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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.48 no.3 São Paulo set. 2014

 

ARTIGOS

 

Sobre o destino das pulsões sexuais nos jovens atuais: vicissitudes da latência à adolescência

 

About sexual drives in today's youngsters: vicissitudes from latency period to adolescence

 

Sobre el destino de las pulsiones sexuales en los jóvenes actuales: vicisitudes de la latencia a la adolescencia

 

 

Marlene Silveira AraújoI; Carla BrunsteinII; Maria Clélia de Barros MenegatII; Maria Cristina Garcia VasconcellosIII; Maristela Priotto WenzelIV; Nazur Aragonez de VasconcellosIV; Suzana Iankilevich GolbertIII

IMembro efetivo da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA), analista didata, analista de crianças e adolescentes
IIMembro aspirante da SPPA
IIIMembro associado da SPPA
IVMembro associado da SPPA, analista de crianças e adolescentes

Correspondência

 

 


RESUMO

No presente trabalho, os autores refletem sobre a influência da cultura atual nos processos de desenvolvimento da latência e da adolescência. Sugerem a presença, nos pais, de componentes narcísicos não elaborados, o que interfere na elaboração edípica dos filhos e dificulta, nestes últimos, sua inserção em um mundo triangular. Assim, é perturbada também a passagem dos filhos pela latência, período do desenvolvimento em que deve se consolidar o processo repressivo e que culmina com a estruturação do superego. Tais aspectos, somados às características da cultura contemporânea, em que as diferenças entre os sexos e as gerações estão esmaecidas e em que há uma descrença na autoridade, reforçam uma fantasia de controle onipotente do mundo. Em função desses aspectos, a clínica atual denota que os adolescentes encontram dificuldades ainda maiores para lidar com a complexidade de sua conflitiva, cuja elaboração permitirá um ingresso adequado no mundo adulto.

Palavras-chave: adolescência; latência; contemporaneidade; desenvolvimento.


ABSTRACT

In this paper, the authors discuss the influence of today's culture on the processes of development of the latency period and adolescence. They suggest that there are non-elaborated narcissistic components in the parents which interfere in the child's Oedipal elaboration, raising difficulties in their insertion in a triangular world. This also disturbs the passage of the children through the latency period, a phase of development in which the repressive process should be consolidated and which culminates with the structuring of the superego. These aspects, together with characteristics of contemporary culture, in which differences among genders and generations fade away, and there is a disbelief in authority, strengthen the fantasy of having an omnipotent control of the world. Considering all these aspects, the contemporary clinic evidences that today's adolescents face greater difficulties when dealing with the complexity of their conflicts, the elaboration of which will allow an adequate entrance into the adult world.

Keywords: adolescence; latency period; contemporaneity; development.


RESUMEN

En el presente trabajo, los autores reflexionan sobre la influencia de la cultura actual en los procesos de desarrollo de la latencia y adolescencia. Sugieren la presencia, en los padres, de componentes narcisistas no elaborados, que interfieren en la elaboración edípica de los hijos y les dificulta la inserción en un mundo triangular. Así, también el pasaje de los hijos por la latencia es perturbado, periodo de desarrollo en que se debe consolidar el proceso represivo y que culmina con la estructuración del superego. Esos aspectos, unidos a las características de la cultura contemporánea, en que las diferencias entre los sexos y las generaciones están desvanecidas y se descree en la autoridad, refuerzan la fantasía de control omnipotente del mundo. En función de estos aspectos, la clínica actual denota que los adolescentes encuentran dificultades todavía mayores para lidiar con la complejidad de su conflictiva, cuya elaboración permitirá un ingreso adecuado en el mundo adulto.

Palabras clave: adolescencia; latencia; contemporaneidad; desarrollo.


 

 

A vida, tal como a encontramos, nos é demasiado árdua; nos proporciona muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis.

(Freud, 1930/1974e, p. 93)

Freud assinalava a existência de um antagonismo irremediável entre as exigências da pulsão e as restrições da civilização: “O incesto é antissocial e a civilização consiste em uma renúncia progressiva a ele” (1930/1974e, p. 76). Em sua época, ele considerava que a elaboração das “tarefas impossíveis” da vida passava necessariamente pelo processo de repressão, que, ao limitar a livre satisfação pulsional, levantava defesas, organizava traços de caráter e legitimava normas de conduta (superego) compatíveis com um nível de estruturação neurótica. Assim, os interditos, fortemente internalizados na mente, acabavam sendo externados na cultura sob a forma de leis e regras de conduta. Nesse processo, o interdito do incesto é primordial, uma vez que insere o sujeito em um mundo triangular, edípico.

