de ideogramas. Não entraremos aqui na discussão do caráter consciente, pré-consciente ou inconsciente desse fenômeno, embora possamos dizer que essas três instâncias participam do processo. Alguns autores que estudaram esse tipo de representação introduziram termos para caracterizá-la como proto-conceitual. Entre eles, Daniel Stern (1993) sugere que aquilo que se expressa através da evocação sejam representações que ele denomina envelopes pré-narrativos. Em outro trabalho, um dos autores (Barros, 2000) menciona esse fenômeno e o discute a partir do termo pictograma afetivo. O pictograma afetivo pode ser considerado uma projeção de uma fantasia inconsciente que, nesse contexto, indicaria uma primeira tentativa de pensar uma visão sobre si mesmo por parte do paciente, que necessita de um outro para pensá-la. Essa proposta está em consonância com uma afirmação de Susan Isaacs (1948, Steiner & King, 1991) durante as discussões sobre as controvérsias. Isaacs (1991) diz: "fantasias são, em seus primórdios significado implícito [negrito no original], significado latente em impulso, afeto e sensação" (p. 213).

Dai decorre a importância da captação da projeção através da evocação de forma a poder reintegrá-la em seu psiquismo como uma experiência emocional associada a um significado que pode ser objeto de reflexão e, portanto, de modificação, concepção que não é incompatível com a da de Daniel Stern.

Curiosamente, Bion (1965/1997b, p. 1) também parte do mesmo tipo de experiência pictórica sugerida por Fédida ao definir o processo de transformação mental e ao fazer referência à relação existente entre uma tela de Van Gogh e o campo de papoulas observado na natureza. A tela seria uma transformação do campo de papoulas e com este teria em comum uma invariante que garantiria uma comunalidade entre as duas. A ideia de uma invariância decorre da analogia com um modelo de projeção utilizado em geometria, por meio da qual uma figura geométrica pode assumir diversas formas no espaço quando projetada a partir de um eixo cartesiano e, ainda assim manter, uma essência comum, ou seja, uma invariância.

Salomonsson (2007) propõe que deveríamos falar de transformações semióticas e não simplesmente de "transformações", pois o autor, embora aceite que as transformações sigam um processo continuo, não concorda que ele se dê a partir de uma invariância. Ao adicionarmos o vocábulo semiótica ao termo transformações, estamos enfatizando não apenas os movimentos formais das experiências, mas também a relação dialética entre formas assumidas e significado construído, que podem combinar-se infinitamente em um processo de crescimento psíquico.

Ferro (1995, 1999) nos descreve um modelo no qual os personagens, criados na história narrada da sessão, são nós de uma rede narrativa interpessoal que nascem como holografias da inter-relação emocional atual estabelecida entre analista e paciente. Queremos observar que nessa metáfora feliz e elegante existe uma condensação (talvez a melhor palavra fosse sincretismo) e uma organização dos afetos presentes na relação expressos através dos personagens. O fator organizador é a similitude de significados que se unem em uma rede afetiva. Em seu modelo, as transformações se expressam nas narrativas através da introdução de novos personagens ou mudanças na caracterização daqueles já existentes. Essa holografia é produto do par analista-analisando, e é a partir da apreensão da natureza profunda dessa relação que construímos a interpretação. A holografia que expressa a fantasia inconsciente da dupla em um dado momento relacional, quando apreendida pelo analista, é parte de sua revêrie.

A menção que Bion (1977) e depois Fédida (1991) fazem às transformações presentes na pintura levou-nos também a pensar a contratransferência e, posteriormente, a revêrie a partir da evocação. A evocação, veículo da identificação projetiva, é uma forma de apreensão não discursiva (um envelope pré-narrativo) de complexas redes de relações entre afetos inconscientes e ideias que permeiam a interação entre as duas subjetividades. Ela se expressa no mais das vezes, como já dissemos, numa captação imagética (mas pode também ser sob forma de sensações corporais, sinestésicas, gestualidades expressivas, melodias etc.) dos sentimentos envolvidos que permeiam o processo de constituição das representações mentais do paciente. É essa produção, que depois será objeto de sucessivas transformações de caráter semiótico e simbólico até tornar-se uma interpretação que poderá ser verbalizada para o paciente, que poderia ser considerada por nós como contratransferência e parte da revêrie. A interpretação é algo construído a partir do processo de simbolização em curso e não algo dado pela captação mental do analista considerada em si mesma.

