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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.27 n.1 Brasília mar. 2007

 

ARTIGOS

 

Depressão - uma 'psicopatolologia' classificada nos manuais de psiquiatria

 

Depression: a psychopathology classified in psychiatry manuals

 

 

Kátia Cristine Cavalcante Monteiro*; Ana Maria Vieira Lage**

Universidade Federal do Ceará

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho discute o fenômeno da depressão resgatando uma visão de psicopatologia que destaca a psicanálise, em vez da psiquiatria biológica. Para tanto, fez-se um resgate histórico da influência dos ditames da ciência moderna no paulatino desaparecimento do termo melancolia em função da classificação dos manuais de psiquiatria e, do conhecimento psicopatológico em detrimento da perspectiva organicista. Abordou-se também, a contribuição da psicopatologia psicanalítica da depressão, uma perspectiva cuja atividade diagnóstica não se encerra na classificação, mas enfatiza a dimensão biográfica como imprescindível para a execução da tarefa diagnóstica. Finalmente, conclui-se que é relevante considerar: (1) o tratamento da depressão baseando-se na singularidade do sujeito que apresenta tal quadro e, não somente na sintomatologia; (2) que nem toda manifestação de tristeza é uma manifestação patológica; e, (3) a compreensão da depressão normal enquanto luto, no sentido psicanalítico do termo, que, após um certo lapso de tempo, necessita ser superado e a libido reinvestida em outros objetos.

Palavras-chave: Depressão, Psicanálise, Psicopatologia e classificação psiquiátrica.


ABSTRACT

This work discusses the depression phenomenon, pursuing a vision of psychopathology where does not only predominate the perspective of biological psychiatry, but also a psychoanalysis perspective. For this, it was carried out a historical research of psychopathology that, under the influence of the dictates of modern science, has contributed for the gradual elimination of the term melancholy due to psychiatry classification and psychopathology knowledge in detriment of biological psychiatry. It was also analyzed the contribution of the psychoanalyst psychopathology of the depression within a perspective in which the diagnostic activity is not concluded in terms of classification, and emphasizes the biographical dimension as indispensable for the definition of that activity. Finally, it was concluded that it is relevant to consider: (1) depression treatment based on the uniqueness of the individual, and not only taking into account its symptoms; (2) not all sadness manifestations are pathological; and, (3) the understanding of normal depression while mourning in the psychoanalyst meaning of the term, because, after a certain time period, it should be surpassed and libido embedded in other objects.

Keywords: Depression, Psychoanalysis, Psychopathology, Psychiatric classification.


 

 

Ao analisar a questão da depressão na psicopatologia, torna-se importante empreender uma retrospectiva sobre o uso da nosografia dos manuais de psiquiatria e compreender de que forma a classificação se estabeleceu como a bússola que hoje orienta as investigações científicas e os discursos atualmente vigentes sobre a depressão. Historicamente, tal fato é conseqüência de um percurso que levou a disciplina de psicopatologia a restringir o diagnóstico dos transtornos psiquiátricos em torno de uma linguagem comum - a da classificação psiquiátrica -, com vistas a alcançar um estatuto de cientificidade, conferindo ênfase ao crescimento da psiquiatria biológica via utilização de medicamentos (Fédida, 2000; Peres, 2003).

Assim, pareceu interessante, neste artigo, realizar, num primeiro momento, uma discussão acerca do diagnóstico, já que, nas tendências que influenciaram a psicopatologia, a psiquiatria organicista reforça a idéia de que a depressão seria de natureza biológica (Bogochvol, 2001; Nogueira Filho, 2001). Em seguida, aborda-se um ponto de vista relacionado a uma outra possibilidade de diálogo sobre a depressão: o da psicanálise, por exemplo, que ressalta a noção da gênese do conflito psíquico, abrindo espaço para as intervenções psicanalítica e psicoterapêutica.

 

Histórico da psicopatologia

O conceito de psicopatologia não foi historicamente citado com a mesma compreensão que temos dessa disciplina hoje em dia. Foi utilizado, a princípio, em alemão, por Emminghaus, em 1878, e equivalia à psiquiatria clínica. Posteriormente estabeleceu-se como método e disciplina, na França, no início do século XX. Na mesma época em que a Psicologia começou a afastar-se da Filosofia para se estabelecer como disciplina científica, Ribot criou esse método, que permitia compreender a psicologia normal pelo estudo do comportamento anormal. Posteriormente, a expressão psicologia patológica foi abandonada em função do termo psicopatologia, ainda como referência à perspectiva de Ribot (Beauchesne, 1989).

Em 1913, ainda na Alemanha, Jaspers (1978), em seu livro Psicopatologia Geral, descreve a psicopatologia como uma ciência natural e uma ciência do espírito, simultaneamente, ou seja, tanto voltada para a explicação causal dos fenômenos como para a compreensão e interpretação das vivências subjetivas.