Segundo Freud, o sujeito não é totalmente livre e seu prazer está diretamente relacionado à noção do outro. Em um trabalho de 1917, “Uma dificuldade no caminho da análise”, traça sua teoria da libido e comenta sobre o narcisismo:

Falamos do narcisismo das crianças e é ao excessivo narcisismo do homem primitivo que atribuímos sua crença na onipotência de suas ideias e as consequentes tentativas de influenciar o curso dos acontecimentos do mundo exterior pela técnica da magia (Freud, 1917/1974b, pp. 173-174).

Destaca que a crença narcísica na onipotência não sobrevive à inserção do princípio da realidade, tendo sido a ciência a grande responsável por situar o homem dentro de um universo maior que ele mesmo. O conhecimento científico infligiu verdadeiros “golpes” no narcisismo, impondo decepções que puseram fim à ilusão de plenitude e onisciência.

Sabemos que a busca por um retorno a esse ideal narcísico de plenitude mantém-se ao longo da vida. Quando o narcisismo não é suficientemente elaborado, vários instrumentos podem ser utilizados pelo homem na busca de um retorno a essa ilusão inicial. Neste sentido, a virtualidade, no mundo atual, pode apresentar-se como um dos instrumentos que seduzem o homem em seu narcisismo original, uma vez que nela a manipulação da realidade pode ser entendida como possível e passível. Assim, de maneira patológica, seria utilizada como um estímulo aos primitivos sentimentos oceânicos de dominação do mundo. A decepção a que Freud se referiu poderia ser “barganhada” na fantasia, e os interditos, menosprezados. Usada desta forma, levaria a uma hipercatexia do autoerotismo, do prazer de órgão, que corromperia o processo de desenvolvimento normal, tal como Freud descreveu em seus “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905/1974g).

O encontro dessas possibilidades de satisfação do narcisismo oferecidas pela cultura com famílias que não possuem condições de proporcionar o suporte psíquico necessário para a ressignificação na adolescência oferece um campo fértil para que os jovens filhos lidem com dificuldades na elaboração desta etapa. Nos dias de hoje, com alguma frequência, a experiência clínica denuncia uma adolescência entrelaçada a conflitos de etapas anteriores não resolvidos e revestida de dificuldades na elaboração de aspectos do narcisismo e no enfrentamento da conflitiva edípica.

Desta maneira, ao iniciar um grupo de estudos para melhor compreender como ocorre o processo de elaboração da adolescência dentro da cultura atual, fomos progressivamente levados a retroceder a etapas anteriores no desenvolvimento e a considerar a latência como fundamental para o favorecimento de uma adolescência criativa, que permita alcançar a etapa adulta com relativo sucesso. Considerando estes aspectos e as demandas da cultura de nossos dias, nos propusemos a refletir, neste trabalho, sobre a relação entre os processos de desenvolvimento da adolescência na atualidade e as vicissitudes das pulsões sexuais no período da latência.

 

Considerações sobre o desenvolvimento psicossexual

É conhecida a noção de Freud sobre o desenvolvimento bifásico da sexualidade humana, caracterizado por duas etapas separadas pelo período da latência, sendo esta uma fase de “geada” (1919/1974a, p. 235) instaurada pela repressão dos desejos edípicos e responsável pela estruturação do superego.

Por outro lado, a adolescência, segundo Kancyper, “é um momento trágico, porque nesta fase do desenvolvimento humano se requer sacrificar a ingenuidade inerente ao período da inocência da sexualidade infantil” (2007, p. 22; tradução nossa). Mais do que um período em que o indivíduo tem de enfrentar as naturais modificações corporais, a adolescência é uma etapa privilegiada para as ressignificações necessárias dos traumas anteriores. Consequentemente, leva a uma reordenação identificatória em todas as instâncias do aparelho psíquico, podendo desencadear intensas angústias, provenientes da confrontação geracional e fraterna, que resultam na moldagem da identidade do indivíduo (Kancyper, 2007). Uma vez obtido este objetivo - e assumido com responsabilidade pelo adolescente -, sua identidade será estruturada e ele deixará de ser vítima ingênua e passiva da infância. Esta é, sem dúvida, uma tarefa complicada, não só para o adolescente como também para sua família, pois este desenvolvimento supõe a confrontação entre a realidade externa e a psíquica.

