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Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. vol.14 no.1 São Paulo abr. 2012
ARTIGO ORIGINAL
Jogos eletrônicos e juízo moral: um estudo com adolescentes do ensino médio
Games and moral judgement: a study of adolescents with high school
Juegos electrónicos y juicio moral: un estudio de los adolescentes con enseñanza media
Daniela Karine Ramos
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis – SC – Brasil
RESUMO
O objetivo deste estudo foi investigar a influência que as experiências em mundos virtuais advindas da interação com os jogos eletrônicos têm sobre a competência do juízo moral dos sujeitos. Para tanto, a pesquisa desenvolveu-se com uma amostra por conveniência composta por três turmas do ensino médio. Aplicaram-se um questionário para identificação do perfil e o teste de juízo moral (MJT). Foram analisados 72 questionários e testes respondidos. Após análise estatística dos dados obtidos, não se constataram diferenças significativas entre alunos jogadores e não jogadores com relação ao juízo moral. Assim, pode-se questionar e relativizar a influência dos jogos eletrônicos sobre a competência do juízo moral dos sujeitos. Esse fato reforça a ideia de que o jogo é apenas mais um elemento que contribui com os processos de subjetivação, mas que ele não pode ser considerado determinante das qualidades morais dos sujeitos envolvidos no estudo.
Palavras-chave: jogos de computador; moral; juízo moral; adolescentes; teste de juízo moral.
ABSTRACT
This study aims to investigate the influence of experiences in virtual worlds resulted from the interaction with computer games has on the moral judgement competence of individuals. For this purpose, the research was developed with a convenience sample consisting of three classes of high school, we applied a questionnaire to identify the profile of the subjects and applied the moral judgement test (MJT). We analyzed 72 answered questionnaires and tests. After statistical analysis of obtained data, did not find significant differences between players and non-players in the relationship for moral judgement. Thus, can be questioned and relativized the influence of electronic games on the moral judgement competence of individuals. This reinforces the idea that the game is only seen as one more element that contributes to the processes of subjectivity, but this cannot be regarded as determinative of the moral qualities of subjects enrolled no study.
Keywords: computer games; moral; moral judgement; adolescents; moral judgement test.
RESUMEN
Este estudio tiene como objetivo investigar la influencia de las experiencias en mundos virtuales como resultado de la interacción con los juegos de ordenador tiene la responsabilidad de la competencia de lo juicio moral de los indivíduos. Para ello, la investigación se desarrolló con una muestra que consta de tres clases de la escuela secundaria, en que se aplicó un cuestionario para identificar el perfil y también se aplicó test de juicio moral (MJT). Se analizaron 72 cuestionarios respondidos y las pruebas. El análisis estadístico de los datos obtenidos no encontró diferencias significativas entre los jugadores y los jugadores em relación a competencia de lo juicio moral. Por lo tanto, se podría cuestionar y relativizar la influencia de los juegos electrónicos en el competencia moral de los individuos. Esto refuerza la idea de que el juego es sólo como un elemento más que contribuye a los procesos de la subjetividad, pero esto no puede considerarse como determinante de las cualidades morales de los sujetos del estudio.
Palabras clave: juegos de computador; moral; juicio moral; adolescente; test de juicio moral.
Introdução
Os jogos eletrônicos são artefatos tecnológicos recentes que fazem parte da vida de muitas crianças, adolescentes e adultos. Devido à sua crescente disseminação e aos conteúdos veiculados, esses jogos vêm sendo investigados tanto por seu potencial e contribuição ao desenvolvimento cognitivo (FENG; SPENCE; PRATT, 2007; GENTILE, 2011; DYE; BAVELIER, 2010) como pelos possíveis efeitos sobre o desenvolvimento moral e os comportamentos agressivos. Ao coadunarmos com a segunda perspectiva de investigação, passamos a destacar alguns estudos, como o desenvolvido por Adachi e Willoughby (2011) que revelaram que a competição pode ser pior que o conteúdo violento, o que contribui para questionar que a agressão e violência virtual geram violência em curto prazo pelo sujeito-jogador. O estudo envolveu o experimento com 102 universitários que foram submetidos a sessões de jogos com vários títulos diferentes, variando os níveis de competitividade e agressividade. Esses autores observaram que jogos sem conteúdo violento mas competitivos têm maior potencial para instigar a agressividade. Segundo esses pesquisadores, a agressividade pode estar associada à frustração da derrota, o que minimiza o tipo de conteúdo veiculado ao jogo.
