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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia n.29 Canoas jun. 2009
ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO
A cobrança dos honorários na prática clínica por psicoterapeutas: uma revisão de literatura
The charge of fees in clinical practice by psychotherapists: a review of literature
Camile Gross; Maycoln L. M. TeodoroI
I Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica
RESUMO
O processo de negociação dos honorários dentro da prática clínica constitui-se em um importante aspecto para o andamento da psicoterapia. O objetivo deste artigo é realizar uma revisão sistemática de literatura sobre a cobrança de honorários. Foram realizadas consulta em várias bases de dados (Psycinfo, Lilacs, Medline, Cochrane, Isiweb, CINAHL, Academic Journals) e selecionados artigos relacionados ao tema. Todo o material bibliográfico encontrado foi analisado e dividido em dois tópicos. O primeiro é relacionado à contratação dos honorários como parte do processo psicoterápico e o segundo ao aprendizado em contratar honorários na formação de psicoterapeutas. Os dados da revisão apontam para a importância em se considerar a compreensão do significado do honorário durante a prática terapêutica. Do mesmo modo, reforça a relevância da inclusão deste tema na formação do psicoterapeuta, bem como na produção de pesquisas.
Palavras-chaves: Psicoterapia, Honorários, Honorários e preços.
ABSTRACT
The process of negotiation of the fees in the practical clinic consists in an important aspect for the progress of the psychotherapy. The objective of this article is to carry out a systematic revision of literature on fees’ charge. Databases (Psycinfo, Lilacs, Medline, Cochrane, Isiweb, CINAHL, Academic Journals) were consulted and papers related to the subject were selected. All bibliographical material was analyzed and divided in two topics. The first one is related to the act of contracting fees as part of psychoterapic process and the second to the learning of contracting fees in the formation of psychotherapists. The data of the revision point out to the importance in consider the understanding of the meaning of the fees during the psychotherapic praxis. In a similar way, revision highlights the relevance of the inclusion of this subject in the formation of the psychotherapist, as well as in the production of research.
Keywords: Psychotherapy, Fees, Fees and charges.
Introdução
Atualmente a pesquisa clínica vem priorizando o estudo das relações estabelecidas ao longo do processo psicoterapêutico entre psicoterapeuta e cliente. Dentre os aspectos que compõem este relacionamento está a cobrança de honorários (Zimermann, 1999). Para Dibella (1986) e Schonbar (1986), poucas coisas além de assuntos financeiros simbolizam de uma forma tão completa os conflitos emocionais. Assim as questões monetárias estão relacionadas a todos os tipos de questões irracionais como os desejos e medos. Os mesmos autores acreditam que da mesma forma que assuntos financeiros podem ser problemáticos para os clientes, também podem ser para os psicoterapeutas e que frequentemente há uma ligação direta entre negligenciar assuntos de dinheiro pelo terapeuta e dificuldades em outras questões do tratamento. Desta maneira, diversos autores defendem que os conflitos relacionados ao tema dinheiro devem ser explorados na relação psicoterapêutica, assim como outros assuntos relacionados à psicodinâmica do comportamento do cliente (Dibella, 1986; Eizirik, 1989; Jacobs, 1986; Schonbar, 1986).
A investigação da cobrança de honorários dentro da pesquisa clínica possui extrema relevância, já que os sentimentos não resolvidos do psicoterapeuta e cliente em relação aos honorários podem interferir no processo psicoterapêutico (Dibella, 1986; Heller, Antunes, & Enck, 2004; Jacobs, 1986; Lasky, 1984; Monger, 1998; Schonbar 1986; Tudor, 1998; Tulipan, 1986). Nesse sentido, estes autores colocam que o significado do dinheiro deve ser visto como objeto de discussão na relação entre psicoterapeuta e cliente, sendo a questão econômica parte integral do processo psicoterapêutico. No entanto, na literatura, as reflexões relacionadas aos honorários costumam ser negligenciadas, minimizadas ou evitadas completamente dentro da psicoterapia (Bishop & Eppolito, 1992; Jacobs, 1986; Lasky, 1984; Pope, Geller & Wilkinson, 1975; Schonbar, 1986; Tulipan, 1983).
Tendo em vista a importância simbólica do dinheiro no contexto psicoterapêutico, este artigo tem como objetivo realizar uma revisão da literatura referente à cobrança de honorários, a partir da perspectiva de psicoterapeutas na prática clínica privada. Pretende-se assim contribuir para a sistematização da literatura existente na área e oferecer subsídios para a discussão do tema em universidades e cursos de formação de psicoterapeuta.