As evocações produzidas na mente do analista são maneiras, a nosso ver, de organizar os afetos através do estabelecimento de certas conexões entre eles, que não são conscientes nas vivências expressivas das fantasias, no plano da vida consciente, e que permeiam a interação que está ocorrendo na sala de análise.

Para podermos captar as experiências emocionais que constituem as fantasias inconscientes, necessitamos de símbolos como seus veículos. A filósofa Susanne Langer (1942) em sua teoria sobre como os significados são formados por meio de sua expressão simbólica faz uma distinção entre duas categorias de símbolos que nos parecem bastante úteis para compreendermos o que ocorre na constituição do processo de revêrie. Langer propõe uma diferenciação entre simbolismo apresentativo ("presentational") e simbolismo discursivo. O primeiro é associado às formas expressivas da emoção, é não-discursivo, e tem um caráter fundamentalmente conotativo (refere-se ao significado subjetivo e transmite informações por evocar outras realidades através de associações e formas sensoriais). Um exemplo disso poderia ser a imagem de uma mesa. O segundo é discursivo e tem caráter denotativo (refere-se ao significado objetivo, é a palavra em estado de dicionário). Um exemplo é a palavra "mesa". As palavras são nossos símbolos mais poderosos que propiciam ao pensamento sua plasticidade. O simbolismo apresentativo é intuitivo (muitas vezes uma forma de intuição condensada) e nutre-se dos padrões de nossa vida emocional, sendo através dessa forma que afetos são evocados. Sua vocação não é a de apresentar ideias como proposições ou conceitos, tal como ocorre na linguagem natural, mas de exemplificar um sentir como (voltaremos a esse termo mais à frente). Essa distinção entre formas simbólicas nos permite captar, descrever e refletir sobre as representações evocadas.

Langer (1942) ao comentar como sentimentos são captados e transmitidos através de símbolos refere-se ao papel central exercido pelo simbolismo apresentativo e sugere que este tem a propriedade de transmitir o que ela chama de semelhança (likeness), isto é "exemplifica objetivamente aquilo que o sentimento parece ser subjetivamente (Innis, 2009, p. 47). Outros autores (Dewey, 1931, Pierce, 1992) referem-se a essa mesma propriedade dos símbolos como a qualidade de "ser como tal" (quality of suchness), ou seja, de exemplificar uma situação ou um caráter através de um conjunto de qualidades distintivas. Por suchness eles entendem algo muito próximo de similitude, isto é, a capacidade de sugerir tipos de experiência. Vejamos agora as qualidades específicas de cada tipo de simbolismo.

O simbolismo apresentativo não nomeia mas exemplifica aquilo do qual estamos falando (Innis, 2009). Innis escreve:

O sentimento em si mesmo, sua percepção através da qualidade tal qual das coisas, é a forma de construir significado, sendo assim as formas do sentimento, podem ser expressas através desse meio material, que nos dão o pleno conhecimento (de sua natureza), embora não possam ser postas em palavras (p. 48).

Nesse contexto, estamos considerando os símbolos captados através da evocação -como veículo da identificação projetiva, como já dito, e do que estamos considerando con-tratransferência - posteriormente parte do conceito de revêrie - como cristalizações das intuições. Estes podem ou não assumir uma forma expressiva além da representativa de alguma vivência emocional. É interessante que Paula Heimann (1977), em um trabalho que considerava complementar ao seu artigo de 1948, considerou a contratransferência como um sinônimo de intuição e/ou de empatia.

Como poderiamos ver essa problemática de um ponto de vista psicanalítico?

Para respondermos à questão, inicialmente necessitamos definir o papel da expressi-vidade2 no plano não discursivo e a sua relação com a discursividade no mundo interno nas suas relações com a vida mental consciente e inconsciente. O termo, da maneira que o estamos empregando, deriva de Collingood (1933) e de Benedeto Croce (1925, 2002) e refere-se a um aspecto da arte que não visa apenas descrever ou representar emoções, mas centralmente transmiti-las produzindo-as no outro ou em si mesmo, a partir de uma evocação, uma representação mental colorida pela emoção. A expressividade precede a capacidade comunicativa através de palavras. No caso, poderíamos dizer que é uma representação alo-cutória, ou seja, que é "comunicação (no caso não verbal) dirigida para alguém". Este seria o traço característico da identificação projetiva comunicativa.

