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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.22 n.2 Brasília jun. 2002

 

ARTIGOS

 

Estresse ocupacional e Síndrome de Burnout no exercício profissional da psicologia

 

 

Klayne Leite de Abreu; Ingrid Stoll; Letícia Silveira Ramos; Rosana Aveline Baumgardt; Christian Haag Kristensen

UNISINOS. Centro de Ciências da Saúde. Núcleo de Neurociências

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta revisão teórica busca analisar os aspectos vinculados ao estresse ocupacional e à síndrome de burnout, bem como relacioná-los com a prática profissional dos psicólogos. Essas síndromes podem afetar o psicólogo pois, nas suas relações de trabalho, ele se encontra muito próximo de pessoas em sofrimento, podendo identificar-se e vincular-se afetivamente às mesmas. São discutidos aspectos conceituais e causais das síndromes, das relações de trabalho em saúde mental e, especificamente, do exercício profissional em Psicologia, considerando a realidade do Brasil e de outros países.

Palavras-chave: Estresse, Síndrome de burnout, Prática profissional.


ABSTRACT

The aspects linked to occupational stress and burnout syndrome, as well as their relation to the psychologists professional practice are this article scope. The main reason why these syndromes affect the psychology professional is linked to its work relations, that are very close to the contact with suffering people, as well as a sort of identification and affection that can be established between patient and caregiver. Conceptual aspects and causes of these syndromes are discussed, and also the job relations in mental health workers and psychologists, considering Brazil and other countries’ realities.

Keywords: Stress, burnout syndrome, Professional practice.


 

 

O trabalho ocupa um papel central na vida das pessoas e é um fator relevante na formação da identidade e na inserção social das mesmas. Neste contexto, considera-se que o bem-estar adquirido pelo equilíbrio entre as expectativas em relação à atividade profissional e à concretização das mesmas é um dos fatores que constituem a qualidade de vida. Esta é proporcionada pela satisfação de condições objetivas tais como renda, emprego, objetos possuídos e qualidade de habitação, de condições subjetivas como segurança, privacidade e afeto (Wilheim & Déak, citado em Cardoso, 1999), bem como motivação, relações de auto-estima, apoio e reconhecimento social.

Uma relação satisfatória com a atividade de trabalho é fundamental para o desenvolvimento nas diferentes áreas da vida humana e esta relação depende, em grande escala, dos suportes afetivos e sociais que os indivíduos recebem durante seu percurso profissional. O suporte afetivo provém do relacionamento com pessoas com as quais é possível compartilhar preocupações, amarguras e esperanças, de modo que sua presença possa trazer sentimentos de segurança, conforto e confiança. O suporte social aplica-se ao quadro de relações gerais que se estabelecem, naturalmente, entre colegas de trabalho, vizinhos e conhecidos, o que também pode favorecer o aprofundamento de relacionamentos que, mais tarde, venham a fazer parte do suporte afetivo.

Para Gazzotti e Vasques-Menezes (1999), a fragilidade emocional provocada pela falta dos suportes afetivo e social traz grande sofrimento, uma vez que o reflexo dessa situação não fica restrito à vida privada, ampliando-se para o campo das relações de trabalho. O trabalhador, ao sentir-se sem alternativa para compartilhar suas dificuldades, anseios e preocupações, tem aumentada sua tensão emocional, o que pode levar ao surgimento da síndrome de burnout e/ou do estresse ocupacional.

 

O que é burnout?

Para Codo e Vasques-Menezes (1999), burnout consiste na “síndrome da desistência”, pois o indivíduo, nessa situação, deixa de investir em seu trabalho e nas relações afetivas que dele decorrem e, aparentemente, torna-se incapaz de se envolver emocionalmente com o mesmo. No entanto, autores discutem a possibilidade de males como fadiga, depressão, estresse e falta de motivação também apresentarem a desistência como característica marcante. Dessa forma, pode-se pensar que estudos sobre desistência e, conseqüentemente, sobre burnout se iniciaram juntamente com os estudos de Pavlov. Este pesquisador constatou que cães submetidos a uma tarefa progressivamente difícil de realizar, como por exemplo, diferenciar um círculo de uma elipse, apresentavam um rompimento no comportamento e esse rompimento foi denominado, por Pavlov, de “neurose experimental” (Codo & Vasques-Menezes, 1999). Essa ruptura no comportamento não seria uma resposta frente a uma dificuldade tão grande que só restaria ao cão desistir da atividade e entrar em neurose experimental? Por analogia, os seres humanos poderiam entrar em burnout ao se sentirem incapazes de investir em seu trabalho, em conseqüência da incapacidade de lidar com o mesmo (Codo & Vasques-Menezes, 1999).

