SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 número1Exposição à violência como risco para o surgimento ou a continuidade de comportamento antissocial em adolescentes da região metropolitana de São Paulo índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. v.11 n.1 São Paulo jun. 2009

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Síndrome de Down: associação de fatores clínicos e alimentares em adolescentes com sobrepeso e obesidade

 

Down syndrome: correlations between clinical aspects end feeding on teens with overweight and obesity

 

Síndrome de Down: asociación de factores clínicos y alimentares en adolescentes con sobrepeso y obesidad

 

 

Luciana Rodrigues Theodoro; Silvana Maria Blascovi-Assis*

Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do estudo foi identificar a ocorrência de sobrepeso e obesidade em adolescentes com síndrome de Down (SD) e estabelecer relações com alterações hormonais, cardiopatias diagnosticadas e alimentação. Participaram do estudo 40 adolescentes com SD e suas respectivas mães. Os dados foram coletados no ambulatório de um hospital em São Paulo a partir de tomada de medidas antropométricas, ficha sociodemográfica e questionário aplicado às mães. Dos participantes, 60% apresentaram sobrepeso e obesidade, acompanhados de alterações de tireoide (50%), cardiopatias (57,5%) e compulsão alimentar em (66,6%). Não houve relação direta entre o excesso de peso e a presença de cardiopatia. A combinação de diversos fatores pode interferir no ganho de peso nos adolescentes com SD, destacando-se as alterações metabólicas como o hipotireoidismo e a presença de busca compulsiva por alimentos.

Palavras-chave: Obesidade, Sobrepeso, Síndrome de Down, Comportamento alimentar, Adolescente.


ABSTRACT

The study aimed to identify the occurrence of overweight and obesity in adolescents with Down syndrome (DS) and to establish relations with hormonal changes, heart disease diagnosed and feeding aspects. There are 40 teens with SD to participate in this study and their mothers too. Data were collected at the clinic of a hospital in Sao Paulo from doing anthropometric measures, socio-demographic data and questionnaire completed to the mothers. 60% of participants showed overweight and obesity and changes in thyroid (50%), and binge eating in (66.6%). There was no direct relationship between excess weight and the presence of heart disease. The combination of several factors can interfere in weight gain in teen ages with SD, in this case the changes as the metabolic hypothyroidism and the presence of compulsory search for foods.

Keywords: Obesity, Overweight, Down syndrome, Feeding behavior, Adolescent.


RESUMEN

El estudio objetivou identificar el aparecimiento de sobrepeso y obesidad en adolescentes con síndrome de Down (SD) y establecer relaciones con alteraciones hormonales, cardiopatías diagnosticadas y alimentación. Han participado del estudio 40 adolescentes con SD y sus respectivas madres. Los datos han sido colectados en el ambulatorio de un hospital en São Paulo a partir de la toma de medidas antropométricas, ficha sociodemográfica y cuestionario aplicado a las madres. 60% de los participantes presentaron sobrepeso y obesidad, acompañados de alteraciones de tiroide el (50%), de cardiopatías el (57,5%) y compulsión alimentar un (66,6%). No ha habido relación directa entre el exceso de peso y la presencia de cardiopatía. La combinación de diversos factores puede interferir en el aumento de peso en los adolescentes con SD, destacándose las alteraciones metabólicas como el hipotiroidismo y la presencia de busca compulsiva por alimentos.

Palabras clave: Obesidad, Sobrepeso, Síndrome de Down, Conducta alimentaria, Adolescente.


 

 

Introdução

A obesidade é definida como uma doença crônica de origem multifatorial que se caracteriza pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo no organismo (WORLD ORGANIZATION HEALTH, 1998). Sabe-se que esse quadro vem aumentando demasiadamente nas últimas décadas, e por esse motivo são inúmeros os estudos que se dedicam ao tratamento dessa doença (WORLD ORGANIZATION HEALTH, 1998). Porém, a epidemia ainda é pouco estudada em pessoas com síndrome de Down, cujo quadro sindrômico, associado aos problemas de tireoide e defasagem de hormônios de crescimento, propicia um maior desenvolvimento da doença (SCHWARTZMAN, 1999; SARE; RUVACALCABA; KELLEY, 1978).