Nosso tema é o homem em toda sua enfermidade. Trata-se de enfermidade psíquica ou psiquicamente determinada [...] Não conhecemos nenhum conceito fundamental que possa conceber o homem exaustivamente. Nenhuma teoria em que se possa apreender, como um acontecimento objetivo, toda a sua realidade. Por isso, a atitude científica fundamental é estar aberto para todas as possibilidades de investigação empírica. É resistir a toda tentativa de reduzir o homem [...] a um denominador comum (p.17).

Apesar de situar a psiquiatria e a psicopatologia entre as ciências positivistas, reproduzindo apenas o postulado médico que imperava nos séculos XVIII e XIX, Jaspers conferiu sua maior contribuição para essas disciplinas ao introduzi-las também no âmbito das ciências do espírito (Figueiredo, 1991). Contudo, mesmo antes de Jaspers, Freud (1915/1974a) já discorria sobre a temática da psicopatologia, desenvolvendo a teoria psicogênica das neuroses e das psicoses em contraponto às teorias mais mecanicistas que prevaleciam na época. Ao criar a psicanálise, introduziu o conceito de inconsciente, elaborando uma metapsicologia situada na idéia de conflito que poderia ser abordada a partir de suas relações dinâmicas, tópicas e econômicas; propôs uma nova teoria - não uma nova abordagem psicológica -, cuja prática é o método clínico em função do trabalho de interpretação. De fato, no século XX, não existia nenhuma identidade entre a Psicologia e a psicanálise; em termos metodológicos, a Psicologia começara a fazer uso da experimentação, e, mesmo que não aplicasse o método científico vigente, cobria outra temática: a instância do consciente. Na psicanálise, o interesse de Freud se concentrava em torno do conceito de inconsciente.

Assim, as múltiplas referências biológicas, filosóficas, psicológicas e psicanalíticas que marcaram a trajetória da psicopatologia enquanto disciplina, ao mesmo tempo em que assinalaram a impossibilidade atual de qualquer teoria ou método resumir o conjunto de conhecimentos que a envolve, também induzem cotidianamente a se pensar que a unificação entre essas diversas influências é necessária. De preferência, sob a égide das psicologias positivistas, visto que o estabelecimento da psicopatologia enquanto ciência, tal como na Psicologia, se baseou no intercâmbio de recursos teóricos, metodológicos e técnicos que contribuíram para que se estabelecesse, dentro da própria disciplina, relações não só de articulação mas também de confrontação e mútuo atravessamento (Costa Pereira, 2002).

A corrente behaviorista, então, foi ganhando espaço pela fachada de unidade e cientificidade que conferiria ao campo da psicopatologia. A classificação psiquiátrica, nessecontexto, começou a firmar-se como a resposta hegemônica que aglutinaria, em torno de uma mesma linguagem, as diferentes abordagens que tratavam do sofrimento psíquico. O propósito seria - e continua sendo - a concordância entre clínicos e pesquisadores quanto ao diagnóstico, por meio de critérios estabelecidos com tamanha objetividade e precisão que viabilizariam o acordo pleno entre tais profissionais, mesmo que oriundos das mais variadas escolas, quando colocados diante de um mesmo caso (Beauchesne, 1989).

Kraeplin, psiquiatra alemão, contemporâneo de Freud, classificou as enfermidades psiquiátricas em categorias, baseando-se numa concepção de psicopatologia em que o clínico, como o psicólogo experimental, deve, com objetividade, descrever os sintomas que permitem formular o diagnóstico da doença mental. Sua sistematização inclui, entre suas catorze categorias, as psicopatias e as reações psicogênicas e inaugura uma semiologia precisa que segue como base ulterior de numerosas sistematizações do que é patológico, como, por exemplo, a Classificação Internacional das Doenças - CID-10 (OMS, 1993) e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais -DSM-IV (APA, 1995) (Braunstein, 1987).

A noção objetiva herdada da tradicional classificação psiquiátrica exige que suas categorias operacionais sejam elaboradas de um modo positivo e passível de um controle experimental das hipóteses que são formuladas sobre os transtornos ou desordens mentais. Tal noção é bastante similar ao método científico característico da psicologia positivista; em ambas, praticamente, o que se representa é o caráter não ontológico de seus objetos de investigação, cujo único instrumento disponível é o olhar interrogante de quem os constrói: "[...] O olhar ocupou o primeiro plano operativo" (Sauri, 2001, p.14). Identifica-se assim, o cientificismo subjacente a essas disciplinas, em suas ambições de submeter suas hipóteses a um único critério de validade universal.

Nessa perspectiva, as proposições não passíveis de verificação empiricamente controlada podem, às vezes, ser interessantes, e mesmo verdadeiras, mas não pretender o estatuto de ciência. Evidentemente, a imposição desse critério exclusivo do estatuto científico de uma disciplina comporta dimensões e conseqüências políticas que ultrapassam os limites de um debate epistemológico (Costa Pereira, 2002, p.38).

