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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.47 no.4 São Paulo out./dez. 2013

 

RESENHAS

 

Projective identication: the fate of a concept

 

 

Belinda Mandelbaum

Psicanalista e professora associada do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP)

 

 

Organizadoras: Elizabeth Spillius & Edna O'Shaughnessy
Editora: Routledge, London, 2012, 432p.
Resenhado por: Belinda Mandelbaum

Sessenta e seis anos após o "marco de fundação" do conceito de identificação projetiva no texto "Notas sobre alguns mecanismos esquizoides" - escrito em 1946 por Melanie Klein -, Elizabeth Spillius e Edna O'Shaughnessy publicam este livro, que é resultado do mapeamento que realizaram sobre os destinos do conceito entre psicanalistas de diversos países, todos eles membros de sociedades de psicanálise ligadas à International Psychoanalytical Association (IPA). O mapeamento apresenta-se aos leitores por meio de um conjunto de vinte e um capítulos, que se inicia com o texto seminal de Klein, seguido de seus desenvolvimentos entre kleinianos ingleses - W. R. Bion, Herbert Rosenfeld, Betty Joseph, Michael Feldman e Ignes Sodré -, de um texto de Joseph Sandler - do grupo freudiano da Sociedade Britânica de Psicanálise -, e de autores europeus -Helmut Hinz, Jorge Canestri e Jean-Michel Quinodoz -, norte-americanos - Roy Schafer, Arthur Malin, James S. Grotstein, Thomas H. Ogden e Albert Mason - e latino-americanos - Luiz Meyer, Gustavo Jarast, Marina Massi e Juan Francisco Jordan-Moore -, que apresentam um panorama dos destinos da identificação projetiva entre psicanalistas conterrâneos ou trazem uma contribuição pessoal significativa sobre os limites e possibilidades teóricos do conceito para a compreensão do funcionamento mental patológico e normal, bem como de suas aplicações na clínica psicanalítica.

Mas antes de tratar de algumas questões centrais que emergem da leitura deste mapa organizado por duas psicanalistas kleinianas, e dos destinos que ele permite visualizar, penso que vale uma nota sobre os antecedentes do conceito, tal como nos lembram diversos autores presentes no livro - dentre eles, as próprias organizadoras e Joseph Sandler. Se a denominação do fenômeno psíquico, que envolve uma configuração particular de fantasias, ansiedades e defesas, é da autoria de Klein, nem sua descrição nem o termo aparecem em primeira mão em seu texto. Fairbairn, Anna Freud e mesmo Freud já haviam descrito, com outros nomes, alguns dos aspectos centrais do que se reúne sob o nome de identificação projetiva. Sandler, em seu artigo "The concept of projective identification" (1987), incluído no livro, relata que, no período entre as duas grandes guerras, e particularmente após meados dos anos vinte, os processos de internalização e externalização tornaram-se cada vez mais importantes no pensamento psicanalítico, e eram já evidentes em pacientes psicóticos. Também as organizadoras, em suas palavras finais, citam o artigo de Freud, de 1915, "O inconsciente". Lá, ele diz: "É um fato bastante notável que o inconsciente de um ser humano possa reagir ao de outro, sem passar pela consciência. Isto merece uma investigação mais acurada" (p. 365)2.

Quanto à cunhagem do conceito, Spillius mostra na introdução que o termo identificação projetiva fora usado, antes de Klein, por Edoardo Weiss, em 1925, "no intuito de explicar a escolha de objeto sexual" (p. 3), e em 1945 por Marjorie Brierley, também da Sociedade Britânica, que escreve: "A identificação projetiva do ideal de ego com um objeto externo, humano ou abstrato, pareceria ser um aspecto da economia de todos os fanáticos" (p. 4).

Spillius comenta que, apesar de Klein e Brierley não se referirem ao trabalho uma da outra, uma discussão considerável sobre introjeção, projeção e identificação ocorria entre os analistas ingleses nos anos quarenta. Mas ninguém questiona - pelo menos não neste livro - a propriedade kleiniana do termo. Foi Klein que o utilizou pela primeira vez para nomear o fenômeno cuja descrição é tão familiar aos psicanalistas ligados à IPA no mundo todo: "Muito do ódio contra partes do self é agora dirigido à mãe. Isto leva a uma forma particular de identificação que estabelece o protótipo de uma relação de objeto agressiva. Sugiro para estes processos o termo 'identificação projetiva'" (p. 27).