Em 1924, Freud postulou sobre a metapsicologia do processo do complexo de Édipo, cuja resolução marca a entrada na latência:

as catexias de objeto são abandonadas e substituídas por identificações. A autoridade do pai ou dos pais é introjetada no ego e aí se forma o núcleo do superego, que assume a severidade do pai e a proibição do incesto, defendendo assim ao ego do retorno da catexia libidinal. [...] Todo o processo, por um lado, preservou o órgão genital - afastou o perigo de sua perda - e, por outro, o paralisou - removeu sua função. Esse processo introduz o período de latência, que agora interrompe o desenvolvimento sexual da criança (Freud, 1924/1974c, p. 221).

Para Freud, os interesses pulsionais na latência desviam-se da busca de satisfação direta para se voltarem para o mundo do conhecimento. As tendências libidinais são, por um lado, inibidas e transformadas em ternura e, por outro, dessexualizadas e sublimadas.

Situando, inicialmente de acordo com Freud, a latência como etapa do desenvolvimento organicamente determinada e fixada por herança, Alicia Etchegoyen (1993) afirma que estudos atuais entendem esta etapa de uma maneira mais abrangente e não somente como uma fase de “diminuição biológica da atividade sexual” - a “geada” postulada por Freud. A partir de uma perspectiva kleiniana, a autora lembra que, para que ocorra uma transição exitosa do período de latência, o domínio da angústia pela criança deve se basear nas relações de objeto e na adaptação à realidade, tarefas articuladas com as prerrogativas da elaboração da posição depressiva. Isso deve se traduzir em mudanças específicas, tais como uma maior aproximação entre as figuras parentais introjetadas e os pais reais. A elaboração deste período efetiva a repressão dos desejos edípicos, o que, por sua vez, incide no próprio desenvolvimento do superego, com a consequente aceitação/internalização das proibições. Assim, compreende-se a latência como um continuum do conflito edípico, um período propício para o crescimento emocional e o amadurecimento.

Desde esta perspectiva contemporânea, cabe pensar que a resolução edípica não ocorre como uma descontinuidade abrupta, como uma crise com uma repressão massiva da sexualidade infantil, mas como um processo de elaboração progressiva e mais completa ao longo da latência (Etchegoyen, 1993, p. 23; tradução nossa).

Urribarri sublinha o complexo - e específico - trabalho de elaboração que ocorre nesta etapa. Em contraste com a noção de latência como “geada” da vida pulsional, chama a atenção ao fato de que esta é menos estudada psicanaliticamente, apesar de sua importância no desenvolvimento, “e os estudos tratam mais do negativo - o que deixa de ocorrer - que do positivo, o que nela surge e a torna mais complexa” (2008, p. 95; tradução nossa).

 

A intersecção da cultura e do pulsional no psiquismo

A crise que temos vivido na cultura contemporânea tem originado uma nova maneira de educar as crianças, que tende a reduzir a importância da tradição e a desestabilizar a hierarquia da experiência e da sabedoria acumuladas ao longo dos séculos pelas gerações anteriores. Refletindo sobre a sociedade atual, Marion Minerbo (2009) tece considerações sobre a pós-modernidade e refere que há uma incredulidade generalizada nas narrativas que (anteriormente) organizavam nossa sociedade - narrativas essas que constituíam a subjetividade moderna. Segundo ela, isto afeta as instituições, provocando uma descrença na transcendência.

Neste sentido, observamos um esmaecimento da diferença entre os sexos e as gerações que, quando associado a uma forma menos restritiva e continente de cuidados, tanto nos laços familiares como nos sociais de maneira mais ampla, traz como consequência um desamparo e uma confusão de papéis para as novas gerações. Assim, ocorre uma perda no processo sublimatório, que permite, por sua vez, o recrudescimento do sadismo primário. Os pais transmitem a seus filhos o mesmo funcionamento narcisista que utilizaram na tentativa de resolver seus próprios problemas intrapsíquicos (Faimberg, 2001).

Normalmente, no processo de reordenamento identificatório, as gerações mais jovens precisam construir novas barreiras defensivas contra a desfusão pulsional e sentem necessidade de buscar outros grupos, fora da família, para alcançar a discriminação com relação aos pais. Isso tem profundas implicações nos recursos do jovem para levar adiante os movimentos psíquicos essenciais para seu desenvolvimento. Consideramos importante, então, refletir sobre os efeitos da cultura contemporânea nesse processo.

Florence Guignard assinala que, na sociedade ocidental atual, o período de latência está por se extinguir:

Não observamos mais o esfriamento da expressão pulsional nas crianças de seis a doze anos, que, ao invés de desviar suas pulsões sexuais para atividades de sublimação, manifestam uma excitabilidade tão grande como as crianças de três a cinco anos, em idade dita edípica, ao mesmo tempo em que imitam desafiadoramente as atitudes e os comportamentos sexuais dos púberes, dos adolescentes e dos jovens adultos (Guignard, 2011, p. 266).

