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PsicoUSF
versão impressa ISSN 1413-8271
PsicoUSF v.12 n.2 Itatiba dez. 2007
ARTIGOS
Cultura organizacional e avaliação de instituições de educação superior: semelhanças e diferenças
Organizational culture and evaluation of higher education institutions: similarities and differences
José Augusto Dela Coleta I, *; Marilia Ferreira Dela Coleta II, **
I Centro Universitário do Triângulo
II Universidade Federal de Uberlândia
RESUMO
Considerando oito fatores da cultura organizacional, já identificados nos estudos anteriores em organizações empresariais - distância hierárquica; controle da incerteza; individualismo; masculinidade; assertividade; orientação para a realização; para o futuro; para a afiliação - o presente trabalho detectou níveis de presença e variabilidade desses fatores em 14 instituições de educação superior - IES (universidades públicas e particulares, centros universitários e faculdades privadas). Os dados foram recolhidos com 490 professores universitários, com um conjunto de escalas tipo Likert para medida dos oito fatores da cultura organizacional, de avaliação das qualidades das IES e dos sentimentos de a elas pertencer. Os resultados indicaram diferenças estatisticamente significativas entre e intra diferentes classes de IES, correlações negativas significativas entre as avaliações e os fatores distância do poder, individualismo e masculinidade, e positivas entre as avaliações e o controle da incerteza, assertividade, orientação para o futuro, para a realização e para a afiliação.
Palavras-chave: Cultura organizacional, Avaliação, Instituições de educação superior.
ABSTRACT
Considering eight dimensions of the organizational culture already identified in previous studies in organizations - power distance, uncertainty avoidance, individualism, masculinity, assertiveness, achievement orientation, future orientation, affiliative orientation - this study found levels of presence and variability of these factors in 14 higher education institutions - HEI (public universities, private university, university centers, and colleges). The data were collect from 490 university professors, using a group of Likert scales to measure the eight factors of the organizational culture, the evaluation of the qualities of the HEI and the feelings related to belong to them. The results showed statistically significant differences between and within the different kinds of HEI; negative and significant correlations between the evaluations and the factors power distance, individualism and masculinity; and positive correlations between the evaluations and uncertainty avoidance, assertiveness, future orientation, achievement orientation and affiliative orientation.
Keywords: Organizational culture, Evaluation, Higher education institutions.
Introdução
Quando o fenômeno da globalização das grandes corporações e da reunião das nações em blocos maiores iniciou o ruidoso processo deflagrado pela movimentação das forças decorrentes dessas mudanças, muitos supuseram que as diferenças culturais entre as nações e as organizações iriam diminuir tanto que talvez desaparecessem, transformando a variedade característica da vida dos povos em uma enorme aldeia global, semelhante em quase tudo. O que se observou, no entanto, foi que, com a queda ou maior permeabilidade das barreiras econômicas, políticas e sociais, ainda continuam muito importantes as separações culturais, impondo outras e novas exigências à compreensão e ao gerenciamento das instituições de diferentes naturezas (House, Hanges, Javidan, Dorfman & Gupta, 2004).
É nesse cenário que os estudos sobre a cultura organizacional se mantêm e se desenvolvem em todo o mundo, mostrando-se cada vez mais como um tema atual e relevante na explicação do funcionamento das instituições e na compreensão do comportamento humano em situação de trabalho.
Nesse sentido, Hofstede (1997) esclarece que as pessoas carregam programas mentais contendo compo-nentes culturais desenvolvidos desde o nascimento e que têm sua origem nos diversos ambientes sociais encontrados no decorrer da vida humana, como, por exemplo, a família, as escolas e as empresas. Para ele, cultura é "[...] a programação coletiva da mente que distingue os membros de um grupo ou categoria de pessoas face a outro" (Hofstede, 1997, p. 19).
No que diz respeito às instituições, as diferentes conceituações de cultura referem-se ao modo como as pessoas percebem as características, os valores básicos, os hábitos, as práticas de uma estrutura qualquer, sem se importar se elas gostam ou não da organização. O conceito de cultura organizacional se diferencia também da definição de satisfação no emprego, que se refere aos sentimentos positivos ou negativos que o indivíduo experimenta para com a instituição em que trabalha e os serviços que realiza.