O termo burnout, no sentido que se está estudando, foi empregado na década de 70 pelo psicólogo clínico Freudenberger. Entretanto, é possível considerar a hipótese de que ele apenas nomeou um sentimento que já existia e havia sido experimentado por muitos (Codo & Vasques-Menezes, 1999). Freudenberger e Richelson (1991) descreveram um indivíduo com burnout como estando frustrado ou com fadiga desencadeada pelo investimento em determinada causa, modo de vida ou relacionamento que não correspondeu às expectativas. Em 1977, Maslach empregou o termo publicamente para referir-se a uma situação que afeta, com maior freqüência, aquelas pessoas que, em decorrência de sua profissão, mantêm um contato direto e contínuo com outros seres humanos.

Para Cherniss (citado em Roazzi, Carvalho, & Guimarães, 2000) burnout é uma forma de adaptação que pode resultar em efeitos negativos tanto para a própria pessoa quanto para seu local de trabalho. Portanto, é conseqüência de uma tentativa de adaptação própria das pessoas que não dispõem de recursos para lidar com o estresse no trabalho. Essa falta de habilidade para enfrentar o estresse é determinada tanto por fatores pessoais como por variáveis relativas ao trabalho em si e à organização. Entretanto, a mais influente definição de burnout foi desenvolvida por Maslach e Jackson em 1986. Sua definição multidimensional inclui três componentes: exaustão emocional, despersonalização e redução da realização pessoal (Mills & Huebner, 1998; Codo & Vasques-Menezes, 1999).

A exaustão emocional é caracterizada por um sentimento muito forte de tensão emocional que produz uma sensação de esgotamento, de falta de energia e de recursos emocionais próprios para lidar com as rotinas da prática profissional e representa a dimensão individual da síndrome. A despersonalização é o resultado do desenvolvimento de sentimentos e atitudes negativas, por vezes indiferentes e cínicas em torno daquelas pessoas que entram em contato direto com o profissional, que são sua demanda e objeto de trabalho. Num primeiro momento, é um fator de proteção, mas pode representar um risco de desumanização, constituindo a dimensão interpessoal de burnout. Por último, a falta de realização pessoal no trabalho caracteriza-se como uma tendência que afeta as habilidades interpessoais relacionadas com a prática profissional, o que influi diretamente na forma de atendimento e contato com as pessoas usuárias do trabalho, bem como com a organização (Maslach, 1998). Trata-se de uma síndrome na qual o trabalhador perde o sentido da sua relação com o trabalho, de forma que as coisas não lhe importam mais e qualquer esforço lhe parece inútil. Finalmente, a síndrome de burnout tem sido negativamente relacionada com saúde, performance e satisfação no trabalho, qualidade de vida e bem-estar psicológico (Rabin, Feldman, & Kaplan, 1999).

 

Estresse

O conceito de estresse foi primeiramente descrito por Selye, em 1936 (Helman, 1994; Gasparini & Rodrigues, 1992). Selye (1959) definiu estresse como sendo, essencialmente, o grau de desgaste total causado pela vida. Contudo, no século XVII, o termo foi utilizado por Robert Hooke, no campo da Física, para designar uma pesada carga que afeta uma determinada estrutura física (Lazarus, 1993). Etimologicamente, estresse deriva do latim stringere, significando apertar, cerrar, comprimir (Houaiss, Villar, & Franco, 2001).

Não há um consenso sobre o termo estresse. Alguns autores entendem que representa uma adaptação inadequada à mudança imposta pela situação externa, uma tentativa frustrada de lidar com os problemas (Helman, 1994), mas estresse também pode ser definido como um referente, tanto para descrever uma situação de muita tensão quanto para definir a tensão a tal situação (Lipp & Rocha, 1994).

Considerando as diferentes definições da palavra estresse, Lazarus (1993) descreve quatro pressupostos essenciais que devem ser observados: 1) um agente causal interno ou externo que pode ser denominado de estressor; 2) uma avaliação que diferencia tipos de estresse (dano, ameaça e desafio); 3) os processos de coping1 utilizados para lidar com os estressores e 4) um padrão complexo de efeitos na mente ou no corpo, freqüentemente referido como reação de estresse.