Sendo assim, a classificação contemporânea inscreve-se, por mais que queira passar despercebida, cada vez mais dentro da conjuntura social em que atua, implicando a incorporação de novas descrições a sua taxonomia. Urge que, além dos psicóticos e dos depressivos, classifiquem-se também os pobres, os marginais e os fracassados. Existe até a classificação que inclui a não classificação, ou seja, uma categoria para quem não tem distúrbio mental: classifica-se com a terminologia sem transtorno mental, quando, depois do exame psiquiátrico, não se acha nenhum dos transtornos disponíveis no DSM - IV. Nesse esclarecimento, Braunstein (1987) pretende evidenciar que a classificação, na verdade, opera segundo o que o próprio autor denomina de `estratégia da aranha': nesse esquema, o lugar do sujeito, o seu diagnóstico, é determinado antes mesmo que ele chegue a ocupá-lo, funcionando como uma rede simbólica pré-existente, que inclui por antecipação todo aquele que chegue para uma consulta; dessa forma, a `teia da aranha' funciona sempre como uma resposta às demandas sociais e para quem dela precise. "Em outras palavras, a psiquiatria acaba de fato funcionando como instrumento de validação e de intervenção social de valores ideológicos supostamente derivados de evidências científicas neutras e de acordos culturais baseados no bom senso" (Costa Pereira, 2002, p.44).

É claro que as categorias diagnósticas, uma vez estabelecidas, possibilitam todo um trabalho de investigação e clínico, que não deve ser, simplesmente, desqualificado. Contudo, diagnosticar é apenas um dos momentos na compreensão dos fenômenos psicopatológicos, visto que somente a partir de um diagnóstico se propõe a reconstrução de um processo, que conduz desde a certa construção subjetiva até à aparição dos sintomas, partindo de uma compreensão da dinâmica do sujeito e da avaliação de suas possibilidades de integração e re-significação dos sintomas apresentados, e não simplesmente de sua exclusão (Braunstein, 1987). A crítica de Beauchesne (1989) repousa, principalmente, sobre os avanços nas pesquisas em Biologia e farmacologia, que induziram a psicopatologia objetiva a lançar mão de conhecimentos que não são necessariamente psicológicos, acrescentando que a prática clínica, assim, está subvertida em nome de outra dimensão que não ela mesma, e, nessa perspectiva farmacológica, a psicopatologia se afasta do que é psíquico, se afasta do que é inerente à natureza interna do ser humano. As doenças mentais, portanto, não são entidades naturais que se encontram na natureza, da mesma forma que o objeto de estudo das ciências exatas.

Baremblitt (1990) define os quadros clínicos, sua designação e sua classificação na psiquiatria como conhecimentos etiológicos, não anatomopatológicos nem fisiopatogênicos, e sugere que o reconhecimento de tais quadros clínicos seja uma atividade de correlações entre fenômenos chamados sintomas. O debate passa por um plano ético, cuja opção de reconhecer como científico e passível de respeito apenas o que pode ser submetido ao duro crivo do método experimental significa permitir o desaparecimento da dimensão humana, em suas condições psicológicas, históricas e sociais, "em uma especialidade que se distingue por pretender ser, literalmente, uma medicina da alma em sofrimento" (Costa Pereira, 2002, p.40).

Tal psicopatologia objetiva tornou-se, então, uma disciplina que estuda o fenômeno patológico mental com a rigidez dos métodos descritivos e tem necessidade de normatização, com vistas à investigação científica, promovendo uma psiquiatria organicista (Bogochvol, 2001), geralmente baseada na descrição da sintomatologia, na negação da singularidade e na eliminação dos sintomas. Uma abordagem puramente descritiva, entretanto, já não é suficiente; a psicopatologia objetiva conserva sua importância, porém não prescinde de uma compreensão do fenômeno patológico mental em relação às situações vividas. "Se a psicopatologia é encarregada da elaboração da teoria e a psiquiatria, de sua aplicação, fica difícil, na prática, separar as duas, da mesma forma que é arbitrário dissociar uma atitude compreensiva de seu efeito psicoterápico" (Beauchesne, 1989, p.5).

Há de se considerar que o uso do diagnóstico positivista também contribuiu para o desenvolvimento da tarefa diagnóstica, tanto pelo uso da observação sistemática como pela possibilidade de estabelecer um sistema de categorização baseado nos dados oriundos das evidências empíricas. Seus limites, porém, devem ser esclarecidos: em primeiro lugar, esse procedimento descarta as informações impossíveis de comprovação direta, promovendo somente a realidade imediatamente presente, e, em segundo, a atividade diagnóstica se encerra na classificação (Sauri, 2001).

Nesse sentido, a teoria freudiana constitui-se em influência importante sobre o entendimento da classificação psiquiátrica, pois apresenta-se como uma perspectiva que vai além da explicação positivista, uma vez que considera a dimensão biográfica como imprescindível para a atividade diagnóstica. A psicanálise é a teoria que institui a entrevista diagnóstica como um momento de incessante reconstrução de um saber, levando em consideração que os sintomas psiquiátricos não são estáveis e nem apresentam a continuidade típica das doenças somáticas. Winnicott (1983) enfatiza que a contribuição mais importante de Freud à psiquiatria e, em conseqüência, à compreensão da doença mental, foi a superação de antigos conceitos acerca da classificação, em detrimento dos seguintes aspectos: o comportamento, ou melhor, a relação que o sujeito empreende com a realidade; a formação de sintomas, apreendida como um modo de comunicação, incluindo nesta o conceito de inconsciente, e a etiologia, que preza a escuta da história do paciente e a importância do material emergente no curso da psicoterapia.

