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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.47 no.2 São Paulo abr./jun. 2013

 

COMENTÁRIOS SOBRE A ENTREVISTA

 

Contemporaneidade: refletindo com Olgária Chain Féres Matos

 

Contemporaneity: reflecting with Olgária Chain Féres Matos

 

Contemporaneidad: reflexiones con Olgária Chain Féres Matos

 

 

Maria de Fátima Chavarelli

Psicanalista, membro efetivo e analista didata da Sociedade Psicanalítica de Mato Grosso do Sul SPMS

Correspondência

 

 


RESUMO

A autora constrói seu texto a partir das impressões que a entrevista de Olgária Chain Féres Matos suscita em seu psiquismo. Pondera certo desconforto entre o que pensa sobre a contemporaneidade e o que sente. Comenta sobre o fenômeno da velocidade do tempo, marca da contemporaneidade, e o contrasta com a visão de tempo dos gregos. Acredita que a "terapia" seja de fato um antídoto para a psicopatologia do mundo contemporâneo. Relata sua experiência com a educação e desenvolve uma hipótese sobre a questão do totemismo na atualidade. Conclui que a informática vem sendo o eixo estruturante da organização do mundo e da ética, semelhantemente à organização totêmica dos povos selvagens.

Palavras-chave: contemporaneidade; totemismo e modernidade; temporalidade veloz.


ABSTRACT

The author develops her narrative drawing on the impressions that an interview with Olgária Chain Féres Matos brings out in her psyche. Pondering a certain discomfort between her thoughts and feelings about contemporaneity, she comments on the phenomenon of the speed of time - a hallmark of contemporaneity - contrasting it with the view of time held by Ancient Greeks. Expressing her belief that "therapy" is truly an antidote to the psychopathology of the contemporary world, she recounts her experience in education and develops a hypothesis on the matter of totemism today. She concludes that information technology has become the structuring axis of the world's organization and ethics, in a manner similar to the totemic organization among savages.

Keywords: contemporaneity; totemism and modernity; fast-paced temporality.


RESUMEN

La autora construye su texto a partir de las impresiones que la entrevista de Olgária Chain Féres Matos suscita en su psiquismo. Reflexiona sobre cierta incomodidad entre lo que piensa al respecto de la contemporaneidad y lo que siente. Comenta sobre el fenómeno de la velocidad del tiempo, marca de la contemporaneidad, y lo contrapone a la visión griega del tiempo. Considera que la "terapia" sea de hecho un antídoto para la psicopatología del mundo contemporáneo. Relata su experiencia con la educación y desarrolla una hipótesis sobre la cuestión del totemismo en la actualidad. Concluye que la informática actúa como el eje que estructura la organización del mundo y de la ética, semejante a la organización totémica de los pueblos salvajes.

Palabras-clave: contemporaneidad; totemismo y modernidad; temporalidad veloz.


 

 

O amor pelo pensar e a tendência da mente do psicanalista em fazê-lo nos levam a sondar o universo da filosofia com um olhar curioso e penetrante para esses dois mundos tão próximos e familiares: a filosofia e a psicanálise. Os gregos e a inspiração filosófica estão intimamente imbricados em todo o corpo do conhecimento psicanalítico, deixando marcas indiscutíveis em todo o seu arcabouço teórico. Por outro lado, tão difícil é para nós, clínicos, trabalharmos com a racionalidade durante um tempo um pouco mais significativo. Dessa forma, para comentar a brilhante entrevista de Olgária Matos, decidi deixar-me "caminhar", norteada pelas impressões que seu texto ia impregnando em minha alma, quase que em um estado onírico, atenta em captar as simbolizações que seu discurso poderia fecundar em meu ser; tentando observar, quem sabe, se essa temporalidade veloz - marca da atualidade, como diz Olgária - estaria a impedir meu exercício da afetividade e do contato. É minha intenção comentar os pensamentos e as associações que me foram brotando à medida que fui entrando em contato com o texto da autora.

As palavras de Olgária fazem muito sentido para o que podemos observar da realidade atual em relação ao mundo externo. Os fenômenos descritos pela entrevistada são incontestáveis. Por outro lado, ao lê-los, percebia um fosso entre os pensamentos que disparavam em mim como leitora e o que de fato sentia ao olhar para minha realidade interna, para aquilo que vivo como sujeito da contemporaneidade. Curiosa em compreender essa disparidade entre meu próprio pensamento e meus sentimentos - até porque seria impossível não concordar com a visão de mundo da autora -, entendí que comentar essa entrevista exigiría trabalho pessoal elaborativo, nada fácil de minha parte.