Apesar do estudo dos eventos estressores contar com um considerável desenvolvimento histórico, a maior parte da literatura empiricamente validada surgiu somente nas últimas duas décadas (Briere, 1997). Nas formulações iniciais preponderava o foco sobre o evento estressor per se, mas atualmente existe grande consideração nas diferenças individuais e nas variáveis cognitivas e motivacionais (Lazarus, 1993). Sendo assim, é importante considerar não só a imensa quantidade de fatores potencializadores de estresse mas, também, os aspectos individuais, a maneira como cada um reage às pressões cotidianas, bem como os aspectos culturais e sociais aos quais os sujeitos estão submetidos. Fatos como problemas familiares, acidentes, doenças, mortes, conflitos pessoais, dificuldade financeira, desemprego, aposentadoria, problemas no ambiente de trabalho, guerras e inúmeros outros podem ser experienciados de maneira diversa por dois indivíduos diferentes, em um mesmo contexto histórico, cultural e social, por exemplo, assim como problemas críticos na ordem social de um país podem potencializar o estresse patológico em diversos indivíduos (Helman, 1994; Ladeira, 1996).

Em suas sociedades, os indivíduos tentam atingir metas definidas, níveis de prestígio e padrões de comportamento que o grupo cultural impõe e espera de seus integrantes (Helman, 1994), de maneira que uma frustração na realização desses aspectos pode desencadear o estresse. Cardoso (1999) afirma que, para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde pode ser lesada não apenas pela presença de fatores agressivos (fatores de risco, de “sobrecarga“), mas também pela ausência de fatores ambientais (fatores de “subcarga” como a falta de suficiente atividade muscular, falta de comunicação com outras pessoas, falta de diversificação em tarefas de trabalho que causam monotonia, falta de responsabilidade individual ou de desafios intelectuais). Portanto, pode-se verificar que algum estresse é importante para a realização de qualquer atividade e que sua total ausência, assim como seu excesso, podem ser prejudiciais à saúde. Entretanto, o prolongamento de situações de estresse pode repercutir num quadro patológico, originando distúrbios transitórios ou mesmo doenças graves, como o estresse ocupacional.

 

Burnout e Estresse Ocupacional

Devido ao fato de essas síndromes serem ocasionadas a partir de situações relacionadas ao trabalho, há quem desconsidere suas diferenças. No entanto, embora não haja na literatura um consenso em relação à gênese das mesmas, burnout não é o mesmo que estresse ocupacional. burnout é o resultado de um prolongado processo de tentativas de lidar com determinadas condições de estresse (Rabin, Feldman, & Kaplan, 1999). O estresse pode ser visto como seu determinante, mas não coincide com o mesmo. Farber (citado em Roazzi, Carvalho, & Guimarães, 2000) explora a idéia de que burnout não resulta só do estresse em si (que pode ser inevitável em profissões assistenciais), mas do “estresse não mediado”, do estresse não moderado, sem possibilidade de solução. Assim, burnout não é um evento, mas sim um processo e, apesar de compartilharem duas características - esgotamento emocional e escassa realização pessoal - burnout e estresse ocupacional diferem pelo fator despersonalização (Cherniss, citado em Roazzi, Carvalho, & Guimarães, 2000). León e Iguti (1999) consideram burnout como um quadro clínico mental extremo do estresse ocupacional.

Através de pesquisa longitudinal, realizada com psicólogos escolares dos EUA, Mills e Huebner (1998) observaram a natureza transacional do relacionamento entre burnout e experiências ocupacionais estressantes. Os dados sugerem que, não somente estas experiências podem predispor os indivíduos a experienciar burnout, mas também que elevados níveis de burnout podem levá-los a desenvolver estresse ocupacional adicional.

Parece haver um consenso em torno da síndrome poder ser caracterizada como uma resposta ao estresse laboral crônico, mas é importante que seus conceitos sejam mantidos distintos. burnout tem como conseqüência uma dessensibilização dirigida às pessoas com quem se trabalha, incluindo usuários, clientes e a própria organização, e o estresse é um esgotamento diverso que, de modo geral, interfere na vida pessoal do indivíduo, além de seu trabalho (Codo & Vasques-Menezes, 1999). Entretanto, apesar de suas particularidades, as diferenças entre os dois não são claras, em função dos fatores desencadeadores serem muito próximos (ver Figura 1), o que dificulta o estabelecimento de um diagnóstico preciso e de uma relação de comorbidade.

 

Exercício Profissional em Psicologia

Cabe analisar, aqui, o contexto e os elementos em que as profissões estão inseridas, já que estão sujeitos a transformações ao longo do tempo. Pode-se considerar as dificuldades tecnológicas e a ordem sócio-econômica de nosso país e pensar quanto é dinâmico o processo de constituição de uma profissão, uma vez que esta se encontra em permanente interação com o meio social. Dessa forma, uma profissão recente, como a Psicologia, é fortemente influenciada por todo esse processo.