Método
Para a revisão de literatura foram consultadas as seguintes bases de dados: Psycinfo, Lilacs, Medline, Cochrane, Isiweb, CINAHL, Academic Journals, BVS. As combinações de descritores utilizadas para a pesquisa foram fees e psychology e fees e psychotherapy. No que concerne à primeira combinação, foram achados na base de dados Psycinfo 41 artigos sobre o tópico estudado. Na base de dados Lilacs encontrou-se quatro artigos; na base Medline um artigo; na base Cochare, dois artigos; na base Isiweb um artigo; na base CINHAL, quatro artigos e na base Academic Journals, onze artigos.
Relativamente à segunda combinação, fees e psychotherapy, foram encontrados na base de dados Psycinfo 56 artigos sobre o tema pesquisado. Com relação às outras bases, não foi encontrado nenhum artigo referente ao tema. Do total dos 120 artigos encontrados nas diferentes bases de dados foram retirados os repetidos, restando um total de 14. O critério de seleção utilizado foi a abrangência do tema estudado, ou seja, enfocar a perspectiva dos psicoterapeutas na clínica privada frente a cobrança de honorários. Para tornar esta revisão de literatura mais completa sobre o tema, foram utilizados seis livros com origem nacional e internacional. Além dos artigos foram incluídos uma livro internacional e uma dissertação de mestrado sobre o tema.
Deve-se considerar que além da escassez de material publicado sobre o assunto honorários na relação psicoterapêutica, chama a atenção que a maior parte das publicações são antigas, ou seja, ocorreram há mais de vinte anos. Também, a bibliografia pesquisada é em sua maioria composta por estudos internacionais (publicados em inglês) que revelam uma realidade socioeconômico-cultural que pode ser diversa da realidade brasileira, sobre a qual recai este estudo. Além disso, frisa-se que se deve ter cuidado sobre percepções generalizadas sobre esse tema. Portanto, nem toda bibliografia encontrada foi aproveitada por ser composta por estudos de enfoques diferentes, realidades diversas e percepções generalizadas. Tendo em vista que o material encontrado provém de diversas abordagens teóricas, foram encontrados diversos nomes usados para designar os participantes da relação psicoterapêutica, como terapeuta, psicoterapeuta, cliente e paciente. Como forma de padronizar a descrição dos estudos, optou-se pela nomenclatura psicoterapeuta e cliente.
Resultados
O material bibliográfico selecionado foi categorizado e organizado de acordo com o tema abordado em cada artigo. No intuito de uma melhor organização da literatura encontrada, optou-se por dividir todos os artigos em dois sub-tópicos. O primeiro enfoca a contratação de honorários como parte do processo psicoterapêutico e o segundo o aprendizado em contratar honorários na relação psicoterapêutica. Estas duas categorias são descritas na próxima seção
Contratar honorários como parte do processo psicoterapêutico
A cobrança dos honorários e sua discussão dentro do contrato terapêutico é um assunto delicado e pode tomar proporções problemáticas no enquadre clinico até para psicoterapeutas mais experientes (Eizirik, 1989; Lasky, 1984; Shields, 1997; Tudor & Worral, 2002). Segundo Eizirik (1989) e Stewart (2005), ao se fixar um valor de honorário no setting terapêutico, podem surgir questões transferenciais e contratransferenciais que influenciam positiva ou negativamente a dinâmica com o cliente. Segundo estes autores, o pagamento com valor inferior ao que o cliente poderia pagar está relacionado, provavelmente, a uma desvalorização da figura do psicoterapeuta, seja por imaginar que ele não tenha a experiência necessária, seja por duvidar de sua competência. Na realidade, esta atitude do cliente, assim como o fato do psicoterapeuta aceitá-la, encobre várias possibilidades. O psicoterapeuta acolhe uma contraprestação inferior, muitas vezes por sentimento de culpa por supostos erros e subsequente desejo de compensação, necessidade de agradar ou medo de perder o cliente. Por sua vez, o cliente assim age talvez pela sensação de levar vantagem, sentir-se preferido em relação aos demais clientes. A consequência da falta de discussão sobre questões que envolvem honorários na relação psicoterapêutica “pode levar à culpa, à desvalorização do terapeuta e do tratamento e ao frequente surgimento de impasses e, mesmo interrupções do mesmo” (Eizirik,1989, p. 102). Outra maneira de enfocar o pagamento de honorários, segundo Gross (2008), é levar em conta, na escolha do valor a ser pago pelo atendimento psicoterápico, a realidade do cliente. Psicoterapeutas apontam que a contratação de honorários envolve uma peculiaridade do trabalho do psicólogo clínico que é caracterizado por um atendimento semanal, no mínimo, e não há prazo preestabelecido para o término do trabalho. Assim, frequentemente, esse dado de realidade é levado em consideração na flexibilização para se estabelecer o valor do atendimento.