Fui então buscar meu primeiro contato com o conceito de "contemporâneo", advindo do pensamento de Giorgio Agamben:

Contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro. Todos os tempos são, para quem deles experimenta contemporaneidade, obscuros. Contemporâneo é justamente aquele que sabe ver essa obscuridade, que é capaz de escrever mergulhando a pena nas trevas do presente. Mas o que significa ver as trevas, perceber o escuro? (2009, p. 58).

No mesmo texto, Agamben, citando Nietzsche, diz que ser verdadeiramente contemporâneo é não coincidir com seu próprio tempo, nem se adequar a suas pretensões - e, portanto, nesse sentido, ser contemporâneo é ser inatual, embora seja exatamente isso, esse deslocamento e esse anacronismo, que torna o indivíduo contemporâneo, mais que os outros, apto a perceber seu tempo e apreendê-lo. A contemporaneidade é uma relação singular com seu próprio tempo, ao qual o sujeito está aderido e, simultaneamente, dele se distancia. Há, desse modo, dissociação e anacronismo. Aqueles que coincidem muito plenamente com sua época, diz ele, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela. Talvez aqui eu já pudesse ser capaz de inferir que, por um lado, muito de mim concordava com a visão de contemporaneidade de Olgária, mas por outro, também é possível que não estivesse aderida a esta temporalidade, e daí o desconforto.

Com esse pequeno aporte inicial sobre o pensamento agambeniano, talvez já possamos começar a tecer alguns paralelos entre a concepção de "contemporâneo" para a psicanálise e para a filosofia.

A psicanálise vai dialogar com a filosofia de Agamben justamente porque este autor aponta para as entrelinhas do tempo e do discurso; aponta para o que não é visto e para a "escuridão". O autor propõe um afastamento de seu próprio tempo para, desse lugar, refletir sobre as vicissitudes da história até os dias atuais, quer seja a história da humanidade ou (permito-me acrescentar) a pessoal. A posição desse pensador sobre seu tempo ou sobre a contemporaneidade é a mesma que a do paciente que se coloca a postos para analisar sua mente: um pensador (observador) de seu próprio pensamento, como diria Bion (1994).

Compreendi que, apesar de concordar com as concepções de Olgária sobre a velocidade da modernidade, não conseguia fazer coincidir esse tempo, o tempo da realidade externa, com o tempo e com a noção de realidade psíquica. Pus-me a pensar se o antídoto para essa adesividade às premissas atuais e às prerrogativas dessa realidade circundante do mundo externo seria fruto de um trabalho interno que podemos adquirir por meio de um contato com nosso mundo mental. Sobre isso, Olgária comenta:

... muito da subjetividade constitui-se a partir da atenção, mesmo que seja distraída, e também de uma imersão nos objetos de contemplação, de reflexão. Essa temporalidade veloz impede que o tempo de exercício da afetividade para a consolidação de laços possa se estabelecer. Eu até diria que a aceleração do tempo é uma das figuras do patológico contemporâneo.

Olgária parece concordar que a subjetividade se constitui a partir de uma reflexão - portanto, de um trabalho interno. A grande questão que se coloca é: o que causa a impossibilidade do exercício da afetividade? Seria essa aceleração do tempo? Para tal discussão, fui buscar na mitologia alguns recursos para pensar.

O tempo ao qual a autora se refere está mais para o deus Chronos do que para Kairos e Aeon. Para os gregos, Chronos era a personificação do tempo, e esse povo via o tempo sob três conceitos: Chronos, Kairos e Aeon. Enquanto Chronos se refere ao tempo cronológico, ou sequencial, que pode ser medido, Kairos refere-se a um momento indeterminado no tempo, em que algo específico acontece. Já Aeon é um tempo sagrado, sem medida precisa; tempo da criatividade, em que as horas não transcorrem cronologicamente. Constatamos, assim, que os gregos já dispunham de clara compreensão sobre a realidade e a noção de tempo do inconsciente. A mitologia conta que Chronos, por medo de ser destronado, engolia os filhos ao nascerem, o que conota a ideia de que todos, ao nascermos, seremos engolidos pelo tempo. No cristianismo, por sua vez, vamos encontrar a ideia de expulsão do paraíso, advinda da aquisição do conhecimento, também com clara alusão à noção de envelhecimento, sofrimento e morte.

