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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.9 n.1 Brasília  1989

 

FORMAÇÃO DO PSICOLOGO

 

O psicólogo brasileiro: sua atuação e formação profissional

 

 

Antônio Virgílio Bittencourt Bastos; Paula Inez Cunha Gomide

 

 

Apesar de pouco mais de vinte e cinco anos nos separarem da regulamentação da Psicologia como profissão é significativo o número de estudos que visam descrevê-la e tentam compreender os seus determinantes históricos, sociais e políticos. Não dispúnhamos, entretanto, de um estudo abrangente da realidade nacional, pois os trabalhos disponíveis até então se apoiavam em amostras reduzidas e de âmbito regional ou local. Visando suprir esta lacuna, assim como fornecer elementos para uma atuação mais efetiva junto às instituições de ensino, é que o Conselho Federal de Psicologia desenvolveu uma pesquisa cujos resultados completos estão disponíveis no livro QUEM É O PSICÓLOGO BRASILEIRO? O presente artigo apresenta um sumário dos principais resultados desta pesquisa que abrangeu uma amostra de 2448 psicólogos de diferentes regiões do País e que teve os seus dados coletados através de um questionário aplicado entre 1986 e 87.

 

A profissão no País

Um crescimento acentuado

De 1962 até hoje, experimentamos um grande crescimento do número de psicólogos graduados pelas instituições de ensino, que não vem acompanhado por idêntico índice de inscrições nos Conselhos Regionais, condição para a legalidade do exercício profissional. Os dados da figura 1 mostram que o estoque de psicólogos graduados (segundo o MEC) atingiu 102.862 em 1985, tendo crescido, exponencialmente, a partir dos anos 70, com a conhecida proliferação de instituições particulares de ensino. Apesar disso, o número de inscritos nos Conselhos, no mesmo ano, atingia apenas 53.338 (uma perda de aproximadamente 50%). Em setembro de 1988, os registros no CFP apontavam a existência de 61.738 psicólogos em exercício no País. A que atribuir tão elevada perda de profissionais graduados que não se inserem no mercado enquanto psicólogos? Muitos fatores devem ser buscados para explicar o fato de que a profissionalização não é a meta de todos os que buscam os cursos de Psicologia. A análise dos motivos apontados pelos psicólogos para a escolha do curso fornece algumas pistas. Divididos em três grandes blocos, os motivos apontados pelos entrevistados revelam um peso elevado de razões pessoais ("motivos voltados para si", a exemplo do autoconhecimento e crescimento pessoal ou solução de problemas), ou razões humanísticas ("motivos voltados para o outro", tais como conhecer ou ajudar o ser humano), em comparação com os "motivos voltados para a profissão". Mesmo neste último grupo, o motivo que apresenta maior freqüência caracteriza-se por um interesse genérico pela Psicologia, enquanto área de conhecimento (35.4%), sem um interesse mais explícito pela prática profissional. Há, ainda, 8,2% de citações de motivos extrínsecos à profissão (era segunda opção, a faculdade era perto etc...). Assim, parte das razões que levam pessoas a cursarem Psicologia não garante, necessariamente, seu ingresso no mercado de trabalho enquanto psicólogos. Se agregarmos a isso o contingente dos que se "desiludem" com o curso, ou que fazem outros cursos paralelos com melhores chances no mercado, talvez encontremos a defasagem apontada na figura 1. Tal defasagem é, sem dúvida, um sintoma da crise maior do nosso sistema universitário e, no nosso caso em particular, da ausência de uma política mais global para a formação de psicólogos no País, que atenda às peculiaridades regionais.

 

 

Características gerais

A distribuição dos psicólogos no País revela-se bastante desigual com quase 75% dos profissinais concentrados no sudeste como podemos ver na figura 2.

 

 

O CRP-06 (São Paulo, especialmente) concentra 42,1 % dos psicólogos em exercício no Brasil e o Rio de Janeiro apresenta a menor relação habitante x psicólogo (1.187 hab/psicólogo). Em oposição, o CRP-03 (BA e SE) apresenta o menor quantitativo de profissionais e a mais elevada taxa de habitantes por psicólogos (próxima a 1 psicólogo para cada 13 mil habitantes). Outra informação importante trata da elevada concentração de psicólogos nas capitais dos estados. No geral, aproximadamente 70% dos profissionais trabalham nas capitais (índice que atinge 88% no CRP-03 e que se mostra mais atenuado nas estados do sul, incluindo São Paulo). Como coloca ROSAS et alii (1988), o mercado estabelecido nas capitais e as condições de vida que as tornam sedutoras são fortes fatores de fixação do psicólogo nos centros urbanos mais desenvolvidos (p.39), o que não deve inibir iniciativas de incentivo à interiorização das práticas psicológicas.