Monger (1998) e Jacobs (1986) relatam que o significado dos honorários é subutilizado na prática clínica, ressaltando que a forma como o cliente age em relação ao pagamento pode ser um material de interpretação na relação psicoterapêutica. O significado para o cliente do pagamento ao psicoterapeuta pelo serviço prestado é, frequentemente, pouco interpretado na prática clínica. No mesmo sentido, dá-se ainda menos consideração ao significado para o psicoterapeuta sobre ser pago (Jacobs, 1986; Monger, 1998). Também nessa perspectiva, Power e Pilgrim (1990) apontam que psicoterapeutas são enfáticos em reconhecer a importância do dinheiro, mas relutam em falar como esse assunto os afeta e as particularidades da sua prática clínica. Da mesma os mesmos pesquisadores pontuam que o pagamento de honorários é essencial para a efetividade da psicoterapia e tem um efeito simbólico importante para os clientes.
Há diversas razões para explicar os motivos pelos quais as taxas para a terapia não são exploradas com mais profundidade. Primeiramente, há uma resistência pessoal por parte de teóricos, investigadores, e psicoterapeutas (Chodoff, 1964; Mintz, 1971; Pasternack, 1988; Schonbar, 1986). Outro fator que contribui à exploração limitada das taxas é a falta do consenso dos psicoterapeutas sobre o modo de dirigir-se à introdução das taxas com os clientes (Reider, 1986).
De acordo com Stewart (2005), pensamentos e sentimentos não trabalhados a respeito do tema dinheiro podem tornar-se um grande empecilho para o bom andamento do processo psicoterapêutico. Igualmente, Lasky (1984) e Mintz (1971) defendem que o tema honorário deve estar confortável para o psicoterapeuta para favorecer uma discussão aberta e franca com o cliente sobre dinheiro. Também é pontuado por Lasky que a clareza com que o psicoterapeuta conduz seus serviços profissionais é benéfica para a relação psicoterapêutica, já que os conflitos não resolvidos dos psicoterapeutas sobre estas questões financeiras tornam-se presentes no trabalho com os clientes particulares.
A dificuldade em discutir temas relacionados ao dinheiro é mais comum em psicoterapeutas novatos (Stewart, 2005). Por outro lado, Lasky (1984) pontua que a ambivalência sobre o estabelecimento de honorários não é restrita apenas a iniciantes. Tanto psicanalistas quanto psicoterapeutas compartilham preocupações e confusões semelhantes sobre honorários na relação psicoterapêutica.
Stewart (2005) ressalta que o tema honorário pode ter funções específicas no trabalho com o cliente e explorar assuntos financeiros pode ser terapeuticamente útil. Pode-se observar, em psicoterapia, que a relação do cliente com o dinheiro está diretamente ligada a questões do seu estilo de personalidade. Deste modo, o não pagamento de honorários poderia significar uma forma de defesa do cliente numa tentativa de manter uma relação com o psicoterapeuta na situação de término de psicoterapia. Todavia, a questão financeira no processo psicoterápico também pode representar sentimentos de hostilidade, culpa, desprezo, sedução, angústia ou a sensação de fragilidade. Também, segundo Lasky (1984), o tema dinheiro pode ativar questões de sobrevivência, segurança, poder, e assuntos de autoestima; assim como a competição com seus pares e narcisismo.
Outro ponto a ser considerado é o valor da consulta na clínica psicológica porque pode representar para o psicólogo o reconhecimento de sua capacidade como psicoterapeuta (Heller, Antunes & Enck, 2004). Para o cliente, significa o quanto ele se dispõe a investir em um tratamento que dê conta de seu sofrimento psíquico. Já num sentido latente, o preço da consulta pode demonstrar o valor que o cliente tem para si mesmo e o sofrimento necessário para atingir sua verdade. Estes autores referem ainda que a questão do valor “caro” ou “barato” de uma análise está muito além do problema monetário, pois diz respeito aos atributos desse encontro.