Cultura organizacional é entendida como "um aderente social ou normativo, que fixa as partes de uma organização" (Smircich, 1983), "a maneira como fazemos as coisas por aqui" (Deal & Kennedy, 1982, p. 4). Ou, ainda, "as convicções compartilhadas dos gerentes de topo da empresa sobre a maneira como devem se controlar e controlar os empregados e como conduzir os negócios" (Loesch, 1986), "um sistema de significados aceitos que operam em um dado momento" (Pettigrew, 1979).
Hofstede (1997, p. 213), especificamente, assevera que "as percepções partilhadas de práticas diárias devem ser consideradas como o centro da cultura da organização" (Hofstede, 1997, p. 213).
De acordo com Schein (1992), tal como citado por Ferreira e Assmar (2004, p. 103), cultura da organização é um
[...] padrão de pressupostos básicos que o grupo criou, descobriu ou desenvolveu, aprendendo a lidar com seus problemas de adaptação externa e integração interna, os quais funcionam suficientemente bem, podendo, assim, ser ensinados aos novos membros como o modo correto de perceber, pensar e sentir em relação àqueles problemas.
Assim, a cultura pode ser entendida, genericamente, como
[...] a concordância entre os membros da coletividade a respeito de seus atributos e a comunalidade de práticas observadas em entidades como famílias, escolas, organizações de trabalho, instituições políticas, sistema legal e econômico. (House et al., 1999, p. 180)
Essa definição será adotada ao longo deste estudo e parece compreender, de certo modo, o conteúdo dos diversos entendimentos desse tema.
Como componentes definidores da cultura de cada organização, ao lado dos fatores já identificados nos diferentes estudos, devem ser considerados os valores e as práticas organizacionais, a divisão e o exercício do poder, os jogos políticos, o exercício e a noção de justiça, os rituais, os mitos, os heróis, a linguagem, os estilos de gestão e funcionamento, o formalismo, a hierarquia, a burocracia, os processos de comunicação interna e externa, entre muitos outros aspectos (Ferreira & Assmar, 2004; Torres da Paz & Tamayo, 2004).
No trabalho mais conhecido em todo o mundo sobre cultura nacional, e depois estendido à cultura organizacional, Hofstede (1983, 1984, 1993, 1997, 2001) e Hofstede, Nevijen, Ohair e Saders (1990), estudaram os valores, as crenças e as práticas administrativas de mais de 116 mil empregados de uma grande corporação, em 53 países e regiões.
Ao lado de uma infinidade de descobertas, Hofstede identificou alguns elementos explicativos das comunalidades e diferenças de comportamento das amostras, que ele denominou "fatores ou dimensões da cultura". Em sua pesquisa inicial, tais fatores limitaram-se a quatro, que, levando em conta também os dados dos estudos anteriores de Inkeles e Levinson (1969), receberam a denominação de "distância hierárquica", "individualismo x coletivismo", "masculinidade x feminilidade", "controle da incerteza".
Estudos posteriores e levantamentos complementares da literatura permitiram ao Projeto GLOBE (House et al., 2004), o mais atual estudo sobre a cultura organizacional, a identificação de oito componentes formadores da cultura das organizações, a seguir descritos, e que foram utilizados nesse trabalho em particular.
O Índice de distância do poder (IDH) ou de distância hierárquica tem seu nascedouro no trabalho de Hofstede, que o define como "a medida do grau de aceitação, por aqueles que têm menos poder nas instituições e organizações de um país, de uma repartição desigual de poder" (Hofstede, 1997, p. 42).
O Índice de masculinidade x feminilidade (MASC) ou igualdade de gênero, originalmente definido por Hofstede (1997), refere-se ao grau em que a sociedade ou organização valoriza comportamentos caracterizados por adjetivos masculinos ou femininos, dividindo os papéis por gênero.
O Índice de controle de incerteza (CINC), também originário do estudo de Hofstede (1984), envolve as ações sociais ou organizacionais para reduzir a incerteza e é definido como "o grau de inquietude dos seus membros face às situações desconhecidas ou incertas" (Hofstede, 1997, p. 135).
O Índice de individualismo x coletivismo (INDI) designa o grau em que a sociedade ou organização encoraja e recompensa comportamentos individuais em oposição aos comportamentos coletivos, estando baseado nos estudos de Hofstede (1984) e de Triandis (1995).
O Índice de orientação para o futuro (OFUR), mencionado no trabalho de Hofstede (2001) e derivado da dimensão "passado, presente e futuro" de Kluckhohn e Strodtbeck (1961), relaciona-se ao fato da organização prescrever comportamentos de planejamento, investimento, preparação para um mundo novo.