O reconhecimento da associação entre obesidade e SD ganhou maiores repercussões com estudos realizados que apontam para a maior prevalência de obesidade nesta população quando comparada à população sem síndrome (CHUMLEA; CRONK, 1981; AL-HUSAIN, 2003; MELVILLE et al., 2005). A SD, bastante descrita na literatura, é caracterizada por ser uma alteração cromossômica de origem genética (SCHWARTZMAN, 1999). Entre as alterações clínicas características da síndrome estão as alterações de crescimento, endocrinológicas e cardiovasculares. Essas características chamam a atenção pela sua incidência, em torno de 51% para as cardiopatias e 50% para as alterações de tireoide (GRANZOTTI et al., 1995; SARE; RUVACALCABA; KELLEY, 1978).

Sendo assim, o objetivo deste estudo foi investigar o índice de massa corporal (IMC) de um grupo de adolescentes com síndrome de Down e estabelecer relações com a presença de alterações metabólicas, cardiopatias e aspectos comportamentais relacionados à alimentação – que também aparece como fator etiológico do quadro de obesidade.

 

Método

Foram incluídos no estudo 40 adolescentes com SD, sendo 25 (62,5%) do sexo feminino e 15 (37,5%) do sexo masculino, que participam de um programa de acompanhamento no ambulatório de síndrome de Down em um hospital da rede pública na cidade de São Paulo. O critério de exclusão foi a presença de diagnóstico neurológico associado à síndrome. O projeto foi registrado no Sistema Nacional de Informações sobre Ética em Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (Sisnep) e aprovado pelo Comitê de Ética sob o número 390/2006.

A pesquisa, de caráter transversal, foi realizada individualmente, com base em avaliação dos adolescentes, quando foram coletadas medidas de peso e altura para cálculo de IMC. Utilizou-se equipamento da marca Welmy modelo R104 composto por balança e régua de medida de altura. As alterações clínicas relacionadas às disfunções de tireoide e à presença de cardiopatia foram checadas junto ao prontuário médico do próprio hospital, com base em exames e diagnósticos conferidos pelos clínicos responsáveis. Os aspectos alimentares foram avaliados por meio de um questionário aplicado às mães e aos adolescentes.

Resultados

Os 40 participantes do estudo foram divididos em dois grupos, de acordo com a classificação relativa ao IMC para os adolescentes:

  • Grupo 1: 24 adolescentes com IMC indicador de sobrepeso e obesidade (60%).
  • Grupo 2: 16 adolescentes com peso adequado (40%).
  • Aspectos clínicos: segundo os dados obtidos para os dois grupos (1 e 2), 20 entrevistados (50%) apresentavam hipotireoidismo, e, entre eles, oito (40%) faziam uso de medicação. O acompanhamento ambulatorial incluía a dosagem dos hormônios da tireoide (T3, T4 e TSH) pelo menos uma vez ao ano. Em relação às cardiopatias, 23 (57,5%) apresentavam comprometimentos do defeito do septo atrioventricular.
  • Padrão alimentar: segundo os dados obtidos para os grupos 1 e 2 quanto à quantidade de comida ingerida, os resultados mostraram que, de acordo com a percepção dos responsáveis, 16 (40%) comem mais que a maioria das pessoas, 16 (40%) comem igual às outras pessoas e 8 (20%) comem menos. Em relação ao tipo de alimento, 20 adolescentes (50%) preferem massa, seguida de carnes, com 8 votos (20%), salgadinhos, refrigerante e legumes com 3 indicações (7,5%), chocolates com 2 (5%) e por último frutas com 1 (2,5%).
  • Compulsão alimentar: em relação à busca compulsiva por alimentos, 26 participantes responsáveis pelos adolescentes (65%) referiram perceber esse comportamento em seus filhos, 11 (27,5%) referiram não observar compulsão alimentar nos filhos e 3 (7,5%) responderam que percebem ocasionalmente essa compulsão.
  • Análise do grupo com sobrepeso e obesidade: para os integrantes do grupo 1 (24 participantes com sobrepeso e obesidade), foi investigada a relação com o hipotireodismo, as cardiopatias e a alimentação compulsiva. Observaram-se 12 casos de cardiopatias, o que equivale a 50% dos participantes. O hipotireoidismo foi constatado com base em exames clínicos anexos ao prontuário em 13 casos (54,1%).
  • O índice de cardiopatias encontrado no grupo estudado foi maior nos adolescentes do grupo 2 – com peso adequado (62,5%) – quando comparado com adolescentes com sobrepeso e obesidade (50%).