Todas essas concepções fazem-nos pensar que, no período clássico, como aponta Olgária, a noção de tempo estava mais voltada para Kairos e Aeon, enquanto a partir do Renascimento e na contemporaneidade essa concepção se aproximou da ideia de Chronos. Em psicanálise, com a postulação do inconsciente, esse tempo voltará a ser norteado por Kairos e Aeon - portanto, um retorno ao pensamento grego. Nesse sentido, o tempo da sessão de análise e da experiência com o inconsciente é um tempo em suspenso, de contato com a interioridade do sujeito, e a partir de um Ego observador, o analisando desliza por sua história e memórias presentificando seus afetos, como se Aeon assumisse soberania.

Talvez o sujeito da análise, ainda que norteado por Chronos, mas não aderindo a ele, esteja mais próximo de apreender a noção do "ser contemporâneo". Não estando acorrentado às prerrogativas da cultura, quem sabe não possa assisti-la ao tecer suas impressões no tear transgeracional de sua memória. O modelo freudiano pressupõe que, ao se levantarem as comportas da barragem das repressões, o rio caudaloso de nossa memória passa a fluir volumosamente em direção aos mares da consciência. Esse contato com os traços de memória ontogenética e filogenética represadas, que pode advir durante um trabalho de análise, parece funcionar como antídoto, como já apontado, e como instrumento contra as amarras da contemporaneidade indicadas por Olgária, com a possibilidade de desenvolvimento de uma mente analítica, ou de um Ego observador, que nos torna mais livres para essa não colagem e para o que comumente compreendemos como "ser contemporâneo": olhar para as trevas e não para as luzes; sentir e apreender o que não está posto, mas que ao mesmo tempo determina.

Novamente recorrendo a Freud (1913/1969): quando este deixa por entender, em seu magistral texto "Totem e tabu", a pergunta decisiva "O que é a cultura?", liberta-nos com essa indagação de uma certa aderência a essa grande construção que é a cultura como fenômeno dado.

Parece-nos fundamental para essa discussão recuperarmos Freud e também Darwin. Remontando aos primórdios e aos percalços dessa edificação ou do processo civilizatório, Freud nos coloca como observadores desse fenômeno e, principalmente, como observadores de nós mesmos e de nossos ancestrais.

Acompanhando o pensamento de Olgária, também no âmbito da educação ela nos conta sobre seus pessimismos, e certamente podemos conferir esse fenômeno na atualidade -e aqui, mais uma vez, gostaria de pensar psicanaliticamente.

Exercendo a função de docente em uma universidade por cerca de vinte anos, e entendendo muito cedo que não teria o perfil para atender as exigências governamentais de produzir pesquisas maciçamente, a qualquer preço, afastei-me e dediquei-me a ministrar aulas, que sempre me foram profundamente prazerosas. Nessa atividade, fui percebendo que, mais que o conteúdo em si, como já apontava Freud, meu encanto pelo conhecimento talvez fosse a variável mais importante para meus alunos. As relações transferenciais e contra-transferenciais sempre foram o mote para a aquisição do conhecimento. Não basta acumular conhecimento; é preciso que ele seja vivo e cotejado pela experiência, e isso certamente só poderá ocorrer por meio dos vínculos instaurados nos primórdios do desenvolvimento, e posteriormente deslocados para a educação formal. Que experiências tive com as primeiras descobertas e aprendizagens? Quais os registros de memória, quais as sensações que os primeiros educadores me causaram? Quando o mestre não está mais presente, esses registros continuam existindo dentro de mim. Presumo que, uma vez que a experiência do conhecimento seja introjetada como prazerosa, "Dr. Google" ou o iPad nas escolas podem tornar-se um detalhe, em meu entender.

No entanto, concordo com Olgária quando diz que os professores não se reconhecem nos métodos atuais, até porque não acredito que alguém possa se reconhecer em algo imposto de fora para dentro. Quanto àqueles que possuem maturidade emocional, é possível que escapem dessas amarras da educação contemporânea. E aqui percebo o desencontro inicial que senti na primeira leitura da entrevista: concordava em um plano e, em outro, não conseguia ressonância em meu íntimo. Era como se eu discordasse de meus próprios conceitos: não conseguia concordar comigo mesma. Estranha sensação. Mas Olgária me acalma, quando fala que

... a questão não é de técnica, mas de compreender intuitivamente, ou pela experiência, como se comunicar com um conjunto de estudantes. É aí que tem que se usar a imaginação criadora para poder transmitir os conhecimentos e se fazer compreender por aquele que lhe ouve, ou seja, se fazer ouvir.