O Índice de orientação para a realização (OREA), inspirado nos resultados dos trabalhos de David McClelland (1972) sobre a necessidade de realização, diz respeito ao grau em que a instituição recompensa a busca da excelência, a melhoria do desempenho, o crescimento contínuo, a valorização da qualidade, da perfeição, do desenvolvimento pessoal e profissional.
O Índice de orientação para a afiliação (AFIL) está baseado nos trabalhos de Kluckhohn e Strodtbeck (1961) sobre a dimensão "natureza humana como boa ou má" e de McClelland (1972) sobre o motivo de afiliação. Relaciona-se ao grau em que a organização encoraja e recompensa indivíduos por serem cuidadosos, altruístas, generosos e gentis com os outros, tendo as relações interpessoais grande importância e valorizando-se muito um ambiente harmônico de trabalho.
O Índice de assertividade (ASSE) deriva da dimensão inicialmente proposta por Hofstede (1984) como um dos aspectos do índice de masculinidade x feminilidade e responderia pelo grau em que a instituição reforça os comportamentos decisivos, determinados, em suas relações sociais.
As instituições de educação superior - IES, em que pesem as enormes diferenças, guardam diversas similitudes com as organizações empresariais até então estudadas. Essas semelhanças incluem uma organização formal bem definida, regras e normas estabelecidas, estrutura hierárquica, diversidade de posições e atividades, metas e missões que as dirigem, objetivos a serem alcançados, "produtos" e responsabilidade social, inter-relacionamento entre os diversos elementos estruturais, funcionais e pessoais que as compõem.
Partindo, então, da compreensão de que as instituições educacionais são também organizações com cultura própria, que norteia as práticas adotadas, com reflexos nos resultados, na formação dos cidadãos, estudos anteriores apontam uma associação entre fatores da cultura organizacional das IES e características, percepções e avaliações dessas instituições.
No estudo de J. A. Dela Coleta, Montalvo e M. F. Dela Coleta (2004), os professores tendiam a sentir-se mais satisfeitos e comprometidos com a instituição em que trabalhavam quando ela apresentava altos níveis de orientação para a afiliação, realização, futuro, assertividade, controle de incerteza e coletivismo e baixos índices de masculinidade e de distância hierárquica.
Outros estudos mostram que as IES nas quais a cultura registra altos índices de orientação afiliativa, de realização para o futuro, evitar incerteza, assertividade e baixos níveis de distância hierárquica, individualismo e masculinidade tendem a ser percebidas pelo corpo docente e discente como evidenciando níveis mais altos de qualidade e maiores possibilidades de êxito de seus egressos, sendo também aquelas nas quais os indivíduos têm maior satisfação em trabalhar ou estudar (Dela Coleta & Dela Coleta, no prelo).
Comparando os fatores da cultura organizacional real e idealizada de faculdades de licenciatura, J. A. Dela Coleta, M. F. Dela Coleta e Lima (2005) encontraram que professores e alunos idealizam a cultura organizacional de suas instituições com índices mais elevados que os existentes nos fatores relativos à orientação para o futuro, realização, afiliação e assertividade. Contrariamente, gostariam que sua faculdade apresentasse níveis mais baixos em distância do poder, masculinidade e individualismo.
Como é ainda reduzido o número de estudos brasileiros sobre a cultura organizacional, sustentando-se, principalmente, nos pressupostos de Hofstede e do Projeto GLOBE (Dela Coleta & Dela Coleta, no prelo; Dela Coleta, Dela Coleta & Lima, 2005; Dela Coleta, Montalvo & Dela Coleta, 2004; Luz, 2003), novos estudos se fazem necessários.
Este trabalho, em uma extensão e aprofundamento do estudo desenvolvido por Luz (2003), orientado pelo primeiro autor deste artigo, trata de uma investigação para determinar os níveis de presença dos oito fatores componentes da cultura organizacional em instituições de educação superior - IES e suas relações com características, percepções e avaliações dessas instituições.
Método
Participantes
Tomaram parte neste estudo 490 professores, de ambos os sexos, com titulação variando de especialistas a doutores, trabalhando como docentes exclusivamente em uma das 14 IES, que concordaram em participar desta pesquisa.
As IES situavam-se em cidades de quatro estados das regiões sudeste e centro-oeste (Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, São Paulo), sendo três universidades públicas, uma particular, quatro centros universitários privados e seis faculdades isoladas ou integradas, também particulares.
Em cada uma das instituições, eram escolhidos, ao acaso, os docentes que seriam convidados a participar do estudo.