Para Sauri (2001), as mudanças de comportamento são situacionais; além disso, a psicopatologia em si guardaria relação estreita com as pessoas de personalidade mais rígida, frágil ou até pouco estruturada, ou seja, mesmo diante de uma alteração psíquica importante, dentro da proposta da psicanálise, sempre se vai procurar obter a história do paciente, levando em consideração a transitoriedade diagnóstica, "uma vez que o diagnóstico do paciente não apenas fica cada vez mais claro à medida que a análise prossegue como também se altera" (Winnicott, 1983, p.121).

No que se relaciona à questão da depressão, é importante localizar que o termo é originalmente introduzido pela psiquiatria, em que, tal como é conceituado na atualidade, veio a se desenvolver. A influência da Biologia como a ciência-guia da psiquiatria é base para a disseminação da idéia de que a depressão, no homem, pode ser originada, tratada e, finalmente, curada biologicamente (Nogueira Filho, 2001). O termo depressão, todavia, nem sempre esteve associado de forma tão contundente às ciências naturais como na atualidade. Rodrigues (2000) ressalta que, mesmo sendo um conceito introduzido a partir do século XVIII, por meio do contexto médico, predominava ainda, na época, uma preocupação em considerar os demais aspectos da vida psíquica.

 

A depressão no contexto da psiquiatria e da psicanálise

A inserção do termo depressão se deu por via da relação com a temática da melancolia, passando a ser utilizado, inicialmente, durante o século XIX. Com relação à psicopatologia, as influências da Filosofia, da Psicologia, da psicanálise e da Antropologia ainda eram consideradas, sendo marcante a utilização dos manuais apenas após o advento da Idade Moderna. A melancolia, por sua vez, na Antiguidade, não era associada diretamente a uma idéia de doença, pelo contrário, sempre teve sua descrição relacionada a um traço de superioridade intelectual e refinamento social, sendo esse conceito preservado até o início do século XIX. Mesmo assim, para Peres (2003), é freqüente essa relação ainda nos dias de hoje:

Que a melancolia seja a condição da genialidade, do pensamento, da filosofia e da literatura é uma concepção que fascina, e muitos a defendem até os dias de hoje. Depressão e criação ficam indissociáveis; o homem triste é também o homem profundo, a alegria é superficial [...] Uma ambigüidade se estabelece, pois, no uso da palavra melancolia: por um lado, um humor natural e não necessariamente patogênico, e, por outro lado, uma doença mental produzida por um excesso ou desequilíbrio dos humores (p.15).

No final do século XVIII, Philipe Pinel empreendeu a primeira tentativa de uma categorização psiquiátrica acerca da melancolia; seu estudo baseava-se principalmente na observação clínica e na busca de agrupar seus sintomas. Esquirol, seu discípulo, empenhou-se em desenvolver descrições clínicas mais detalhadas, destacando as monomanias que apresentavam, por um lado, uma vertente de mania sem delírio e uma parte de melancolia, e, por outro lado, a lipemania. À época, definiu-a como um quadro comportamental de tristeza, abatimento, desgosto de viver, que se faz acompanhar de um delírio ou idéia fixa. Emil Kraeplin, autor do primeiro Compêndio de Psiquiatria, ofereceu à psiquiatria, em 1883, uma definição baseada, principalmente, no quadro clínico da psicose maníaco-depressiva, cujas características foram descritas como uma alternância de acessos maníacos e acessos depressivos, denotando, assim, um paulatino desaparecimento do termo melancolia (Peres, 2003).

Na obra freudiana, não existe uma teoria definida sobre depressão, embora o autor tenha identificado e descrito manifestações depressivas nas diferentes categorias nosográficas sem, no entanto, assemelhá-las à melancolia nem reuni-las em critérios para diagnóstico, tal como se vê nos atuais manuais de psiquiatria. Freud, ao relatar os sintomas histéricos de Miss Lucy, estende-se nas suas manifestações mais sutis, incluindo nelas os sintomas depressivos:

Ultimamente ela havia se queixado de alguns sintomas novos [...] Perdera inteiramente o sentido do olfato e era quase continuamente perseguida por uma ou duas sensações olfativas subjetivas, que lhe eram muito aflitivas. Ela estava, além disso, desanimada e fatigada, e queixava-se de peso na cabeça, pouco apetite e perda de eficiência [...] Sofria de depressão e fadiga, e era atormentada por sensações subjetivas do olfato. Quanto aos sintomas histéricos, apresentava uma analgesia geral mais ou menos definida, sem nenhuma perda de sensibilidade tátil, e um exame grosseiro (com a mão) não revelou nenhuma restrição do campo visual (Freud, 1922/1980a, p. 153).