Outros dados que caracterizam o exercício profissional são mais conhecidos: o predomínio absoluto das mulheres, com percentuais que vão de 81,9 (CRP-04) a 90,4% (BA e SE). Esse dado é importante para a compreensão de vários aspectos ligados ao exercício profissional, como por exemplo, o entendimento das mulheres do que seja uma profissão complementar a sua atividade principal — o casamento, com inclusive perda de profissionais graduados, a que nos referimos anteriormente, como vários trabalhos já apontaram anteriormente, (vide ROSENBERG, 1983 e 1984 por exemplo). Somos, também, uma categoria jovem, com pequenas variações regionais, entre 73 e 90% dos psicólogos têm menos de 40 anos, sendo reduzido o percentual daqueles com 50 anos ou mais.

 

O exercício profissional

Emprego, desemprego e remuneração

Os resultados expressos na figura 3 mostram que, mesmo entre os que se inscrevem no Conselho (logo, pretendem atuar como psicólogos), a situação não é satisfatória.

 

 

Não mais do que 60% dos profissionais atuam exclusivamente como psicólogos (nos CRPs-01 e 04 este percentual é menor que 50% e, no CRP-06, cai para menos de 40% dos casos), sendo significativo o índice dos que combinam a atuação em Psicologia com outras atividades profissionais (esta realidade é menos forte no CPR-02 e 05). Considerando-se, conjuntamente, os psicólogos desempregados e os que trabalhavam fora da Psicologia, observamos que este contingente perfaz 25,6% da força de trabalho do CRP-06 e 18,6% do CRP-05, regiões que concentram, como vimos, a maioria dos psicólogos brasileiros. Estamos diante de mais um dado a exigir uma nova política para a abertura de cursos e vagas nestas regiões.

Quanto à remuneração, cujos dados podem ser vistos na figura 4, não temos, também, um quadro animador.

 

 

No País, encontramos 22,3% que não obtêm rendimentos como psicólogos (desempregados, trabalho em outras atividades, trabalho voluntário), realidade que se mostra mais grave no CRP-06 e 02, vindo a seguir os CRPs-05 e 04 . A média salarial (excluindo o grupo que não tem rendimento) ficou em torno de 10.21 salários mínimos, sendo mais elevada em São Paulo (13.2), seguido por Brasília (10.84) e pela Bahia (10.45). A remuneração média dos psicólogos revelase mais baixa no nordeste (7.04) e no Paraná (7.35). Considerando-se os níveis salariais conhecidos de outras categorias profissionais, de nível superior, podemos verificar que nos situamos em patamares mais baixos do que o nível inicial de muitas outras profissões (por exemplo, Engenharia, Direito, Administração etc). Mesmo o fato de o contingente expressivo de psicólogos ser autônomo não faz com que a média salarial se eleve significativamente, o que não nos distancia, sobremaneira, das demais profissões da área social, especialmente daquelas em que há o predomínio da força de trabalho feminina (fatores de menor valorização em termos de mercado).

Áreas de atuação

Embora a legislação que regulamenta a profissão não se refira à área de atuação , este conceito vem sendo largamente usado para descrever o conjunto de características que, de alguma forma, demarca o campo de trabalho do psicólogo e confere alguma identidade ao grupo de profissionais que se dedica àquelas atividades. Tradicionalmente, o conjunto de atividades e objetivos da atuação do psicólogo foi agrupado em quatro grandes áreas: clínica, escolar, industrial e docência. Hoje, os conceitos associados a estas áreas encontram-se ampliados e novas áreas foram concebidas (comunitária, social, pesquisa, por exemplo). A clínica absorve 43,4% dos empregos, vindo a seguir a área organizacional (18,8%), escolar (14,3%), e a docência (11,5%). "Embora não haja, no curso de graduação, qualquer propósito e, inclusive, condições de especializar o psicólogo em uma determinada área, verificamos, como pode se observar na tabela 1, que 73% dos profissionaisn entrevistados se dedicam, exclusivamente, a uma área, enquanto 22% combinam duas áreas e apenas 5% combinam três áreas. Dentre os 73% do primeiro grupo, a clínica, a organizacional e a escolar aparecem, respectivamente, com 39,3% 17,6% e 7,1%, significando que as demais áreas caracterizam-se por serem predominantemente complementares (na maioria dos casos vêm acompanhadas por trabalhos numa destas áreas). A freqüência com que a área clínica aparece associada às demais áreas é um indicador de que o número de psicólogos atuando nesta área (exclusivamente ou não) é bem superior ao que vimos apontando até aqui." (BASTOS, 1988, p.175). Na tabela 2, podemos observar que 60,7% dos psicólogos brasileiros têm, pelo menos, um emprego em clínica. Este índice é menor nos CRPs-01 e 03, regiões que apresentam uma participação maior da área organizacional (acima da média nacional de 23,6%). As áreas escolar e docência aparecem com percentuais iguais de 16,5%, sendo mais expressivas no sul do País (no caso da docência) e no CRP-04 e 03 (no caso de escolar). Apenas 5,6% dos psicólogos atuam na área comunitária (ela é maior no CRP-04, onde atingiu 10,2%) e 3,0% se dedicam à pesquisa.