No mesmo texto, Klein dirá que não apenas o ódio, mas também o amor é dirigido à mãe, o que permite à criança estabelecer uma relação e uma identificação amorosa. Desta definição desdobraram-se modos de pensar e trabalhar a clínica psicanalítica voltados para a investigação dos processos de comunicação de afetos, fantasias e pensamentos inconscientes entre o paciente e o analista.

O mapa traçado no livro, para seguir os destinos do conceito a partir de sua introdução no texto de Klein, tem como guias os vinte e um autores ali reunidos, que por sua vez nos apresentam um conjunto mais amplo de psicanalistas que contribuíram significativamente para o entendimento e uso do conceito em seus países. Sugiro que outro guia seja ainda o próprio conceito. Porque nosso percurso de leitura pode ser orientado pela indagação sobre os processos de apropriação e identificação dos diversos autores/psicanalistas com o conceito de identificação projetiva. O conjunto dos textos nos permite acompanhar desde processos de identificação total com o pensamento de Klein até alguns dos motivos pelos quais ele foi completamente rejeitado e ignorado, passando, além disso, pelo questionamento de certos autores sobre a possibilidade de o conceito ser ou não integrado, como objeto parcial, a outros sistemas de pensamento e prática psicanalítica. Acompanhemos um pouco mais de perto estes diferentes destinos.

A primeira sequência de capítulos é de autores do grupo kleiniano da Sociedade Britânica. Sabemos, e os textos estão ali para mostrar, como cada um deles desdobrou o sistema teórico-técnico kleiniano - principalmente a compreensão e uso do conceito de identificação projetiva - em uma direção específica: Bion, com o papel transformador do psicanalista em relação às identificações projetivas do paciente, que ele pode (ou não) conter, pensar e devolver em comunicação verbal ou ação interpretativa, de modo a contribuir para o crescimento psíquico do paciente; Rosenfeld, no trabalho com pacientes psicóticos, que tendem a fazer uso massivo de comunicações concretas, pré-verbais, com uma demanda urgente de proteção de si e controle do outro; Betty Joseph, com a ênfase na importância dos esforços defensivos do paciente vinculados ao uso da identificação projetiva para a manutenção de seu equilíbrio psíquico; Michael Feldman, sobre a natureza do envolvimento que o paciente requer do analista, tendo como foco um modelo interacional para a compreensão do engajamento da dupla analítica em uma atuação inconsciente; e Ignes Sodré, ao afirmar que a identificação onipotente, seja por projeção ou introjeção, borra as fronteiras entre o self e o objeto a ponto de não mais se saber quem é quem. Ou seja, cada um destes autores, incorporando o conceito como parte de um sistema integral de pensamento, elaborou-o e desenvolveu-o de maneira pessoal, de modo que hoje o que consideramos como psicanálise kleiniana não se restringe evidentemente às contribuições de Klein, mas incorpora as leituras singulares desenvolvidas no interior do diálogo entre estes e outros autores que um livro só não é capaz de conter.

Determinados autores indagam-se sobre a possibilidade de o conceito de identificação projetiva ser utilizado fora do sistema kleiniano. É interessante seguir este debate no decorrer do livro e ver como ele suscita posições opostas. Joseph Sandler diz, em 1987:

Nos últimos 35 anos, a identificação projetiva foi cada vez mais vista pelos analistas kleinianos como um mecanismo central da contratransferência, e neste sentido o acréscimo feito por Bion do modelo continente-contido desempenhou um papel especialmente importante ... É possível citar muitos outros modos pelos quais o conceito foi empregado, e é claro que sua natureza "coletiva" e necessariamente "elástica" deve tornar implausível qualquer definição precisa. Mas é igualmente claro que o termo identificação projetiva carrega consigo uma ideia que se mostrou de valor substancial para um grupo significativo de analistas. Ele tornou-se um conceito kleiniano central, embora seja também utilizado por analistas de outras orientações. Entretanto, é uma noção difícil de discutir de uma perspectiva não kleiniana (p. 168).