Seguindo nossa linha de pensamento, diríamos que a evocação se consubstancia num processo (marcado pela ideia de movimento) na revêrie. No momento do impacto inicial gera uma desconstrução, uma desorganização seguida de uma nova articulação que permita a manifestação dos elos inconscientes entre afetos que interferem na constituição do significado da experiência emocional. Esses elos não são detectáveis na experiência consciente e, assim, não são vividos como experiência viva. Antes que possa haver uma interpretação, é necessário que o analista passe por um trabalho psíquico complexo, em parte consciente, noutra parte não. Não basta que ele se conscientize de quais sentimentos são projetados em sua mente pelo paciente, mas é também necessário que ele detecte de que maneira a vivência dos sentimentos o afetou. Essa segunda etapa é essencial para que possamos nos utilizar eficazmente da contratransferência e, até mesmo, para caracterizá-la conceitual-mente como tal. A discriminação, fruto de uma autoanálise, permite ao analista apreender o aspecto do paciente que é negado à sua consciência. É o restabelecimento das conexões (bonding em Bion) através da interpretação do analista que propiciam a possibilidade de elaboração da atitude defensiva do paciente ao negar a dor psíquica e, como consequência, aparelhá-lo (através da produção simbólica) para enfrentá-la. A interpretação que resultará desse processo não transmitirá apenas conhecimento sobre si mesmo ao paciente, mas uma possibilidade de ser (seria mais apropriado dizê-lo através de um neologismo borgeano: "tornando-se") diferente, pois, graças à apropriação dos aspectos expressivos da vivência emocional presente na interpretação, o analista está propiciando ao paciente a transição entre saber e tornar-se.

É a partir da contratransferência e/ou da revêrie, portanto, que captamos representações que nos permitirão apreender a natureza da relação transferencial na sessão da forma como esta é significada no mundo interno do paciente.

Fédida (1991) sugere que existe uma função da linguagem, que é central para esse processo exercida através da contratransferência e recorre a um neologismo bastante expressivo. Diz ele que a linguagem dá réson às coisas. O termo é um neologismo composto das palavras ressonância (réssonance) e razão (raison) e sugere que a linguagem do analista é resultado de uma ressonância, isto é de um som que (re)torna, e da razão. Razão aqui não é utilizada no sentido de intelectualização, mas se refere à capacidade do indivíduo de dar sentido, encontrar uma significação, para suas vivências emocionais. A incorporação do significado à vivência modifica a função da experiência emocional em nossas vidas. A linguagem, assim, não é cópia de uma vivência, mas aquilo que lhe dá sentido a partir de uma ressonância. Fédida diz:

Quando a coisa retorna à fonte das palavras, nomeá-la equivale a tomar o visual como desejo de linguagem da imagem. E a receptividade é esta capacidade da linguagem de permitir que a turbulência do nome surja em seu tom próprio. Desse tom engendra-se, pelo nome, o desenho interno da coisa, a lógica de seu sentido (1992, p. 192).

Da mesma forma que a imagem na tela é uma apreensão de conexões outras que sintetizam a totalidade das relações do sujeito com o mundo naquele instante, a evocação de imagens, sensações, sentimentos, lembranças, divagações cumpre o mesmo papel na contra-transferência/revêrie do analista. No entanto, esse primeiro movimento não é suficiente para que a evocação se constitua num fato analítico. Para que tal ocorra é necessário que o analista busque através de sua reflexão e autoanálise, o desejo de comunicação implícito na imagem. Não se trata de uma tarefa de adivinhação ou de simples decifração, mas de construção de um sentido a partir da apreensão das conexões/elos emocionais presentes na evocação e ausentes do discurso consciente. O próximo passo consiste em um esforço da parte do analista para colocar em palavras (numa forma simbólica discursiva) que será comunicada sob a forma de uma interpretação/observação (resposta ao desejo de linguagem, a busca do dizível) dirigida ao paciente. As palavras não são quaisquer, mas devem aspirar ser aquelas que produzam uma experiência emocional de insight (estabelecimento de elos), que gere no paciente um sentimento vivo de "ah, isso faz sentido e me permite compreender o significado desse instante de minha vida e de associá-lo a outros momentos". Sabemos que é difícil descrever a natureza de uma experiência de insight, mas todos os analistas e pacientes sabem quando ocorre. Todo esse processo se dá em instantes mediado por uma forma simbólica que articula significados, em um plano não necessariamente mediado por palavras. O casal Botela (2001) se refere ao primeiro estágio desse fenômeno como trabalho de figurabilidade. Ogden (1997b) faz menção ao processo acima como parte do que denomina efeitos de linguagem. São esses efeitos que transmitem o significado da experiência viva, e eles vão além do nomear e de descrever (também funções da linguagem). Ogden se refere a uma dimensão da linguagem que cria e comunica significados de maneira indireta, "relativamente independente do conteúdo do que está sendo dito" (1997b, p. 225). Neste artigo estamos associando o efeito à expressividade, à vivência do sentir como transmitida pelo símbolo, isto é, ao sentindo, (ao "ser" como verbo e não como substantivo) presente no símbolo. A expressividade dá ênfase a processos em transito, ao tornando-se, e não apenas ao conteúdo da informação transmitida.