As modificações culturais ocorridas a partir dos anos 1970 levaram à contestação salutar de determinado modo de educar, o que, porém, teve seu efeito perverso. A inibição e a transformação das pulsões deixaram de representar valores reconhecidos e transmitidos para tornar-se, antes, “taras” das quais é preciso se libertar. Marlene Araújo (2010) refere especificamente o tempo da latência como uma dimensão essencial para a educação, tempo necessário entre a formação do desejo e sua realização, tempo esse de que nos falou Freud (1905/1974g) em seus “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”. Ela enfatiza que podemos verificar que a sociedade contemporânea estimula uma sexualização precoce, fazendo com que as crianças saltem etapas de seu desenvolvimento. Diz ela: “Parece que teríamos tudo se não faltasse tempo” (p. 62). Os adultos projetam nas crianças aspectos de sua sexualidade infantil, propondo-lhes um caminho que percorre a via curta, em vez de um estímulo à elaboração dos conflitos que correspondem a sua idade e que promoveria o desenvolvimento em direção à sexualidade adulta. Isto tem como resultado “uma perda das características da infância, uma adolescência sem modelos identificatórios e uma falta de assimetria entre as gerações” (p. 66), o que propicia o desenvolvimento das patologias características de nossa época, as ditas patologias atuais ou do vazio.

Para Florence Guignard (2011), na contemporaneidade ocorre uma inversão de papéis, na medida em que os adultos, que têm por tarefa educar a geração seguinte, vêm projetando nesta a satisfação de seu próprio hedonismo infantil. Para a autora, o terceiro paterno, elemento fundamental para que a criança saia da simbiose e organize a problemática edípica, tem na atualidade formas variáveis e vagas. Hoje, com alguma frequência, o grupo social e sua mentalidade de grupo substituem o casal parental de origem. Borram-se hierarquias e há uma falta da dimensão tempo-espaço, que é essencial a qualquer civilização. Segundo Guignard: “um espaço-tempo de latência entre a formação de um desejo e sua satisfação” (2011, p. 264). Estes espaços, hoje perdidos, teriam, segundo Freud (1911/1974d), a função de instituir a noção de alteridade e a possibilidade de pensar.

Ao abordar a latência na atualidade, Guignard (2011) refere que os elementos edípicos e a problemática da castração não se organizam mais como “complexo de Édipo” e “complexo de castração”, como as pulsões epistemofílicas costumavam se organizar, essencialmente, ao redor da fantasia da cena primária. Tal fenômeno, que orientava a curiosidade e o desejo de compreender, abria caminho para a simbolização. De acordo com a autora, atualmente a organização se dá através de um sistema de lógica binária, o que provoca um retorno ao princípio do prazer-desprazer. Guignard alerta que, se as pulsões se organizam segundo esta lógica, a relação de intimidade, pedra angular de uma estrutura psíquica verdadeiramente genital, não poderá tomar seu lugar na segunda parte da adolescência e no começo da vida sexual adulta.

 

Considerações finais

O legado parental transmitido pela experiência e pela genuína valorização do saber parece, hoje, ter sido substituído pela via narcísica. A transmissão do conhecimento parental mediante a autoridade e a função contenção-continente do adulto sofreu um abalo. A herança do infantil dos pais persiste nos seus aspectos narcísicos.

Os pais que tomam os filhos como objeto de atuação de sua sexualidade infantil facilitam uma inversão de papéis. Tal inversão é favorecida pela exposição indiscriminada da criança ao mundo virtual, que pode introduzi-la precocemente no mundo sexual, no sentido de uma busca incessante de prazer em detrimento do juízo da realidade, de forma que tudo parece possível - inclusive, o evitar a frustração. Assim, nessas condições, reforça-se a fantasia de onipotência, e o desenvolvimento da criatividade fica prejudicado. A tentativa de obter uma satisfação imediata e permanente e uma permissividade que reduz o mistério obliteram o espaço/ tempo de formação do desejo, elementos essenciais para uma boa vida sexual adulta.

Esse funcionamento parental promove uma debilitação da família como instituição de suporte para o desenvolvimento do indivíduo e para a construção da sua subjetividade. Ao mesmo tempo - e por outro lado -, há o crescente e invasivo poder dos meios de comunicação, que revela uma lógica de consumo, prevalente em nossa sociedade, que vende um ideal indiscriminado de sexualidade adolescente e adulta, como se o mesmo modelo pudesse valer para todas as fases da vida.