Segundo o Conselho Federal de Psicologia (1988), a definição do psicólogo brasileiro, na década de 80, enfatizava sua atuação na elaboração e aplicação de técnicas de qualificação e diagnóstico de distúrbios. Entretanto, devemos sempre considerar que essa visão se insere na tradicional prática que tem privilegiado uma perspectiva de análise e de intervenção no âmbito estritamente individual (Moura, 1999). Atualmente, o fenômeno psicológico tem sido visto de forma abstrata - ora como manifestação de processos internos, ora como produto de vivências externas, elementos influenciados pelo meio físico e social (Bock, 1997).

Numa perspectiva mais atual, verifica-se uma evidente ampliação dos espaços de inserção do psicólogo (Yamamoto & Campos, 1997), de modo que mudanças importantes em domínios de atuação já são foco de pesquisa do Conselho Federal de Psicologia (CFP). Segundo Bastos e Achcar (1994), essas alterações se referem às concepções, práticas, inserção no mercado e clientes atendidos, bem como ao foco de intervenção do profissional de Psicologia. Uma tendência inicial aponta para um modelo que vai além da mensuração de características psicológicas e intervenção diante dos problemas de ajustamento de indivíduos; uma segunda diz respeito a um maior aperfeiçoamento e qualificação profissionais; finalmente, uma terceira visa a trabalhar de maneira mais articulada em relação a outras disciplinas e profissões, em uma perspectiva multidisciplinar e não-tecnicista.

 

Burnout e Estresse Ocupacional em Psicólogos

Conforme referido anteriormente, a síndrome de burnout consiste em uma resposta ao estresse ocupacional crônico, afetando profissionais que se ocupam em prestar assistência a outras pessoas. Entre os profissionais de saúde, eventos potencializadores de estresse podem surgir, dependendo do tipo de atividade exercida. Entretanto, existe uma evidência crescente demonstrando que os profissionais da área da saúde mental, por fatores relacionados à natureza de sua profissão, apresentam-se particularmente vulneráveis ao estresse e a seus efeitos (Rabin, Feldman, & Kaplan, 1999). Entre os fatores específicos, destacam-se: a) o manejo, por um longo período de tempo, com pessoas com transtornos mentais; b) a responsabilidade para com a vida do paciente; c) a inabilidade para estabelecer limites em suas interações profissionais e d) a atenção constante aos problemas e necessidades dos pacientes de uma forma não recíproca (Moore & Cooper, 1996; Rabin, Feldman, & Kaplan, 1999).

Facilmente se observa que os psicólogos, por atuarem na área da saúde mental, estão entre a clientela de risco da síndrome de burnout. Aos fatores destacados, acrescenta-se a possibilidade de haver alguma identificação e formação de laços afetivos entre os psicólogos e seus clientes (França, citado em Covolan, 1996), especialmente quando se trata de práticas mais tradicionais de atendimento individual. Exemplificando, estudos realizados em psicólogos clínicos norte-americanos e ingleses demonstraram elevados níveis de estresse entre esses profissionais (Rabin, Feldman, & Kaplan, 1999). Especificamente em relação a psicoterapeutas, Farber (1985) identificou cinco fatores desencadeadores de estresse: manutenção da relação terapêutica, agendamento, dúvidas profissionais, envolvimento excessivo no trabalho e esgotamento pessoal. Além desses, solidão, expectativas excessivas e falta de gratificação também foram identificados como fontes de estresse naqueles profissionais (Rabin, Feldman, & Kaplan, 1999). Entretanto, burnout afeta, também, psicólogos em outras áreas de atuação. Em uma amostra de 173 psicólogos escolares, Mills e Huebner (1998) observaram que 40% dos sujeitos relataram elevados níveis de exaustão emocional, 19% relataram um senso diminuído de realização pessoal e 10% relataram reações de despersonalização.

Moore e Cooper (1996) propõem que talvez haja um vácuo entre as expectativas idealizadas e seus resultados na prática dos profissionais de saúde mental. Os profissionais dessa área idealizam que sua prática servirá para ajudar as pessoas e, na realidade, poucas mudanças são experienciadas por pacientes crônicos. Essa contradição indica que talvez seja mais gratificante, para o profissional, encarar sua prática como uma intervenção de apoio aos pacientes, ao invés de uma busca de cura. Essa situação pode ser uma ilustração do burnout e está relacionada com a realidade vivenciada pelos profissionais de saúde mental que são treinados para reconhecer e concordar com a realidade de seus pacientes.