Instrumentos e procedimentos
Para a medida dos níveis percebidos de presença dos oito fatores da cultura organizacional, em cada uma das 14 IES envolvidas, partiu-se de um conjunto de escalas, com 115 itens no total. Esses itens derivam dos estudos iniciais de Hofstede sobre a cultura nacional e organizacional (Hofstede, 1983, 1997, 2001), do projeto GLOBE em organizações empresariais (House e col., 1999, 2004) e das pesquisas relativas à cultura organizacional de instituição de educação superior - IES (Dela Coleta, Montalvo & Dela Coleta, 2004; Lima, 2001; Luz, 2003; Montalvo, 2002).
As escalas eram apresentadas em formato Likert, com cinco opções de resposta para cada uma das afirmações, variando de "totalmente de acordo" a "totalmente em desacordo".
De forma complementar, para a medida da percepção dos professores acerca dos atributos, das qualidades das IES e dos sentimentos de a elas pertencer, foi aprimorado o desenvolvimento de duas escalas, tipo Likert, com cinco opções de resposta, com dez itens cada uma, testadas, inicialmente, por Montalvo (2002) e Luz (2003), com resultados preliminares, divulgados na comunicação de J. A. Dela Coleta, Luz e M. F. Dela Coleta (2003).
Os instrumentos eram entregues pessoalmente aos sujeitos, tendo sido previamente informados sobre os objetivos do estudo e de sua participação voluntária e anônima. Posteriormente, as respostas foram codificadas e processadas eletronicamente utilizando procedimentos contidos no SPSS for Windows, versão 11.0.
Resultados
Os instrumentos de medida utilizados neste estudo
Os tratamentos estatísticos impostos às respostas dos 490 professores das 14 IES incluíram uma análise dos componentes principais, para estudo confirmatório das cargas fatoriais dos itens pertencentes às escalas para medida dos fatores da cultura organizacional. Foram mantidos aqueles itens que registraram carga fatorial igual ou superior a 0,37 no fator principal da escala à qual correspondiam.
Em seguida, realizou-se um estudo das correlações entre o escore em cada item e o escore total da escala à qual cada item pertencia, novamente sendo mantidos somente os itens cujos escores mostraram coeficiente de correlação com o escore total da escala igual ou superior a 0,30. Por último, efetuou-se o estudo da confiabilidade de cada uma das escalas pelo método alfa de Cronbach.
Os resultados dessas análises permitiram compor as escalas para a medida dos oito fatores da cultura organizacional, com 104 itens no total, com número variado de itens em cada escala (mínimo de 9 e máximo de 18). Os coeficientes de confiabilidade alfa de Cronbach das escalas variaram entre 0,82 e 0,88 que, à exceção da escala para medida do índice de masculinidade (alfa=0,68), revelam indicadores que recomendam o uso para medida das variáveis consideradas (ver Dela Coleta & Dela Coleta, 2005).
No que se refere aos instrumentos para medida dos atributos das IES e dos sentimentos de a elas pertencer, os 20 itens constantes da versão original da escala, dez para a medida de cada uma das duas variáveis, foram submetidos a análises para determinação dos coeficientes de confiabilidade ( de Cronbach) e dos coeficientes de correlação entre os escores em cada item e os escores totais na escala.
Uma análise fatorial, utilizando o método dos componentes principais, com rotação oblíqua (oblimim), sugeriu a eliminação de três itens por não guardarem correlação suficiente com o escore total da escala e/ou por não apresentarem carga fatorial importante no fator que define a escala a que pertencem.
Os resultados obtidos apontam altos coeficientes de confiabilidade ( de Cronbach), tanto na escala para medida das qualidades da instituição - AVINST (9 itens; alfa=0,88), quanto na escala para medida dos sentimentos de a ela pertencer - AVALSEN (8 itens; alfa=0,87).
Do mesmo modo, também foram obtidas altas correlações entre os escores em cada item e no total da escala a que pertence (índice mínimo de 0,49), altas cargas fatoriais dos itens no fator que representa a escala (mínimo de 0,59), o que recomenda o uso dessas duas escalas para a medida das variáveis em pauta.
Os fatores da cultura organizacional e a avaliação das instituições de educação superior
As respostas dos 490 professores das 14 IES, tomadas em conjunto, indicam que as instituições são percebidas com níveis mais altos do que seria de se esperar, caso as respostas fossem dadas ao acaso, de controle de incerteza, orientação afiliativa, orientação para o futuro, orientação para a realização, em torno da média esperada em distância hierárquica e assertividade e com índices mais baixos de individualismo e de masculinidade (Figura 1).
