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Revista Brasileira de Psicanálise
versão impressa ISSN 0486-641X
Rev. bras. psicanál vol.53 no.3 São Paulo jul./set. 2019
PROJETOS E PESQUISAS
A pesquisa psicanalítica e a criação de dispositivos clínicos para a construção de políticas públicas
The psychoanalytical research and the creation of clinical devices for public policies
La investigación psicoanalítica y la creación de dispositivos clínicos para la construcción de políticas públicas
La recherche psychanalytique et la création de dispositifs cliniques visant la construction de politiques publiques
Emilia Estivalet BroideI; Jorge BroideII
IPsicanalista. Pós-doutoranda em psicologia clínica pela Universidade de São Paulo (USP). Doutora em psicologia social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestre em saúde pública pela Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP). Consultora nas áreas da saúde e da assistência social. Integrante do Laboratório de Psicanálise, Sociedade e Política (PSOPOL-USP). Autora de diversos artigos em periódicos e revistas e do livro A supervisão como interrogante da práxis analítica: desejo de analista e a transmissão da psicanálise (Escuta, 2018). Publicou, em coautoria com Jorge Broide, A psicanálise em situações sociais críticas: metodologia clínica e intervenções (Escuta, 2016)
IIPsicanalista e analista institucional. Professor do curso de graduação em psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professor convidado do curso de pós-graduação em psicologia social da Universidade de São Paulo (USP). Doutor em psicologia social pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da PUC-SP. Autor de diversos livros e artigos sobre o tema, publicados no Brasil e na Argentina. Além do consultório particular, trabalha há 43 anos em psicanálise nas situações sociais críticas
RESUMO
Este artigo aborda a pesquisa psicanalítica dirigida à criação de dispositivos clínicos para a construção de políticas públicas. Relata a pesquisa realizada nos anos de 2015 e 2016 na cidade de São Paulo com o objetivo de subsidiar o Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê PopRua) para a construção do plano municipal para a população de rua. Essa pesquisa, contratada pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, contou com a participação de 10 adultos que viviam ou viveram em situação de rua e que foram formados como pesquisadores sociais ao longo da pesquisa, a fim de que eles próprios realizassem as entrevistas em profundidade com outros moradores em situação de rua e com trabalhadores de diferentes equipamentos responsáveis pelo atendimento a essas pessoas. O referencial psicanalítico foi o eixo orientador da pesquisa.
Palavras-chave: pesquisa psicanalítica, psicanálise e políticas públicas, psicanálise e população de rua
ABSTRACT
This article is about psychoanalytical research for the creation of clinical devices for public policies. It describes the research done in 2015 and 2016 in São Paulo, aiming at subsidizing the Comitê Intersetorial da Política Municipal (Intersectorial Committee for Municipal Policy) for people living on the streets (PopRua Committee) in order to have a municipal plan for the people living on the streets. This research, contracted by the Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo (Human Rights and Citizenship Municipal Office in São Paulo), and had the participation of 10 adults who used to live on the streets and became social researchers along the project, so that they could interview, deeply, other people living on the streets and workers dealing with several equipment, responsible for assisting those people. The psychoanalytical indicative was the pivot to drive the research.
Keywords: psychoanalytical research, psychoanalysis and public policy, psychoanalysis and people living on the streets
RESUMEN
Este artículo aborda la investigación psicoanalítica dirigida a la creación de dispositivos clínicos para la construcción de políticas públicas. Relata la investigación realizada en los años 2015 y 2016 en la ciudad de São Paulo, con el objetivo de subsidiar el Comité Intersectorial de la Política Municipal para la Población Sin Hogar (Comitê PopRua) para la construcción del plan municipal para la población sin hogar. Esta investigación, contratada por la Secretaría Municipal de Derechos Humanos y Ciudadanía de São Paulo, contó con la participación de 10 adultos que vivían o vivieron en las calles y fueron formados como investigadores sociales durante la investigación, con el objetivo de que ellos mismos realizaran las entrevistas en profundidad con otras personas sin hogar y con trabajadores de diferentes equipos responsables por la atención a esas personas. El referencial psicoanalítico fue el eje que orientó la investigación.
Palabras clave: investigación psicoanalítica, psicoanálisis y políticas públicas, psicoanálisis y población sin hogar
RÉSUMÉ
Cet article aborde la recherche psychanalytique tournée vers la création de dispositifs cliniques visant la construction de politiques publiques. Il raconte la recherche, menée dans les années 2015 et 2016, dans la ville de São Paulo, laquelle avait pour but de remplacer le Comité intersectoriel de Politique municipale pour la population des personnes sans domicile fixe (Comité PopRua), dans le but de la construction du plan municipal adressé aux sans-abri. Cette recherche, commandée par le Secrétariat municipal de droits humains et de la citoyenneté de São Paulo, a compté avec la participation de dix adultes qui vivaient ou vivent sans domicile fixe et à qui on a donné une formation de chercheurs sociaux tout au long de la recherche, afin qu'ils puissent exécuter les interviews, eux-mêmes, de façon approfondie, auprès d'autres sans domicile fixe, bien qu'auprès de travailleurs de différents équipements responsables du bien-être de ces personnes. Le référentiel psychanalytique c'était l'axe qui a orienté cette recherche.