 

 

 

 

Como vemos, o predomínio da clínica é patente. Esta área, certamente, deve continuar definindo a profissão para o público externo e se constituir em forte pólo de atração para os que buscam a profissão (algo compatível com o conjunto de valores expressos nos motivos de escolha da Psicologia, como vimos anteriormente).

Relações de trabalho e carga horária

Coerente com o predomínio visível da clínica, criou-se uma imagem da Psicologia como uma profissão liberal; os dados obtidos, e apresentados nas três áreas que absorvem o maior contigente de psicólogos, mostram uma realidade um pouco diferente.

Mesmo na área clínica, aproximadamente, apenas a metade dos psicólogos trabalha como autônomos. Este índice cai, significativamente, nas áreas escolar e organizacional. Considerando-se toda amostra, o trabalho autônomo participa com 41,3% dos casos, enquanto a existência de algum vínculo empregatício caracteriza 51,8% dos trabalhos em Psicologia.

Quanto à carga horária de trabalho, encontramos dados que diferenciam as áreas de atuação e a natureza do vínculo empregatício. Assim, a média de horas de trabalho por semana é superior entre os empregados e servidores estatutários (34 horas), o que caracteriza o trabalho, por exemplo, na área organizacional. Esta média cai para 14 horas entre os autônomos que, em grande parte, se localizam na área clínica. Comparados com a realidade das outras profissões, PASQUALI (1988) conclui que a nossa carga horária semanal média de trabalho é "visivelmente inferior à média das profissões em geral no País" (p. 157, pois, segundo dados do IBGE, em 1985, no Brasil, 80,8% dos trabalhadores tinham um encargo de trabalho igual ou superior a 40 horas semanais. Tal discrepância pode ser compreendida sob dois pontos de vista: como um traço do caráter feminino da nossa profissão (a necessidade de trabalhos de tempo parcial) ou como uma fragilidade do mercado de trabalho, que impele o psicólogo a combinar trabalhos em locais e áreas diferentes para complementação dos seus rendimentos.

Locais de trabalho

As clínicas e consultórios psicológicos são, indiscutivelmente, os locais onde mais se concentra o trabalho do psicólogo... seja para ali desenvolverem suas atividades principais ou complementares (SASS, 1988, p.206). Considerando-se a amostra global, o consultório atinge 34,2% dos locais, de trabalho, vindo, a seguir: empresas (14,8%), escolas até o 2° grau (10,4%), instituições de ensino e pesquisa (8,5%), hospitais (7,8%), instituições de atendimento psicológico (5,9%), órgãos da administração (4,5%).

Evidentemente, há uma forte associação entre área/atividade e locais de trabalho. Assim, 2/3 dos que atuam em clínica trabalham em consultórios ou hospitais; idêntico índice de psicólogos organizacionais trabalha em empresas ou órgãos públicos. Alguns dados, entretanto, merecem destaque: o consultório é o terceiro local mais freqüente entre os psicólogos organizacionais (8,7%) e o segundo na área escolar (16,2%). A reduzida demarcação entre as áreas clínica e escolar ressalta-se ao verificarmos que a escola é o terceiro local de trabalho mais citado entre os psicólogos clínicos (7,2%).