De fato, apesar de Freud ter dedicado maior atenção à melancolia, fazendo poucas referências à depressão, observa-se a descrição de fenômenos depressivos no caso Dora (1922/1980a), neurose histérica, e, no caso do Homem dos Ratos (1895/1980b), neurose obsessiva. No caso do artigo Um caso de cura pelo hipnotismo, encontra-se uma diferenciação entre depressão e melancolia, fundamentando, assim, a idéia de que Freud (1893/1974c) considerava a depressão um sintoma presente na neurose:

De outro lado, quando há uma neurose presente - e não estou me referindo explicitamente apenas à histeria, mas ao status nervosus em geral - temos de supor a presença primária de uma tendência à depressão e à diminuição da autoconfiança, tal como a encontramos muito desenvolvidas e individualizadas na melancolia (pp. 176-177).

Contudo, é no texto Luto e melancolia (Freud, 1915/1974a), que o autor se debruça especificamente sobre o tema, fazendo uso do termo para caracterizar um quadro psicótico, anteriormente descrito pela própria psiquiatria. No referido artigo, Freud aborda a problemática, assinalando que, se, em alguns, a perda leva à elaboração de um luto, em outros, conduz aos precipícios da melancolia, pois as características distintivas são as mesmas encontradas no estado normal de luto, à exceção de uma: no luto, é possível ter certeza de qual objeto foi perdido; na melancolia, a perda objetal é retirada da consciência e recai sobre o próprio ego.

Como Freud não estabeleceu uma diferenciação precisa entre melancolia e depressão, da mesma forma que se dispôs a distingui-la do luto, torna-se bastante significativo buscar a contribuição de psicanalistas contemporâneos a fim de fundamentar, neste trabalho, o conceito de depressão. O que interessa na compreensão do referido conceito é, principalmente, a elaboração de Fédida (2000; 2002), que utiliza Freud como base de construção de seus trabalhos, focalizando, assim, a compreensão psicopatológica da depressão através de dois processos básicos: de constituição e defesa do psiquismo.

Fédida (2002) considera, a partir do artigo Luto e melancolia, que a depressão deve ser concebida como luto, indicando também uma definição mais precisa para se detectar, na melancolia, uma alteração psíquica importante, portanto, os termos depressão e luto são aqui compreendidos como equivalentes. Assim, baseando-se nesse posicionamento, reserva-se, para a melancolia, a indicação de formas mais severas de inibição motora e afetiva, assimbolia, nas quais pode ocorrer a alternância de episódios maníacos e de paralisia, e, para a depressão, indicar-se-ão quadros clínicos bem definidos de neurose ou sintomas que se apresentem nas mais diversas neuroses, onde a elaboração dos lutos aí está colocada. Todavia, é exatamente em torno da falta, da perda do objeto, que a estruturação do sujeito é norteada, levando, assim, o luto a ocupar um lugar central, e, na medida em que se correlaciona com a questão dos sintomas depressivos e da melancolia, observa-se uma tendência à depressão dentro da própria constituição humana. Fédida (2000) enfatiza que a depressão não deve ser caracterizada enquanto estrutura psíquica por se tratar de um estado próprio à constituição do aparelho psíquico, possibilitando declarar que tal quadro caracteriza o humano.

Há, portanto, depressão na melancolia. Porém, ao passo que a primeira pode ser vista como estado, a segunda pode ser caracterizada - tal como Freud o fez- como neurose narcísica, na qual o conflito intrapsíquico ocorre entre as instâncias do ego e do superego, implicando o sujeito na culpa [...] a depressão seria um estado, durando o tempo necessário para que o vazio inanimado do vivo se constitua como organização narcísica e retorne toda vez que o psiquismo solicite uma restauração de seu narcisismo. Como está constantemente ameaçado tanto por forças externas como internas, a depressão está invariavelmente presente. O humano, como se sabe, não suporta por muito tempo o contato com a dura realidade, e um dos recursos à sua disposição para se proteger desse contato tão frustrante e ameaçador é a depressão (pp.75-80).

Deloya (2002) acrescenta que a depressão caracteriza um modo de existir hodiernamente por meio de um estado em que o homem se pensa incapacitado para encontrar outra maneira de lidar com as novas exigências da sociedade contemporânea, seja pelo individualismo reinante, pela cobrança excessiva de competência no trabalho, seja pelo avanço tecnológico e o desemprego. Nessa perspectiva, a depressão pode ser considerada uma reguladora da vida psíquica, atrelada tanto a uma condição de origem do espaço psíquico como ao próprio estado de desamparo inerente à condição humana. É uma forma de reação da civilização aos seus mal-estares, é o recurso que surge ante as ameaças da vida psíquica já anunciadas por Freud no artigo O mal-estar na civilização.