Mots-clés: recherche psychanalytique, psychanalyse et politiques publiques, psychanalyse et les sans domicile fixe
Introdução
Freud criou a psicanálise através de um dispositivo genial e de absoluta simplicidade: o paciente deitado em um divã, e o psicanalista sentado em uma poltrona, atrás dele. O dispositivo inventado por Freud mantém sua pertinência até os dias de hoje; ao longo da história da psicanálise, o saber psicanalítico pôde expandir-se para outros campos e contextos, como os grupos, as instituições e a cidade, ainda que conservando, nos novos desafios clínicos, o trabalho com o inconsciente, a transferência, a pulsão e a repetição.
A fala não produz efeitos por si só, sendo necessário que o psicanalista faça valer o discurso analítico em cada contexto em que opera. A passagem da clínica individual para o grupo, a instituição ou a cidade deve considerar uma série de fatores, uma vez que não se trata meramente da transposição dos conceitos a outro campo de investigação.
Temos desenvolvido a metodologia psicanalítica no atendimento a diferentes populações nos territórios da cidade (nas ruas e comunidades), por meio de políticas públicas vinculadas às esferas municipal, estadual e federal (articuladas ou não a organizações não governamentais e/ou ao setor privado), em problemas sociais de grande envergadura. No âmbito das políticas públicas, realizamos distintos projetos com comunidades conflagradas, os quais possibilitaram a elaboração de planos municipais para a população em situação de rua nas cidades de Porto Alegre e São Paulo; em Osasco, desenvolvemos o plano municipal para o atendimento a adolescentes em conflito com a lei; além disso, capacitamos mais de 2 mil trabalhadores em contato com diferentes situações sociais críticas em várias cidades do Brasil.
Nesses anos de trabalho, voltados à ampliação do campo psicanalítico para a abordagem de situações de grande complexidade social, desenvolvemos uma metodologia à qual nomeamos escuta territorial, iniciada há 43 anos no atendimento a crianças, adolescentes e adultos em situação de rua (J. Broide, 1993). A escuta territorial é um método de investigação e pesquisa psicanalítica que busca compreender as várias formas pelas quais as pessoas, os grupos e os coletivos estão no mundo e habitam determinados espaços sociais nas cidades. A escuta territorial inicia-se com uma imersão no campo de investigação, o que inclui o andar pela cidade, o contato com as pessoas, entrevistas individuais e em grupos - com comerciantes, moradores, instituições e espaços culturais -, entre outros dispositivos de fala, conversa e escuta, abrangendo assim a compreensão do cotidiano local e das diferentes manifestações sociais que ali ocorrem.
O conhecimento que vai emergindo na escuta territorial decorre da escuta psicanalítica, que abre caminho para uma reflexão sobre a vida do sujeito na cidade, incluindo sua história, sua visão de presente e futuro e seus laços mais profundos com a comunidade e o territorio. Com isso, constitui-se uma compreensão das malhas, tramas e fronteiras, do que é visível e invisível, dos ditos e não ditos nos laços sociais. Colhemos em nossa escuta as relações transferenciais vividas e a pulsação cotidiana nas cidades.
Diferentemente de um estudo sociológico, antropológico ou mesmo psicológico, a escuta psicanalítica, via transferência, redimensiona o lugar da fala dos sujeitos sobre seu modo de habitar e estabelecer laços na cidade. Assim, pouco a pouco delineia-se um mapa marcado pelos vínculos de proximidade e distanciamento entre pessoas e lugares, as relações e os entraves vividos nos distintos espaços físicos e nas geografias e gramáticas simbólicas e imaginárias do território.
Na escuta territorial, aproximamo-nos da figura alegórica do flâneur que vagueia na multidão - o andar livre e solto, mas atento aos detalhes, na deriva que objetiva uma escuta. "A atenção livre e flutuante de uma escuta em associação livre, à deriva, com todo o rigor aos significantes que vão surgindo quando a escuta se abre às palavras, trouxe à tona também o oculto, o escondido" (E. E. Broide, 2018, p. 128) nas sinuosidades dos discursos e das esquinas.