Os resultados obtidos com as respostas às outras duas escalas avaliativas registram média (Xo=33,06; o=6,86) superior àquela esperada, se as respostas fossem dadas ao acaso (Xe=27), para os aspectos associados à avaliação dos atributos da Instituição - AVINST. O mesmo ocorre quando se consideram os sentimentos experimentados pelos professores - AVALSEN, por pertencerem à instituição em que trabalham (Xo=28,99; o=6,19; Xe=24), indicando percepções mais positivas de ambas as variáveis.
Considerando-se os escores totais em cada uma das dez variáveis de todas as IES reunidas, calcularam-se os coeficientes de correlação (Bravais-Pearson) entre eles, obtendo-se índices altos e significativos em todas as combinações (ver a Tabela 1). Tais resultados revelam correlações negativas entre IDH, INDI, MASC, as avaliações das IES e os sentimentos de a elas pertencer, e correlações positivas entre CINC, AFIL, OFUR, OREA, ASSE e essas duas outras variáveis avaliativas.
Por outro lado, observam-se correlações positivas e significativas entre os três fatores componentes do primeiro agrupamento - IDH, INDI, MASC -, ocorrendo o mesmo entre os cinco fatores formadores do segundo agrupamento - CINC, AFIL, OFUR, OREA, ASSE. Contrariamente, foram obtidos coeficientes altos, negativos e significativos entre os fatores componentes de cada um desses dois agrupamentos distintos.
O comportamento dessas variáveis mantém-se exatamente o mesmo, quando se processam os cálculos dos coeficientes de correlação entre os escores nelas obtidos, considerando-se cada uma das IES isoladamente.
Ao se proceder ao cálculo do coeficiente de correlação múltipla, tomando-se como preditores os oito fatores da cultura organizacional e como variável dependente a soma dos escores obtidos nas escalas AVINST e AVALSEN, denominando-se esta medida de AVALGER (avaliação geral), observou-se R=0,75, coeficiente alto, positivo e significativo (p<0,01), que explica cerca de 56% da variabilidade dos dados obtidos em AVALGER. Ou seja, a avaliação geral da IES na qual o professor trabalha depende, em grande parte, das percepções que ele tem dos níveis de presença dos oito fatores da cultura organizacional daquela instituição.
Diferenças e semelhanças entre grupos de instituições de educação Superior nas qualidades e a na cultura organizacional
Uma análise de variância (F de Snedecor) conduzida com os resultados das respostas dos professores de cada uma das 14 IES, em cada uma das dez variáveis constantes deste estudo, revelou diferenças significativas do ponto de vista estatístico (p<0,001) entre as IES em todas as variáveis consideradas. O mesmo acontece quando se analisam os dados desse tratamento estatístico, reunindo-se as IES nos quatro grupos aos quais pertencem: (1) universidades públicas, (2) universidade, (3) centros universitários, (4) faculdades isoladas ou integradas, os três últimos grupos compostos por instituições particulares.
Isso significa dizer que as IES, categorizadas em função de sua natureza jurídico-administrativa, em cada um dos quatro grupos, apresentam diferenças significativas entre si em todos os fatores da cultura organizacional e nas duas variáveis avaliativas de suas qualidades.
Quando se comparam, no grupo I, os sujeitos pertencentes aos centros universitários, às faculdades e à universidade privada e, no grupo II, aqueles pertencentes às universidades públicas, observam-se também diferenças significativas em todas as variáveis, à exceção do índice de avaliação dos atributos institucionais (AVINST).
Os dados revelam que os professores do primeiro agrupamento de instituições, em relação aos professores das universidades públicas, obtêm maiores escores em sentimentos positivos de pertencer à IES, percebem maiores índices de distância hierárquica, de controle da incerteza, orientação afiliativa, orientação para o futuro, orientação para a realização, de assertividade, e menores índices de individualismo e de masculinidade em suas instituições.
Ao se confrontarem, de um lado, as universidades públicas e particulares e, de outro, os centros universitários e faculdades, notam-se diferenças estatisticamente significativas em todas as variáveis, à exceção do índice de distância hierárquica e de controle de incerteza. Os professores do grupo das universidades perceberam, em relação ao grupo oposto, maiores índices de individualismo e de masculinidade, e aqueles dos centros universitários e faculdades, maiores índices de avaliação dos atributos institucionais, sentimentos mais positivos de se trabalhar na IES, maiores índices de orientação afiliativa, orientação para o futuro, para a realização e de assertividade.