A discussão do local de trabalho é importante por tangenciar a questão da democratização dos serviços do psicólogo. Há, de fato, uma reduzida inserção do psicólogo nos serviços públicos — o poder público (municipal , estadual e federal) mantém, apenas, cerca de 26% dos psicólogos que declararam atuar profissionalmente (SASS, 1988 p.211). As figuras 5 e 6 mostram, comparando as diversas regiões, como se dá a inserção do psicólogo no setor público nas áreas da saúde e educação. No Rio e em São Paulo, encontramos um índice ligeiramente superior à média nacional de 10% de trabalhos em postos de saúde, ambulatórios e hospitais, nestas mesmas regiões, entretanto, encontramos também os maiores índices de trabalho em consultórios particulares. O trabalho em instituições de ensino público absorve apenas 34,5% dos que atuam na área escolar, revelando-se menor, ainda, nos CRPs-03 (26,3%), 06 (28,6%) e 02 (29,0%). Embora a questão da democratização seja bem mais complexa, não deixa de ser preocupante a constatação de que os serviços do psicólogo chegam, preponderantemente, ainda hoje, a parcelas privilegiadas da população (que estuda em escolas particulares ou pode freqüentar consultórios particulares). Romper o elitismo da profissão requer, certamente, medidas de amplo espectro que passam pela formação de novos profissionais e pela luta por políticas públicas para a área social que privilegiem o atendimento global dos indivíduos e suas múltiplas necessidades.

 

 

 

 

Atividades desenvolvidas

Na figura 7, encontramos as atividades mais freqüentemente desenvolvidas pelo psicólogo.

 

 

A psicoterapia individual foi citada por 42,9% dos entrevistados, sendo esta. atividade exercida por 68,5% dos que atuam em clínica. A aplicação de testes é a segunda mais freqüente (33,5%) e aparece como uma atividade que permeia todas as áreas de atuação, chegando a atingir 48% dos que trabalham em organizacional. Olhando-se a figura fica visível o peso de atividades que, tradicionalmente, definem o modelo de atuação do psicólogo. A atividade de mensuração de características psicológicas (seja para a intervenção clínica, para seleção de pessoal ou aconselhamento psicopedagógico) parece ter o núcleo básico da identidade profissional, ainda hoje. Todavia, como assinala CARVALHO (1988),"há sinais, embora ainda numericamente inexpressivos, de uma tendência à diversificação da atuação" (p.235). Uma série de atividades foi citada por profissionais que se formaram mais recentemente a exemplo de: orientação a gestantes, pesquisas de mercado, diagnóstico situacional, assistência a pacientes clínicos e cirúrgicos, orientação sexual (a partir de 1971) ou, criação publicitária, estimulação precoce, planejamento de políticas educacionais (a partir de 1975).

Orientação teórico metodológica

A fragmentação da Psicologia, enquanto área de conhecimento, reflete-se, inevitavelmente, na atuação profissional. Questionados acerca de que orientação teórica fundamentava o seu trabalho, os psicólogos posicionaram-se como se vê na figura 8 que expressa os dados da primeira orientação citada pelos sujeitos.

 

 

O predomínio da psicanálise, como esperado, é inquestionável, no geral, aparece com 37,1% das citações, sendo a orientação mais citada em todas as áreas de atuação — em clínica, atinge 57,7%, caindo para 30,9% em escolar e 22,0% em organizacional. A hegemonia da psicanálise manifesta-se em todas as regiões do País, sendo especialmente forte nos CRPs 05 e 07 onde, respectivamente, 66,8 e 68,3% dos psicólogos, nela, se fundamentam. Em contrapartida, mesmo sem perder a condição de orientação predominante, ela é menos citada em Brasília (31,1%) e no CRP-02 (34,0%). A análise do comportamento e a fenomenologia vêm a seguir, com, respectivamente, 8,7 e 6,8% das opções. A análise do comportamento é a segunda orientação mais citada nas três principais áreas (em clínica atinge apenas 6,5%, crescendo para 11,9% em escolar e para 14,9% em organizacional) e em três regiões: CRP-08 (28%), no CRP-06 (20,0%) e o CRP-03 (16,2%). A fenomenologia revela-se mais forte entre os psicólogos clínicos e é a segunda orientação mais citada em todas as cinco regiões restantes. A gestalt é a terceira orientação predominante na clínica e nos CRPs-01-02 e 04. O psicodrama e a aborgadem humanística / existencialista alternam,nas diversas regiões, a quarta e quinta colocações como orientações citadas e aparecem, com maior força, entre os psicólogos clínicos. Como abordagens mais específicas de uma área de atuação aparece, em escolar, a orientação piagetiana (7,1%) e, em organizacional, o conjunto de pressupostos agrupados sob o rótulo de recursos humanos (9,3%). Três fatos chamam a atenção e requerem reflexão futura: (a) a pulverização de respostas (veja que 19,1%

delas estão na categoria outras que consiste de um aglomerado enorme de rótulos, os mais diferentes e que não guardam relação com os grandes sistemas em que se divide a Psicologia, (b) o acentuado número de respostas em branco (22,8%) que pode significar desconhecimento ou falta de uma definição frente a um aspecto central da ciência e prática psicológicas e, (c) a junção de orientações teóricas, incompatíveis em seus pressupostos filosóficos e metodológicos, por um mesmo profissional. Esse aspecto particularmente grave, revela profundo déficit da sua formação.