No trabalho analítico nas cidades, não se tem o controle de variáveis presente no consultório, no qual é possível estabelecer um enquadre mais claro e protegido. Nas ruas, o próprio corpo está exposto ao calor, ao frio e à chuva. Os territórios, muitas vezes, são desconhecidos, têm lógicas próprias e outras regras. Deparamo-nos com diferentes cheiros, estéticas e culturas. Contudo, há algo que se mantém: quando uma pessoa percebe que há uma escuta, ela fala - fala sobre sua vida, sua história e seu momento atual.
Foi com base nessa escuta que criamos, em distintas situações, os dispositivos clínicos que nos possibilitam operar sobre a realidade objetiva, na qual se fazem presentes a singularidade e o desejo dos sujeitos. Nessa perspectiva, apresentaremos a seguir a metodologia psicanalítica desenvolvida para a realização da pesquisa social participativa que buscou contribuir para a construção de políticas públicas voltadas à população em situação de rua na cidade de São Paulo.
A pesquisa social participativa e a construção de políticas públicas para a população de rua na cidade de São Paulo
A pesquisa social participativa psicanalítica Construção de Políticas Públicas a Partir de um Novo Olhar sobre a Vida nas Ruas na Cidade de São Paulo foi uma iniciativa da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) de São Paulo, realizada ao longo de 10 meses, entre os anos de 2015 e 2016. Para fazer essa pesquisa, a SMDHC contratou a sur Clínica e Intervenção Social.1 A ideia da pesquisa surgiu, com base na demanda de subsídios, por parte do Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê PopRua), para a formulação do Plano Municipal para a População em Situação de Rua.
O Comitê PopRua é um órgão de controle social composto de forma paritária por representantes da sociedade civil e diferentes membros do governo indicados pelas secretarias municipais que têm interface com a problemática da população em situação de rua, e é coordenado pela SMDHC.2
Para a realização da pesquisa social participativa foram selecionadas 10 pessoas,3 que estavam ou tinham estado em situação de rua. Elas foram formadas como pesquisadores sociais4 com o objetivo de realizar o levantamento das situações de vida nas ruas da cidade de São Paulo. Para essa escolha, considerou-se que os pesquisadores sociais, por viverem a situação de rua, poderiam captar melhor, e de maneira mais profunda, a "pulsação da rua" e, ainda, exercer um papel investigativo, crítico e de elaboração sobre a realidade vivida por eles e por milhares de outros que fazem da rua seu lugar de vida, moradia e/ou trabalho.
Partindo, então, do pressuposto de que a vida pulsa no corpo, na cidade e nas ruas, a questão que se impôs foi a de como manter o rigor investigativo e, ao mesmo tempo, trazer para a pesquisa a pulsação das ruas, a fim de contribuir verdadeiramente para a construção de uma política pública não limitada aos manuais de boa convivência, ou a regras que estabelecem deveres e obrigações. Interessou-nos, com base na psicanálise, captar o sujeito que surge desejante nas entrelinhas dos discursos, na berlinda social, no mal-estar na cultura, e que desacomoda o pensamento linear sobre a questão da população de rua.
A pesquisa, realizada por pessoas que viviam ou viveram na rua, coordenada por psicanalistas e composta de jornalistas, psicólogos e estagiários de psicologia,5 sob a diretriz da SMDHC, exigiu determinação na escuta, na construção conceituai, na práxis da teoria. Mas o rigor não admitiu em nenhum momento rigidez na implementação do projeto. A estrutura da pesquisa contemplou a formação dos pesquisadores sociais através dos seguintes dispositivos: o grupo terapêutico, o grupo de trabalho pesquisa de campo e o grupo com os jornalistas. Além desses grupos, para a análise do material produzido pelos pesquisadores e para a avaliação contínua do desenvolvimento do trabalho, a equipe fazia reuniões semanais, realizava os pré e pós-grupos e trabalhava com as crônicas6 elaboradas com base na observação e nos registros escritos dos estagiários de psicologia sobre as dinâmicas grupais. O eixo teórico da pesquisa psicanalítica foram as obras de Freud e Lacan e os grupos operativos formulados por Pichon-Rivière (1998).
Dispositivos grupais
1. O grupo terapêutico. Para realizar a pesquisa com os pesquisadores sociais - que viviam a situação de rua em seu cotidiano e tinham impressas as marcas dessa experiência em seu corpo, sua voz e seu viver -, sabia-se que seria fundamental garantir-lhes um suporte psíquico, além de proporcionar-lhes uma importante qualificação técnica, de modo que fosse possível elaborar o escutado nas entrevistas e a mobilização gerada quando defrontados com suas próprias histórias de vida na realização da pesquisa. Nesse sentido, criar um espaço para que pudessem falar de si, de suas histórias e memórias, foi fundamental, pois manteve a união necessária entre eles em face da reconexão com as perdas já vividas, ligadas a uma forte sensação de desamparo, que ressurgiu em muitos momentos da pesquisa.