Comparando-se os grupos de IES dois a dois, em particular, considerando-se as universidades públicas, por um lado, e a universidade particular por outro, verificam-se diferenças em cinco das dez variáveis. Maiores médias são observadas em avaliação dos sentimentos de trabalhar na IES, índice de distância hierárquica, de orientação para o futuro, e de assertividade na universidade particular, em relação às universidades públicas, tendo essas últimas apresentado maiores resultados na avaliação dos atributos institucionais.
Quando se confrontam os escores obtidos pelos professores dos centros universitários com aqueles das faculdades isoladas ou integradas, observam-se poucas diferenças significativas, expressas somente pelos maiores índices obtidos pelos sujeitos do primeiro grupo na avaliação dos atributos institucionais e nos sentimentos de pertencer àquela IES.
Ainda, ao se compararem as respostas dos professores dos centros universitários com as daqueles da universidade particular, observa-se que os primeiros percebem significativamente maiores índices de avaliação institucional, de orientação para afiliação, para a realização, e os últimos, maiores índices de individualismo e de masculinidade, em suas respectivas instituições.
Semelhanças e diferenças entre a cultura organizacional das IES no interior do grupo jurídico-administrativo a que pertencem
Ao se proceder a análises no interior de cada grupo de IES com semelhanças genotípicas, no que concerne a aspectos jurídico-administrativos, verifica-se que as universidades públicas apresentam diferenças entre si, significativas do ponto de vista estatístico (F de Snedecor), em seis das dez variáveis consideradas, excetuando-se o índice de masculinidade, de afiliação, de orientação para o futuro e para a realização.
A aplicação do teste de Tukey, de comparações múltiplas entre as três universidades públicas, mostra que somente em 10 das 30 comparações as diferenças são significativas do ponto de vista estatístico e que, em 7 dessas 10 diferenças, uma das três universidades públicas está sempre presente, parecendo ser ela o motivo preponderante de tais diferenças. Ao se analisarem os subgrupos homogêneos identificados por esse mesmo procedimento estatístico, verifica-se que, em 6 das 10 variáveis, é formado um subgrupo ( <0,05), o que, mais uma vez, atesta a existência de semelhanças genotípicas muito grandes entre as universidades públicas.
Com o grupo das seis faculdades isoladas ou integradas, ocorrem nove diferenças significativas entre as unidades ao se considerarem as dez variáveis deste estudo. Ao mesmo tempo, das 150 comparações possíveis entre as seis IES desse grupo, 47 delas apresentam diferenças estatisticamente significativas, e somente em uma variável aparece apenas um único grupo homogêneo, o que atesta a maior diferença entre as seis faculdades isoladas ou integradas do que entre as três universidades públicas examinadas.
Por último, ao se avaliarem os dados dos quatro centros universitários presentes nesse estudo, verificam-se diferenças estatisticamente significativas (p<0,05) nas dez variáveis (F de Snedecor). Em todas as 30 comparações em que o centro universitário no 1 está presente, contra um outro qualquer, há diferença estatisticamente significativa, fenômeno que só aparece duas vezes entre as outras 30 comparações em que esse centro universitário está ausente.
Quando se estudam os subgrupos pelo teste de Tukey, em oito das dez variáveis esse centro universitário está só, isolado dos outros três. Ou seja, os dados indicam que os centros universitários constituem-se em um grupo bastante homogêneo e que as diferenças observadas entre seus membros está creditada, quase sempre, a um só deles, que em muito difere dos demais, sendo uma exceção no comportamento desse grupo de IES.
Os fatores da cultura organizacional das IES e as avaliações de suas qualidades
Os achados ficam muito mais claros quando se analisam as distribuições das médias obtidas pelos professores, das quatro categorias distintas de instituições, nas duas variáveis avaliativas das IES, em relação às médias nos oito fatores da cultura organizacional dessas mesmas IES.
Nas dezesseis figuras (oito delas tomando cada um dos oito fatores da cultura organizacional e o índice de avaliação da instituição, e as outras oito figuras, tomando os mesmos fatores e o índice de satisfação de nela trabalhar), observa-se uma nítida tendência de ocupação de um espaço topológico determinado pelas quatro universidades (três públicas e uma privada). Identificam-se níveis médios a mais baixos de presença de cada um dos fatores da cultura organizacional da IES, tidos como desejáveis, e médios e mais altos entre os fatores indesejáveis, bem como níveis médios a mais baixos de avaliação institucional e de positividade dos sentimentos de a elas pertencer, considerando o universo das IES examinado (a título de exemplo ver Figura 2).