Freud (1930/1974b) considera a felicidade um estado somente vivenciado como um fenômeno passageiro, ou seja, existe uma limitação humana na capacidade de senti-la: "Somos feitos de modo a só podermos derivar prazer intenso de um contraste" (p.95). As possibilidades de felicidade são restringidas pela própria constituição do que é ser humano; a infelicidade, ao contrário, já pode ser vivenciada com mais facilidade, pois existem possibilidades de desprazer que ameaçam ao homem a partir de três lugares que são constantemente observados como fonte de sofrimento. O primeiro tem origem no próprio corpo, que envia sinais de fragilidade pela dor e angústia vivenciadas no processo de envelhecimento e no reconhecimento da fragilidade do corpo. O segundo provém do mundo externo, que também é ameaçador, com suas guerras, na luta pela sobrevivência e na supremacia da natureza, por exemplo, e o terceiro, considerada pelo autor a maior de todas as ameaças, tem origem nas decepções decorrentes das relações com outros seres humanos. Assim, conclui o autor, a procura pela felicidade passou a ser evitar o sofrimento e, em segundo plano, a vivência de experiências prazerosas.

Dessa forma, ressalta-se outra contribuição da psicopatologia psicanalítica: a diferenciação entre os termos depressão e melancolia (Peres, 2003). Para o primeiro termo, reservam-se formas menos graves de quadros neuróticos, que se apresentam em manifestações episódicas também relacionadas aos quadros evolutivos do desenvolvimento humano. Para o termo melancolia, indica-se uma alteração psíquica importante, relacionada a uma estrutura de personalidade: a neurose narcísica, cujas manifestações psicopatológicas se devem à elaboração anormal dos lutos.

Os manuais psiquiátricos sugerem uma classificação e uma semiologia dos transtornos do humor - DSM-IV (APA, 1995) ou transtornos afetivos (OMS, 1993), cujas condições clínicas para a identificação dos referidos transtornos são diagnosticadas pela presença de sintomas que se manifestam numa certa intensidade, freqüência e duração (Pontes, 1993). Por exemplo, o episódio depressivo maior do DSM-IV - critérios para adultos - é relacionado como um transtorno, uma doença, composta por, no mínimo, cinco dos critérios diagnósticos arrolados: (1) humor deprimido ou irritável; (2) interesse ou prazer diminuídos; (3) perda ou ganho significativo de peso; (4) insônia ou hipersonia; (5) agitação ou retardo psicomotor; (6) fadiga; (7) sentimento de inutilidade ou culpa excessiva; (8) capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se e (9) ideação suicida, tentativa ou plano suicida. O humor deprimido é presença obrigatória entre eles.

A distinção entre a classificação de uma depressão maior ou uma reação de adaptação depressiva costuma ser realizada através do preenchimento ou não dos critérios diagnósticos. No DSM-IV (APA, 1995), existem vinte e nove subdivisões para os transtornos do humor, em que apenas dois tipos, transtorno do humor devido a uma condição médica geral (em função de condições fisiológicas, infecciosas, etc.) e os transtornos do humor induzidos por substâncias (quando decorrentes de intoxicação ou abstinência) são fundamentados na etiologia. As outras classificações restringem-se à mera observação do comportamento e dos fenômenos sem remeter-se a nenhuma etiologia. No CID-10 (OMS, 1993), existem trinta e seis subdivisões, e a referência à manifestação do humor depressivo não está restrita somente aos transtornos de humor mas também a outros transtornos psiquiátricos, tais como os fóbico-ansiosos, ansiedade generalizada, obsessivo-compulsivo, transtornos depressivos de conduta.

Foi ao longo do século XX que foram surgindo as dicotomias: depressão hereditária e psicogênica, depressão neurótica e psicótica, depressão primária e secundária, depressão endógena e reativa, etc. (Pontes, 1993) Essas nomenclaturas tinham em vista realizar, ainda, uma distinção básica entre a depressão chamada de melancólica, correspondente à psicose maníaco-depressiva, e as outras formas de depressão, ditas reativas, psicogênicas ou neuróticas. Tais dicotomias proporcionaram uma discussão ampla no decorrer deste século, visto que existia uma tentativa de diferenciar a depressão neurótica da depressão psicótica, levando em conta não somente a severidade do quadro clínico apresentado mas também a sua etiologia. Essa discussão, porém, foi cedendo seu espaço para o consenso oferecido pelos manuais de psiquiatria; as dicotomias foram apagadas do seu texto, predominando a idéia de gradação e continuidade das manifestações clínicas apresentadas nos distúrbios de humor (Rodrigues, 2000).

Assim, a distinção entre melancolia e depressão foi mais difundida somente até os anos 80, quando existia um interesse da psiquiatria apenas na melancolia, e a depressão nela estava incluída como sintoma. Os atuais manuais de psiquiatria - o DSM-IV (APA, 1995) e o CID-10 (OMS, 1993) - diluem a melancolia nos transtornos afetivos ou de humor; dessa maneira, os denominados transtornos bipolares têm agora referência à depressão-mania e não mais à melancolia-mania (Fédida, 2000).