A aposta na garantia de dar a eles um suporte psíquico visava, por um lado, permitir que ouvissem o outro sem ficar "colados" à queixa estéril e infrutífera que eram acostumados a reproduzir e, por outro lado, não deixá-los como encaminhadores de denúncias perante o escutado e observado durante a pesquisa. Diferenciar denúncia e pesquisa, mediante o que escutavam, foi um trabalho muito sutil e potente, pois possibilitou, com delicadeza e firmeza, encontrar espaços institucionais aos quais encaminhar o conteúdo escutado quando se tratava de uma situação a ser denunciada.
2. O grupo da pesquisa de campo. A tarefa inicial desse grupo foi formular as perguntas de pesquisa, a fim de construir um roteiro. Em seguida, trabalharam, por meio de dramatizações, as cenas temidas por eles no momento das entrevistas; organizaram as idas ao campo; analisaram as entrevistas feitas, com o intuito de produzir categorias de análise. A pesquisa participativa caracteriza-se por ser qualitativa. Por isso, as entrevistas realizadas, mesmo tendo um roteiro prévio, foram semiabertas e abertas. Os pesquisadores formulavam as perguntas de acordo com o andamento da entrevista. O roteiro apresentado a seguir serviu para nortear as entrevistas; foi um disparador da conversa com o entrevistado, até que os pesquisadores pudessem formular as questões da pesquisa a partir de seu estilo e da escuta no momento.
Roteiro de perguntas norteadoras para as entrevistas dos pesquisadores sociais
1. Dados gerais: nome, idade, origem, tempo de rua, escolaridade.
2. O que acha da rua?
3. Qual motivo o trouxe à situação de rua?
4. Na rua, você vive de quê? Como sobrevive?
5. Já utilizou algum serviço/equipamento para a população de rua? Quais sugestões e críticas você faria?
6. Quais são seus lugares de referência?
7. Em que você acredita?
8. Como você faz para se divertir?
9. O que o atrai na vida na rua?
10. Quais as regras da rua? Como você lida com elas?
11. Como é seu relacionamento com sua família?
12. Como você tem acesso à informação e como se comunica?
13. Como era sua vida antes de estar na rua?
14. Quais são seus sonhos daqui para a frente?
15. Você gostaria de falar mais alguma coisa?
As entrevistas priorizaram o saber dos próprios pesquisadores sociais, os quais, além de precisar da sensibilidade ao abordar cada entrevistado em sua particularidade, tiveram a liberdade de criar perguntas que julgassem importantes, fora do roteiro previsto - tudo com o intuito de entender profundamente a realidade do entrevistado e descobrir dados relevantes sobre como realmente funciona a vida nas ruas. Em diversos casos, os pesquisadores sociais ouviram dos entrevistados toda a sua história de vida, bem como segredos de seu cotidiano: o papel do tráfico de drogas, as regras da rua, a vida dentro dos equipamentos quando as luzes se apagam, o roubo, a corrupção, a violência, as agressões, os estupros, o uso de drogas, os assassinatos, a vida na prisão, o descaso das famílias de origem, o descaso do Estado etc. Em muitas situações, os pesquisadores precisaram lidar com o choro, a embriaguez, a agressividade e os pedidos de ajuda dos entrevistados. A pesquisa foi composta por entrevistas individuais e grupais realizadas na própria rua e nas instituições de atendimento à população em situação de rua. O material escrito foi constituído pelos relatos dos pesquisadores e pelos textos dos cronistas.
3. O grupo com o Grupo Ponte. Esse grupo funcionava como uma oficina e era coordenado por membros do Grupo Ponte, jornalistas especializados na cobertura de matérias sobre direitos humanos, segurança pública, justiça etc. Nessas oficinas eram realizadas leituras de textos que iam da literatura clássica ao cordel, peças de teatro etc. A leitura tinha como função específica a sensibilização, a ampliação do repertório dos pesquisadores e a aprendizagem sobre diferentes formas narrativas, para a criação de um estilo pessoal em seus relatos. Diego, um dos pesquisadores sociais, se surpreendeu ao conhecer a literatura de cordel e, certo dia, relatou duas entrevistas utilizando-se desse tipo de construção. Assim, na escolha da forma de narrar de cada pesquisador, vamos entrando na vida na cidade, buscando captar o que se produzia em cada encontro do entrevistador com o entrevistado.
Dia 19, junho, 10h da manhã.
Uma manhã fria, escura e chuvosa. Um menino na rua.
Na mão uma garrafa, dentro um tipo de droga.