Sandler diz então que, para "agarrar" o conceito em uma moldura de referências significativamente diferente da kleiniana, ele precisará desmontá-lo em sua mente, a fim de digeri-lo e absorvê-lo. Seu texto é o resultado desta desmontagem, através da qual busca inserir em seu sistema teórico os diferentes estágios da identificação projetiva - em suas palavras, a ocorrência na vida de fantasia, a identificação por parte do analista e sua modificação em pensamento. Faz parte deste processo sua ênfase no fato de que a identificação projetiva é uma fantasia, que a cisão é feita nas representações do self e do objeto, e que "não se considera que o objeto real empregado no processo de identificação projetiva seja afetado" (p. 171). Ou seja, Sandler absorve o conceito, mas rejeita aspectos essenciais do modo como ele veio a ser utilizado pelos analistas kleinianos, que sem deixar de vê-lo como uma fantasia, ressaltam, no entanto, a concretude com que o mecanismo afeta o objeto.

Jorge Canestri também alerta para os riscos do uso do conceito separado de sua moldura teórica de referência:

Precisamos nos perguntar se é possível utilizar um conceito retirado de uma teoria no contexto de outra, sem alterá-lo ou transformá-lo em outra coisa e sem que o conceito em questão entre em óbvia contradição com a teoria para dentro da qual foi importado. Devo dizer, revendo a literatura sobre o tema, que é difícil não concluir que em certos usos o conceito de identificação projetiva torna-se irreconhecível e incompatível com sua teoria hospedeira, bem como a torna incoerente (p. 206).

Parece bastante razoável. A identificação projetiva surge no sistema kleiniano, em primeiro lugar, no interior de uma teoria do desenvolvimento, como defesa e parte de uma configuração específica - a posição esquizoparanoide -, que envolve a cisão do self e dos objetos e a expulsão das partes ameaçadoras para fora do self e para dentro do objeto. Esta configuração constitui um momento necessário do desenvolvimento, como forma de sobrevivência psíquica do bebê diante do caos aterrorizador do mundo interno e externo. É um modo de lidar com as ansiedades persecutórias. O que sobra da identificação projetiva fora desta configuração? Ogden, porém, contesta estas razões, o que lhe permite utilizar o conceito desvinculado do todo kleiniano:

... o conceito de identificação projetiva é inteiramente separável do enquadre da teoria de desenvolvimento de Klein, bem como, neste aspecto, de qualquer outra escola de pensamento psicanalítico. Em particular, não há ligação necessária entre identificação projetiva e pulsão de morte, inveja, agressividade constitucional ou qualquer outra faceta da teoria clínica ou da metapsicologia especificamente kleiniana. Além disto, não há nada que vincule o conceito de identificação projetiva a qualquer esquema dado de desenvolvimento. O conceito de identificação projetiva apenas requer que: (1) o projetor (bebê, criança ou adulto) seja capaz de fantasiar projetivamente (embora frequentemente de forma muito primitiva em seus modos de simbolização) e de se relacionar com o objeto de formas específicas, que estão envolvidas nas fases de indução e reinternalização da identificação projetiva; (2) o objeto da projeção seja capaz do tipo de relação de objeto que está envolvido em "receber" uma projeção, além de ser capaz de alguma forma de "processamento" da projeção. Em algum ponto do desenvolvimento, o bebê torna-se capaz destas tarefas psicológicas e é somente nesse ponto que o conceito de identificação projetiva torna-se aplicável. É uma pena que a discussão sobre identificação projetiva tão frequentemente caia na armadilha de um debate sobre o esquema de desenvolvimento kleiniano, que de modo algum é inerente ao conceito de identificação projetiva (p. 288).

Ogden enfatiza o caráter interacional da identificação projetiva, na esteira de seus desenvolvimentos por Bion. O capítulo de sua autoria que compõe o livro é de 1979, e sabemos dos percursos subsequentes de seu pensamento em direção à intersubjetividade. Mas será que, ao se reduzir o conceito aos elementos centrais da mecânica de funcionamento da interação analítica, não se corre o risco de transformar o trabalho psicanalítico em uma técnica sem teoria - desvinculada, portanto, de uma concepção fundamentada do vir a ser humano -, cuja principal ferramenta é o manejo das identificações projetivas? O debate é importante para o que se pratica como psicanálise hoje.