O efeito do tipo de cobrança no resultado psicoterapêutico foi estudado por Pope, Geller e Wilkinson (1975) em uma pesquisa de campo. Foram investigados 434 clientes que estavam em tratamento individual em um centro médico de uma comunidade terapêutica. Nesse centro médico o método de pagamento era variado, sendo que alguns clientes pagavam o valor total do honorário, enquanto outros faziam o pagamento parcial e ainda alguns não pagavam nada ou tinham sua psicoterapia coberta por uma companhia de seguro. Quando o diagnóstico e as condições socioeconômicas foram controlados, não foi encontrada diferença significativa na relação do resultado psicoterapêutico com o valor de honorário estipulado. Logo, nesse estudo, o progresso do cliente em terapia não foi, ao contrário do dogma profissional, relacionado ao tamanho ou forma do valor cobrado. Corrobora esse pensamento, o entendimento de Tulipan (1986) que questiona o papel do dinheiro como propulsor da mudança psicoterapêutica. Segundo a autora, a própria necessidade de mitigar a infelicidade já pode ser uma motivação capaz de superar a resistência à mudança. Tulipan acredita que o dinheiro pode servir como um meio de motivação para a mudança psicoterapêutica, mas não como algo impulsionado pelo sentido de sacrifício para o cliente. Ainda de acordo com o estudo de Pope, Geller e Wilkinson, os propósitos terapêuticos não fornecem uma razão adequada para políticas de avaliação de honorários sendo assim, os valores para serviço de saúde mental deviam ser baseadas em outros fatores. Da mesma forma, Yoken e Berman (1984) e Mintz (1971) também sugerem que os honorários não podem ser justificados puramente pelo significado terapêutico e que o sucesso da terapia não é diminuído pelo uso de pagamentos por terceiros que, aliviariam o custo do tratamento para o cliente em programas de reembolso.
Pode-se pensar então que o estímulo para o envolvimento do cliente no processo psicoterapêutico não está primordialmente vinculado ao valor gasto no tratamento, mas está relacionado à motivação pessoal de cada um. Deste modo, Monger (1998) e Shields (1997) pontuam que as atitudes do psicoterapeuta em relação ao dinheiro devem ser consideradas na compreensão dos arranjos de dinheiro que se estabelecem na relação psicoterapêutica.
O aprendizado do contratar honorários na relação psicoterapêutica
Shields (1997) afirma que, ainda que o pagamento seja um ponto central do processo psicoterápico, são poucos os estudos sobre este tema. “Embora a formação psicanalítica de nível de pós-graduação em psicologia clínica seja direcionada ao ensino do trabalho de psicoterapia, esta normalmente omite qualquer ensinamento sobre o comércio da prestação de serviço: fazer psicoterapia ou análise.” (Shields, 1997, p. 236). Nesse contexto, o Shields buscou enfocar a questão da prática de honorários na formação de psicoterapeutas iniciantes. Para a formação do psicoterapeuta é importante, além da compreensão dos significados clássicos do dinheiro, buscar compreender no contexto do cliente, sua relação com as questões financeiras, assim como há indicação do psicoterapeuta iniciante em analisar sua própria relação com este tema.
Com esse mesmo enfoque, Monger (1998) enfatiza a importância da formação do psicoterapeuta para a prática de honorários, que inclui não somente o treino prático, mas o desenvolvimento pessoal. Fatores como a prática, supervisões e psicoterapia são intervenções que facilitam a formação de uma melhor estrutura psicoterapêutica. Nessa perspectiva, Shields (1997) ressalta a necessidade de discutir tópicos sobre o pagamento já durante a formação de psicoterapeutas, de modo a favorecer a autocrítica de aspectos relacionados a questões de gênero e dinheiro na prática clínica.
O treinamento em psicoterapia, para Pasternack (1986), deve incluir uma supervisão cuidadosa dos aspectos clínicos e administrativos dos assuntos monetários. Uma clara e firme política de honorários auxilia os estagiários na capacidade de negociar, não somente questões monetárias, mas também todas as outras facetas da relação psicoterapêutica. De acordo com este pesquisador, quando assuntos financeiros são cuidadosamente ensinados, os estagiários podem ganhar em autoestima tanto pela produção de renda quanto pela evolução dos casos em psicoterapia. Nesse sentido, Pasternack observa que em programas educacionais de psiquiatria e de saúde mental deveria ser ressaltado o potencial dos benefícios de uma instrução cuidadosa em assuntos monetários na psicoterapia.