O mesmo ocorre com três dos quatro centros universitários que se posicionam sempre entre as IES que recebem, por parte dos docentes, melhores avaliações de seus atributos e melhores indicadores de sentimentos positivos de nelas trabalhar. Ao mesmo tempo, eles se colocam entre as IES com menores índices nos fatores tidos como indesejáveis da cultura organizacional (distância hierárquica, individualismo, masculinidade) e índices mais altos entre os fatores tidos como desejáveis (controle da incerteza, orientação afiliativa, para o futuro, para a realização, de assertividade).
Um dos centros universitários, identificado pelo número 1 nas figuras, apresenta comportamento, em todas as dezesseis figuras, que o coloca fora do grupo genotípico a que pertence, e mais propriamente entre o conjunto das IES "universidades", como pode ser observado também na exposição acerca das diferenças entre os grupos de instituições formados por IES com a mesma tipologia jurídico-administrativa.
Uma das hipóteses para explicar essa importante e constante diferença reside no fato desse centro universitário ser o único, dentre os quatro participantes deste estudo, a manter cursos de mestrado e programas sistemáticos de pesquisa há quase uma década, mesmo quando ainda ocupava a posição de "Faculdades Integradas". Tal fato faria dele um componente do grupo "centro universitário" do ponto de vista genotípico, jurídico-administrativo, porém, do ponto de vista fenotípico, dos valores, das práticas administrativo-pedagógicas, da cultura, mais um membro do grupo das universidades do que do seu grupo originário.
Resta ainda o grupo composto pelas seis distintas faculdades que se distribuem entre aquelas IES que receberam menores ou maiores índices de avaliação dos atributos institucionais, bem como de avaliação dos sentimentos de a elas pertencer, o mesmo ocorrendo quando se analisam os oito fatores da cultura organizacional.
Ao se considerar a distribuição das médias das faculdades, quando se leva em conta, ao mesmo tempo, cada fator da cultura organizacional e a avaliação dos atributos institucionais ou os sentimentos de pertencer àquela IES, verifica-se que as seis faculdades distribuem-se ao longo de uma linha reta imaginária, monotonicamente, crescente ou decrescente, postadas entre as universidades e o centro universitário número 1, mas sempre isoladas dos outros três centros universitários.
O que se pode notar é que elas tendem a colocar-se mais ou menos na mesma posição relativa quando se consideram os traços desejáveis, ocorrendo o mesmo com os traços ditos indesejáveis. Ou seja, se a IES apresenta índices em um desses fatores da cultura organizacional, mais ou menos ocupará a mesma posição na distribuição, entre as outras IES, nos outros fatores, sempre levando em conta separadamente o grupo de fatores tidos como desejáveis ou indesejáveis pelos professores.
Discussão e conclusões
Os resultados obtidos neste estudo, com a participação de número expressivo de instituições e de sujeitos, indicam, em primeiro lugar, que as escalas propostas para medir os oito fatores da cultura organizacional e as duas variáveis avaliativas das IES apresentam, em geral, características métricas que recomendam seu uso para a medida e o estudo dessas variáveis. Este fato permitirá que novas investigações sejam realizadas e as comparações entre os estudos indiquem informações adicionais para melhor compreender as IES.
Outro dado bastante importante que emerge das análises é a constatação da presença dos oito fatores da cultura organizacional, já identificados em empresas, também nas instituições de educação superior, confirmando uma das suposições iniciais deste estudo sobre a possível universalidade desses fatores, que seriam assim encontrados em diferentes países e em diferentes classes de instituições.
No mesmo sentido, em média, essas IES, em que pesem as diferenças entre elas, tendem, no geral, a registrar mais altos índices de controle da incerteza, orientação afiliativa, orientação para o futuro, orientação para a realização, índices medianos de distância hierárquica, de assertividade e mais baixos de individualismo e de masculinidade.