Garcia, Cabeza e Fernandez (1998) identificaram uma variação no nível de burnout entre profissionais de saúde mental que trabalham em centros de saúde e em hospitais de Madri. Em centros de saúde foi percebido um grau de realização pessoal no trabalho mais favorável do que em hospitais. O local de trabalho, portanto, influencia sensivelmente o grau de realização pessoal no trabalho e a possibilidade de se desenvolver burnout e estresse a partir de um ambiente que exerça pressão nos indivíduos.

Leite (1997) obteve dados sobre a atividade de 34 profissionais da Psicologia que trabalhavam no Hospital Geral do Rio de Janeiro. Esses profissionais citaram que existem demandas institucionais diferentes da necessidade apresentada pelos pacientes que necessitam, na maioria das vezes, simplesmente de escuta, atenção e afeto. No entanto, as atividades cobradas pelo hospital são outras, como manejar pacientes difíceis, ordenar a enfermaria e lidar com funcionários, ficando claro, com isso, a dúvida relacionada ao papel do psicólogo no espaço hospitalar.

Considerando-se a realidade do exercício profissional, observa-se uma mudança em termos da atuação do psicólogo com o surgimento, nas últimas décadas, de novos campos e, conseqüentemente, no aumento da necessidade de aperfeiçoamento e qualificação profissional. As constantes mudanças levam à necessidade de aprimoramento e, embora isso faça parte da dinâmica das alterações paradigmáticas (que, além de já serem situações novas, ainda estão associadas ao processo de produção do conhecimento favorecido pelos novos avanços tecnológicos), é possível que possa gerar estresse em profissionais que não se beneficiem dessas alterações e as tomem como fortes fontes de pressão. Leite (1997) observa que, além das dificuldades encontradas no contato direto com as novas possibilidades de trabalho, há, ainda, uma dificuldade com a formação acadêmica que oriente e esclareça sobre as questões relativas aos diversos campos que surgem paralelos à graduação.

O contexto sócio-econômico a que estão sujeitos os profissionais de saúde mental no Brasil deve ser considerado. O sofrimento psíquico (e social) que os pacientes apresentam, as condições de atendimento, os baixos salários e o pequeno tempo disponível para uma consulta são fatores importantes a se considerar para pensar os processos de estresse ocupacional e burnout. Branco (1998) pressupõe que a atividade, nesse ambiente de trabalho permeado pela hierarquia, dificulta a afetividade entre paciente e profissional e, a partir daí, evidencia potenciais de estresse ocupacional e burnout. Williams (1999) conta sua experiência de trabalho como psicóloga em escolas de Toronto e destaca o prazer de atuar em um país que investe em educação pública de altíssima qualidade e com boas condições de trabalho, possibilitando satisfação profissional e se constituindo no que Maslach (1998) denomina “engajamento”. Este é definido nos mesmos termos de burnout, mas de forma positiva, pois um estado de maior energia, forte envolvimento e senso de eficácia se contrapõem à exaustão, ao cinismo e ao reduzido senso de realização pessoal. O engajamento não é um estado neutro, mas se opõe a burnout e se constitui num estado mental definido e num funcionamento social dentro de um domínio ocupacional. Dessa forma, há um continuum entre engajamento e burnout.

Por fim, ao se constatar que o estresse ocupacional e, especialmente, a síndrome de burnout podem afetar a prestação do serviço e a qualidade do cuidado oferecido, julga-se necessário pesquisar essas síndromes em psicólogos brasileiros, considerando o contexto sócio-econômico a que estão sujeitos esses profissionais, já que a maioria das pesquisas existentes, por ocorrerem em países desenvolvidos, não levam em conta essas variáveis.

 

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Recebido em 10/11/00
Aprovado em 20/10/01

 


1 Os processos de coping são concebidos como as estratégias e esforços cognitivos e comportamentais que os indivíduos utilizam para lidar com as demandas específicas decorrentes de situações de estresse e avaliadas como excedendo seus recursos pessoais (Antoniazzi, Dell’Aglio, & Bandeira, 1998; Folkman & Lazarus,1988; Lazarus, 1993).

 

Agradecimentos:
Os autores gostariam de agradecer a Antônio Roazzi, Christina Maslach, João Carlos Alchieri, Liliana Andolpho Magalhães Guimarães e Maria Elenice Quelho Areias pela sua contribuição na preparação deste artigo.