Laplanche (1987) discutindo a linguagem aponta para uma dupla função por ela exercida. De um lado ela exerce uma função de abertura à comunicação, - enquanto o inconsciente por definição é fechamento - e por outro lado, uma função de simbolização definida como sua possibilidade de fazer entrar em conjuntos relacionais mais amplos, mais flexíveis e mais abertos, o que estava encerrado nos ciclos rígidos das fantasias inconscientes. A colocação em palavras por parte do analista serve a este propósito de abertura do inconsciente através de um enquadramento da experiência em redes afetivas mais amplas e mais passíveis de serem pensadas por passarem a existir sob a forma de símbolos pensáveis. É aqui que a "lenta mágica das palavras" passa a operar as transformações (Rolland, 2006).

É uma perspectiva que abre caminho para uma pesquisa da intersubjetividade na medida em que fica progressivamente enfatizado que na sessão analítica é construído um espaço comum constituído de algo que não é só o paciente nem só o analista, mas produto da interação entre ambos naquele momento, criando dessa maneira um novo sujeito que une interativamente suas duas subjetividades. Ogden (1994) o denomina sujeito da identificação projetiva.

Como a identificação projetiva é o veículo através do qual as evocações são construídas, a investigação dos aspectos que constituem o sujeito da identificação projetiva permitirá o aprofundamento da compreensão do fenômeno da contratransferência que, nessa perspectiva, precisa se transformar através da revêrie em uma interpretação, ou seja, necessita ser colocada na forma de uma simbologia discursiva para ser comunicada.

Ogden (1994) diz:

O processo analítico, caso bem-sucedido, envolve a reapropriação das subjetividades individuais do analista e analisando, que foram transformadas através de sua experiência no terceiro analítico recém-criado (o "sujeito da identificação projetiva"). Esse processo de resgate envolve a apropriação de si mesmo como sujeito (a transformação de um me-ness em I-ness) [em uma tradução livre: transformação de uma mim-dade e eu-dade] através de processos simbólicos de captação e transformação da experiência emocional, como venho sugerindo (p. 12).

Acolher ou conter o paciente, para Bion (1962b), no contexto do que estamos sugerindo, através da experiência da contratransferência que incorpora o conceito de revêrie, consiste em operar uma transformação nos sentimentos do paciente através da mente do analista, seja dando-lhe uma primeira representação mental para estados não mentais (função alfa sintética), seja alterando sua representação mental de estados anímicos insuportáveis, tornando a experiência uma nova representação, mais assimilável pelo aparelho mental (função alfa analítica) (Caper, 1997).

James Fisher (2011) num capítulo esclarecedor nos mostra que embora Bion nunca tenha se utilizado literalmente da expressão "conter em K" (container in K) indicava que um continente definia-se e permanecia como tal somente por permanecer continente em K. Fisher diz: "... querer conhecer e compreender a partir não de uma distância emocional, mas sim através do experimentar tais emoções e ainda assim retendo um estado mental em K" (p. 57). Fica muito claro em seu texto que Bion acreditava que o processo de continência se dava em K (conhecimento) e não em L (amor) ou H (ódio). As transformações, modificações e desintoxicações não se dão em função de ser amado ou de amar, mas são fruto de um desejo de conhecer, de uma curiosidade em entender o que está se passando emocionalmente com o outro através da experiência de conhecimento dos estados de espírito. Oferecer continência não é brindar o outro com mais amor como possam enganosamente pensar alguns analistas leitores menos atentos do texto bioniano. Contenção é oferecida através de um intenso desejo de conhecer o outro, de compreendê-lo através da percepção dos significados que o constituem que se completa ao produzir no outro/paciente uma vivência de fazer sentido para um outro, experiência esta que favorece a transformação da ansiedade em algo mais tolerável.