Perguntei: "Por que isso aqui?". E ele me disse assim:
"Da Fundação Casa saí, as ruas preferi.
Meus pais eu perdi pela morte, sem me despedi,
que comigo moravam em Jundiaí.
Hoje nas ruas vivo assim pedindo e roubando
pra droga consumi, infelizmente sou assim.
Já seu Joaquim,
alcoolizado e muito triste,
mesmo assim não desiste
de um dia para sua família voltar pro Recife.
Há dois anos em São Paulo,
arrependido por ainda não ter voltado,
chorando me disse na rua jogado:
'Se minha família estivesse aqui,
eu não estaria assim,
bebendo como não tivesse fim'"
Dispositivos para a análise do material de pesquisa
1. Pré epós-grupo. Sempre antes de cada grupo feito com os pesquisadores sociais, realizava-se um pré-grupo com os coordenadores dos grupos e os estagiários de psicologia que eram cronistas. Nele, buscava-se afinar o trabalho, retomando-se os pontos de urgência levantados pelo grupo anterior e/ou debatidos com toda a equipe na reunião semanal. Como exemplo de pontos de urgência trabalhados, podemos citar as possíveis recaídas no uso abusivo de drogas e a questão da instabilidade de alguns pesquisadores com relação à moradia - alguns estavam residindo nas ruas ou em ocupações. Também, sempre depois de cada grupo com os pesquisadores sociais era realizado um pós-grupo com os coordenadores dos grupos e os estagiários de psicologia (cronistas). No pós-grupo, buscava-se elaborar o trabalho grupal ocorrido. Primeiro falavam os cronistas, a fim de que pudessem trazer o material bruto de suas crônicas, suas associações e seus assinalamentos quanto à dinâmica grupal. Somente após a fala dos cronistas os coordenadores tinham a palavra.
2. Reuniões da equipe técnica. As reuniões da equipe técnica ocorriam semanalmente. Era o espaço de estruturação e organização da pesquisa, do projeto da semana, da definição dos caminhos a serem trilhados diante do que o campo apresentava de novo e de surpreendente. Além do trabalho com os pesquisadores sociais, uma proposta dessa complexidade inclui aspectos institucionais, que implicam as relações da equipe com a SMDHC, com outras ongs envolvidas no atendimento às pessoas em situação de rua etc. Assim, as reuniões da equipe técnica abordavam hipóteses com base nas informações contidas no material pesquisado, tomadas enquanto significantes que emergiam semanalmente do campo, através dos grupos da pesquisa e de outras relações institucionais. O grupo trabalhava em uma práxis constante, devolvendo ao campo as hipóteses levantadas ao longo da semana e durante todo o processo. Esse foi o espaço onde foram sendo organizadas e construídas as categorias de análise e as conclusões da pesquisa a partir dos dados do campo.
3. As crônicas. A crônica é o primeiro material bruto advindo dos grupos. O cronista não fala no grupo; ele faz um relato escrito, em que registra suas impressões, reflexões, sensações acerca dos acontecimentos ocorridos nos grupos. Dizemos que a crônica expressa a transferência do cronista com o "acontecer grupal", ou que ela capta o material mais profundo do grupo, que muitas vezes escapa ao olhar do coordenador. O material da crônica é como um diamante bruto que vai sendo lapidado em sucessivas fases - no pré-grupo, na reunião semanal da equipe, no pós-grupo, na escrita da crônica -, para posteriormente ser utilizado nos relatórios parciais e no relatório final. O cronista, muitas vezes, por estar em uma posição silenciosa, pode perceber as
relações transferenciais que se estabelecem entre os coordenadores e o grupo ou entre os coordenadores e um integrante específico.
4. Reuniões periódicas com o secretário e sua equipe. Nessas reuniões eram apresentados o desenvolvimento da pesquisa e os resultados parciais, de forma que, ao mesmo tempo que a pesquisa ia sendo realizada, pudessem servir de subsídios à gestão na construção da política pública com a população em situação de rua.
5. Apresentação da pesquisa e resultados parciais ao Comitê PopRua. Ao longo da pesquisa também se realizaram encontros com o Comitê PopRua. Essas reuniões foram importantes para garantir o caráter participativo e democrático da pesquisa.