Ferguson (2011) desenvolveu um estudo com 302 jovens, cuja maioria era hispânica. O estudo tentou considerar, além da influência dos videogames violentos, o contexto relacionado ao ambiente familiar, ao convívio com colegas delinquentes e a sintomas depressivos. Os resultados sugeriram que os sintomas depressivos podem ser associados a atos graves de violência e que sujeitos com esses sintomas e traços antissociais eram mais inclinados à violência juvenil.
De outra forma, o estudo realizado por Krahé e Möller (2010) envolveu 1.237 alunos de sétima e oitava séries na Alemanha que foram avaliados com relação a comportamentos agressivos duas vezes em um período de 12 meses. As análises e os resultados obtidos não permitiram relacionar a exposição aos meios de comunicação não violenta e à agressão ou entre mídia violenta e agressão relacional.
Outros estudos experimentais mostraram que a exposição a jogos violentos aumenta a agressão imediatamente após o jogo e que a exposição a jogos não violentos diminui pensamentos, sentimentos e comportamentos agressivos. Porém, quando os participantes da pesquisa foram avaliados após um intervalo de tempo maior e comparados com aqueles medidos imediatamente após o jogo, os jogadores de jogos violentos tiveram seus pensamentos agressivos, sentimentos e comportamentos diminuídos, enquanto os jogadores de jogos não violentos apresentaram aumento nesses resultados (SESTIR; BARTHOLOW, 2010).
Diante desse cenário, o objetivo deste estudo foi investigar a influência que as experiências em mundos virtuais advindas da interação com os jogos eletrônicos têm sobre a competência do juízo moral dos sujeitos. Isso porque os jogos eletrônicos têm diferentes classificações, além de regras que podem se contrapor às regras socialmente aceitas pelos nossos pressupostos morais (MURRAY, 2003; JOHNSON, 2005; ALVES, 2004; MENDES, 2006). Logo, poderíamos pensar que criam espaços de regras paralelas. Entretanto, cabe ressaltar que isso não significa que tal fato também não ocorra nos jogos tradicionais, nos quais podemos ter o bandido lutando contra o mocinho, simulando matar e torturar o adversário. A questão é que, nos jogos eletrônicos, os cenários aproximam-se imageticamente da realidade e os sujeitos podem ser os personagens da ação.
Nesse sentido, destacamos que a questão norteadora do estudo seria: "A imersão em jogos eletrônicos interfere na competência do juízo moral dos sujeitos-jogadores?". Com base nessa questão e no objetivo apresentado neste trabalho, descrevemos os fundamentos teóricos que permitem compreender a construção do juízo moral e o conceito de competência moral, apresentamos a pesquisa quantitativa realizada com base na aplicação do teste de juízo moral e discutimos os dados com base nos referenciais teóricos.
Este trabalho descreve parte da pesquisa e dos resultados de um trabalho de doutorado em Educação que investigou os jogos eletrônicos e suas intersecções com a moral, a ética e a realização de desejos.
No campo de estudo da moral, seja sob o ponto de vista da psicologia ou da filosofia, podemos identificar uma grande diversidade epistemológica e, consequentemente, diferentes métodos de pesquisa. Nesse sentido, apropriamo-nos de Piaget (1994) e Kohlberg, por meio dos quais temos um quadro diferenciado, pois a razão é privilegiada, principalmente, pela proposição do conceito de autonomia, o qual só faz sentido na esfera racional (LA TAILLE, 2006).
Essa racionalidade se expressa em concepções e estágios definidos, permitindo visualizar o modo como a moral é operacionalizada pelo sujeito. Para tanto, destacamos dois conceitos fundamentais desses autores: o juízo moral de Piaget e a competência moral de Kohlberg.
O juízo moral é "[...] um tipo de comportamento humano, que pode ser descrito em categorias afetivas e cognitivas, isto é, em termos dos princípios morais que uma pessoa possui e em termos de quão competente aplica esses princípios em processos concretos de tomada de decisão" (LIND, 2000, p. 400).
No que se refere ao juízo moral, Piaget (1994, p. 93) fala em realismo moral para designar a tendência da criança em considerar "os deveres e os valores a eles relacionados como subsistentes em si, independentes da consciência e se impondo obrigatoriamente, quaisquer que sejam as circunstâncias às quais o indivíduo está preso".
Uma das características descritas diz que o realismo moral é heterônomo, ou seja, apresenta boa obediência à regra e aos adultos. Isso demonstra que a regra não é absolutamente uma realidade elaborada pela consciência, nem mesmo julgada ou interpretada pela consciência: é dada tal e qual, já pronta, exteriormente à consciência; além disso, é concebida como revelada pelo adulto e imposta por ele (PIAGET, 1994, p. 93).