Monger (1998) realizou um estudo com alguns psicoterapeutas sobre a prática de cobrança de honorários para investigar como estes profissionais lidam com o honorário e sua utilização como material de interpretação na pratica clínica. Nesse estudo foi utilizada uma pequena escala para compreender a prática de honorários na experiência de psicoterapeutas em uma região da Grã-bretanha. Assim, foi utilizado um delineamento quantitativo e qualitativo com questões fechadas, seguindo categorias de respostas predeterminadas. Este procedimento possibilitou aos participantes descreverem a sua prática de forma mais completa. Para isto, foram enviados questionários com questões divididas em vários tópicos, tais como idade, sexo, visão sobre pagamento na psicoterapia e seu rendimento na prática psicoterápica. Também tópicos sobre os aspectos da política de honorários, pontos sobre o significado e espécie do pagamento, bem como as formas de negociar o valor do atendimento psicoterápico. No final das perguntas constava um espaço para comentários adicionais. Os resultados demonstraram a necessidade de explorar o espaço entre a teoria e a prática dos honorários para outros ensinamentos do seu entendimento na interpretação na prática clínica. Monger (1998) e Tulipan (1983) apontam que esta prática está muito mais relacionada com os aspectos pessoais do psicoterapeuta em relação ao dinheiro do que com a teoria. A posição dupla dos honorários como ganha-pão e como material de trabalho está em posições distintas. Entretanto, questões como os sentimentos não resolvidos do psicoterapeuta sobre dinheiro, as necessidades do cliente e as interfaces do seu comportamento com a necessidade de sustento do psicoterapeuta podem distorcer o processo psicoterapêutico (Monger, 1998).
Quanto à forma de contratar honorários na relação psicoterapêutica, Jacobs (1986) destaca que é benéfico para o cliente participar no estabelecimento do valor do honorário e responsabilizar-se pelo valor determinado assim como fazer parte de qualquer mudança nos honorários. Nesse sentido, Jacobs adverte que o fracasso em explorar honorários e seu significado em supervisões pode acarretar uma finalização prematura do atendimento psicoterápico. Nessas instâncias de término prematuro, é frequente a inabilidade do psicoterapeuta em negociar honorários ou entender o papel deles nas dificuldades, tanto para o psicoterapeuta quanto para o cliente, no tratamento psicoterápico. Esse posicionamento reflete uma preocupação e a relevância desse tema para a formação profissional do psicoterapeuta e da sua incidência no próprio processo psicoterápico.
Nessa questão, Shields (1997) discute a formação de psicoterapeutas em treinamento realizado, cada vez mais, em instituições e hospitais, onde geralmente não é dada oportunidade ao profissional iniciante de tratar questões de pagamento de honorários diretamente com o cliente atendido. Assim, muitas vezes, o psicoterapeuta iniciante ingressa na prática clínica, com pouco ou nenhum conhecimento sobre como lidar com honorários, em relação ao cliente; sobre o significado do dinheiro e seu impacto em questões transferenciais e contratransferenciais, bem como sobre o aprendizado de operacionalizar a prática clínica como um negócio. Nessa mesma perspectiva, Aubry e Hunsley (2000) consideram importante fazer parte da experiência do estagiário a cobrança de honorários para a aprendizagem do manejo do pagamento junto ao cliente. Os autores também enfatizam que na formação de psicoterapeutas parece razoável esperar algum honorário abaixo do mercado, dados os custos de serviços psicológicos e estágio clínico.
Shields (1997) sugere a necessidade de o próprio psicoterapeuta lidar com questões de honorários com seu cliente sem a interferência de terceiros, que pode ser prejudicial ao lidar com questões contratransferenciais no processo psicoterapêutico. Igualmente, Shields chama a atenção para a dificuldade dos psicoterapeutas em receber pagamento por ajudar alguém em sofrimento. No mesmo raciocínio, Souza (2000) discute a dificuldade dos profissionais em tratar questões monetárias de forma franca na sociedade, sem ser alvo de julgamentos. No contexto hospitalar, essa dificuldade é potencializada para o profissional da saúde, por lidar com pessoas doentes que, de antemão, carregam o estigma da penalização da doença.