Sistematizaçâo e resultados
Os dados da pesquisa foram sendo processados ao longo de sua realização, através da leitura e análise das crônicas e dos relatos das entrevistas individuais e grupais - nas ruas e nas instituições visitadas pelos pesquisadores sociais e pela equipe. Essa análise foi efetuada por meio do método psicanalí-tico. Os emergentes da pesquisa apontavam significantes. Na medida em que esses significantes se repetiam, ou se apresentavam de distintas formas, mas com o mesmo sentido, chegava-se ao que chamamos de processo de saturação. A partir desse ponto, construímos categorias de análise, que depois foram checadas novamente em campo - a princípio enquanto hipóteses, até que apresentassem densidade e relevância. Os dados da pesquisa foram coletados de diversas maneiras: entrevistas de campo feitas pelos pesquisadores sociais; saídas noturnas dos pesquisadores sociais com a equipe; depoimentos dos pesquisadores nos diferentes dispositivos grupais instituídos durante todo o processo da pesquisa; relatos dos trabalhadores da assistência social nas rodas de conversa realizadas ao longo da pesquisa. Foram analisados 252 registros escritos de entrevistas feitas pelos pesquisadores sociais, 200 registros das descrições orais feitas por eles e registradas pelos cronistas, e cinco registros escritos realizados pela equipe.
Resultados
1. O impacto da vida nas ruas no psiquismo. A pesquisa confirmou, aprofundou e esclareceu algumas questões já sabidas. Uma delas é a de que a vida nas ruas funciona de acordo com diferentes leis e concepções de tempo e espaço. Esse aspecto é estruturante, pois só tendo clara essa diferença é possível construir políticas públicas dignas, que não transformem as pessoas que vivem nas ruas, abrigos e albergues em algo distinto do que elas são, mas trabalhem para resgatar o que elas perderam, ou o que nelas se perdeu. Compreender as diferentes lógicas que se instauraram na vida das pessoas, a partir de rupturas tão radicais, é a direção desse trabalho, que busca contribuir para a eliminação da desigualdade sem cair na subserviência a uma lógica assistencialista. Tal é o desafio que se apresenta: como construir uma política pública que leve em consideração o sujeito ou os grupos sociais em suas peculiaridades e lógicas singulares?
Para conhecer a pulsação da vida na rua, usamos a imagem de um elevador que desce e nos leva a outro mundo, que funciona com diferente temperatura e pressão. Nesse outro mundo, encontramos as pessoas que vivem nas ruas, nas calçadas, nos abrigos e nos albergues de nossa cidade em uma situação muito semelhante à dos índios, imigrantes e refugiados que perderam tudo em seu país ou território de origem. É muito importante que aqueles que operam nesse campo - do gestor ao trabalhador operacional - escutem essa "outra língua", construindo porosidades que eliminem o distanciamento entre esses mundos e criem uma comunicação universal na diferença.
As causas para a ida de um sujeito à situação de rua são inúmeras. A maior parte delas, porém, inclui rupturas de distintas ordens. Segundo J. Broide (1993), a vida nas ruas é o resultado de sucessivas rupturas no âmbito pessoal, familiar, institucional e comunitário. Podemos pensar que o ser humano, desde que nasce, vai estabelecendo diferentes relações, cada vez mais abrangentes, que lhe permitem desenvolvimento e autonomia. Esses laços são estabelecidos com a mãe ou cuidadora, com a família e com instituições como a escola e a comunidade, que lhe dão as relações afetivas, culturais etc. Em cada um desses âmbitos, o sujeito tem necessidades, constitui desejos e relações que lhe permitem a construção de sua vida.
No caso da vida nas ruas, o que vemos é uma quebra sucessiva desses laços, até o ponto em que há uma ruptura decisiva, que leva o sujeito às ruas. Podemos dizer que há uma "queda". Ou seja, o sujeito é forçado a viver uma espécie de relação regressiva, semelhante à que teve enquanto bebê com sua mãe, quando esta era o único objeto de cuidado e ligação com o mundo. É a rua que ocupa agora esse lugar.
Esse processo tem importantes consequências psíquicas. O que a experiência clínica de atendimento demonstra, e esta pesquisa mais uma vez comprovou, é que em muitos casos estruturados de vida na rua o tempo passa a ser marcado pelas perdas de que falávamos. Muitas vezes a pessoa não sabe (ou se confunde sobre) o tempo em que está nas ruas. Um dia pode dizer um ano, em outro cinco anos, em outro 10 meses. Com o que ela não se confunde é com as rupturas: "quando me separei", "quando minha mãe morreu", e assim sucessivamente.
Além da alteração da noção de tempo, J. Broide (1993) destaca também uma alteração da noção de espaço. Se antes o sujeito realizava seus diferentes desejos e necessidades em distintos espaços, agora todos eles se realizam na rua. A rua é depositária de seus afetos, sua sobrevivência, sua aprendizagem, sua comunidade, enfim, tudo está colocado na situação de quem nela vive.