Mas voltemos às diferentes formas de introjeção ou recusa do conceito. É possível acompanhar no livro as contribuições de psicanalistas de diversos países que nuançaram as formas em que a identificação projetiva pode se apresentar, intrinsecamente relacionadas a diferentes impactos no analista. Os aportes de alguns autores argentinos, por exemplo, alcançaram reconhecimento fora de suas fronteiras e foram incorporados às práticas psicanalíticas que têm a identificação projetiva como um de seus aspectos centrais. Neste sentido, Gustavo Jarast faz uma síntese bastante didática das contribuições de Heinrich Racker - sua diferenciação entre a "identificação concordante", quando a parte que o paciente projeta para dentro do analista é discernível por este em relação ao que é seu ("esta parte de mim é você"), e a "identificação complementar", quando o paciente passa a representar um objeto que pertence ao analista -, León Grinberg - com a noção de "contraidentificação projetiva", um mecanismo que leva o analista passivamente a atuar o que o paciente, de maneira inconsciente, quer que ele atue, independente das emoções próprias do analista - e Madeleine e Willy Baranger, com a introdução que fazem, no início dos anos sessenta, da noção de "campo psicanalítico", "um campo dinâmico e bipessoal, feito das fantasias inconscientes de ambos os membros da dupla terapêutica durante o processo analítico" (p. 334). Esta noção inclui evidentemente a dimensão intersubjetiva e uma concepção de "fantasia inconsciente compartilhada que é o resultado de identificações projetivas mútuas, originárias das histórias infantis de ambos os participantes" (p. 336).

Espero estar mostrando como acompanhar os destinos do conceito ao redor do mundo tem nos levado de forma convergente para o campo da intersubjetividade, que, afinal, está entranhado no próprio conceito desde Klein. Ainda que ela tenha enfatizado o caráter de fantasia das projeções e introjeções, estas dizem respeito a relações de objeto, e o objeto é um outro, a mãe ou partes dela. Com Bion, sabemos, o papel do outro real, exterior, no acolhimento e transformação das identificações projetivas é essencial e incorpora-se ao conceito. O caminho do intra para o intersubjetivo culmina, no livro, no texto escrito por Juan Francisco Jordan-Moore, "Projective identification and the weight of intersubjectivity", sobre os desenvolvimentos psicanalíticos no Chile, onde ele diz que "o modelo intrapsíquico parece ter cedido sob o peso das evidências clínicas acumuladas, levando a uma compreensão da mente como engendradora de sentidos num campo intersubjetivo e no diálogo que lhe é associado" (p. 359). E cita Madeleine Baranger, que propõe que

... os conceitos de identificação projetiva e contraprojetiva possam ser tentativas de eludir a necessidade de reconhecer a participação do analista nos acontecimentos do campo ... Aplicando a ideia de Bion sobre o fenômeno grupal do "pressuposto básico" à dupla analítica, eles [Madeleine e Willy Baranger] definiram uma "fantasia inconsciente básica" criada pela situação de campo. Uma fantasia básica poderia ser a da existência solipsista de dois seres humanos desejando migrar um para dentro do outro a fim de escapar do desespero de seus isolamentos (p. 360).

Na América Latina, alguns autores (cf., por exemplo, Langer, 1987; Coimbra, 1995) mostraram como o kleinismo, com seu foco no mundo interno do paciente, ofereceu aos psicanalistas locais uma teoria geral sobre o funcionamento psíquico que propunha pôr entre parênteses, e de preferência para fora do consultório, tudo o que pudesse ser considerado realidade exterior ao paciente, atribuindo a ele a responsabilidade psíquica - senão a culpa - por tudo que lhe ocorre. Dá para imaginar como esta teoria caiu como luva em tempos ditatoriais em nosso continente, quando ondas psicologizantes tomaram as classes médias urbanas, fazendo migrar o universo das preocupações cotidianas da arena social para o próprio umbigo, para utilizar uma metáfora corporal em sintonia com o universo das fantasias kleinianas.