Tudor e Worral (2002) chamam a atenção que, na prática privada, são as próprias pessoas que vendem seus serviços para vários empregadores e que isto não deve ser banalizado na prática psicoterápica. Por outro lado, os pesquisadores lembram que, no dicionário da língua inglesa e, historicamente, a prática privada apresenta uma conotação pejorativa de ser mercenária e que isto deve servir de cautela para os psicoterapeutas. Segundo Tudor e Worral, assim como acontece em outros contextos econômicos, a relação contratual e econômica deve ser esclarecida com os clientes (empregadores), enfatizando uma relação de mutualidade. Nesse contexto, visualizar os clientes, na prática psicoterapêutica privada, também como empregadores exercita a humildade dos psicoterapeutas e o respeito com seus clientes. Significa dizer que, diferentemente de um monólogo, é priorizado o diálogo entre psicoterapeuta e cliente em assuntos como o dinheiro, facilitando o fortalecimento de uma relação psicoterapêutica colaborativa.
Em atendimento psicoterapêutico, no entanto, há distinção entre regras (unilateral, não negociável) e contratos (bilateral, negociável). Nesse sentido, Tudor (1998) pontua que devem estar claras, para os psicoterapeutas, as questões do contrato terapêutico que podem ser flexibilizadas ou negociadas na relação com o cliente, em relação ao pagamento de honorários, assim como aos pontos que não comportam flexibilização. Para alguns psicoterapeutas, o pagamento de faltas das sessões é baseado na regra estabelecida no início do tratamento, não comportando flexibilização; já para outros, o pagamento das sessões é baseado no contrato (negociável) estabelecido entre o cliente e o psicoterapeuta (Tudor, 1998).
Schonbar (1986) acredita que uma abordagem flexível do psicoterapeuta em assuntos financeiros condiz com uma exploração psicoterapêutica mais produtiva. Uma postura simplesmente rígida frente ao tema dinheiro, segundo Schonbar, pode ser menos efetiva ao tratamento porque, desta forma, não é levado em conta o posicionamento do cliente frente a esse tema. Desta maneira, as formas do cliente lidar com as questões financeiras devem ser trabalhadas na relação psicoterapêutica assim como outros aspectos relacionados à sua psicodinâmica.
Em relação à estimativa de honorários na prática clínica, Eizirik (1989, p.102) diz que “o cálculo das horas de trabalho semanal e dos vencimentos percebidos deve levar em conta, evidentemente, o preenchimento das necessidades materiais de cada um”. Além disso, é melindrosa também a questão dos reajustes, quando o assunto sobre pagamento na relação psicoterapeuta-cliente não está clara. Menciona ainda o autor que, o momento dos reajustes encerra todo tipo de relação transferencial e contratransferencial, na situação presente. Com relação à questão prática do pagamento, Tudor (1998) refere que os psicoterapeutas têm diferentes preferências a respeito do pagamento de honorários (por exemplo em dinheiro, cheque ou ordem de pagamento). Os pagamentos podem ser realizados mensalmente, no início ou término de cada sessão. O mesmo autor enfatiza que as questões relacionadas ao atraso ou esquecimento de pagamento de honorários dependem da postura de cada profissional. Alguns psicoterapeutas lembram seu cliente ao final da sessão; outros utilizam a interpretação, confrontação de forma explícita; e num outro extremo, deixam que o cliente se recorde. Tudor menciona ainda que o reajuste no valor dos honorários deve estar incluído no contrato terapêutico, mas que para a sua implementação, o psicoterapeuta precisa levar em consideração as mudanças econômicas do cliente. Neste cenário, alguns profissionais preferem assumir uma posição de maior rigidez, considerando ser da responsabilidade do cliente suportar sua realidade financeira; outros ponderam o contexto financeiro do cliente, renegociando o valor. Também pode ser iniciativa do cliente sugerir uma mudança no valor de honorário.
Em se tratando da pontualidade do pagamento dos honorários psicoterapêuticos, Eizirik (1989) ressalta que é muito frequente ocorrer atraso no pagamento, bem como erro no valor pago. Este autor assinala duas possíveis causas para o fato. A primeira está ligada a situações da realidade externa. Já a segunda causa pode ser entendida como a retenção do que deve ser dado, como uma forma de punição ao psicoterapeuta por alguma questão real ou fantasiada. A dificuldade do psicoterapeuta em debater estas questões de forma clara com seu cliente pode suscitar muitas frustrações e revoltas em relação a ele, caracterizando uma cobrança antiterapêutica. Em contrapartida, o cliente ao vivenciar, ao discutir estes pontos, pode julgar o psicoterapeuta como mercenário e explorador. No entanto, deve-se ter em mente que esta divisão realizada por Eizirik é meramente ilustrativa e que a interpretação do atraso do pagamento deve estar vinculada à situação especifica de cada tratamento e ao pensamento teórico do psicoterapeuta.