    Em relação à alteração de tireoide (hipotireoidismo), o índice é maior em adolescentes obesos (54,1%) contra 25% em adolescentes com o peso adequado.

    A busca compulsiva por alimentos mostrou-se mais presente em adolescentes com sobrepeso e obesidade (66,6%). Em relação ao padrão alimentar de preferência por massas, salgadinhos e refrigerantes em detrimento de frutas e legumes, não houve diferenças nos dados encontrados para os dois grupos.

     

    Discussão

    Com base nos dados encontrados na literatura, observa-se que a população com SD apresenta maior porcentagem de excesso de peso em crianças e adolescentes quando comparada com a população sem a síndrome (AL-HUSAIN, 2003; DAMIANI; OLIVEIRA, 2004). Um estudo realizado por Chumlea e Cronk (1981) apontou para uma porcentagem de no mínimo 30% de crianças com SD com excesso de peso. Na população normal, o índice de excesso de peso encontrado em estudo realizado por Damiani e Oliveira (2004), no Brasil, foi de 26,2% de sobrepeso e 8,5% de obesidade. É importante salientar que esses trabalhos foram realizados com adolescentes sem nenhum diagnóstico neurológico associado, e também não foi feita a distinção entre a porcentagem em crianças e adolescentes separadamente.

    Com relação às alterações clínicas, a porcentagem encontrada de hipotireoidismo (50%) está de acordo com algumas pesquisas encontradas na literatura. Há autores que referem frequência de 10% a 50% (SARE; RUVACALCABA; KELLEY, 1978); outros são mais específicos, apresentando uma frequência de 42,9% (NISIHARA et al., 2006). Foi encontrada ainda uma porcentagem de 64,2%. Os autores complementam dizendo que essa discrepância pode estar relacionada com a idade de seus pacientes, pois estudos longitudinais mostram uma normalização desses testes após os três anos (OLIVEIRA et al., 2002).

    A presença de cardiopatias encontradas neste estudo (57,5%) foi superior aos percentuais encontrados na literatura, que registra de 37% a 40% (MUSTACCHI, 1998; MOREIRA; EL-HANI; GUSMÃO, 2000). Essa disparidade pode estar relacionada ao ambulatório pesquisado, uma vez que, antes de se tornar um ambulatório multidisciplinar de assistência a pessoas com SD, era apenas ambulatório de cardiologia. Não houve relação direta entre a presença de cardiopatias e obesidade neste estudo, também não foi encontrada na literatura pesquisada essa associação.

    Quando comparado o grupo de sobrepeso e obesidade (grupo 1) com o de peso adequado (grupo 2), os dados sugeriram que pacientes cardiopatas têm maior dificuldade em ganhar peso do que os não cardiopatas. A hipótese levantada é que a condição pertinente ao estilo de vida de um indivíduo com problemas cardíacos dificulte também a alimentação. A presença de hipotireoidismo foi maior no grupo 1, fato que corrobora os dados apontados pela literatura – que apresenta o hipotireoidismo como um dos fatores etiológicos da doença (SARE; RUVACALCABA; KELLEY, 1978).

    Em relação aos aspectos relacionados ao padrão alimentar e à busca compulsiva por alimentos, é importante salientar que não foi encontrado na literatura pesquisada nenhum estudo sobre a percepção dos pais a respeito dos hábitos alimentares dos seus filhos. Segundo a percepção de grande parte das mães (66%), a compulsão alimentar caracterizada pela ingestão de grande quantidade de alimento por um curto período de tempo está presente no cotidiano de seus filhos. Fato importante a ser considerado, pois a compulsão alimentar é tida como um fator etiológico da obesidade no período da adolescência e vida adulta e por isso merece a atenção dos estudiosos no assunto. Dias (1996) ressalta que o comportamento compulsivo é caracterizado como a maneira encontrada para aliviar a angústia.