A função de revêrie, nessa perspectiva, engloba a contratransferência, na medida em que se constitui no processo através do qual metáforas são criadas e elas dão forma à experiência do analista das dimensões inconscientes da relação com o paciente (Ogden, 1997a). Nessa passagem, Ogden nos indica a importância de submeter o conteúdo da contratransferência a um trabalho psíquico. Esse processo não é nem sinônimo nem similar a uma simples reflexão. Trata-se de um trabalho de transformação, em grande parte inconsciente, semelhante ao trabalho necessário para compreendermos um sonho. Implica em desconstruirmos e depois reconstruirmos o trabalho onírico presente na formação das imagens ou pensamentos evocados. A abordagem ativa da experiência por parte do analista não depende apenas dele desejar executá-la, mas preponderantemente de sua sensibilidade, imaginação clínica (uma experiência em grande parte construída) e de sua capacidade de superar suas próprias resistências inconscientes quando entra em contato com o sofrimento psíquico.

Sugerimos que ao formularmos uma interpretação a partir da elaboração da contra-transferência, captada por nossa revêrie, operamos entre outros processos, o que os linguistas chamam de transmutação da base simbólica. Acreditamos que esse conceito seja muito útil para entendermos a função da simbolização em psicanálise.

Nesta altura podemos fazer uma síntese do que foi dito até agora. O paciente na sessão nos relata vivências, descreve fatos, menciona lembranças ou nos conta um sonho e, através dessas manifestações, elicia/evoca sentimentos e representações em nós e/ou ainda nos convida a atuar um determinado papel. Essa narrativa e suas expressões atuadas evocam em nós metáforas que combinam articulações discursivas e não discursivas que dão forma aos sentimentos que estão sendo projetados em nós na transferência. Nós, ao interpretarmos, colocamos as experiências evocadas em outra base simbólica, ou seja, transmutamos de uma base simbólica específica, no caso a linguagem evocativa dos símbolos visuais do sonho ou das metáforas ou ainda das vivências expressivas da contratransferência, em linguagem verbal descritiva de significados (outra base simbólica) e assim ampliamos a capacidade de pensar a experiência ao atribuirmos significado aos sentimentos envolvidos. A troca (mutação) de uma base simbólica para outra amplia o poder (da possibilidade de ressonância no espírito) de uma comunicação. Essa ampliação se deve a uma progressão da capacidade comunicativa, reflexo da nova base simbólica. Nesse contexto, como foi dito, a interpretação não é nem uma explicação causal nem uma mera descrição, mas se constitui no veículo de uma ampliação dos elos entre experiências emocionais significativas e promove novas ligações entre afetos ou redes afetivas.

Isso quer dizer que a imagem interior evocada é análoga (contem em si uma virtuali-dade metafórica), mas não idêntica, aos sentimentos do paciente. A interpretação, por sua vez, indica conexões entre afetos e redes afetivas que não existiam na consciência. Essa presentifi-cação das redes de afeto do paciente torna visível algo que não estava presente no discurso ou na conduta inicial do paciente, e pode nos dar acesso às suas fantasias e crenças inconscientes que constituem núcleos de significado que organizam seus sentimentos e conduta.

Através da revêrie do analista e do sonho do paciente temos acesso aos centros de atração do inconsciente ou, dito de outra maneira, aos objetos internos, em torno dos quais gravitam as relações emocionais, ou ainda ao que Meltzer (1983) chama de núcleos significativos da vida emocional. Essa expressão também é adotada por André Green (2002) (kernels of meanings).

Acreditamos que é a semelhança entre os processos de revêrie e do sonho que leva Fédida (1988) a propor que qualquer metapsicologia da contratransferência será baseada na metapsicologia da vida onírica.

Acreditamos que os enunciados acima constituem a base de uma metapsicologia da contratransferência à qual Fédida fazia menção.

 

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Correspondência:
Elias M. da Rocha Barros
[Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP]
Rua Doutor Homem de Mello, 644 / 42, 05007-001
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erbarro@terra.com.br

Elizabeth L. da Rocha Barros
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São Paulo, SP
elizabethlrochabarros@gmail.com

Recebido em 19/09/2011
Aceito em 22/11/2011

 

 

1 Estamos utilizando a palavra "imagem" no mesmo sentido que Susanne Langer (1967) o faz, ou seja, como definida cruamente com um material da imaginação.
2 The connection between intuitive knowledge, or expression, and intellectual knowledge, or conceptual, between art and science, poetry and prose, can be expressed in no other way than by talking of a connection between the two levels The first level is expression, the second the conceptual: the first can exist without the second, the second cannot exist without the first. There is poetry without prose, but there is no prose without poetry. Expression is, indeed, the first assertion of human activity. Poetry is "the mother tongue of the human species" (Croce, 2002, p. 29).

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