Com relação ao tempo, outro aspecto a ser apontado é que a vida na rua leva a um inevitável imediatismo. Não é possível fazer projetos na rua. Eles se evaporam, não se consolidam. A sobrevivência é uma luta a cada hora, em uma situação de extrema violência, que costuma surgir de forma imprevista, por parte de colegas, do rapa, da guarda civil metropolitana, da polícia, ou na expulsão de um albergue. Essa vivência de extremo desamparo e violência só pode ser suportada com o anestésico do álcool e/ou da droga, o que agrava ainda mais a condição daquele que está nas ruas.
É necessário falar ainda de outra situação que atinge as pessoas nesse outro mundo. Em determinadas ocasiões, essas diferentes e radicais rupturas são rememoradas, mobilizadas. Geralmente, isso acontece diante de um fato novo, de uma exigência nova ou de algo daquele mundo antigo, localizado do outro lado da fronteira, que irrompe do lado de cá. Pode ser uma notícia da família ou algo que as remeteu a uma ruptura sofrida. É nesse momento que ocorre um fato ainda não devidamente considerado no trabalho com a PopRua: quando "bate a nave". Esse é o momento em que, muitas vezes, todo o trabalho até então realizado se desfaz, e o sujeito volta a sentir-se em franga-lhos, destruído pelas rupturas.
Com todas essas características de vida, a rua torna-se o que denominamos de instituição total, e como numa prisão ou num manicômio o sujeito fica ali capturado, aprisionado. Como sairá das ruas, se ali agora está tudo o que importa para ele? Ao sair da rua, o sujeito mais uma vez se encontra no profundo desamparo que enfrentou no momento mais grave de sua vida, em que se concentraram todas as suas rupturas - ficou sem nada e por isso foi para a rua. Agora, quando sai da rua, fica novamente sem nada. Tudo o que havia construído com enorme esforço se esvai. É o duplo exílio: um quando foi para a rua, outro quando sai dela e tem que deixar novamente o que ali construiu.
Nessa perspectiva, torna-se fundamental capacitar as equipes de trabalho acerca do que é o "mundo da rua", através de conceitos que a pesquisa demonstrou serem relevantes para a formulação de programas, projetos e atendimento direto. São eles: acolhimento, escuta, ancoragem e transferência.
2. Acolhimento, escuta, ancoragem e transferência. O acolhimento e a escuta são considerados essenciais na conduta de equipes de atendimento à população em situação de rua. A reintegração dos vínculos familiares como única solução geralmente afasta o morador de rua dos programas de atendimento. Por isso, é importante que se escutem as novas formas de sociabilidade criadas a partir da vida nas ruas. Grande parte das equipes e organizações que trabalham com essa população não raras vezes já se indagou: como esse sujeito ainda se mantém vivo depois de tudo o que passou e está passando? Ao longo dos anos de trabalho nas situações sociais críticas, desenvolvemos o conceito de ancoragem, que se pode entender como os fios, muitas vezes invisíveis, que amarram o sujeito à vida. E o que são esses fios? São relações, são laços. No caso da população em situação de rua e em outras situações sociais críticas, com frequência os fios de vida não estão na família, mas na vida comunitária da rua, no cachorro - companheiro fiel -, no técnico ou no comerciante que dá comida, no porteiro do equipamento, na namorada ou no namorado, e assim por diante. Os conceitos de escuta e ancoragem possibilitam uma mudança na forma de abordar as redes de sustentação do sujeito e permitem que se busquem com mais precisão os projetos comunitários para a reconstrução da vida nas ruas.
Outro elemento significativo é a contribuição que a psicanálise pode trazer aos trabalhadores no que se refere ao impacto das consequências psíquicas das rupturas e da vida no mundo da rua, e a como estas se apresentam na relação cotidiana de trabalho, ou seja, na transferência. Isso porque os aspectos transferenciais que surgem no atendimento são de alta intensidade. A compreensão do conceito de transferência permite ao trabalhador, seja ele psicanalista ou não, um modo distinto de compreender o sujeito que fala e ali está. O entendimento por parte do trabalhador de que o usuário estabelece uma relação a partir de sua história de vida, e a dramatiza enquanto um clichê e uma repetição no atendimento cotidiano (Freud, 1915/1986a, 1915/1986b, 1914/1986c, 1912/1986d), possibilita a ele perceber que importantes aspectos do que é dito pelo usuário não estão ligados diretamente à relação com ele no aqui e agora, mas expressam a história do sujeito.