Se a identificação projetiva fez efetivamente um percurso, para o qual contribuiu "o peso das evidências clínicas", do intra para o interpsíquico, pode até ser que ela tenha perdido o seu sentido no caminho, uma vez que desenvolvimentos da análise concebida como campo bipessoal levaram à formulação de formações inconscientes como o "terceiro", de Ogden, que são resultado do encontro entre paciente e analista, e não permitem reduções a mecanismos psíquicos individuais.

Mas não é só pelo peso das evidências clínicas que o conceito de identificação projetiva foi rejeitado por grupos psicanalíticos ao redor do mundo, desde o início; as razões foram diversas, algumas delas transcendendo a pesquisa clínica para nos lembrar de contextos políticos internos e externos aos movimentos psicanalíticos. Helmut Hinz, ao falar dos destinos do conceito na Alemanha, diz que "uma razão importante para o atraso da recepção da pesquisa de Melanie Klein funda-se na história alemã" (p. 187), e cita Ruth Cycon (1995):

As fantasias psicóticas, cruéis e destrutivas, descobertas por Klein - de picar, arrancar, roubar e defecar, queimar (com urina), envenenar (com excrementos), asfixiar (com gases intestinais) e a total aniquilação do objeto que se tornou mau de modo absoluto através da projeção excessiva -, provocaram horror, rejeição e defesa hostil quando descritas em detalhe, porque haviam se tornado realidade na história alemã ... Era insuportável olhar no olho deste tempo de destruição e culpa irreparável, algo que somente parece possível para nós, seres humanos, ao longo de um espaço de tempo maior (pp. 187-188).

No caso da França, o fato de o conceito ser tipicamente kleiniano (e inglês?) despertou, como nos mostra Jean-Michel Quinodoz, sentimentos ambivalentes de analistas franceses respeitáveis, seguidos por seus discípulos. René Diatkine, por exemplo, cutucava gentilmente os psicanalistas, kleinianos ou não, que faziam uso do conceito: "É fácil medir o grau de kleinismo de um palestrante: calcule apenas o tempo que decorre entre o começo de sua fala e o primeiro uso do termo 'identificação projetiva'. Quanto menor o tempo, mais kleiniano o palestrante!" (p. 218).

Lacan também tinha uma atitude ambivalente em relação a Klein, o que teve um impacto significativo em muitos psicanalistas de língua francesa. Este foi um dos fatores que retardaram o interesse deles pelos desenvolvimentos kleinianos - uma tendência que, como mostra Quinodoz por meio da obra de alguns autores, reverteu-se a partir dos anos oitenta. Segundo ele, Laplanche aponta outro fator para esta ambivalência, ligado às disputas políticas no movimento psicanalítico internacional, particularmente no interior da IPA. Apesar de seu interesse pelas ideias kleinianas, Laplanche (1992, citado por Quinodoz) acautela-se em relação ao "kleinismo", ao seu "proselitismo" e à sua "hegemonia". Ainda que psicanalistas franceses "retirem inspiração de conceitos kleinianos, eles não querem muito admiti-lo" (p. 228).

Por outro lado, o amplo uso do conceito, em diferentes lugares do mundo e em diferentes teorias psicanalíticas, propiciou um inchaço que é notado no livro por diversos autores. Roy Schafer, no panorama que faz do emprego do termo nos Estados Unidos, diz que as variações nas definições do conceito "levaram à objeção de que a identificação projetiva cobre territórios em excesso. Ela perde significado por significar tanto" (p. 243). Daí talvez a necessidade sentida por muitos psicanalistas de desdobrar o termo em definições mais específicas, cada uma delas pretendendo dar conta de um fenômeno diferente e nuançado da clínica. É o caso de alguns dos exemplos citados acima, entre autores argentinos. Bion também estabelecia a diferença entre as funções comunicativas e evacuativas da identificação projetiva. Mas as diferenciações proliferam ao longo do livro e ao redor do planeta, a ponto de vermos a elevação de uma espécie de Torre de Babel, da qual fica a impressão de que muitos falam da mesma coisa com diferentes nomes, ignorando contribuições similares anteriores, o que torna o diálogo psicanalítico internacional difícil não apenas pela diversidade de línguas, mas pela indisposição de conhecer e reconhecer ideias já pensadas. Após apresentar diversas terminologias propostas por analistas franceses, Quinodoz diz:

É óbvio a partir do que acabei de dizer que praticamente cada um dos psicanalistas que mencionei tem sua forma própria de colocar as coisas. Isto torna difícil decidir o que diferencia qualquer um dos conceitos dos outros - e tanto mais, de fato, porque os analistas em questão raramente referem-se a conceitos similares que foram definidos anteriormente. A impressão resultante é de dispersão e falta de unidade conceitual. Ao sugerir uma nova noção, eles quase nunca fazem referência à ideia de identificação projetiva, embora o termo seja bem definido; e quando o fazem, ela é frequentemente tratada como banal ou classificada como apenas uma modalidade de projeção entre outras (p. 227).

Vejo algo semelhante ocorrendo entre parte, ao menos, dos autores selecionados por Marina Massi para apresentar as contribuições brasileiras. Tanto ela como Luiz Meyer, em seu prefácio à seção dedicada à América Latina, afirmam não haver entre nós, brasileiros, autores cuja obra alcançou reconhecimento internacional no debate sobre os sentidos e aplicações do conceito de identificação projetiva. O que o texto de Massi evidencia, como Meyer aponta, é a "pulverização de conceitos teóricos" entre autores cujas ideias, pela brevidade de apresentação no texto, e talvez também por fatores semelhantes aos apontados por Quinodoz, não ficam claras - em que não se vê nitidamente a especificidade da contribuição. Neste sentido, infelizmente e talvez sem fazer jus a cada um em particular, os brasileiros neste caso somam-se à confusão de línguas na Torre de Babel.

É um fenômeno notável e disseminado no mundo, então - com variações históricas e culturais locais -, o conflito entre a assimilação de conceitos estrangeiros e a necessidade de imprimir uma voz própria a eles. Roy Schafer detecta, nos Estados Unidos, que o uso da ideia de identificação projetiva tende a ser despida de sua origem especificamente kleiniana: "minha impressão é que uma ansiedade de afiliação pode estar desempenhando um papel na tendência ao uso seletivo da terminologia da projeção" (pp. 240-241). Harold Bloom (1973/1991) cunhou o termo "angústia de influência" para falar dos conflitos do autor em seus combates criativos com aqueles que o antecederam e o influenciaram, que "fluíram para dentro" de sua obra. Bloom sugere que, ocultos no poema de um poeta, há outros poetas, e que todo texto é um intertexto, é uma interpretação de textos anteriores, junto aos quais constrói a tradição. O trabalho do escritor, portanto, contém sempre um elemento de perversidade, de apropriação daquilo que é do outro como se fosse seu. Uma dessas perversões, talvez, seja a de dar roupas novas, novos nomes, a velhas teorias, propondo uma autoria pessoal onde já há um coletivo de autores. O trabalho da escrita, como nos mostra este livro em que tantos autores escrevem sobre identificação projetiva, é também, se quisermos, intersubjetivo. E dele fazem parte, como Klein tão profundamente mostrou em todos os relacionamentos humanos, sentimentos de admiração e inveja, desejos de comunicação e troca, mas também de recusa ao reconhecimento do outro. É possível que o exame das relações entre autores e leitores ofereça bons indícios de que dissociar o mecanismo de identificação projetiva dos conflitos entre amor e ódio seja empobrecedor.

 

Referências

Bloom, H. (1991). A angústia da influência: uma teoria da poesia (A. Nestrovski, trad.). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1973).         [ Links ]

Coimbra, C. (1995). Guardiães da ordem: uma viagem pelas práticas psi no Brasil do "Milagre". Rio de Janeiro: Oficina do Autor.         [ Links ]

Langer, M., Palacio, J. del & Guinsberg, H. (1987). Memória, história e diálogo psicanalítico (A. Cancian, trad.). São Paulo: Traço.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Belinda Mandelbaum
Departamento de Psicologia Social e do Trabalho
Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo
Av. Prof. Mello Moraes, 1721, bloco A
05508-030 São Paulo, SP
belmande@usp.br

 

 

1 Todas as citações do livro foram traduzidas por mim.

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