     

    Conclusão

    Com base nos dados levantados neste estudo, a presença de cardiopatias parece não ter se mostrado fator decisivo no desenvolvimento dos quadros de sobrepeso e obesidade em adolescentes com SD. Já as alterações de tireoide – o hipotireoidismo especificamente – exercem influência no desenvolvimento dos quadros de sobrepeso e obesidade em adolescente com SD, fato confirmado pela literatura consultada. Os hábitos alimentares descritos parecem exercer influência no desenvolvimento dos quadros de excesso de peso.

    Ante essas considerações, pode-se afirmar que os fatores etiológicos da obesidade para pessoas com ou sem a SD mostram-se semelhantes, embora os indivíduos com SD possuam maior predisposição ao ganho de peso em razão da maior incidência de alterações metabólicas – especificamente o hipotireoidismo – que potencializam o fator de risco nessa população.

     

    Referências

    AL-HUSAIN, M. Body mass index for Saudi children with Down’s syndrome. Acta Paediatrica, Oslo, v. 92, n. 12, p. 1482-1485, Dec. 2003.        [ Links ]

    CHUMLEA, W. C.; CRONK, C. E. Overweight among children with trisomy 21. Journal of Mental Deficiency Research, London, v. 25, p. 275-280, Dec. 1981.        [ Links ]

    DAMIANI, D.; OLIVEIRA, R. G. Aspectos genéticos da obesidade. In: FISBERG, M. (Org.). Atualização em obesidade na infância e adolescência. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2004. p. 19-26.        [ Links ]

    DIAS, V. R. C. S. Compulsões e dependências. In: ______. Sonhos e psicodrama interno na análise psicodramática. São Paulo: Agora, 1996. p. 65-74.        [ Links ]

    GRANZOTTI, J. A. et al. Incidência de cardiopatias congênitas na síndrome de Down. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 71, n. 1, p. 28-30, jan./fev. 1995.        [ Links ]

    MELVILLE, C. A. et al. Obesity adults with Down syndrome: a case-control study. Journal of Intellectual Disability Research, London, v. 49, p. 125-133, Feb. 2005.        [ Links ]

    MOREIRA, L. M. A.; EL-HANI, C. N.; GUSMÃO, F. A. F. A síndrome de Down e sua patogênese: considerações sobre o determinismo genético. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 96-99, jun. 2000.        [ Links ]

    MUSTACCHI, Z. Aspectos clínicos da síndrome de Down: uma revisão. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SÍNDROME DE DOWN, 2., 1998. Disponível em: <http:/www.ecof.org.br/eventos/congre04.htm>. Acesso em: 1º fev. 2007.        [ Links ]

    NISIHARA, R. M. et al. Alterações do TSH em pacientes com síndrome de Down: uma interpretação nem sempre fácil. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, Rio de Janeiro, v. 42, n 5, p. 339-343, out. 2006.        [ Links ]

    OLIVEIRA, A. T. A. et al. Avaliação do eixo hipotalâmico-hipofisário-tireoidiano em crianças com síndrome de Down. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 295-300, jun. 2002.        [ Links ]

    SARE, Z.; RUVACALCABA, R. H.; KELLEY, V. C. Prevalence of thyroid disorder in Down syndrome. Clinical Genetics, Copenhagen, v. 14, n. 3. p. 154-158, Sep.1978.        [ Links ]

    SCHWARTZMAN, J. S. (Org.). Síndrome de Down. São Paulo: Mackenzie; Mennon, 1999. 324 p.        [ Links ]

    WORLD HEALTH ORGANIZATION. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO consultation on obesity in Geneva, 3-5, jun. 1997. Geneva: WHO, 1998.        [ Links ]

     

     

    Endereço para correspondência
    Luciana Rodrigues Theodoro
    Rua Dona Veridiana, 521, ap. 15
    Higienópolis – São Paulo – SP
    CEP 01239-010
    e-mail: lutheodoro@hotmail.com

    Tramitação
    Recebido em fevereiro de 2009
    Aceito em maio de 2009

     

     

    * As autoras agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ao Fundo de Pesquisa Mackenzie (MackPesquisa) pelo suporte financeiro dado a este estudo, e à Dra. Maria Lúcia Pazanelli, responsável pelo Departamento de Pediatria da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.