Os resultados obtidos também confirmam, nas instituições de educação superior - IES, os achados de estudos anteriores de Melo (2002) e de Pinto (2005) em organizações empresariais, quando se verificou a formação de dois distintos agrupamentos dos fatores da cultura organizacional. Uma categoria envolveria os três fatores tidos como menos "desejáveis" pelos sujeitos (IDH, INDI, MASC) e outro os cinco fatores percebidos como mais positivos pelos mesmos sujeitos (CINC, AFIL, OFUR, OREA, ASSE). Esses fatores exibem correlações altas e positivas dentro de cada agrupamento e, contrariamente, coeficientes negativos, quando correlacionados aos fatores do outro grupo. Os dados mostram, ainda, que os fatores do primeiro agrupamento apresentam correlações negativas e os do segundo agrupamento, correlações positivas com as variáveis avaliativas das IES.
Dois fatos interessantes chamam a atenção nesses últimos resultados. Primeiramente, a presença, em níveis altos, do fator orientação para a afiliação no interior da cultura organizacional das instituições universitárias brasileiras, certamente, com reflexos nas ações adotadas no seio dessas entidades. Por outro lado, merece destaque a associação negativa que os docentes realizam entre o fator individualismo e as qualidades da instituição.
Esses dados são preocupantes, pois estudos anteriores (House e cols., 2004) mostram, claramente, que toda a sociedade brasileira traz, no âmago de sua cultura, níveis altos de afiliação e baixos de individualismo. Tal combinação é associada mais ou menos diretamente ao "jeitinho brasileiro", à tendência ao descumprimento das leis, normas e responsabilidades, à aceitação de níveis baixos de qualidade nos produtos e serviços. Essa configuração inclui, ainda, o desrespeito aos direitos individuais e, principalmente, a crença de que devemos compreender e aceitar os outros como são, as autoridades, em suas falhas, que comprometem todo o funcionamento da máquina do Estado, das empresas, das instituições e da sociedade brasileira.
Os dados são importantes, uma vez que este estudo mostra o mesmo padrão cultural da sociedade em geral, reproduzido no interior das instituições universitárias que, espera-se, deveriam ser os guias para a formação de indivíduos autônomos, para a transformação da sociedade, mormente nos aspectos tidos como nefastos ao bem-estar, à vida em comum e à prosperidade.
Por último, os dados indicam que as IES tendem a exibir semelhanças genotípicas, quando se considera o grupo a que pertencem (universidades, centros universitários, faculdades) e diferenças fenotípicas, quando elas são comparadas dentro do mesmo grupo a que estão vinculadas. Ou seja, o fato de uma IES ser categorizada como universidade, centro universitário ou faculdade isolada, implica apresentar um padrão de cultura organizacional, de valores, de práticas acadêmico-administrativas, típico do grupo a que pertence, ainda que diferenças importantes entre instituições do mesmo grupo possam ser identificadas.
Esses dados, se, por um lado, oferecem muita informação sobre esse intrigante tema, por outro, aguçam a preocupação dos estudiosos para a necessidade de novas pesquisas, visando melhor explicar diversas relações aqui detectadas.
Precisa ser mais bem respondido qual o verdadeiro papel de cada um dos oito fatores da cultura organizacional na determinação dos níveis de satisfação dos docentes para com a instituição? Quais as relações entre as influências exercidas pela maior ou menor presença desses fatores na percepção de qualidade da instituição e nos níveis de satisfação experimentados por seus professores? O que, exatamente, faz com que as universidades, centros universitários e faculdades isoladas apresentem níveis tão diferentes de fatores da cultura organizacional?
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Endereço para correspondência
Centro Universitário do Triângulo - Mestrado em Educação Superior
Avenida Nicomedes Alves dos Santos, 4.545 anexo do bloco E - 38411-106 - Uberlândia-MG.
Recebido em fevereiro de 2006
Reformulado em abril de 2007
Aprovado em maio de 2007
Sobre os autores:
* José Augusto Dela Coleta é doutor em Psicologia Social e mestre em Ergonomia, Treinamento e Formação Profissional pela Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Concluiu sua formação como psicólogo na Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, SP, e atualmente é professor do curso de Mestrado em Educação Superior do Centro Universitário do Triângulo - UNITRI, em Uberlândia, MG. Suas áreas de interesse envolvem a cultura das organizações, os processos motivacionais e de atribuição de causalidade.
** Marilia Ferreira Dela Coleta é doutora em Psicologia e mestre em Psicologia Social pela Universidade de Brasília, DF. É psicóloga pela Universidade Federal Fluminense e atualmente é professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia, MG. Suas linhas de pesquisa são voltadas para a psicologia social aplicada ao bem-estar subjetivo, felicidade e satisfação de vida; cultura organizacional e saúde no trabalho, adesão a comportamentos de saúde e relacionamento conjugal.