Aqui, a autora parece remeter-se ao fenômeno do "vínculo", comentado acima, das transferências e contratransferências que são instauradas no processo da aprendizagem. Nesse sentido, em meu entender, a educação vem ao encontro da terapêutica, já que o mestre, mais que repassar conhecimento, ensina a pensar, desperta emoções e instaura registros de experiências que mais tarde poderão ser revividas, como exposto acima. Esse contato com a capacidade de pensar constrói ainda a humanidade.

As discretas esperanças às quais a filósofa se refere "têm a ver com reaver os valores que perdemos, aquele fio que se desfez. E reaver a grande literatura: ler e ouvir os clássicos, como formação". Sem dúvida, o contato com os clássicos, com os grandes pensadores, pode nos mostrar quão pouco caminhamos em termos de conhecimento da alma humana. Ao ouvirmos as descrições de Miguel de Cervantes sobre o sofrimento de seu maior personagem, Dom Quixote, sentimos que os clássicos foram capazes de magistralmente esquadrinhar as vicissitudes do labirinto mental. Antes dos psicanalistas, a mitologia, a literatura e tantos outros saberes já possuíam suas lupas para os conflitos e o sofrimento humano. Acredito que a postulação de Olgária de que todos os saberes nascem como uma terapêutica advenha da possibilidade de que estes mesmos conhecimentos nos capacitem a representar psiquicamente os meandros da conflitiva psíquica.

Sobre a aquisição do conhecimento, a filosofia da ciência mostra-nos que este pôde ser alcançado de maneiras diferentes: a primeira delas foi a do conhecimento advindo por meio da mitologia, por meio de histórias fantásticas que, de alguma maneira, teciam suas explicações sobre os fenômenos terrenos e humanos, e também criavam a possibilidade de uma organização; posteriormente, surgiu a metafísica (Deus é bom, o homem é mau etc), para só então, mais tarde, aparecer o pensamento científico.

Hoje, a aquisição de nosso conhecimento também sofre suas especificidades, seja por intermédio dos meios tecnológicos, sem a presença da figura do professor, seja por meio dos rótulos das propagandas, como fala nossa filósofa. É possível que ainda não saibamos quais serão as configurações do futuro e que ser humano surgirá a partir dessas novas modalidades civilizatórias. De alguma maneira, esse homem está sonhando, buscando saídas para suas impulsividades. De alguma maneira, esse homem tenta se reinventar e simbolizar.

Acredito sinceramente que a "terapia", conforme aparece no corpo da entrevista, de fato possa ser um dos caminhos para essa discreta esperança, uma vez que promove a atividade de um "sonhar", de um espaço para criar e simbolizar. Não aparece como uma terapia de "cura", no sentido médico, mas de "cura" no sentido de ampliar o imaginário, de promover novas saídas para a instintividade, novas "soluções" para os conflitos da cultura. Hoje, o que se está encontrando com as inovações tecnológicas é uma saída via "temporalidade veloz"; por outro lado, ainda que não vejamos, Kairos e Aeon estão lá, inegavelmente presentes - nos devaneios, nas artes, nas criações e inovações tecnológicas, nos conflitos e no sofrimento. Nesse sentido, em que mudamos? Ainda procuramos novas modalidades de satisfação e equilíbrio das cargas pulsionais. E aqui algo me ocorre ainda sobre o mundo grego, na terra das olimpíadas e dos primeiros records, das primeiras tentativas de ultrapassagem das próprias marcas do tempo das limitações individuais. Penso que, assim como os gregos, hoje também queremos transcender a nós mesmos, talvez em uma tentativa falida de ludibriar a própria morte.

Concluo que algumas variáveis mudaram de roupagem, em novas configurações da contemporaneidade, mas - desculpem-me, senhores - ainda acredito que continuamos os mesmos, às vezes mais rasos, às vezes mais reflexivos, mas ainda amamos, odiamos, criamos, destruímos.