 

Trajetória na profissão -alguns dados

No levantamento realizado, embora não tenhamos coletado todos os dados da vida profissional de cada psicólogo, caracterizamos a sua atuação em dois momentos: o primeiro emprego e os empregos atuais. Os dados que apresentamos anteriormente referem-se à situação atual. Comparando-se, todavia, estes dois momentos, podemos observar algumas tendências que serão, sumariamente, apontadas a seguir.

. quanto à área de atuação: cresce bastante o número de trabalhos na área da docência, na sua maioria, como algo complementar. A clínica revela grande poder de atração, pois perde poucos profissionais que ingressam nesta área e recebe um grande contingente dos que deixam as demais áreas, especialmente a organizacional e a escolar. Estas áreas, na realidade, não experimentam um crescimento entre o primeiro emprego e o atual (o índice da área organizacional mantém-se estável e, em escolar, há uma pequena redução).

. quanto às relações de trabalho: o crescimento da área clínica vem acompanhado do crescimento de diversas características do trabalho associadas a esta área de atuação. Assim, cresce o percentual de autônomos e decresce o número de empregados; aumenta o contingente dos que conseguiram o trabalho investindo recursos próprios, diminuindo formas de concurso ou seleção.

quanto às atividades: entre o primeiro trabalho e os trabalhos atuais verifica-se uma tendência de redução da diversificação das atividades ou uma especialização. Isto pode refletir, segundo CARVALHO (1988), uma concentração em atividades mais valorizadas, por qualquer motivo, ou a maior concentração na área clínica. Observou-se, por exemplo, que cresceram as citações das psicoterapias (inclusive de casal, família) e diminuíram, significativamente, a aplicação de teste (quase 20%), o aconselhamento psicológico e o atendimento a crianças com distúrbios de aprendizagem. Na área organizacional, diminuíram a seleção, recrutamento e acompanhamento de pessoal, tendo crescido o índice de planejamento e execução de projetos ou a ocupação de cargos de direção.

 

A formação profissional-como os psicólogos a avaliam

Curso de graduação

Uma crescente preocupação com o nível dos conhecimentos adquiridos durante a graduação tem tomado conta dos debates ocorridos nos Encontros. Congressos e Reuniões de Psicologia dos últimos anos. Esta pesquisa do CFP apresentou aos entrevistados 14 questões, para que estes se posicionassem, sobre os níveis de conhecimentos e habilidades adquiridos durante a graduação. Os temas abordados pretenderam avaliar desde a influência da formação humanística e biológica, dos conteúdos dos processos psicológicos básicos, das disciplinas técnica-instrumentais, da formação em pesquisa científica, das práticas nos estágios profissionalizantes até a influência que a realidade sócioeconômica, na qual o psicólogo atua, tem sobre a sua prática profissional.

Os Currículos de Psicologia foram elaborados com o objetivo de formar indivíduos com um certo nível de conhecimento genérico em temas psicológicos, com uma razoável formação metodológica e com alguma habilidade técnica para auxiliar na intervenção. No entanto, ao analisarmos as respostas dos nossos entrevistados verificamos que, no que se refere à fundamentação filosófica, metodológica e científica, mais de 50% deles estão insatisfeitos com os conhecimentos adquiridos na graduação e este índice aumenta para 64,4% quando se refere à experiência científica. Weber (1985), ao analisar o Currículo Mínimo, no que se refere à formação científica, afirma que não se trata de introduzir ou redefinir disciplinas e/ou matérias no Currículo Mínimo que venham a favorecer a formação científica, mas o mais importante seria repensar a estruturação do Curso de Psicologia de tal forma que se permitisse ao estudante a sua participação em um processo de construção de conhecimento em realização, no Departamento em que está inscrito.

Quanto às ciências que fundamentam a Psicologia (Biologia, Sociologia, Antropologia etc) 41,7% declararam ter sido insuficientes os conhecimentos adquiridos na graduação. Já, 52,8% disseram ter adquirido suficientes conhecimentos teóricos dos processos psicológicos básicos (cognição, percepção, desenvolvimento, socialização, afetividade, etc).