No que diz respeito ao não-pagamento no enquadre psicoterápico, Shields (1997) enfatiza a particularidade da postura do profissional esperada na prática psicológica, que é visualizar o não pagamento do cliente como material a ser explorado nesta relação. A maneira como os honorários são tratados na relação psicoterapêutica afeta concretamente o estilo de vida do psicoterapeuta, e, isso deve ser bem manejado, a fim de não prejudicar o trabalho clínico. Nesse sentido, Pope, Geller e Wilkinson (1975) defendem que, em muitos casos, a política de honorários deve ser determinada pelas necessidades reais dos psicoterapeutas e deve ser executável para ambos psicoterapeuta e cliente.
Monger (1998) refere-se à necessidade, para psicoterapeutas iniciantes, de estudos sobre a prática psicoterapêutica e enfoca questões atuais da prática clínica, como honorários baseados na realidade socioeconômica. O dinheiro, como meio de sustento, é um fato em uma sociedade capitalista que existe dentro e fora do consultório.
A realidade socioeconômica dos honorários como meio de sustento é fator fundamental para o psicoterapeuta e para o cliente, precisando ser mais investigada através de pesquisas. Tudor (1998) ressalta a preocupação e o desafio de encontrar o bom senso na percepção de assuntos sobre o papel do dinheiro em atendimento psicológico e, especialmente, de oferecer soluções criativas para o trabalho, com clientes que não podem pagar o atendimento.
É notável o quão pouco foi escrito sobre o assunto honorários e como é infrequente a sua apresentação formal em programas de treinamento (Mintz, 1971; Pasternack, 1986; Trachtman, 1999). Nessa perspectiva, Lasky (1984) aponta que embora muitos psicoterapeutas e psicanalistas tenham conflitos em relação ao tema honorários, ao longo dos anos, esse assunto vem sendo pouco explorado na literatura profissional. Pasternack (1986) reforça a necessidade do treinamento do contratar honorários na relação psicoterapêutica, desde a época da formação universitária do profissional. Por isso os estagiários devem ter uma clara definição da política de honorários. Estas políticas devem ser consistentes com conceitos básicos de psicodinâmica do comportamento do cliente e ajustadas dentro do contexto de uma relação psicoterapêutica.
Nesse contexto, Lasky (1984) traz um estudo que exemplifica as dificuldades experienciadas por psicoterapeutas e psicanalistas no estabelecimento de honorários. A pesquisa foi realizada com 60 psicoterapeutas e psicanalistas sobre os conflitos experienciados no estabelecimento de honorários e constatou-se que dois terços da amostra pesquisada era particularmente atingido por esse dilema. Os conflitos dos psicoterapeutas e psicanalistas em relação aos honorários puderam ser observados em mensagens contraditórias sobre o assunto; na falta de treinamento profissional relativo às implicações do dinheiro na relação psicoterapêutica e na acentuada instabilidade financeira encontrada em muitos dos entrevistados. Nesse estudo, foi comum o conflito expresso na divisão entre o desejo do profissional em ajudar as pessoas e a necessidade realista da remuneração. Muitos psicoterapeutas referiram o sentimento de desconforto frente à existência de um negócio, quando a sua principal motivação para este trabalho era prestar ajuda às pessoas e frequentemente apresentaram uma inabilidade em como definir uma “boa estratégia de negócios”. Isso se refere ao como se posicionar frente a clientes de diferentes condições financeiras assim como as dificuldades em articular a atividade profissional de psicoterapeuta com a prestação de serviço e relação de ajuda, gerando sentimentos de culpa e preocupação por experimentarem sentimentos de poder ou vergonha ao fixar um valor alto de honorário. Em contrapartida apareceu sentimento de ressentimento, quando fixado um valor baixo de honorário. Ainda outros apresentaram confusão sobre como e quando estabelecer o reajuste no valor do honorário (Lasky, 1984).
