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Revista da SBPH
versão impressa ISSN 1516-0858
Rev. SBPH vol.20 no.2 Rio de Janeiro dez. 2017
ARTIGOS
Doenças cardiovasculares: fatores de risco e cognição
Cardiovascular diseases: cardiovascular risk factors and cognition
Bruna Rafaela Magalhães de Azevedo1; Débora Nemer Pinheiro2; Maria Joana Mader Joaquim3
Universidade Federal do Paraná
RESUMO
Doenças cardiovasculares ou seus fatores de risco podem predispor a doenças cerebrovasculares e, consequentemente, declínio cognitivo, por compartilharem a mesma fisiopatologia. O presente estudo objetivou identificar, descrever e analisar artigos científicos que relacionam doenças cardiovasculares e seus fatores de risco com o funcionamento cognitivo. Para tanto, 16 artigos foram escolhidos por relevância de conteúdo e discutidos a partir da análise de conteúdo temático, na qual três categorias foram criadas: doença cardiovascular e cognição, risco cardiovascular e cognição, e por fim, saúde cardiovascular e cognição. Os artigos demonstraram que há comprometimento cognitivo em decorrência tanto de doenças cardiovasculares como de fatores de risco cardiovasculares, ao passo que índices de saúde cardiovascular contribuíram para melhor desempenho cognitivo.
Palavras-chave: cognição; cardiopatia; fatores de risco; neuropsicologia
ABSTRACT
Cardiovascular diseases or cardiovascular risk factors may predispose to cerebrovascular diseases and, consequently, cognitive decline, for sharing the same pathophysiology. The present study aimed to identify, describe and analyze scientific articles that correlate cardiovascular diseases and cardiovascular risk factors with cognitive functioning. To this end, 16 articles were chosen by relevance of content and they were discussed from the analysis of thematic content, in which three categories were created: cardiovascular disease and cognition, cardiovascular risk and cognition, and finally, cardiovascular health and cognition. The articles demonstrated that there is cognitive impairment as a result of both cardiovascular diseases as cardiovascular risk factors, while indexes of cardiovascular health have contributed to better cognitive performance.
Keywords: cognition; cardiopathy; risk factors; neuropsychology.
Introdução
A partir da intercessão entre Cardiologia e Neuropsicologia, o tema deste trabalho foi escolhido em detrimento da escassez de artigos brasileiros que associam as doenças cardiovasculares e seus fatores de risco com o desempenho cognitivo.
Atualmente as doenças cardiovasculares ainda representam o maior índice de mortalidade no Brasil, apesar de sua redução gradativa desde a década de 80 (Mancini & Sampaio, 2006). Essas doenças são de caráter sistêmico, o que implica no comprometimento de outros órgãos, em função da circulação sanguínea, como fonte de oxigênio e glicose (Cohen & Gunstad, 2010).
O cérebro é um dos principais órgãos afetados devido sua extrema dependência do sistema cardiovascular, tanto pela necessidade de eliminação do calor e eliminação de seus produtos metabólicos, bem como pelo suplemento de energia constante, necessária para seu bom funcionamento Sendo assim, doenças cardiovasculares ou seus fatores de risco podem predispor a doenças cerebrovasculares e, consequentemente, declínio cognitivo, por compartilharem a mesma fisiopatologia (Cohen & Gunstad, 2010).
Neste sentido, alguns estudos epidemiológicos evidenciam que os fatores de risco vasculares podem estar na base do desenvolvimento de demências, por reduzir a perfusão cerebral e consequentemente comprometer a eliminação dos produtos metabólicos e o suplemento de oxigênio e glicose. Dessa forma, as demências, entre elas, a doença de Alzheimer, podem estar associadas à hemodinâmica microvascular do cérebro (De la Torre, 2002).
As alterações que ocorrem nos vasos sanguíneos, como placas de gordura, as quais espessam as paredes desses vasos, podem interferir na perfusão cerebral, através da aterosclerose. Estas lesões podem ocorrer em qualquer artéria, no entanto, é comum que elas iniciem na artéria abdominal e evoluam para a carótida. As carótidas são artérias responsáveis por irrigar o encéfalo. Assim, qualquer anormalidade pode interferir na circulação cerebral (Rossetti et al., 2015).
A constatação clínica do consequente declínio cognitivo, oriundo das doenças do sistema circulatório, são de grande relevância para o tratamento, pois interferem na adesão do paciente e em sua capacidade de autocuidado, visto que a qualidade de vida, a autoestima e a saúde em geral dependem das faculdades mentais, principalmente para o desempenho das atividades cotidianas (Cohen & Gunstad, 2010).
A partir de estudos que relacionam os fatores de risco cardiovascular ou as doenças cardiovasculares com o funcionamento cognitivo e da constatação de que os fatores de risco cardiovascular não incluíam práticas de saúde modificáveis, a Associação Americana do Coração (AHA) difundiu um novo conceito em sua publicação da Strategic Impact Goal Through 2020, a Saúde Cardiovascular (Lloyd-Jones et al., 2010).
Este conceito se refere a quatro comportamentos saudáveis como: ausência de tabagismo, índice de massa corporal (IMC), atividade física e dieta dentro dos padrões recomendados, bem como três indicadores de saúde física como: pressão arterial, colesterol total e nível de glicose no sangue, também dentro dos valores esperados (Lloyd-Jones et al., 2010).
Trata-se de critérios mais amplos do que os fatores de risco cardiovascular por incluir fatores comportamentais modificáveis, como dieta e atividade física. No entanto, há poucos estudos que relacionam Saúde Cardiovascular com o funcionamento cognitivo, por se tratar de um novo conceito.
Assim, o presente estudo objetiva identificar, descrever e analisar artigos científicos que relacionam doenças cardiovasculares e seus fatores de risco com o funcionamento cognitivo.
Método
Trata-se de uma revisão crítica de literatura, no qual os trabalhos selecionados não seguem uma metodologia pré-definida e visam analisar e sintetizar evidências sobre um determinado assunto (Mancini & Sampaio, 2006).
Para tanto, a busca de dados foi realizada nos bancos de dados da Medline e BioMed Central, entre janeiro de 2016 a julho de 2016, em inglês, devido à escassez de pesquisas nesse tema no Brasil. Também foram utilizados os operadores booleanos como AND, OR e NOT, juntamente com os seguintes descritores: "Cognition", "Cardiovascular Diseases", "Cardiovascular Risk Factors", "Neuropsychology".
Foram selecionados 30 artigos para leitura na íntegra, dos quais 16 artigos foram escolhidos por relevância de conteúdo. Sendo assim, foram incluídos trabalhos publicados entre 2010 e 2015, os quais abordassem a associação direta entre o sistema cardiovascular e o funcionamento neuropsicológico em adultos ou idosos.
Trabalhos que abordassem doenças neurológicas já conhecidas, transtornos de humor, doenças congênitas e síndromes foram excluídos, bem como estudos que incluíssem em sua amostra pacientes já diagnosticados com demência ou em fase terminal.
O material coletado trata de artigos originais disponibilizados integralmente, gratuitamente, em meio eletrônico, os quais compõem revisões sistemáticas, metanálise, pesquisas de coorte, prospectivas, longitudinais e análises comparativas.
Para analisar os dados, os artigos foram registrados em um instrumento contendo: nome(s) do(s) autor(es), ano de publicação, local de publicação, método e descrição de pesquisa, para, na sequência, serem categorizados e discutidos.
Esta revisão não pretendeu esgotar as fontes de dados visto que é de caráter qualitativo, a partir da técnica de análise de conteúdo temático, de acordo com Bauer e Gaskell (2002). Três categorias foram criadas, a partir da leitura dos artigos, para discussão dos dados: doença cardiovascular e cognição, risco cardiovascular e cognição, e por fim, saúde cardiovascular e cognição.
A análise de conteúdo é uma técnica pela qual se produz inferências de um texto focal para um contexto social de maneira objetiva. Esta técnica extrapola a classificação de um texto para além das categorias criadas, para representar as informações através de suas relações, não somente suas unidades. Dessa maneira, o conhecimento é reconstruído em formato de rede, enfatizando as relações entre si (Bauer & Gaskell, 2002).
Resultados e Discussão
Dos artigos encontrados, seis foram realizados nos Estados Unidos, quatro na Austrália, três na Inglaterra, um na Espanha, um na Noruega e um na Polônia, datados desde 2010 a 2015, conforme Quadro I, organizados por ordem cronológica.
Observa-se no Quadro I que a maior parte das pesquisas consiste em estudos de coorte, sendo quatro análises transversais, uma metanálise e uma revisão sistemática. Dentre eles, dois estudos possuem a maior amostra, o Tromsø Study e o English Longitudinal Study of Ageing (ELSA), com 5.033 e 8.780 participantes respectivamente.
Doença Cardiovascular e Cognição
Nesta categoria serão discutidos quatro artigos de coorte, três transversais e um longitudinal. Os três retratam participantes diagnosticados com doenças cardiovasculares e investigam a relação das mesmas com a cognição.
O primeiro estudo, de autoria de Stetkiewicz-Lewandowicz & Borkowska (2013), avaliou a incidência e gravidade do comprometimento cognitivo em pacientes com doença isquêmica do coração. Enquanto o segundo, de Alosco et al. (2013), avaliou a relação entre perfusão cerebral, estrutura cerebral e funcionamento cognitivo em idosos com doenças cardiovasculares.
O terceiro, de Rossetti et al. (2015), associou três medidas de aterosclerose e o desempenho na escala cognitiva MOCA (The Montreal Assesment Scale). Já o último, de Avadhani et al. (2015), relacionou níveis de glicose em pacientes com doença arterial coronariana e cognição.
Stetkiewicz-lewandowicz e Borkowska (2013) e Alosco et al. (2013), avaliaram amplamente as funções cognitivas, através de uma bateria neuropsicológica, que incluiu testes de funções executivas, linguagem, memória imediata e de longo prazo. No entanto,Stetkiewicz-lewandowicz e Borkowska (2013), incluíram, ainda, memória verbal declarativa, enquanto que Alosco et al. (2013) acrescentaram a construção visuoespacial, atenção e memória de trabalho. Já Avadhani et al. (2015) avaliaram todos esses domínios cognitivos e acrescentaram a avaliação da habilidade psicomotora.
Além da avaliação cognitiva através da aplicação de testes neuropsicológicos, Alosco et al. (2013) e Rossetti et al. (2015) utilizaram exames de imagem em suas correlações. Enquanto o primeiro utilizou o ASL ("arterial spin labeling"), o qual avalia a perfusão cerebral por ressonância magnética, a segunda incluiu tomografia e ressonância magnética.
Stetkiewicz-lewandowicz e Borkowska (2013) demonstraram comprometimento cognitivo em pacientes diagnosticados com doença isquêmica do coração, em relação aos participantes sadios, principalmente em relação a memória de trabalho, memória imediata, memória de longo prazo e funções executivas. Essas funções correspondem às áreas pré-frontais e hipocampo. Além disso, houve correlação com o número de anos de educação formal e os testes neuropsicológicos.
Como já descrito, o envelhecimento vascular interfere na hemodinâmica e perfusão cerebral, o que pode comprometer o funcionamento cognitivo. Alosco et al. (2013) observaram redução da perfusão cerebral no lobo frontal e temporal, do volume total cerebral e da espessura cortical, associados com pior desempenho nos testes de funções executivas e memória.
As áreas frontais do córtex cerebral estão relacionadas às funções da atenção, memória operacional e funções executivas entre outras. A função mnêmica está distribuída em diversas áreas responsáveis pelo seu funcionamento, entre elas os lobos temporais. (Schwartz, Kandel &Jessell, 2001). Dessa forma Alosco et al. (2013) demonstraram que a perfusão cerebral reduzida, devido a doenças cardiovasculares, podem implicar em alterações no funcionamento cognitivo.
A aterosclerose, por ser doença inflamatória que afeta as artérias em geral, pode também lesionar as carótidas e interferir na circulação encefálica. Ela ocorre através da formação de placas ateroscleróticas que lesam o endotélio vascular, pelo acúmulo de lipoproteínas (Sposito et al., 2007).
Rossetti et al. (2015) examinaram três medidas de aterosclerose: o como cálcio arterial coronariano (CAC), placa aorta abdominal e a espessura da parede da aorta abdominal através de tomografia e ressonância magnética, em associação com o funcionamento cognitivo. No entanto, encontraram apenas associação entre o cálcio arterial coronariano e a cognição e associação negativa entre a idade e o funcionamento cognitivo, influenciado pela educação.
Ao contrário de Stetkiewicz-lewandowicz e Borkowska (2013), Alosco et al (2013) e Avadhani et al. (2015), Rossetti et al. (2015) utilizaram apenas a escala Cognitiva MOCA (The Montreal Assesment Scale), a qual consiste numa ferramenta de rastreio cognitivo que engloba provas de atenção, orientação, linguagem, memória verbal e visuoespacial.
Rossetti et al. (2015) também identificaram as isoformas da apolipoproteína E (APOE) através de genotipagem. Esta proteína é a principal responsável pelo transporte do colesterol e fosfolípidos no plasma humano. Além disso, ela é produzida em sua maior parte pelo cérebro, atuando na regulação imunológica e na modulação do crescimento celular (Prado & Cardoso, 2013). No entanto, Rossetti et al. (2015) não encontraram associação significativa entre o alelo APOE e a cognição.
O principal comprometimento cognitivo através da aterosclerose encontrado não foi direto em participantes de meia idade, mas o efeito da combinação dos indicadores de ateroscleroses é acumulativo com o passar do tempo, e seu impacto principal na cognição corre através de lesões nas carótidas ou acidentes vasculares (Rossetti et al., 2015).
As doenças cardiovasculares frequentemente apresentam comorbidades, como a diabetes. De acordo com Bartnik (2004), níveis anormais de glicose em pacientes com doença arterial coronariana (DAC) são comuns. Assim, a Diabetes é tanto um fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares quanto doenças cerebrovasculares (Exalto, Whitmer, Kappele & Biessels, 2012).
Avadhani et al. (2015) verificaram que quanto maiores os níveis de hemoglobina glicada, piores eram o desempenho em vários domínios como funções executivas, velocidade de processamento e linguagem, exceto quanto associado substituição de símbolos, e o componente de aprendizagem auditivo verbal.
Também encontraram associação entre a idade, educação e funções cognitivas, assim como Stetkiewicz-lewandowicz e Borkowska (2013). Isto ocorre devido a suscetibilidade dos testes neuropsicológicos à idade e escolaridade, pois são baseados em tabelas normativas e podem não englobar grupos minoritários. Ganguli et al. (2010) demonstraram, em seu estudo de coorte de base populacional que, quanto maior a idade e menor a escolaridade, pior o desempenho na testagem neuropsicológica.
A literatura já refere associação entre doença arterial coronariana (DAC) e o declínio cognitivo em idosos (Zheng et al., 2012). Avadhani et al. (2015) ampliaram estes dados para pacientes com DAC e diabetes.
Todos os estudos apresentados investigaram as funções executivas. Três estudos utilizaram baterias neuropsicológicas extensas, em comparação com o penúltimo. Para tanto, observou-se que os dados foram mais conclusivos apesar da necessidade de mais estudos.
A idade e a escolaridade nos artigos influenciaram o resultado, e isto é esperado pois a maioria dos testes neuropsicológicos são influenciados pela idade e escolaridade, quanto maior a idade e menor a escolaridade, menor o desempenho em todos os domínios cognitivos, exceto pela memória que apresenta menor variação (Ganguli et al., 2010).
Risco Cardiovascular e Cognição
Esta categoria discorre sobre os fatores de risco cardiovascular e sua relação com a cognição. Modelos preditivos foram desenvolvidos ao longo do tempo para avaliar o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, a partir da combinação de vários fatores de risco vasculares, como o escore de risco Framingham (ERF), o perfil de risco cardiovascular geral, risco de doença coronariana, escore de risco de demência (CAIDE), entre outros (Harrison et al., 2014). Cada pesquisa utilizou uma ou mais escalas para determinar os fatores de risco vasculares em sua amostra.
As escalas de fatores de risco vascular constituem-se de um algoritmo capaz de estimar a probabilidade de ocorrer um infarto do miocárdio ou morte por doença coronária em 10 anos em indivíduos sem diagnóstico prévio de aterosclerose clínica (Simão et al., 2013).
No entanto, essas escalas não foram desenvolvidas para predizerem declínio cognitivo - exceto o CAIDE - porém, cada fator de risco incluído em cada escala, como pressão sanguínea, diabetes, tabagismo, tem sido associado com a cognição. Além disso, dificilmente cada um desses fatores ocorre isoladamente em idosos (Harrison et al., 2014).
Para tanto, Harrison et al. (2014) correlacionaram modelos de risco cardiovasculares com mudanças longitudinais na cognição, através de uma revisão sistemática de estudos populacionais. Já Arntzen et al. (2010), Debette et al. (2011), Dregan, Stewart e Gulliford (2012), Anstey, Sargent-Cox, Garde, Cherbuin & Butterworth (2014), avaliaram a associação entre os fatores vasculares e a cognição em indivíduos de meia idade, em estudos longitudinais.
Em outros estudos, Ganguli et al. (2014), Gifford et al. (2013) e Mortby et al. (2014) relacionaram fatores de risco vascular com declínio cognitivo em idosos sem históricos de doenças neurológicas conhecidas. Mortby et al. (2014), em especifico, ainda estabeleceram associação entre a escolaridade e volume cerebral com os fatores cardiovasculares.
Harrison et al. (2014) encontraram associação entre os modelos de risco cardiovasculares e medidas globais cognitivas de memória, funções executivas, raciocínio, linguagem, velocidade de processamento da informação e habilidade viso construtora, sugerindo que qualquer redução dos fatores de risco vasculares pode diminuir o risco de declínio cognitivo ou demência na terceira idade.
Assim sendo, a combinação entre fatores de risco cardiovascular, estilo de vida e fatores genéticos podem ser preditores de risco de demência, independente do modelo de risco cardiovascular utilizado (Rossetti et al., 2015).
A partir disso, Dregan, Stewart e Gulliford (2012) associaram os fatores de risco cardiovascular e o funcionamento cognitivo através do escore de risco Framingham (ERF), no qual confirmaram os achados de Harrison et al. (2014), à medida que demonstraram a associação negativa entre a escala de risco vascular utilizada (ERF) e os testes cognitivos. Além de acrescentarem que os efeitos combinados dos fatores de risco podem acelerar o declínio cognitivo.
Dregan, Stewart e Gulliford (2012), assim como Arntzen et al.(2010), Debette et al. (2011) e Ganguli et al. (2014), encontraram associação consistente entre o tabagismo e a pressão sanguínea e com baixo desempenho cognitivo global, em longo prazo. No entanto Arntzenet al. (2010), Debette et al. (2011) e Ganguli et al. (2014) acrescentaram a diabetes a esta associação. Enquanto Dregan, Stewart e Gulliford (2012) observaram que pressão sanguínea foi prejudicial para a cognição, dependendo da idade e duração dos altos níveis de pressão arterial.
Para Debette et al. (2011) o volume da hiperintensidade da substância branca (VHSB), foi associado com a piora progressiva do desempenho das funções executivas uma década mais tarde. Ademais, a hipertensão, diabetes e o tabagismo foram associados com a expansão desta mesma estrutura, e consequente atrofia do hipocampo.
De acordo com Arntzenet al. (2010), esses fatores podem operar como preditores independentes de baixo desempenho nos testes neuropsicológicos, e consequentemente, de declínio cognitivo, tanto em homens quanto mulheres. No entanto, as mulheres que exerciam atividade física demonstraram melhores pontuações no protocolo aplicado, em detrimento das mulheres diagnosticadas com hipertensão.
Segundo Dregan, Stewart e Gulliford (2012), há um efeito cumulativo decorrente de altos valores de pressão arterial por longos períodos no decorrer da vida. Gifford et al. (2013) encontraram prejuízos cognitivos na linguagem, memória episódica e nas funções executivas.
Ganguli et al. (2014) também associaram o funcionamento cognitivo ao nível de colesterol, acidente vascular, obesidade abdominal e à proteína Creativa. Todavia, os níveis de colesterol alto foram associados à melhora do funcionamento cognitivo, enquanto o impacto cognitivo dos demais não foi observado na segunda avaliação após quatro anos, o que apontou sobre seus efeitos estanques que não são progressivos, como em processos degenerativos.
A obesidade e a circunferência abdominal também foram associadas com alterações cognitivas, por Debette et al. (2011). Enquanto a primeira foi associada com o rápido declínio das funções executivas, a segunda foi associada com a redução do volume total encefálico.A obesidade e a circunferência abdominal também foram associadas com alterações cognitivas, por Debette et al. (2011). Enquanto a primeira foi associada com o rápido declínio das funções executivas, a segunda foi associada com a redução do volume total encefálico.
Anstey et al. (2014), por sua vez, demonstraram que, na meia idade, há alterações cognitivas, porém em diferentes magnitudes. Observaram que apesar do declínio na velocidade de processamento de informações e tempo de reação, constataram melhora na habilidade verbal e memória, com o passar da idade. Ao passo que Gifford et al. (2013) não constataram alterações na velocidade do processamento de informações.
Além disso, os níveis mais altos de escolaridade diminuíram o déficit em relação ao tempo de reação com o passar do tempo, como um efeito protetor. No entanto, não moderou o impacto cognitivo do risco cardiovascular. Apesar dos riscos cardiovasculares afetarem a cognição de modo geral, na meia idade, ela não foi associada a um declínio progressivo no estudo de Anstey et al. (2014), assim como já demonstrado por Ganguli et al. (2014), em oposição ao estudo de Dregan, Stewart e Gulliford (2012), que propuseram possível aceleração no declínio cognitivo.
Dessa forma, com o cenário de declínio de algumas funções e melhoras de outras, o desempenho cognitivo global não foi alterado, o que demonstrou certa estabilidade durante a meia idade, apesar do comprometimento evidenciado pelos estudos, decorrentes dos fatores vasculares (Anstey et al., 2014).
De acordo com Mortby et al. (2014) a velocidade de processamento da informação está relacionada com o volume cerebral total, a cognição e educação. Especificamente em homens, os autores observaram que quanto maior a escolaridade maior o volume cerebral, tanto de substância cinzenta quanto branca.
A educação altera morfologicamente o cérebro e funciona como um fator protetor para declínio cognitivo, devido à reserva cognitiva. Esta reserva é resultado da somatória de vários fatores com educação, coeficiente intelectual, estimulação cognitiva, social e atividade física (Foubert-Samier et al., 2012; Mortby et al., 2014).
Em oposição aos demais estudos apresentados, Miralbell et al. (2010) encontraram alterações em apenas dois domínios cognitivos: a coordenação visuoconstrutiva e a velocidade visuomotora, devido a dois fatores. O primeiro refere-se ao tamanho da amostra e idade; por serem jovens, o risco cardiovascular foi consideravelmente baixo. Em segundo lugar, essas funções cognitivas se mostraram mais sensíveis aos fatores vasculares do que as demais.
Todos os estudos concordam que os fatores de risco cardiovascular comprometem a cognição em maior ou menor grau, dependendo do domínio cognitivo afetado, inclusive demonstram alterações morfológicas cerebrais, minimizado pela escolaridade e estimulação cognitiva, dependendo do caso. No entanto, o impacto observado na cognição não foi progressivo, podendo ser minimizado pela escolaridade e estimulação cognitiva, dependendo do caso.
Portanto, houve evidência de mudanças estruturais cerebrais significativas, com menor desempenho da memória e funções executivas na terceira idade, porém, não de natureza degenerativa. No entanto, é necessário verificar o efeito combinado dos fatores de risco vascular, a fim de garantir o bom funcionamento cognitivo na fase avançada de vida.
Saúde Cardiovascular e Cognição
A partir do constructo de Saúde Cardiovascular como uma ampliação dos fatores de risco cardiovascular, conforme estabelecidos pela Associação Americana do Coração (AHA), três estudos observacionais se propuseram a associá-los com a cognição, sendo dois longitudinais de base populacional e uma análise comparativa (Lloyd-Jones et al., 2010).
Reis et al. (2013) e Crichton et al (2014) se propuseram a avaliar os componentes ideais de saúde cardiovascular na juventude e sua relação com o funcionamento cognitivo na meia idade. Enquanto Crichton, Davey, Sauvageot, et al . (2014),em outro estudo, compararam duas pesquisas em duas populações culturalmente e geograficamente diferentes com o intuito de avaliar o padrão, a prevalência e as diferenças dos níveis de saúde cardiovascular.
Em todos os estudos foram coletados: nível de colesterol total, índice glicêmico, pressão arterial, índice de massa corporal (IMC), atividade física, presença ou ausência de tabagismo e dieta. Dessa forma, foram considerados sete indicadores de saúde cardiovascular ideal.
Os seguintes domínios cognitivos foram avaliados por Reis et al. (2013): velocidade motora, atenção sustentada, memória operacional, controle inibitório e memória verbal. Crichton, Davey, Sauvageot, et al . (2014),incluíram, além desses, memória visuoespacial e episódica verbal, rastreio e monitoramento, funções executivas, raciocínio abstrato e coeficiente global de inteligência.
Reis et al. (2013) e Crichton et al. (2014) demonstraram associação entre os componentes ideais de saúde cardiovascular e desempenho nos testes neuropsicológicos. Quanto mais indicadores de saúde cardiovascular eram atingidos, melhores os resultados das avaliações da cognição.
Entretanto, apenas uma pequena parcela dos participantes das amostras atingiram os sete critérios. Na primeira pesquisa, a amostra preenchia cinco dos critérios ideais avaliados enquanto jovens. Porém, 12% deles manteve esses critérios na meia idade (Reis et al., 2013). Na segunda, por sua vez, a maioria enquadrou-se entre dois e quatro critérios (Crichton et al., 2014).
Apesar disso, Crichton et al. (2014) constataram que aqueles que atingiram pelo menos cinco dos critérios estabelecidos pela AHA, obtiveram melhor desempenho em relação ao rastreamento e monitoramento, funções executivas e no coeficiente de inteligência global.
Além disso, Reis et al. (2013) demonstraram que houve associação entre a pressão sanguínea e o tabagismo com todos os domínios cognitivos. Crichton et al. (2014), por sua vez, demonstraram relação inversa entre pressão sanguínea, tabagismo e funcionamento cognitivo. A partir disso, observa-se que a cognição é sensível para alterações metabólicas do organismo.
Crichton et al. (2014) também observaram que há associação positiva entre índices de colesterol e o funcionamento cognitivo, ou seja, quanto maior os índices de colesterol melhor era o desempenho nos testes neuropsicológicos.
Tendo em vista a contribuição da saúde cardiovascular para o envelhecimento cognitivo saudável, Crichton, Davey, Sauvageot, et al . (2014),comparam a saúde cardiovascular em dois lugares geograficamente distintos, a partir de uma amostra de Nova Iorque e outra de Luxemburgo.
Em ambos os lugares, os critérios alcançados de saúde cardiovascular ideais foram baixos. No entanto, os índices, no total, foram superiores em Luxemburgo comparados aos americanos, principalmente em relação ao Índice de massa corporal, tabagismo, atividade física e dieta. Em contrapartida, os níveis ideais da pressão sanguínea foram mais prevalentes nos Estados Unidos (Crichton, Davey, Sauvageot, et al., 2014).
A maior discrepância encontrada foi em relação à atividade física, a qual foi duas vezes maior em Luxemburgo do que em Nova Iorque. Crichton, Davey, Sauvageot, et al., (2014) acreditam que a infraestrutura de Luxemburgo e o incentivo ao ciclismo e caminhadas como meios de transporte público podem contribuir para este dado.
Os dados são preocupantes pois salientam que os índices de saúde cardiovascular estão abaixo do ideal na população, o que implica em questões de saúde pública e bem-estar social, além de evidenciar como a saúde em geral pode mudar tanto de lugar para lugar (Crichton, Davey, Sauvageot, et al., 2014).
As três pesquisas salientam o impacto da saúde cardiovascular na fase adulta e sua relação com os processos mentais superiores. Além de enfatizarem a preocupação com o baixo índice dos marcadores de saúde na população em geral.
O envelhecimento normal traz perdas sutis nas habilidades cognitivas, principalmente em velocidade de processamento, memória, linguagem e funções executivas, sem acarretar, necessariamente, em perdas funcionais (Harada, Natelson Love &Triebel, 2013). O impacto demonstrado pelas pesquisas citadas, decorrentes de uma saúde precária cardiovascular já na meia idade, pode representar comprometimentos significativos em idosos.
Considerações finais
Esta revisão configurou o primeiro estudo a sumarizar três categorias diferentes etiologicamente que envolvem o sistema cardiovascular e aspectos cognitivos. Apesar da heterogeneidade dos trabalhos, todos constataram o impacto da saúde e da doença cardiovascular nas funções neuropsicológicas, e como estes dois sistemas estão totalmente imbricados.
Os artigos demonstraram que há comprometimento cognitivo oriundo tanto de doenças cardiovasculares como de fatores de risco cardiovascular, ao passo que índices de saúde cardiovascular contribuíam para melhora do desempenho cognitivo. No entanto, as alterações cognitivas foram encontradas em diferentes intensidades e em diversos domínios cognitivos, considerando-se as diferenças metodológicas e de tamanho de amostra entre as pesquisas.
Apesar disso, mais estudos ainda são necessários para elucidar os mecanismos subjacentes aos processos pelos quais ocorrem alterações no funcionamento cognitivo, possibilitando, dessa maneira, intervenções cada vez mais precoces.
Referências
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1 Psicóloga Especialista em Atenção Hospitalar - Área de Concentração em Atenção Cardiovascular na modalidade de Residência pelo Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná – Curitiba – Paraná – E-mail: bruazv@gmail.com
2 Psicóloga – Responsável técnica do Centro de Psicologia Aplicada/UFPR. Preceptora do Programa de residência multiprofissional- área de concentração cardiologia (2015-2017). Professora Universitária – Curitiba – Paraná – E-mail: dpnpinheiro@gmail.com
3 Neuropsicóloga do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná - Departamento de Epilepsia – Curitiba – Paraná – E-mail: mjoanamader@gmail.com