As áreas de conhecimento que se referem à atuação clínica mostraram um índice um pouco mais elevado de suficiência, ou seja, 46,8% entenderam ter adquirido suficiente conhecimento e domínio de técnicas de observação de comportamento; 47% estão satisfeitos quanto ao seus conhecimentos em testes psicológicos; 44% disseram ter conhecimento e domínio de técnicas de entrevistas e 48,3% tiveram suficiente prática de Psicologia Clínica, dado coerente com o encontrado por Carvalho (1984-b) que, pesquisando modalidades alternativas de trabalho para psicólogos recém-formados, relata que 66% dos entrevistados indicaram a área clínica como sendo a área de atuação em que foram melhor preparados durante o seu curso de graduação. Mais da metade (54,4%) dos sujeitos afirmaram ter adquirido consciência de problemas éticos na prática da Psicologia, durante o curso, porém uma parcela equivalente (52%) disse que teve insuficiente conhecimento sobre a realidade sócio-econômica na qual o psicólogo atua e também pouco aprendeu sobre o papel social deste profissional. Estes dados nos levam a concordar integralmente com Carvalho (1984) quando diz que a atual formação em Psicologia não transmite ao aluno — ou não o leva a elaborar — um conceito amplo de atuação psicológica; parece-nos que não estamos formando profissionais capazes de construir a Psicologia, mas apenas a de repeti-la. Em alguns casos, poderíamos dizer que o estudante apenas aprende técnicas e busca o cliente para aplicá-las.

Os conhecimentos práticos (em estágios) na área escolar e na área organizacional foram avaliados como insuficientes por 47,1% e 48,9%, respectivamente, dos entrevistados. E evidente que existe, na maioria dos nossos currículos, uma preferência por disciplinas clínicas em detrimento de disciplinas da área escolar ou organizacional. A quantidade de disciplinas voltadas, direta ou indiretamente, para o exercício profissional nestas duas áreas é extremamente limitada. Em média, 22% dos entrevistados responderam "em dúvida" diante das questões formuladas.

Ensino Público versus Particular. A proliferação de cursos de Psicologia em todo o País, principalmente de escolas particulares, levou-nos a buscar possíveis diferenças entre as Universidades Públicas e as Faculdades Particulares. Existem 56 cursos de Psicologia em Faculdades Particulares (incluindo as PUCs) e 25 cursos em Universidades Públicas, ou seja, 70% do ensino de Psicologia do País estão concentrados nas Faculdades Particulares. Verificamos que estas diferenças não são muito contundentes, pois dos 14 quesitos estudados, em apenas 4 deles apareceram diferenças estatisticamente significativas. Em dois casos, Conhecimentos Metodológicos e Processos Psicológicos básicos, os sujeitos formados pelas Escolas Particulares avaliaram os seus conhecimentos mais favoravelmente dos que os formados em Instituições Públicas. Em contrapartida, a avaliação sobre Atitude de Investigação Científica e Experiência em Pesquisa Psicológica foi mais positiva entre os egressos das Instituições Públicas.

Ao longo dos anos: Satisfação ou Insatisfação? Com a finalidade de avaliar se a formação oferecida pelos cursos de graduação melhorou, permaneceu inalterada ou piorou, ao longo dos 25 anos passados, agrupamos os sujeitos em 4 níveis, de acordo com os respectivos anos de formação, a saber: nível 1, até 1969; nível 2, de 1970 a 1975; nível 3, de 1975 a 1980 e nível 4, após 1980. Discute-se muito no meio acadêmico sobre a qualidade da formação, enfatizando-se que na última década o nível do ensino tem sofrido um sério prejuízo. De uma maneira geral, não observamos nenhuma diferença entre o ensino até 1975. As principais diferenças são encontradas quando comparamos o nível 3 com o 4. A tendência dos dados indica uma clara insatisfação com a formação na década de 80, no que se refere aos Conhecimentos Filosóficos, aos Conhecimentos das Ciências Básicas e às Técnicas de Entrevistas. Os sujeitos formados entre 1975 e 1980 são os mais satisfeitos com o seu Conhecimento e Domínio de Testes Psicológicos. A Atitude de Investigação Científica desenvolvida através dos cursos de graduação sofreu uma queda na avaliação da sua qualidade a partir de 1975. Isto se deveria às crescentes dificuldades que as Instituições de Ensino vêm enfrentando? Todavia, tanto a Prática Clínica como a Prática Escolar foram avaliadas de maneira mais positiva pelos formados na década de 80. Sabemos que a área de atuação preferida pelos psicólogos é a Clínica e que a Docência é a área mais escolhida como segunda opção, de tal forma que os Psicólogos clínicos-docentes estariam passando seus conhecimentos e habilidades com maior eficiência à medida que esta área de atuação vem se firmando ao longo dos últimos anos.