É possível que o descompasso interno por mim vivido a partir do texto advenha do fato de que diferentes áreas do saber trabalham com fenômenos que estão postos sobre o tecido da cultura, fenômenos estes que são pensados e compreendidos dentro de um paradigma que norteia o processo civilizatório, enquanto a psicanálise investiga a construção das mentes que erigiram essa civilização.

Em "O mal-estar na civilização", Freud (1930/1969) já apontava o eterno dilema dos problemas civilizatórios; em "Por que a guerra?" (Freud, 1933/1969), já dialogava com

Einstein sobre os destinos da agressividade humana. É bem provável que as configurações psicopatológicas também adquiram novas formas de expressão. No entanto, acredito que estas se utilizarão apenas de novos instrumentais oferecidos pela modernidade, assim como a pintura ou a escultura poderão vir a usar novos materiais, mas o trabalho mental do artista e seu fim último ainda decorrerão do interjogo das mesmas forças instintivas de nossos ancestrais.

Sobre a perda dos totens e dos tabus na contemporaneidade, citada pela filósofa, com a noção de dessublimação repressiva de Marcuse, trabalhei em outro momento com essa ideia (Chavarelli, 2003), pensando que esse totem se refere a uma organização interna, um eixo estruturante de uma "tribo" psíquica. Nos primórdios da humanidade, temos a ideia de um totem propriamente dito que organiza as relações sociais; posteriormente, esse totem passou a ser os deuses mitológicos; mais tarde, com o advento do monoteísmo, o Deus das religiões passa a nortear nossa organização pessoal e social e nossa ética no mundo; e hoje, de alguma maneira, todos nós nos construímos a partir de um eixo, de uma organização, e para isso buscamos alguns representantes ou símbolos que a modernidade vai nos oferecer: nesse momento será a velocidade e facilidade nas comunicações, que pode ser reproduzida nas relações virtuais e na educação massificadora decorrente do mesmo advento das telecomunicações.

Retomando a história da civilização, o controle do fogo erigiu e norteou uma etapa da civilização; a construção das grandes catedrais pode ser citada como outro elemento totêmico na Europa medieval; o pensamento científico será ainda outro momento; e hoje, quem sabe, não estaremos erigindo como totem a informatização. Os robôs tão esperados no passado, dominando nosso dia a dia, chegaram na forma dos computadores domésticos: telefonia, GPS, acesso rápido a todo tipo de conhecimento através da Internet, informação em tempo real das guerras e acontecimentos do mundo, o Skype que aplaca a saudade de nossos entes que estão do outro lado do mundo etc, etc.

De fato, a telecomunicação parece ser o totem contemporâneo e, se bem observarmos, tem determinado as modificações nas relações amorosas, nos vínculos de todas as maneiras, nos negócios, nas guerras e na paz. A ética atual parece ser uma ética para esse novo totem, mas também decorrente desse mesmo totem. O modelo de eixo mudou, mas os caminhos da edificação civilizatória são, nesse raciocínio, equivalentes aos do eixo da Era do Fogo ou aos de totem e tabu de Freud.

Não por acaso nossa entrevistada aponta a psicanálise como um dos redutos da contemporaneidade para a reflexão: um espaço eremítico atualizado, um espaço-tempo que minimiza a força de Chronos e lida com um vazio que gera a criação e a compreensão da brevidade da vida. E quem sabe esse não seja o antídoto para o supérfluo - daí eu poder viver essa velocidade por um lado, e por outro, não me perder no atual.

 

Referências

Agamben, G. (2009). O que é o contemporâneo? E outros ensaios (V. N. Honesko, trad.). Chapecó, SC: Argos.         [ Links ]

Bion, W. R. (1994). Estudos psicanalíticos revisados (W. M. de Melo Dantas, trad.). Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Chavarelli, M. F. (2003). Psicanálise e ciência: de que ciência estamos falando? Revista Brasileira de Psicanálise, 37(4),1035-1049.         [ Links ]

Freud, S. (1969). Totem e tabu. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 13, pp. 17-193). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1913).         [ Links ]

Freud, S. (1969). O mal-estar na civilização. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 21, pp. 81-177). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1930).         [ Links ]

Freud, S. (1969). Por que a guerra? In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 22, pp. 241-263). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1933).         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Maria de Fátima Chavarelli
Rua 15 de Novembro, 2630
79020-300 Campo Grande, MS
Tel.: (67) 3382-2312
mfacch@terra.com.br

Recebido em 27.5.2013
Aceito em 12.6.2013

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