Espera-se que a repressão, consequente à elaboração da primeira etapa edípica, organize os interditos e institua mais claramente a noção de hierarquias no psiquismo. Entretanto, o que se pode observar é que a “geada pulsional” da latência dos tempos de Freud - uma era da repressão e da neurose - vem dando lugar, na atualidade, a uma turbulência emocional invasiva e constante. As demandas do entorno parecem impor ao sujeito um ideal a ser obtido com a maior brevidade e sem discriminação de quem, como ou quando. Vive-se, pois, uma era de indiscriminação e de narcisismo. O psiquismo dos jovens que não solucionaram adequadamente suas questões pré-edípicas e edípicas tende a permanecer em constante estado de tensão - portanto, com questões de identidade a serem resolvidas.

Em busca de um equilíbrio mental, as tensões psíquicas exigem uma descarga e, assim, cria-se um círculo vicioso de ações defensivas que não oferecem possibilidade de elaboração dos conflitos. O atendimento a jovens e adolescentes, nos dias de hoje, nos apresenta vários exemplos disso: bullying, distúrbios de identidade e de gênero, a promiscuidade, os transtornos alimentares e as adições.

Ao escrever, em 1908, o artigo “Moral sexual e doença nervosa moderna”, Freud (1908/1974f) discutia os efeitos nocivos da moral sexual de sua época, que admitia como meta sexual legítima somente a reprodução. Refletindo sobre esta exigência da cultura aos indivíduos, ele concluiu que a abstinência sexual antes do casamento tinha como consequência a enfermidade nervosa, ou seja, a neurose. Podemos ampliar nossa questão, perguntando-nos: se a moral sexual repressora da época de Freud tinha como efeito a enfermidade neurótica, qual seria a moral sexual dos dias atuais? E qual o seu efeito nos indivíduos?

Parece-nos que o mundo de hoje seria um mundo do “tudo pode”, enquanto que o mundo da época de Freud seria o do “nada pode”. Temos convicção de que o que pertence ao cenário da sociedade atual serve de palco para que os adolescentes vivam e tratem de elaborar seus conflitos, como sempre ocorreu. Por um lado, vemos agora um mundo de promessas virtuais, um verdadeiro império da imagem, com modelos de perfeição e com um imperativo de expectativas idealizadas e de busca da satisfação imediata, aspectos que denotam uma conflitiva mais primitiva, narcísica. Por outro lado, essa complexa conflitiva, muitas vezes, parece estar presente tanto nos adolescentes como em seus pais, figuras que acabam por se apresentar como frágeis modelos de identificação. Experimentamos uma era de crise das figuras de autoridade, dos representantes simbólicos do pai e da lei, elementos fundamentais para a elaboração das tarefas da latência e da adolescência.

O mundo virtual beneficiou profundamente o conhecimento científico; promoveu um salto no desenvolvimento social, fez mudanças nas comunicações e na linguagem da atualidade, em uma verdadeira revolução cultural. Ao encurtar as distâncias, permitiu uma mudança na relação do homem com o tempo e com o espaço geográfico: hoje, pode-se receber uma notícia quase que de maneira instantânea, não importando onde tenha surgido nem onde será recebida.

Infelizmente, estas possibilidades nem sempre são adequada ou positivamente utilizadas. Quando as relações se baseiam mais nos aspectos narcísicos, favorece-se um emprego distorcido destes avanços. Ao mesmo tempo que é um poderoso instrumento de progresso, a virtualidade, devido a suas características, também pode servir como um desestímulo ao desenvolvimento da capacidade imaginativa. Seu uso e potencial podem ser travestidos em um perverso mundo de ilusões, em que ocorre um convite a desprezar o desenvolvimento, no psiquismo, da capacidade negativa de que nos fala Bion, capacidade relacionada tanto à noção do tempo quanto à tolerância às frustrações. O processo de pensar, simbolizar e fantasiar se alimenta e se desenvolve na dependência de um intervalo de tempo entre o desejo e sua realização, o que o alcance de um clic de mouse oblitera. Este moderno mundo virtual, quando não é bem conduzido, torna-se propício a criar um mundo de ilusões. Nesta perspectiva, é valorizado um universo bidimensional (da fantasia do puro prazer), que desconhece (ou despreza) a tridimensionalidade (a triangulação e seus interditos), o interior e o outro. Poderíamos dizer que se vive uma era de imagens especulares (espetaculares?) que encantariam Narciso. O mito nos ensina que a demanda narcísica atrapalha - quando não impede - o desenvolvimento normal. Narciso morreu admirando a sua imagem, mas morreu só. E por trás da tela: existe alguém?

 

Referências

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Correspondência:
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Recebido em 18/.02.2014
Aceito em 9.05.2014

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