 

A formação complementar

A necessidade de formação complementar foi largamente apontada pelos psicólogos. Mais de 95% dos entrevistados revelaram que, para o seu exercício profissional após a graduação, tiveram que recorrer a formas complementares de formação (cursos, estágios, terapias etc). A necessidade de aprofundar a "experiência prática" foi a mais apontada nas diversas áreas de atuação, especialmente na clínica. Nas de conhecimentos teóricos e domínio das técnicas não se observam diferenças entre os psicólogos das diversas áreas.

Langenbach e Negreiros (1988), ambas psicoterapeutas, fizeram uma análise bastante consistente da trajetória percorrida pelo psicólogo durante e após a formatura. As autoras chamam atenção para a abrangência e complexidade desta caminhada, mostrando que esta não se limita à aquisição contínua do saber, mas também envolve um permanente aperfeiçoamento da própria personalidade, que é promovido basicamente pelas psicoterapias. Neste trabalho, realizado na cidade do Rio de Janeiro, as autoras verificaram que 79,5% dos psicólogos submetem-se e/ou submeteram-se a algum tipo de tratamento psicológico. Fazendo parte do percentual, inclusive, profissionais não empregados (20%) e subempregados (50%). O fracasso profissional é atribuído, muitas vezes, a dificuldades de caráter emocional, já que é consensual que sua personalidade é seu principal instrumento de trabalho. O tempo gasto nas psicoterapias está na faixa de 1 a 5 anos, salientando-se que 30% da amostra fazem terapia de longa duração (-1- de 5 anos). A orientação teórica predominante nas psicoterapias é a psicanalítica (70%).

Salientam, também, que desde o ingresso do aluno na faculdade de Psicologia, a mensagem da formação complementar lhe é passada, apontando para além dos muros universitários, tornando a Universidade esvaziada, pois esta passa a ser percebida como uma "efêmera passagem", com o objetivo precípuo de titulação, já que não tem compromisso "real" com a formação do estudante. Existe, por parte do aluno ou recém-formado, a expectativa de um espaço protetor, pelo pertencimento a um grupo que legitime o exercício profissional. Pertencer a uma organização com características corporativas remete à segurança em vários pontos: desde a obtenção de um respaldo teórico com uma abordagem já procurada por identificação; passando pelo compartilhar de angústias profissionais vividas a um nível técnico, através de supervisões; até a expectativa de reconhecimento profissional por certos pares especiais (terapeuta, supervisor, coordenador), que poderão significar encaminhamento de clientela. De tal maneira que quase não se formam grupos de colegas para estudo, supervisão e discussões gerais: tornando-se sempre necessário a figura de um saber-poder maior que orientará os trabalhos desenvolvidos, cobrando, quase sempre, honorários altos, muitas vezes em dólares.

Para o exercício da clínica, afirmam Langenbach e Negreiros, é necessário, tanto para os estudantes como para os recém-formados, e até para os antigos profissionais, seguir um ritual que incluirá: grupos de estudo Freud e Lacan "sine que non"; estágios — sem remuneração, já que estão formados, restando o consolo da gratificação por conta da aprendizagem e do seu uso futuro; supervisões — individuais e em grupos; além de seminários, encontros, jornadas, maratonas, congressos em número nunca dantes existentes — oportunidades pouco exigentes (a não ser financeiramente) de se obter contatos profissionais e de se mostrar atualização. Esta prática mantém a categoria presa a um compromisso elitista e o psicólogo passa a ser constante consumidor de serviços psicológicos — o que representa, em grande parte, um mercado de trabalho autofágico.

Para manter todo o peso de sua formação e as incertezas inerentes ao exercício liberal, sem garantias trabalhistas, dizem Langenbach e Negreiros, sente-se o profissional autorizado e legitimado a cobrar altos honorários, reajustáveis de acordo com o ritmo inflacionário. Outro aspecto problemático é a prática da redução de honorários em troca da não declaração dos serviços ao Imposto de Renda. Embora esta prática seja generalizada também por outras categorias, como médicos, dentistas, advogados, etc, ela tem conotações específicas em se tratando de uma psicoterapia, podendo constituir-se num fator comprometedor da confiança desejável na relação terapeuta-cliente. As autoras terminam o texto afirmando que provavelmente o País, diante do atual panorama, não permitirá a "recompensa merecida" pela "eterna formação".