 

Discussão

Apesar de, em sua origem, a psicopatologia reconhecer o fato patológico, atualmente a influência de tantas correntes termina por sugerir o desaparecimento de todas as referências psicopatológicas, gerando praticamente uma substituição da psicopatologia, na sua perspectiva de compreensão e conhecimento do fato patológico, pela psiquiatria, com ênfase no diagnóstico descritivo. Na prática, isso se manifestará numa confiança ilimitada nos instrumentos da medicina científico-natural, no abandono das explicações metapsicológicas dos processos subjetivos e na ausência de um conhecimento que esteja pautado em paradigmas que respeitem a especificidade do fato patológico (Braunstein, 1987; Beauchesne, 1989).

Na vertente "biologicista", uma das concepções mais influentes na psiquiatria e na psicopatologia, a depressão é definida como uma doença biológica cuja etiologia está associada principalmente a fatores hereditários e, em conseqüência, o tratamento mais indicado estaria ligado à terapia farmacológica e, em alguns casos, à psicoterapia cognitivista, uma das poucas abordagens em Psicologia apontadas na literatura médica como eficiente para o tratamento da depressão (Rodrigues, 2000).

Assim, na última década, o diagnóstico e tratamento da depressão avançaram mais do que em toda a história pregressa da Medicina. A indústria farmacêutica no século XX cresceu sobremaneira com a introdução dos antidepressivos, e hoje ajuda a aumentar o número de diagnósticos da depressão através de campanhas realizadas pelos laboratórios junto aos médicos - inclusive de outras especialidades que não a psiquiátrica - através da introdução de psicofármacos (Nogueira Filho, 2001; Peres, 2003). Observa-se também a divulgação, pela mídia e por folhetos informativos de laboratórios de psicofármacos, dos sintomas da depressão, e, em conseqüência, de como realizar seu diagnóstico. Por um lado, isso pode levar o tema da depressão a uma discussão mais ampla, que antes poderia estar restrita a um séqüito de profissionais especializados cujo linguajar somente eles dominariam. Por outro lado, segundo Bogochvol (2001), a divulgação, pela mídia, passa uma imagem superficial e limitada do tema, pois predomina uma linguagem baseada nos sintomas e a idéia de que a cura pode ser facilmente alcançada pelo incremento do uso de neurolépticos.

Dessa maneira, apenas as pesquisas com cérebro, hormônios e neurotransmissores são consideradas válidas: o cérebro, a mente e o corpo são apresentados numa visão estritamente biológica, transformados em objetos de estudos ordenados por leis naturais. Nesse sentido, as ciências humanas nada teriam a contribuir para a compreensão desses objetos, pois o desenvolvimento da psiquiatria biológica parece implicar um desaparecimento das disciplinas das ciências psicológicas, históricas e antropológicas. Com freqüência difunde-se a idéia de que o sintoma psíquico pode ser pautado unicamente na dimensão biológica, não havendo, assim, nenhum outro motivo para se pensar numa dimensão propriamente psicopatológica ou mesmo numa autonomia do psiquismo. Numa perspectiva crítica, Bogochvol escreve:

Entre o psíquico e o psicopatológico, haveria uma diferença que é função de uma diferença puramente biológica. É a intervenção do biológico, que pode transformar o psíquico em psicopatológico, já que o psíquico, ele mesmo, não pode produzir nada, por ser apenas um produto. A causalidade nunca poderia ser psíquica, apenas extrapsíquica e neurobiológica (p.45).

A ascensão crescente, nas últimas décadas, da temática da depressão no contexto da psiquiatria biológica é notória, sendo consideráveis os investimentos financeiros aplicados nas pesquisas com psicofármacos e posterior divulgação das descobertas como receitas bastante eficientes.

O marketing, na ocasião do lançamento de drogas como o Prozac, que não tardou em ser chamado de "pílula da felicidade", não se limitava aos efeitos antidepressivos da droga, mas anunciava a chegada de uma nova era: a era da "psicofarmacologia cosmética", tal como cita o psiquiatra norte-americano Kramer (1994, p.15), na qual bastaria uma pílula para modificar a personalidade, tornando-a compatível com as exigências do mundo capitalista (Rodrigues, 2000, p.155).

Seguindo a linha de raciocínio que apregoa a fantástica revolução das medicações antidepressivas na vida humana, observa-se que a psicofarmacologia e as neurociências estão se transformando em produtos da mídia; o marketing e a propaganda vão muito além do que as bulas dos remédios propõem, pois essas bulas não abrangem a quantidade de prodígios que a mídia e o próprio senso comum lhes imputam. Propagandas constantemente informam sobre a descoberta de medicamentos que podem curar desde os mais variados matizes do sofrer humano até a depressão. Tais informações são multiplicadas e passam a compor o sistema de crenças das pessoas, assimiladas como informações cientificamente comprovadas, sem uso de uma reflexão crítica mais aprofundada, tratadas com veneração e, ao mesmo tempo, com banalidade. Na opinião de Nogueira Filho (2001), o que é mais criticável, é exatamente a associação entre a respeitabilidade científica dessas disciplinas mediante o senso comum e um certo pragmatismo econômico, visto que o recomendável atualmente é que os tratamentos sejam rápidos, baratos e simples, justificando, assim, a utilização de drogas antidepressivas em qualquer circunstância, incluindo o luto comum.

 

Aspectos conclusivos

Neste artigo, procurou-se compreender o fenômeno da depressão, resgatando uma visão de psicopatologia que destaca tanto a perspectiva da psiquiatria organicista quanto a perspectiva da psicopatologia psicanalítica, que não encerra sua investigação sobre o sofrimento psíquico na identificação de uma categoria nosológica, mas busca desvelar o desenvolvimento dos processos que levaram a tal identificação.

A literatura pertinente definiu duas perspectivas predominantes para se versar sobre o tema da depressão: a teoria psicanalítica, onde se faz uso tanto do termo melancolia como do termo depressão, e a perspectiva da psiquiatria biológica, que faz uso somente do termo depressão (Peres, 2003). A primeira, embora discuta também sobre depressão, privilegia o termo melancolia, e assume a dificuldade de estabelecer uma clareza diagnóstica, principalmente no tocante ao estabelecimento das estruturas. Freud (1974a) prefere definir melancolia como uma `neurose narcísica', e tal conceito pode bordejar o(s) limiar(es) das neuroses e psicoses, enquanto a depressão é definida como sintoma. Já a psiquiatria biológica encontra diversas formas para a nomeação dos sintomas depressivos, através de seus manuais, oferecendo uma promessa de cura através dos ajustes biológicos e do equilíbrio dos déficits neuro-hormonais que as medicações se propõem a suprir.

O conceito de depressão, tal como é compreendido no contexto da psicopatologia atual, não leva em consideração a dimensão psíquica, contribuindo para a paulatina diluição do termo melancolia em função dos transtornos de humor, e o desaparecimento do conhecimento psicopatológico, em detrimento da psiquiatria biológica e da utilização dos sistemas de classificação. Segundo Fedida (2002), o uso excessivo de psicofármacos pode sugerir uma negação de todos os símbolos que têm relação com a morte ou com a falta; é o resultado de uma gradativa negação da complexidade da experiência humana, que, nesse sentido, inclui também o desamparo e o trágico. A psicanálise freudiana, no entanto, contribui com a sua psicopatologia para manter, no centro da experiência humana, a dimensão da subjetividade psíquica.

Não se trata, porém, de simplesmente desqualificar o uso das categorias diagnósticas, pois estas contribuíram para o desenvolvimento da tarefa diagnóstica através do uso da observação sistemática e do estabelecimento de um sistema de categorização. Trata-se, principalmente, de esclarecer seus limites, visto que a atividade diagnóstica se encerra na classificação. Já a psicanálise não encerra sua investigação sobre o adoecer mental na identificação de uma categoria nosológica, mas busca desvelar o desenvolvimento dos processos que levaram a tal identificação. A partir de então, é relevante considerar: (1) o tratamento da depressão baseando-se na etiologia, e não na sintomatologia, ressaltando a singularidade do sujeito que apresenta tal quadro; (2) que nem toda manifestação de tristeza ou alteração no comportamento é uma manifestação patológica, e (3) a compreensão da depressão normal enquanto luto, no sentido psicanalítico do termo, que, após um certo lapso de tempo, necessita ser superado, sendo a libido reinvestida em outros objetos. Enfim, a depressão, como uma resposta aos desafios do desenvolvimento humano, pode ocorrer em função de mecanismos múltiplos, como um luto necessário que deve ser superado como uma perda irreparável que recai sobre o próprio ego, o ego melancólico. Versar sobre o tema depressão, portanto, é lidar com os mais diversos sinônimos a que a palavra remete. Até com relação aos aspectos epidemiológicos existem dificuldades para registro dos casos devido à variedade de critérios que envolvem seu diagnóstico e a coexistência com outras enfermidades, além dos aspectos culturais relacionados (Pontes, 1993). Outro contraponto relaciona-se ao fato de a própria vivência humana caracterizar-se por perdas: perdas de pessoas, de situações, de papéis, dentre outros, e, em conseqüência, exigir a elaboração do luto concernente a tais perdas, acrescentando aos sentimentos uma expressão de tristeza que, nesse sentido, nem deve ser considerada uma experiência negativa, mas, talvez, uma elaboração necessária e construtiva.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Kátia Cristine Cavalcante Monteiro
Avenida Pontes Vieira, 1234, ap. 202. Bairro: São João do Tauape
60 130 240, Fortaleza, Ceará, Brasil
Fone: 9924 0923/ 3472 3342/ 4009 8118
E-mail:katiam@ufc.br

Recebido 25/10/05
Reformulado 05/07/06
Aprovado 12/07/06

 

 

* Psicóloga do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em Psicologia pela UFC.
** Professora Doutora, titular do Departamento de Psicologia da UFC.