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Psicologia: ciência e profissão
versão impressa ISSN 1414-9893
Psicol. cienc. prof. v.8 n.2 Brasília 1988
EDITORIAL
A revista Psicologia, Ciência e Profissão apresenta, nesta edição, a questão da saúde mental em nosso País, enfatizando a análise do sistema de atendimento aos trabalhadores.
A escolha do referido tema deveu-se a inúmeros fatores, entre os quais se destacam as próprias dimensões do problema e suas relações com a atuação profissional do psicólogo.
Tradicionalmente, o problema da saúde mental tem sido tratado como um verdadeiro tabu em nossa sociedade. A começar pelos poucos dados estatísticos oficiais disponíveis e pela enorme dificuldade que se tem para ter acesso aos mesmos. A equipe da revista ficou tentando, durante quase três meses, contato com as autoridades do INPS, responsáveis pelo setor,e conseguiu muito pouco a respeito desses "dados oficiais".
Apesar disso, o pouco que descobrimos mostra um quadro muito sombrio. Em 1982, houve no País cerca de 1.218.922 casos de afastamento de trabalhadores dos empregos, motivados por doenças profissionais, dos quais 513.648 só no Estado de São Paulo. Além disso, as duas principais doenças incapacitantes que atingem os trabalhadores são a hipertensão arterial e a neurose, cada uma delas numa proporção de 9,7 casos por grupo de 1.000 trabalhadores. Deve-se levar em conta, no entanto, que essas estatísticas são muito falhas, uma vez que: a) o encaminhamento do doente depende do patrão; b) a maioria dos problemas de saúde com menos de 15 dias de "inativação" nem são encaminhados e registrados; c) nessas estatísticas, não estão incluídos os casos de subemprego, que representam de fato grande parcela dos trabalhadores.
Outro aspecto importante da questão relaciona-se à própria concepção de doença mental veiculada nos meios de comunicação de massa, pelos técnicos e profissionais, geralmente psiquiatras de orientação mais conservadora. Tradicionalmente, a doença mental é relacionada com fator genético, "falhas" no desenvolvimento da personalidade, vida familiar pregressa, gênese nos distúrbios psíquicos etc. Só recentemente começaram a surgir pesquisas e análises relacionando as próprias condições inadequadas de trabalho com o aparecimento dessas doenças. Obviamente, os setores dominantes não têm interesse na ênfase e divulgação dessas relações, pois levaria à análise crítica e revisão das condições a que são submetidas grandes parcelas dos trabalhadores brasileiros, na cidade e no campo.
Nessa perspectiva, todo o precário sistema de atendimento aos trabalhadores na área de saúde mental tem cumprido a função de meramente excluir os não-produtivos do sistema de produção, de modo a não causar prejuízos à empresa privada e poucos gastos ao Estado.
Finalmente, este quadro levanta várias questões para reflexão da categoria: se as doenças mentais são as mais freqüentes causas de aposentadoria por invalidez abaixo dos 40 anos e se neurose e hipertensão arterial são as duas doenças incapacitantes mais freqüentes, com claros determinantes psicológicos, por que o psicólogo está praticamente ausente dessa importante área de atendimento da saúde? Como tem sido o processo de formação dos profissionais de Psicologia para atuarem na área de saúde mental? Temos atuado, mas comprometidos com quem? Que contribução a categoria pode dar, visando ao planejamento e implantação de um sistema de saúde mental comprometido com o ponto de vista do trabalhador?
O Conselho Federal de Psicologia entende que a discussão dessas questões é inadiável, principalmente nesta época em que se observa a escalada de concepções conservadoras nos órgãos e sistemas públicos responsáveis pela política de saúde mental, com o retorno da psiquiatria clássica, ênfase na medicamentalização e tratamentos tradicionais etc.
A revista Psicologia, Ciência e Profissão, ao assumir a análise desse tema, de forma crítica, profunda, espera contribuir efetivamente com o processo de discussão que se desenvolve presentemente na área de saúde mental, possibilitando aos psicólogos uma compreensão mais clara dos problemas e visando à construção de uma Psicologia mais comprometida com os interesses dos trabalhadores de nosso País.