 

A avaliação do exercício profissional

Interessou-nos também saber como os psicólogos avaliam sua profissão quanto ao "status" que ela tem junto à comunidade; quanto às dificuldades que o psicólogo encontra para o seu exercício profissional e quanto aos desejos que a categoria tem em mudar de profissão, de área de atuação ou de emprego.

Borges-Andrade (1988) analisou com precisão as respostas dadas pela categoria na pesquisa do CFP. O "status" da profissão dos psicólogos, segundo o autor, não é muito elevado, embora os profissionais acreditem que sua importância ou relevância para a comunidade ainda seja bem maior do que a remuneração e os recursos de que dispõem para atuar. Na área organizacional, a situação financeira é mais bem avaliada, enquanto na comunitária e escolar, ela é julgada mais negativamente. As opiniões mais otimistas sobre o "status" encontram-se entre os pesquisadores, especificamente no que concerne à credibilidade, importância, relevância e prestígio de sua profissão. No Rio de Janeiro estão concentradas as pessoas com uma visão mais pessimista, a saber: baixa disponibilidade de recursos, inadequação da remuneração, baixa credibilidade da profissão junto a outros profissionais e pouca importância atribuída pela comunidade à profissão; enquanto que nos Estados do Sul do País, encontram-se as avaliações mais positivas: maior prestígio e credibilidade da profissão junto à comunidade, bem como remuneração mais adequada.

As dificuldades no exercício profissional que têm intensidade de ocorrência mais elevada são as provocadas pela política sócio-econômica do País e as relacionadas ao desconhecimento, por outros profissionais, da contribuição que o psicólogo pode oferecer. Talvez sintomaticamente, diz o autor, ambas refiram-se a atribuições de causas externas aos psicólogos.

Apesar dos problemas apontados, não se verifica, como se vê na figura 9, um elevado índice de profissionais que desejam mudar de profissão (5,6%). A insatisfação com a profissão revela-se um pouco maior exatamente naquelas regiões que apresentam maior índice de desemprego e baixa remuneração (CRP-02, 04, 05 e 06). Observa-se, também, que a insatisfação é mais quanto ao emprego (média nacional de 25,2%, sendo maior no CRP-02 e 04) e a área de atuação (média de 13,6%, sendo mais expressivas no CRP-03 que apresenta um dos mais altos índices de psicólogos atuando na área organizacional).

 

 

Dentre aqueles que querem mudar de profissão as razões dadas com maior freqüência para mudança são as de natureza econômica e de remuneração; em seguida vêm as razões psicológicas e de insatisfação com as características sociais da profissão e, por último, aparecem os interesses por outras profissões e as razões de mercado e oportunidades. Os mais descontentes com seus empregos, embora sejam os que menos desejam mudar de área de atuação e profissão, são os da área comunitária. Parece que existe uma clara opção (ou contentamento) dos psicólogos comunitários pelo que fazem, embora desejassem fazê-lo em outro emprego, é também nesta área que estão os maiores problemas com a falta de preparo específico do psicólogo para atender as demandas sociais. Os mais satisfeitos com seus empregos são os das área de pesquisa e docência. Pode ser que, devido ao papel especial (mística?) que a população em geral atribui à pesquisa, os profissionais desta área tendam a generalizar que a profissão como um todo desfrute de igual nível de "status". Na área organizacional é que estão os que mais gostariam de mudar de área de atuação e de profissão, mas não de seus empregos, pois é nela que se sente, com menor intensidade, a falta de estabilidade profissional. Esta é a área em que a discriminação sexual foi percebida como uma dificuldade maior; e é também nesta área que são mais intensas as críticas à omissão de entidades sindicais, associações e conselhos nas reivindicações da categoria.

 

 

Conclusão

Talvez este diagnóstico não agrade a maioria dos psicólogos e profissionais responsáveis pela sua formação — os docentes. No entanto, estes dados deverão servir para respaldar as atitudes daqueles que, com mais entusiasmo e competência, lutam por um Ensino de Psicologia de melhor qualidade, pois atitudes descompromissadas ou negligentes não poderão mais ser, como até então o foram, atribuídas à ignorância dos fatos. Embora preocupante, este diagnóstico deverá propiciar condições para análises, discussões e sugestões importantes, pois enxergar melhor a realidade favorece, sem dúvida alguma, a escolha dos caminhos mais adequados para assegurar, no futuro, a qualidade do Ensino da Psicologia no Brasil.

 

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