A partir dessas dificuldades citadas e exemplificadas por diversos estudos (vide, por exemplo, Aubry & Hunsley, 2000; Eizirik, 1989; Jacobs, 1986) realizados acerca do tema honorários na relação psicoterapêutica, convém acrescentar outros que denotam especificamente as deficiências encontradas na graduação, as quais se refletem na prática dos psicólogos clínicos iniciantes e até mesmo nos experientes. Assim, uma pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Psicologia em 1987 sobre o perfil do psicólogo brasileiro assinala que a formação complementar extrauniversitária do psicólogo clínico é estabelecida através de um tripé composto por estudos teóricos, supervisões e a análise pessoal e demanda um vasto investimento temporal, financeiro e pessoal (Neto, 2001). É formado um caminho paralelo no desenvolvimento do psicólogo clínico, constituído, geralmente por institutos, escolas ou associações que representam diferentes referenciais teóricos. O mesmo autor ressalta uma desqualificação da universidade quando esta apresenta ao aluno a instrução extrauniversitária como mais que um complemento á formação do psicólogo, recebendo um valor de titulação. “Cria-se, portanto, um circuito curioso de formação em paralelo, em que um dos lados oferece a legitimação oficial e legal e, o outro, a legitimação da formação verdadeira e competente” (Neto, 2001, p. 87).
Tudor e Worral (2002) também discutem a dinâmica financeira na prática psicoterápica privada dentro do tema competição e colaboração. Conforme esses autores, esta prática está calcada em um tipo de competição desigual e individualista que têm como origem a ideologia capitalista dominante. Assim, o setor econômico da prática clínica privada está em conformidade com as normas sociais e econômicas que endossam esse tipo de competição. De acordo com Tudor e Worral os psicoterapeutas com pouca experiência, embora atuantes em sua profissão, geralmente se sentem inseguros frente ao seu sustento e muitos se veem obrigados a trabalhar em outras áreas para manterem seus rendimentos. Nesse contexto, os pesquisadores referem que os psicoterapeutas iniciantes enfrentam dificuldades nos cursos de treinamento. Alguns cursos em psicoterapia exigem que os estudantes visualizem como seus clientes, apenas aqueles tratados no local, onde realizam seu treinamento, desencorajando-os do investimento de efetuar a prática privada fora da instituição, na qual estão vinculados (Tudor & Worral, 2002). Os mesmos autores alertam também, para as situações em serviços voluntários, em que psicoterapeutas iniciantes a fim de concorrerem à aquisição do espaço de trabalho com colegas experientes e qualificados, sujeitam-se a não remuneração. Tal situação acarreta prejuízo, tanto para os profissionais experientes, quanto para os em treinamento.
Considerações finais
Há uma vasta literatura na psicologia clínica sobre muitos aspectos da relação psicoterapêutica. No entanto, o tema honorário na prática clínica, embora sendo uma questão central no processo psicoterapêutico, é pouco citado tanto na literatura brasileira, quanto na literatura de outras partes do mundo. Tendo em vista esta importância, o propósito deste artigo foi o de buscar uma melhor compreensão do processo da cobrança de honorários a partir da experiência do psicoterapeuta, enfocando as questões estruturais da prática clínica como o estabelecimento de regras, negociação e significado de honorários, bem como o seu aprendizado na formação dos psicólogos clínicos.
As reflexões da literatura demonstradas nesta revisão de estudo acerca da contratação de honorários na relação psicoterapêutica evidenciam a necessidade de fazer parte da formação do psicoterapeuta o treinamento em contratar honorários já na sua formação acadêmica. Sugere-se que esse aspecto seja explorado de forma teórico-prática no espaço da clínica escola propiciando um melhor preparo do psicoterapeuta iniciante frente ao contratar honorários como parte do processo psicoterápico.
A maior parte dos estudos encontrados na revisão bibliográfica sobre os honorários aponta, independentemente do referencial teórico, para um consenso quanto à contratação dos honorários como sendo parte do processo psicoterápico. Assim visualizou-se, a partir dos estudos contemplados nessa pesquisa, que há uma negligência desse aspecto pelos psicoterapeutas na relação psicoterapêutica e que há uma imperatividade em se dar maior atenção a esse ponto, visto que é fator constituinte desta relação. Também, vislumbra-se com este texto a necessidade da produção de outros estudos que abarquem as questões acima referidas e que possam trazer demais subsídios para uma prática clínica mais completa.
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Endereço para correspondência
E-mail: camile.gross@brturbo.com.br
Recebido em janeiro de 2008
Aprovado em agosto de 2008
Camile Gross: psicóloga, mestre em Psicologia Clínica (Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS).
Maycoln L. M. Teodoro: psicólogo, doutor em Psicologia da Família e do Desenvolvimento (ALUF, Alemanha), professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica (Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS).