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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.22 no.1 São Paulo jan./jun. 2019

 

ARTIGOS

 

A internação de um filho em unidade de terapia intensiva pediátrica: narrativas maternas

 

The hospitalization of a child in pediatric intensive care unit: maternal narratives

 

 

Elisa Cardoso Azevedo1, I; Tatiana Prade Hemesath2, II; Viviane Ziebell de Oliveira3, II

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS
II
HCPA, Porto Alegre/RS

 

 


RESUMO

O estudo investigou, através de narrativas pessoais, como mães que tiveram filhos internados em uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), em situação de doença aguda e grave, subjetivaram esta experiência. Participaram 5 mães de crianças, previamente hígidas, que tiveram uma internação em UTIP de um hospital terciário de Porto Alegre, por episódio de doença aguda e grave. Entrevista narrativa foi realizada como método de coleta de dados e análise de conteúdo para análise dos dados. Os resultados revelaram 7 categorias temáticas que emergiram a partir das narrativas das mães. Dentre estas, destacam-se o impacto da hospitalização na UTIP, as estratégias protetivas pós-alta hospitalar e as repercussões da experiência na mãe. Conclui-se que as narrativas, como método de entrevista, adquiriram um caráter terapêutico, proporcionando para as mães a oportunidade de ressignificar a experiência traumática de ter tido um filho internado em uma UTIP, em situação de doença aguda e grave.

Palavras-chave: mães; narrativas pessoais; unidade de terapia intensiva pediátrica; doença aguda.


ABSTRACT

The study investigated, through personal narratives, how mothers who had children hospitalized in a Pediatric Intensive Care Unit (PICU), in situations of acute and severe illness, subjectivated this experience. Participants were 5 mothers of previously healthy children who had been hospitalizes in a PICU of a tertiary hospital in Porto Alegre due to acute and severe illness. Narrative interview was performed as a method of data collection and content analysis for data analysis. The results revealed 7 thematic categories that emerged from the mothers' narratives. Among these the impact of hospitalization in the PICU, the post-hospital discharge strategies and the repercussions of the experience on the mother were highlighted. It is concluded that the narratives, as an interview method, acquired a therapeutic character, giving mothers the opportunity to re-signify the traumatic experience of having a child hospitalized in a PICU in a situation of acute and severe disease.

Keywords: mothers; personal narratives; pediatric intensive care unit; acute disease.


 

 

Introdução

A Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) se caracteriza como uma unidade do hospital destinada ao tratamento de enfermidades graves, na qual o paciente é considerado especial pela sua condição física, psicológica e toda demanda de cuidados intensos e ininterruptos que necessita. Envolve recursos tecnológicos e medicamentosos, tomada de decisões complexas, ações rápidas e equipe assistencial habilitada para lidar com tais particularidades. Atualmente, são utilizadas tecnologias cada vez mais avançadas para o tratamento de pacientes que correm risco de vida, buscando-se, dessa forma, diminuir a mortalidade dos pacientes. Para tanto, dispõe de suporte tecnológico avançado e equipe multiprofissional especializada (Haberkorn, 2004; Romano, 1999; Torres, 2008; Warwick, 2012).

Ter um filho internado neste ambiente constitui uma situação potencialmente traumática, capaz de gerar estresse e sofrimento para a família (Balluffi et al., 2004; Board & Ryan-Wenger, 2002; Board & Ryan-Wenger, 2003; Bronner, Knoester, Bos, Last & Grootenhuis, 2008; Franck et al., 2015; Hagstrom, 2017; Paparrigopoulos et al., 2006), principalmente para a mãe, que se mostra como a cuidadora principal durante a hospitalização, sendo a representante oficial da família. É ela quem permanece mais tempo junto ao filho, que se mostra mais presente no acompanhamento das questões hospitalares e é quem tem maior interface com a equipe médica, estando à frente de importantes decisões a serem tomadas (Andrade, 2011; Molina, Fonseca, Waidman & Marcon, 2009; Molina & Marcon, 2009; Molina, Higarashi & Marcon, 2014; Milanesi, Collet, Oliveira & Vieira, 2006; Morais & Costa, 2009; Oliveira & Ângelo, 2000; Santos, 1998).

Poucos estudos ocuparam-se de investigar a experiência das mães que tiveram um filho internado em UTIP em situação de doença aguda e grave. As maiorias dos estudos, já citados anteriormente, que envolve questões psicológicas para a família ou para os pacientes, são internacionais, quantitativos e envolvem a aplicação de escalas. Tais estudos não evidenciam a subjetividade compreendida nesta experiência, aspectos próprios do campo da Psicologia. Assim, o presente estudo investigou, através de narrativas pessoais, como mães que tiveram filhos internados em UTIP em situação de doença aguda e grave subjetivaram esta experiência.

 

Método

Trata-se de um estudo qualitativo apresentado no formato de casos múltiplos, sendo cada caso uma unidade de análise. Cada caso, em particular, consistiu em um estudo completo, no qual se buscou evidências convergentes com respeito aos fatos e às conclusões para o caso (Yin, 2005).

Participaram deste estudo 5 mães de crianças com idades entre 1 e 14 anos, previamente hígidas, que tiveram uma primeira internação por episódio de doença aguda grave em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica de um hospital terciário de Porto Alegre. Os critérios de exclusão do estudo foram: mães de crianças que tiveram mais de uma passagem pela Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, mães de crianças com doenças crônicas, mães de crianças cujas idades não estavam dentro do estipulado nos critérios de inclusão, mães de crianças que ainda se encontravam internadas na unidade.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (Projeto nº 120515). Apesar de tomar por objeto de investigação as mães que estiveram com filhos internados na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica desta instituição, por questões éticas, as mães apenas foram convidadas a participar da pesquisa após a melhora da condição clínica da criança, quando esta já havia recebido transferência para a enfermaria do hospital, local onde ocorreu a coleta de dados.

A Entrevista Narrativa foi o instrumento utilizado. Trata-se de um método de coleta de dados que implica em o indivíduo narrar uma história pessoal, remontando determinada experiência de vida (Bauer & Jovchelevitch, 1999). Nesse sentido, as mães foram convidadas a falar a partir da seguinte questão: "Me conta a história sobre a internação do teu filho na UTIP". As narrativas pessoais das mães foram gravadas, transcritas literalmente e examinadas pelas pesquisadoras a partir da Análise de Conteúdo (Bardin, 1977), com objetivo de levantar categorias oriundas do corpus de análise, que receberam uma denominação conforme a temática. Essa análise foi utilizada para examinar eventuais semelhanças e particularidades nas respostas das mães.

 

Resultados

A análise de conteúdo revelou 7 categorias temáticas que emergiram a partir das narrativas pessoais das mães. São elas: História do início da doença; Impacto da hospitalização na UTIP; Enfrentamento frente à situação de crise; Relação com a equipe; Percepção sobre o filho; Modificações nas estratégias parentais; e Repercussões da experiência na mãe. A seguir cada uma das categorias será apresentada, descrita e ilustrada com os trechos das narrativas pessoais que melhor caracterizam cada uma delas.

História do início da doença

Refere-se ao relato materno sobre o aparecimento dos primeiros sintomas no filho, como a doença começou a se manifestar, a súbita piora clínica da criança e as estratégias utilizadas em busca pelos primeiros socorros. Fica evidente, a partir da fala da mãe a seguir, a necessidade emocional de remontar em detalhes o início do quadro clínico do filho que culminou com a internação na UTIP, o que demonstra a característica traumática da experiência:

Foi de manhã, na sexta feira, ele teve uma tosse encatarrada, até comentei com minha sogra porque não foi aquela tosse feia, foi uma tossezinha normal de quando a gente ta com tosse mesmo, com catarro (...) Dai eu falei pra ela que achava que ia ter que levar ele no médico por causa dessa tosse. E ela: Capaz, não é nada grave isso daí. E eu: Mas eu não sei, vou ligar para o pediatra igual. Entrei no ônibus e liguei para o pediatra dele e falei assim: Dra, o [nome do filho] ta com uma tossezinha que nem aquela da coqueluche, uma tosse forte e encatarrada. Daí ela bem assim: Olha mãe, tu dá prednisolona... Só que tu sabe né mãe é 3ml e 1 vez por dia sempre no mesmo horário. Comprei o medicamento, dei pra ele e o guri melhorou. Parou a tosse, não teve febre, não teve escorrimento no nariz, tudo tranquilo. Eu sai com ele, ele brincou, cheguei em casa e fiz ele dormir, ele dormiu, ele dorme agarradinho em mim. Daí quando fechou duas horas em ponto o guri começou. Parece que foi uma coisa programada (...) E aquilo ali foi indo. (caso 1)

As mães que narraram o início do adoecimento da criança (casos 1, 3, 4 e 5) demonstraram necessidade de fazê-lo em detalhes, obedecendo a uma ordem cronológica, provavelmente no intuito de elaborar melhor o evento traumático.

Em suas narrativas, as mães (casos 1, 3 e 5) descreveram um quadro inicial de adoecimento que não parecia grave, mas que repentinamente levou a criança ao ambiente da UTIP: "Foi uma gripe mal curada que eu nem sabia que ele tava gripado (...) O nariz dele escorrendo e eu achando que não era nada" (caso 3). Outras mães, como no caso 4, trazem uma ideia de piora súbita: "Foi de uma hora para outra que ela piorou mesmo, nem se atinava (...) Ela nem respirava direito, o coração dela tava acelerado e ela não respondia".

Impacto da hospitalização na UTIP

Esta categoria diz respeito ao impacto causado nas mães frente à hospitalização do filho em uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, em função das representações que as mães tinham previamente em relação ao ambiente. Todos casos evidenciaram em seus relatos o quão assustador foi vivenciar essa situação nova e desconhecida:

Eu fiquei assustada porque ela nunca baixou, desde pequena ela nunca internou, foi a primeira vez, nada, foi super (...) Achei que ia perder ela! Fiquei com medo que ela pudesse não se recuperar [chora]. (caso 4)

O impacto e a desorganização emocional frente à notícia de hospitalização na UTIP também ganhou destaque nas falas das mães (casos 2, 3 e 5), conforme ilustrado a seguir:

Dai chegou aqui e foi pra UTI dai a gente se assustou. Uma UTI? Porque uma UTI? Porque ir pra UTI? Se falaram que o guri só tinha uma coisa e né foi direto pra UTI! (...) Até a gente fica meio assim em parafuso como se diz, sabe? (caso 5).

Também foi mencionado (casos 2 e 5) um sentimento de despreparo emocional para lidar com o evento, tendo em vista a associação da unidade com a proximidade da morte:

Pra mim o que a gente sabe é coisa de filme ou de revista. UTI pra mim é quando a pessoa ta muito mal, sendo mal mesmo, doente, doente, doente, mal (...) UTI é quando as pessoas tão quase morrendo... Todo mundo diz que "Comigo não vai acontecer!", mas sempre acontece, sempre. Pois é dai eu pensei agora só que falta né (...) (caso 5).

Associada as suas crenças e fantasias prévias acerca da unidade, aparece o temor das mães de perder o filho, tema que ficou evidente na fala das mães (casos 1, 2, 3, 4 e 5):

Porque geralmente quando a gente entra em uma UTI a gente pensa que a pessoa não vai mais sair dali, que não vai sair, que vai morrer (...) A primeira impressão da UTI foi um pavor, um medo da UTI, todo mundo tem, que já considera que a pessoa não volta mais, então pra mim aquilo ali foi um choque. (caso 2).

Porém, para algumas mães (casos 2 e 3) a UTIP foi percebida como o lugar no qual o quadro grave da criança poderia ser revertido:

Todo mundo diz que a UTIP é o fim de uma pessoa. Eu pude ver que não, que nem pra todos é (...) A gente tem que olhar pra UTIP com um olhar diferente (...) Eu olhava a UTIP como um bicho de sete cabeças (...) Mas graças a Deus agora eu enxergo de outra maneira. Que a pessoa pode ir ali pros últimos recursos, mas a situação pode mudar (...) Hoje eu olho como um recurso que a pessoa pode reverter e sair dali (caso 3).

Enfrentamento frente à situação de crise

Esta categoria trata das estratégias utilizadas pelas mães para enfrentar a hospitalização do filho na UTIP. Algumas mães (casos 1 e 3) evidenciam o papel que tiveram que cumprir junto à família a fim de lidar com essa situação de crise, atuando como alguém que precisava manejar os demais membros da família e fortalecê-los:

Essa parada do [nome do filho] no hospital deu um abalada total na estrutura da minha família, tanto na minha quanto na família dele... Eu tive que ser forte pra acalmar o meu marido, a minha mãe, a minha sogra, então digamos assim que eu fui a coluna de todo o alicerce da casa, entendeu? Então se eu não fosse forte todos iam desabar também (caso 1).

Outras (casos 1,3 5) trazem as alterações causadas na dinâmica familiar em função da hospitalização do filho:

Uma irmã dele de 7 anos disse: Ah mamãe, agora tudo é o [nome da criança]. Então tá tendo ciúmes. E eu expliquei: Agora quem tá precisando da mamãe é ele, filha. E ela disse: Mas eu também preciso. (caso 5)

Observa-se, através desse relato, que em função da mãe permanecer no hospital por mais tempo cuidando do filho adoecido, ocorre uma ruptura momentânea na dinâmica familiar, em que os demais membros da família, como no caso dos demais filhos, acabam sendo colocados em segundo plano, mesmo que provisoriamente.

A partir das narrativas das mães, percebe-se que a família se constitui como a principal rede de apoio às mães durante o período de hospitalização das crianças. No discurso das mães (casos 1, 2 e 3) houve um destaque ao apoio prestado pelas suas próprias mães, as avós maternas das crianças. Estas se apresentaram como figuras importantes e presentes enquanto a criança esteve internada na UTIP proporcionando apoio emocional as mães entrevistadas, como ilustra o trecho a seguir:

E assim quem me ajudou foi minha mãe nesse período, porque todos os momentos que eu preciso ela ta ali entendeu? Se eu precisava de um ombro pra chorar (...) Mas eu tenho muitos amigos, muitas amigas, eu me do muito bem com minha família, todo mundo passou por aqui (...) Muita gente me liga (...) Então só uma ligação às vezes já maravilhoso né (...) Mas bah muita gente mesmo, tava quase entregando fichinha ali no quarto. Então foi bastante importante ter esse suporte (...) (caso 3).

Outra estratégia muito utilizada pelas mães (casos 1, 2 e 5) foi a busca pela espiritualidade como forma de lidar melhor com a situação de crise. Entende-se que a religiosidade/espiritualidade constitui-se uma importante estratégia no enfrentamento da hospitalização da criança, levando à outra instância o compromisso de cura do filho. Segue abaixo um trecho ilustrativo:

A gente faz uma oração então eu pedia muito que ela melhorasse, que conseguisse reverter aquele quadro e que ficasse bem (...) Foi na fé em Deus que eu me apeguei pra passar por tudo isso. (caso 2)

Ficou evidente a utilização de mecanismos de defesa frente à situação de adoecimento e hospitalização do filho (casos 1, 2, 4 e 5) visando o enfrentamento da situação de crise. A fala a seguir exemplifica a identificação existente entre mãe e criança:

Eu não conseguia comer (...) Porque ele não tava comendo nada, ele tava desde às 5 horas da manhã sem comer nada. Eu tentava comer e a comida não descia, ela trancava. E assim foi. Eu só fui conseguir comer assim mesmo depois que eles deram alguma coisa pra ele comer sabe? E ainda assim mais ou menos. (caso 1)

A negação da situação também foi um mecanismo de defesa bastante utilizado pelas mães participantes, sendo uma das principais estratégias para lidar com a experiência traumática:

O dia que eu vim no hospital (...) e eu tava tão, tão assim perdida que eu não lembro, não vi, pra mim ela tava bem e o doutor falou pra mim que não, que ela tava mal mesmo quando chegou aqui, que agora ela ta bem, mas quando chegou aqui tava mal mesmo. E eu tava vivendo aquilo ali há dias e eu não enxergava, pra mim ela tava bem, mas eles diziam que ela tava mal. (caso 2)

Relação com a equipe

Esta categoria trata da comunicação e da relação estabelecida com a equipe médica e de enfermagem que assumiu os cuidados da criança durante a internação da UTIP. Durante as entrevistas, as mães (casos 1, 2, 4 e 5) reconstruíram de forma precisa e detalhada seus diálogos com a equipe médica ilustrando a comunicação de más notícias e a necessidade de exames e procedimentos solicitados pela equipe para a elucidação diagnóstica:

Daí a médica veio falar: Mãe, se tu tivesse demorado mais dois segundos teu filho teria morrido nos teus braços. Ele teve uma parada cardiorrespiratória! (caso 1)

Uma das mães (caso 4) foi surpreendida pela maneira como foi dado o diagnóstico da filha, momento no qual seu sentimento de culpa pelo quadro clínico somou-se a uma postura exigente do médico:

Porque uma médica veio atender ela e falou (...) Daí ela entrou na sala e já falou de cara: Mãe o que tu tava fazendo pra tratar o diabetes dela? E eu nem sabia, nem sabia que ela tinha diabetes! (chora) Foi assim que eu fiquei sabendo! (caso 4)

Mas na maioria dos casos (casos 2, 3 e 5), o que se sobressai no discurso das mães é a relação de confiança e o sentimento de gratidão que elas estabeleceram com a equipe quanto a assistência recebida:

O que me marcou foi que os médicos de lá que são muito atenciosos (...) Eles fazem o serviço deles com vontade (...) os enfermeiros, os médicos (...) Porque tinha alguém pra cuidar dele de verdade (...) Disso a gente não pode se queixar, dai me senti mais segura porque sabia que ele tava sendo bem cuidado (...). (caso 5)

Expectativas idealizadas, depositadas na figura no médico (casos 2 e 3), como aquele que é o detentor do saber, também se evidenciaram. Neste sentido, a relação dessas mães com os médicos assume característica assimétrica, na qual as mães enquadram-se na posição de pacientes e o médico na posição de poder:

O médico assim tem que ser como ele quer porque ele conhece o corpo humano, ele sabe tudo. Nós não sabemos nada, são eles que entendem tudo. (caso 2)

Percepção sobre o filho

Esta categoria (casos 1, 2, 4 e 5) mostra a comparação que as mães fazem sobre o filho antes e depois do adoecimento, conforme ilustra a fala a seguir:

É muito ruim pelo fato de tu saber que é uma criança ativa, brincar, correr e tu ver teu filho deitado numa cama, entubado, em coma induzido. (caso 1)

Pensar no filho em uma situação de risco de vida é quase inconcebível para estas mães (casos 1, 2, 4 e 5), o que assume um caráter de irrealidade:

Daí teve uma hora que eu vi ele praticamente morto, eu vi ele morto no colo da minha sogra sabe? Eu vi (...) Eu vi ele e bah não é meu filho que ta ai!. Eu não queria acreditar que era ele que tava ali. E quando tu vê uma criança assim (...) Meu filho ficou roxo, totalmente roxo. Sabe quando tu pega aqueles bonecos de, aqueles de borracha, bonecão de borracha mesmo? Eu peguei meu filho e ele não piscava, não mexia os braços, eu chacoalhava e ele não respondia, e aquilo foi me deixando desesperada. (caso 1)

Identifica-se ainda a percepção das mães (casos 2, 3) quanto a um estado depressivo de seus filhos após o episódio de adoecimento e hospitalização:

Desde que ela ficou doente ela não conversou mais, não riu, dai ontem de tarde ela riu três vezes, dai aquilo ali já me animou porque eu to vendo que ela já ta voltando aos pouquinhos. Só que eu acho que ela ainda ta meio revoltada. Ela pega o notebook dela e não quer falar com ninguém. (caso 2)

Um estado desorganizado de comportamento da criança diante dos procedimentos invasivos, realizados na rotina hospitalar, também ficou evidenciada na fala de uma das mães participantes:

Pra mim ver ele chorar, ver ele tirar sangue, os exames que ele fez, ele gritava, ele gritava meu nome... Pra tirar sangue são 3 pessoas, pra trocar o curativo são 4. Tá louco! (caso 3)

Modificações nas estratégias parentais

A partir da internação da criança na UTIP, as mães entrevistadas (casos 1, 2, 3, 4 e 5) verbalizam a necessidade de modificar alguns padrões de estratégias parentais que vem utilizando, desejando proteger mais seus filhos após a alta hospitalar:

Eu acho que eu vou dar mais atenção para o [nome do filho]. Sinceramente? Eu vou dar mais atenção (...) Ele já é mimado, mas acho que vou mimar ele um pouquinho mais. Entendeu? Tem coisinhas tão simples que a gente não (...) Agora eu vou prestar mais atenção. Agora ele vai ser mimado, horrores, por mim, pela minha mãe, meu pai. (caso 3)

No discurso das mães, conforme trecho abaixo, fica evidente que a mudança nas estratégias educativas, com a proposta de um cuidado mais minucioso está a serviço da tentativa de evitar que este acontecimento se repita (caso 1):

Tanto que agora eu vou redobrar o cuidado porque eu não quero mais ver meu filho dessa maneira. É horrível ter que passar por isso (...) Agora qualquer coisinha, qualquer coisinha, qualquer febrezinha eu vou ter que correr com ele porque eu não quero que aconteça de novo, realmente eu não quero que aconteça de novo. (caso 1)

Repercussões da experiência na mãe

Esta categoria trata da reavaliação da experiência de ter tido um filho internado em uma UTIP, sob a perspectiva da mãe, bem como a dinâmica psíquica envolvida para a elaboração dessa vivência traumática. Os trechos retirados das narrativas maternas (casos 1 e 3) ilustram o sentimento de culpa que as mães sentem pelo adoecimento e hospitalização do filho:

E daí vinha à acusação: O que eu fiz? Porque meu filho ta ai? O que eu errei? Será que foi isso ou será que foi aquilo? Ainda há momentos em que eu olho pra ele e não acredito que ele ta ali sabe? (caso 1)

A repercussão traumática que esta vivência acarreta também ficou evidenciada, oportunizando que as mães façam uma reavaliação de suas vidas e planejem importantes mudanças, como mostram os dois trechos a seguir:

Que nem dizem, fica um trauma na gente porque ele nunca foi internado (...) Digamos que fica uma mágoa lá no peito que nunca vai sair, que nunca ninguém vai conseguir arrancar isso daí (...) Aquilo ali traumatizou a gente (...) Eu vi tudo isso e aquilo ali me deixou traumatizada. Eu fiquei digamos que com medo daquilo ali. (caso 1)

Porque eu to passando muito pouco tempo com o [nome do filho] e o tempo ta passando e eu não to percebendo, não to curtindo umas coisas boas, que eu poderia ta cuidando mais, entende? E às vezes há males que vem para o bem né? Pra gente pensar um pouquinho mais em nós (...) Mudou tudo! Os planos, a vida, tudo. (caso 3)

Algumas mães entrevistadas (casos 2 e 3) também referiram à ideia de aprendizado diante da experiência, conseguindo extrair um significado positivo a partir da longa vivência de hospitalização do filho em uma UTIP:

Acho que tudo isso é por causa dessa experiência, do impacto (...) Bah aprendi um monte! Aprendi humanidade (...) Aprendi um monte, sofri bastante, mas aprendi bastante aqui. Aprendi um monte, mas aprendi sofrendo. O custo é alto, bastante. Pô! Tem que ter muita paciência aqui dentro, demais. A gente fica aqui dentro muito tempo né? (caso 3)

 

Discussão

Evidenciou-se, a partir dos achados deste estudo, que as mães participantes demonstraram significativa necessidade de descrever, com detalhes, o aparecimento dos primeiros sintomas da criança, a forma como o quadro clínico começou a se manifestar, seja uma doença que já existia previamente e se agravou, ou um quadro que teve início de forma súbita e aguda. É possível inferir, baseado nas narrativas construídas pelas mães participantes, que isso se deu a partir da necessidade de elaborar a vivência traumática da hospitalização na UTIP, bem como de retomar essa experiência para um melhor planejamento do futuro dessas crianças. Apesar de não constituir objetivo do presente estudo, o método de entrevista narrativa, obteve, secundariamente, um caráter terapêutico, proporcionando a essas mães a oportunidade de ressignificar a experiência de ter um filho internado em uma UTIP a partir da construção histórica do adoecimento, assim como evidenciam outros estudos envolvendo narrativas em situação de doença e saúde (Cardoso, Camargo & Llerena, 2002; Favoreto & Cabral, 2009, Hemesath, 2013).

O fato de todas as mães entrevistadas terem referido sentimentos de choque e pavor, mostra o quanto essa experiência foi considerada inesperada e traumática, algo para o qual as mães não se sentiam preparadas para enfrentar. Percebe-se, assim, o grande impacto psíquico que a internação de um filho com doença aguda e grave na UTI provoca nas mães, por tratar-se de uma situação imprevisível em que não é possível haver uma preparação prévia. Este dado vai de encontro a um estudo realizado por Paparrigopoulos et al. (2006), que avaliou os efeitos psicológicos a curto prazo na família durante a estadia da criança em UTIP. Este estudo evidenciou que, logo após a admissão da criança na UTIP, observa-se um aumento de sintomas de ansiedade nas famílias das crianças internadas e os níveis de estresse ficam especialmente elevados nas mães. Apontam ainda que familiares de pacientes hospitalizados na UTIP em geral apresentam maiores níveis de estresse e que especialmente as mulheres, no caso as mães, tem um risco maior de desenvolver alterações psicológicas (Paparrigopoulos et al., 2006).

Ao longo do período em que o quadro clínico da criança é grave, o futuro da mesma passa por uma etapa de desconhecimento e incerteza. Apesar de tratar-se de uma situação nova, nunca antes vivenciada pelas mães entrevistadas, elas apontaram suas próprias crenças e fantasias preconcebidas sobre a UTIP que estavam diretamente associadas ao medo de perder o filho. Balluffi et al. (2004), referem que os critérios para a admissão do paciente pediátrico na UTI são assustadores para os pais e promovem um medo real de que a doença da criança resulte em óbito. Na UTI, a morte é uma possibilidade real e o próprio contexto remete constantemente a morte (Ferreira & Mendes, 2013; Molina, Higarashi & Marcon, 2014; Ramnarayan et al., 2007), sendo inclusive descrita como "a ponte entre a vida e a morte" (Andrade, 2011; Nieweglowski & Moré, 2008). A morte de um filho é difícil de ser representada psiquicamente, e a sua possibilidade, "denunciada" pela internação na UTIP, causa importante desorganização psíquica às mães.

Por tratar-se uma situação tão complexa psiquicamente, observou-se que as mães fizeram uso de diferentes estratégias, visando enfrentar a hospitalização do filho na UTIP, sendo as principais: utilização de mecanismos de defesa, espiritualidade, apoio da rede familiar, assistência psicológica e apropriação do quadro clínico apresentado pela criança. Diversos estudos (Condes et al., 2012; Molina & Marcon, 2009; Morais & Costa, 2009; Rousso & Ângelo, 2001) sustentam os resultados do presente estudo, apontando que, quando uma criança interna na UTI, toda a família sofre, já que a hospitalização tende a mobilizar a rotina e a dinâmica familiares. Apesar da desorganização inicial frente a vivência de crise, observou-se neste estudo que a família se constitui como a principal rede de apoio às mães durante o período de hospitalização da criança, conforme também foi verificado em outros trabalhos (Hayakawa, Marcon & Higarashi, 2009; Hayakawa, Marcon, Higarashi & Waidman, 2010), o que exige um enfoque assistencial voltado para o núcleo familiar (Hagstrom, 2017).

Visando enfrentar o doloroso período de internação na UTIP, Condes et al. (2012) apontam que é comum observar a presença de mecanismos defensivos nos pais dos pacientes internados. Corroborando este autor, o presente estudo elucidou que mecanismos de defesa como a negação e a identificação projetiva foram largamente utilizados pelas mães entrevistadas, como forma de melhor protegerem-se de reações psíquicas desadaptativas. O trauma relacionado ao filho com risco de vida pela doença traz exigências psíquicas que necessitam a organização de mecanismos de defesa que possibilitem a preservação do ego.

Outra estratégia de enfrentamento utilizada pelas mães participantes desta pesquisa foi a busca por apoio na religiosidade/espiritualidade. Gobatto e Araujo (2010) apontam que há uma crescente preocupação em compreender e avaliar o coping religioso-espiritual em circunstâncias potencialmente estressantes, como internações hospitalares e que é fundamental que o psicólogo que atua no contexto hospitalar considere os diversos benefícios proporcionados pela utilização de estratégias de cunho religioso e espiritual.

Com relação às mães das crianças internadas e sua relação com a equipe assistente da UTIP, identificou-se que a maioria das mães entrevistadas neste estudo trouxe em suas narrativas questões sobre a relação e a comunicação com a equipe médica. Nesse sentido, foi percebido como algo fundamental o maior entendimento sobre o quadro clínico da criança, seus riscos e o tratamento oferecido. Ou seja, as informações oferecidas pela equipe médica da unidade são extremamente importantes, pois tornam possível às mães compreenderem com o que elas estão lidando. Não existem trabalhos apontando benefícios na omissão de informações. Pelo contrário, cada vez mais são apresentados estudos demonstrando resultados positivos a partir da maior participação de familiares nas rotinas das UTIPs, conforme demonstrado na pesquisa de Blankenship, Harrison, Brandt, Joy & Simsic (2015), que preconizam a participação dos pais nos rounds realizados pela equipe médica.

Entre as principais necessidades dos pais de crianças internadas na UTIP estão uma efetiva e compreensiva comunicação com a equipe, que englobe informações diárias sobre o quadro clínico da criança e conhecimentos acerca do prognóstico da doença. Quando a equipe informa de forma continua e cronológica sobre o tratamento, medicamentos e recuperação da criança, os pais tendem a se sentir seguros, confiantes e envolvidos no processo. Assim, uma adequada comunicação entre equipe e família que contemple tais aspectos auxilia a diminuir os níveis de estresse e ansiedade dos pais (Latour, Goudoever & Hazelnet, 2008; Mattsson, Arman, Castren & Forsner, 2014).

A partir do presente estudo, observou-se que foi estabelecida uma relação de confiança das mães entrevistadas com a equipe assistente da UTIP. As mães referiram que se sentiram confiantes com o cuidado prestado pela equipe da unidade, reconhecendo assim a competência técnica dos profissionais na assistência aos pacientes, o que culminou em um sentimento de satisfação e gratidão pela assistência recebida após a alta das crianças da unidade. Essa segurança transmitida pela equipe também fez com que as mães projetassem na figura do médico expectativas idealizadas e onipotentes, como o detentor do saber e do poder de cura da criança. No entanto, esse entendimento acaba por colocar as mães numa posição inferior e de menos valia na relação equipe-família, revelando assim a crença das mães da existência de uma relação hierárquica e de submissão, conforme também encontrado no estudo de Nieweglowski e Moré (2008). Vale ressaltar que, atualmente, tem se discutido a importância da atenção centrada no paciente e na família reconhecendo que o envolvimento da família pode influenciar profundamente as decisões clínicas e resultados dos pacientes em unidades de terapia intensiva pediátrica (Meert, Clark & Eggly, 2013). Esse tipo de abordagem dá um maior destaque e relevância para a família, na medida em que reconhece o seu papel no cuidado e tomada de decisões sobre o paciente hospitalizado.

As mães deste estudo trouxeram as suas percepções sobre o filho, fazendo uma comparação do filho saudável de antes da hospitalização com o filho doente. Mesmo que as entrevistas tenham sido realizadas após a alta da criança da UTIP, identificou-se que o impacto de ter presenciado o filho em estado grave, "dado por morto" pela equipe médica, foi tão intenso que a vivência ainda estava muito atual no discurso das mães. Baldini e Krebs (1998) explicam que a percepção do filho doente é intolerável para as mães porque atinge a sua ilusão de onipotência, desconstruindo a ideia de que tinham um filho perfeito e não suscetível a doenças. Percebeu-se também, nas narrativas das mães, que o medo de irreversibilidade do quadro está implícito no seu discurso. Elas temem serem surpreendidas por outra piora súbita, que causaria ainda mais sofrimento ou que o filho antes saudável possa tornar-se para sempre uma criança doente, talvez com alguma condição crônica.

Baldini e Krebs (1998) chamam atenção para um importante fenômeno, bastante freqüente nos pais de crianças internadas em UTIP com doenças agudas: a síndrome da criança dada por morta, quadro pioneiramente descrito por Brun (1996). As autoras explicam que, no caso da síndrome da criança dada por morta, os pais sofrem dois impactos: primeiro do diagnóstico da doença aguda e provavelmente fatal, que ocasiona o início do processo de luto; e segundo quando surpreendentemente se dá a notícia da cura por parte da equipe médica. Neste momento, é necessário um tempo psíquico para que elaborem a nova situação já que o desligamento da UTI é processo gradual, importante e necessário para a readaptação dos pais e da criança. A experiência de ter um filho adoecido em estado grave e possivelmente fatal não pode ser apagada de repente ou negada, já que os mecanismos psicológicos do processo de luto são inconscientes e não podem ser revertidos pela simples constatação da recuperação do filho. Assim, a cura física e psíquica da criança que foi dada por morta não se produz concomitante no psiquismo dos pais. A aceitação da cura do filho é regida por uma lógica interna que funciona de forma independente das leis da razão. Entende-se, portanto que este complexo e sofrido trabalho psíquico deve ser melhor compreendido com o auxílio psicológico, possibilitando a elaboração do luto patológico vivenciado pelos pais e a reinserção saudável da criança na família após a alta hospitalar.

Algumas mães também demonstraram preocupações acerca das mudanças no comportamento das crianças durante a hospitalização e um receio de que estas alterações pudessem permanecer após a alta hospitalar. Sobre isso, Castro e Piccinini (2002) apontam que crianças com doenças na infância apresentam maiores riscos de ter desajuste comportamental, emocional e social. Associado a este fenômeno, podemos compreender outro dado que apareceu nesta pesquisa: foi unânime, entre as mães participantes, o desejo e a necessidade de modificar, após a alta hospitalar da criança, alguns padrões de estratégias parentais que elas vinham utilizando anteriormente.

Nos relatos das mães ficou evidente o temor de que o filho possa apresentar um novo quadro grave no futuro que culmine novamente na internação na UTIP. É comum que os pais apresentem dificuldades em lidar com o filho no contexto de doença e hospitalização, e que isso apareça através de comportamentos de extrema preocupação, superproteção e irresponsividade às reais necessidades da criança. Frente a essa situação, a alta do paciente da UTIP ou do hospital pode representar um novo ambiente de estresse para a família, já que o adoecimento pode afetar profundamente a percepção dos pais acerca do desenvolvimento de seus filhos, bem como a forma com que as estratégias parentais são introduzidas e manejadas na vida das crianças (Petrinec, Mazanec, Burant, Hoffer & Daly, 2015; Piccinini, Castro, Alvarenga, Vargas & Oliveira, 2003). Sendo assim, os achados deste estudo vão ao encontro do que a literatura sobre o tema tem demonstrado.

Por fim cabe discutir as repercussões apontadas pelas mães entrevistadas sobre a experiência de ter tido um filho internado em UTIP. Nas narrativas das mães, identifica-se um importante sentimento de culpa pelo adoecimento e hospitalização do filho, além de sintomas de estresse e esgotamento psíquico, percebidos por elas ao longo da internação da criança. Ao reavaliar essa experiência, as mães atribuíram um caráter traumático a esta vivência que de acordo com elas, deixará importantes registros na sua história de vida.

Estes dados relacionam-se a diversos estudos que apontaram para sintomas de estresse nos pais meses após a alta hospitalar da criança (Board & Ryan-Wenger, 2002; Bronner et al., 2008; Franck et al., 2015; Rees, Gledhill, Garralda e Nadel; 2004). Um estudo de coorte prospectivo (Franck et al., 2015) avaliou 107 pais durante a internação de seus filhos em UTIP e novamente três meses após a alta. Os resultados mostraram que mais de um quarto desses pais apresentaram sintomas significativos de stress pós-traumático três meses após a alta da criança. Já o estudo de Board e Ryan-Wenger (2002) apontou que seis meses após a alta hospitalar da criança os pais ainda apresentavam sintomas relacionados ao estresse. Os dados indicaram que os níveis de estresse nestas famílias continuaram a ser mais altos do que o normal, além de as mães identificarem maiores dificuldades no funcionamento de sua família, posteriormente. O estudo de Bronner et al. (2008) apontou que uma em oito mães (de crianças que tiveram internações por doença aguda em UTIP) preencheram critérios para Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) três meses após a alta desta internação.

Assim, torna-se relevante atentar para a importância da intervenção psicológica precoce, logo após as primeiras horas de internação na unidade, como uma forma de auxiliar na reorganização psíquica das mães para o enfrentamento da situação. Posteriormente, se faz necessário o acompanhamento psicológico, não apenas das mães, mas de outros familiares de referência que se fazem presentes na unidade ao longo da internação da criança na UTIP. Estudos (Board & Ryan-Wenger, 2003; Bronner et al., 2008; Paparrigopoulos et al., 2006), têm destacado a importância da prevenção de sintomas psiquiátricos a partir da detecção precoce de situações desadaptativas que as famílias normalmente já apresentam ao longo do período em que a criança está recebendo cuidados intensivos. Já se sabe sobre os benefícios do acompanhamento psicológico aos pais após a alta hospitalar, pois as taxas de estresse no longo prazo podem ser reduzidas a partir dessa intervenção (Colville, Cream & Kerry, 2010; Ferreira & Mendes, 2013; Hagstrom, 2017). Assim, a intervenção psicológica mostra-se efetiva, garantindo impacto positivo na elaboração da vivência traumática da doença e hospitalização do filho.

 

Considerações finais

A utilização da entrevista narrativa, como método de coleta dos dados, mostrou-se efetiva, visto que captou a subjetividade do fenômeno investigado com a riqueza, precisão e detalhes que se buscava. É fundamental que mães que experienciaram a hospitalização do filho, em situação de doença aguda e grave, ganhem voz e possam ter um espaço para narrar suas vivências, para que este processo possa ser amplamente conhecido, descrito e divulgado no meio assistencial. Isto elucida a importância da Psicologia Hospitalar como área de conhecimento que acolhe tais questões, consolidando sua prática no engendramento das ações junto aos pacientes e familiares inseridos no ambiente do hospital.

Os resultados encontrados mostraram que o impacto da hospitalização na UTIP, as estratégias protetivas pós-alta hospitalar e as repercussões da experiência na mãe foram os aspectos mais evidentes diante da doença e internação do filho nesta unidade, corroborando achados provenientes de outros estudos sobre o tema.

A partir da realização da pesquisa, emergiram outros temas relacionados que merecem uma reflexão e que poderão ser desenvolvidos em estudos posteriores. Sugere-se, portanto, investigar quais são as repercussões emocionais no longo prazo em famílias que tiveram seus filhos internados em UTIP; como fica o paciente pediátrico que teve uma hospitalização por doença aguda e grave após a alta hospitalar e ainda, investigar se pais que realizaram psicoterapia durante a internação da criança em UTIP subjetivaram esta experiência de forma diferente de pais que não tiveram este acompanhamento.

 

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1 Psicóloga (PUCRS), Especialista em Psicologia Hospitalar (HCPA), Especialista em Saúde da Criança (RIMS/HCPA), Psicoterapeuta da Infância e Adolescência de Orientação Psicanalítica (CEAPIA), Mestre em Psicologia (UFRGS), Doutoranda em Psicologia (UFRGS). Contato: lielisa@gmail.com.
2 Psicóloga (PUCRS), Psicoterapeuta de Orientação Psicanalítica (Instituto Wilfred Bion), Mestre em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS), Especialista em Psicologia Hospitalar (CPF) e Psicóloga (HCPA). Contato: themesath@hcpa.edu.br.
3 Psicóloga (PUCRS), Especialista em Gestão Hospitalar (GHC), Doutora em Psicologia (UFRGS), Assesora (HCPA). Contato: viviziebell@gmail.com.

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