Considerações finais
Vários fatores fizeram desta uma pesquisa participativa. Para começar, o critério que adotamos: a escolha de pesquisadores que estavam ou tinham estado em situação de rua. Essa opção buscou abordar o tema com base em um profundo conhecimento vivencial do campo, a fim de captar a vida nas ruas da cidade - com o cuidado de que os pesquisadores abrissem mão de seu ponto de vista como protagonistas e se lançassem à escuta do outro. Também é preciso frisar que os resultados parciais da pesquisa foram constantemente debatidos com a SMDHC, com o Comitê PopRua e com vários especialistas que trabalham área. Foi criada uma página no Facebook e foram dadas diversas entrevistas em diferentes órgãos de imprensa para o acompanhamento da pesquisa
Pudemos observar que o perfil da população em situação de rua da cidade de São Paulo passou e passa por profundas mudanças. Agora, também sobrevivem nas ruas pessoas e famílias que habitam as favelas e buscam doações durante a noite na cidade (moradores de ocupações, imigrantes e egressos do sistema penitenciário). Constatou-se que mais de 40% das pessoas que vivem nas ruas de São Paulo são egressas do sistema penal, alterando de forma significativa as relações que vigoram na rua e nos serviços de assistência. Tal fato impacta diretamente na relação transferencial que se estabelece entre os trabalhadores da assistência social e as pessoas em situação de rua.
A rua é mais complexa hoje, pois nela estão pessoas que vivem em uma "faixa porosa", ou seja, pessoas que, embora tenham onde morar, se encontram em uma mesma situação de vulnerabilidade. Faz-se necessário, então, que sejam realizados diferentes projetos e programas para os distintos grupos que vêm surgindo nas ruas. Pensamos ser de fundamental importância que a política pública contemple tanto os novos grupos presentes na vida das ruas da cidade como os já existentes.
Finalmente, queremos ressaltar a importância da inserção do saber psicanalítico nas políticas públicas no campo das urgências sociais, que denominamos de situações sociais críticas. Nesses contextos, a psicanálise rompe com o ideal normativo e regulador que demandas sociais convocam e exige do psicanalista buscar o ponto no qual a clínica pode interrogar a política e a política à clínica, uma vez que o discurso psicanalítico se dirige ao sujeito barrado, e não ao caso social.
A psicanálise é desafiada aqui a fazer transitar o drama social pelos tempos da transferência: o instante de ver, o tempo de compreender e o momento de concluir, desdobrando-os. Isso significa tornar possível que a escuta e a intervenção analítica não fiquem aderidas ao drama social como signo, mas como inscrição que viabilize um endereçamento via transferência.
Referências
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Broide, J. (1993). A rua enquanto instituição das populações marginalizadas: uma abordagem psicanalítica por meio de grupo operativo. Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas. [ Links ]
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Correspondência:
Emilia Estivalet Broide
Rua Ministro Godói, 1278, Perdizes
05015-001 São Paulo, SP
emilia_bro@uol.com.br
Jorge Broide
Rua Ministro Godói, 1276, Perdizes
05015-001 São Paulo, SP
jorgebro@uol.com.br
Recebido em 8/4/2019
Aceito em 22/4/2019
1 A SUR Clínica e Intervenção Social é uma empresa de consultoria social cujos sócios são Emilia Estivalet Broide e Jorge Broide.
2 O comitê tem composição paritária entre governo e sociedade civil, com representantes das secretarias municipais de Direitos Humanos e Cidadania, Assistência e Desenvolvimento Social, Saúde, Desenvolvimento Econômico, Habitação, Educação, Infraestrutura Urbana e Obras, Subprefeituras e Segurança Urbana. Número de representantes: 36, dos quais 18 do governo (nove titulares e nove suplentes) e 18 da sociedade civil (nove titulares e nove suplentes, sendo cinco titulares e cinco suplentes representantes da população em situação de rua, e quatro titulares e quatro suplentes representantes de organizações que trabalham com esse público). Na época da pesquisa, o secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania era Eduardo Matarazzo Suplicy.
3 Castor Guerra, Darcy Costa, David Amarilla, Diego Rocha, José Carlos dos Santos, Luiz Carlos Cecopiere, Manoel Lucimar dos Santos, Maurício Tavares, Paulo César de Paula, Talmos Silva, Manuel Messias - Jamaica (voluntário), Nilton Carvalho (suplente).
4 Os depoimentos dos pesquisadores sociais podem ser consultados em duas matérias jornalísticas: Salvadori (2015) e Zingaro e Bonnassieux (2016).
5 Coordenadores da pesquisa e do grupo terapêutico: Emilia Estivalet Broide e Jorge Broide. Coordenação do grupo de pesquisa de campo: Aline Souza Martins e Tiago Lizot Lavrini. Grupo Ponte: André Caramante, Caio Palazzo, Fausto Salvadori Filho, Luís Adorno. Cronistas: Amarildo Felix, Barbara Carro, Beatriz Guarita Dotta, Camila Aparecida de Freitas.
6 O cronista permanece em silêncio durante os encontros dos grupos para melhor captar, por associação livre, os conteúdos e a dinâmica que deles emerge. O relato dos cronistas serve de material de análise para a pesquisa.