Do mesmo modo, o realismo moral acarreta uma concepção objetiva da responsabilidade. Por consequência, a criança passa a avaliar os atos não pela intenção, mas pela conformidade material com as regras.
Diante disso, é possível definir duas morais no desenvolvimento infantil: "uma da coação ou da heteronomia e uma moral da cooperação ou da autonomia" (PIAGET, 1994, p. 156). Na moralidade heteronômica, a criança está sujeita às leis de outras pessoas participantes do seu mundo significativo. Assim, nesse período, as regras são consideradas sagradas e intocáveis, e a obediência se dá de forma egocêntrica, por meio da imitação do que é observado (DUSKA; WHELAN, 1994).
A característica egocêntrica dificulta que o sujeito se coloque no lugar do outro, o que permite, por exemplo, avaliar os motivos e as razões que o levaram a tomar determinada decisão. A possibilidade de se colocar no lugar do outro, descentralizar o ponto de vista, contribui para a efetividade do julgamento moral, pois permite refletir criticamente, levando em conta os diferentes pontos de vista e considerando os motivos, as emoções e as condições que levam a determinados comportamentos.
Com base nisso, passamos a descrever a moralidade autônoma, na qual a criança se sujeita à sua própria lei e, de acordo com esta, passa a ter experiências emocionais e sentimento de culpa quando viola as regras morais. Assim, a autonomia é a superação da moral de obediência a algo externo, a qual é traduzida tanto pela necessidade de reciprocidade nas relações (respeito mútuo) quanto pela necessidade de passar os princípios e as normas pelo crivo da inteligência (LA TAILLE, 2006).
A autonomia, segundo Menin (1996), refere-se à decisão de seguir as regras ou leis por vontade própria, sem considerar as consequências externas. Assim, a autonomia corresponde ao autogoverno. E, por conseguinte, a obediência à regra se dá pela concordância com ela (regra) e envolve uma reflexão crítica.
A partir disso, tomamos o conceito de competência moral, originalmente proposto por Lawrence Kohlberg em 1964, que se refere à "capacidade de tomar decisões e emitir juízos morais (baseados em princípios internos) e agir de acordo com tais juízos" (BATAGLIA, 2010, p. 84).
A emissão de juízos não envolve apenas a esfera cognitiva, mesmo que está seja condição necessária, pois, além de reconhecer, aceitar e emitir juízo sobre as regras, é preciso estar disposto a agir de acordo com elas de forma coerente. Assim, temos que avaliar tanto os princípios morais do sujeito, a ação em si, como as intenções do sujeito (BATAGLIA, 2010).
Ao considerarmos esses aspectos, a competência do juízo moral "exprime a habilidade que o sujeito possui para avaliar situações e juízos de acordo com princípios e não simplesmente com interesses ou disposições momentâneas" (BATAGLIA, 2010, p. 84).
Ao estudar o desenvolvimento dos juízos morais, Kohlberg definiu três níveis de desenvolvimento moral, cada um com dois estágios. Esses estágios definem a estrutura e o modo de raciocínio, não um conteúdo. Segundo Bataglia, Morais e Lepre (2010), podemos descrever esses níveis da seguinte forma:
• No nível pré-convencional, o indivíduo julga o certo e o errado com base em seus interesses próprios (individualismo) ou por medo da punição (moralidade heterônoma).
• No nível convencional, a ação moral correta baseia-se nas convenções e regras sociais determinadas por autoridades ou instituições reconhecidas socialmente. Desse modo, o sujeito formula juízos com base tanto nas regras do grupo social como nas expectativas que o grupo tem em relação a ele.
• No nível pós-convencional, a ação moral correta é orientada por princípios morais universais, com base na reciprocidade e na igualdade. Nesse caso, o pensamento é regido por princípios morais e éticos, e não apenas por regras sociais.
De acordo com Duska e Whelan (1994), o indivíduo progride sucessivamente por meio dos estágios, na ordem apresentada, e o raciocínio, num nível mais alto, é cognitivamente mais adequado, implicando gradualmente a presença do pensamento mais abstrato. A passagem de um nível ao outro se dá quando há um desequilíbrio cognitivo, ou seja, quando a pessoa não é mais capaz de enfrentar um dado dilema moral.
A teoria de Kohlberg recebe muitas críticas pelo fato de não terem sido consideradas, nos estudos sobre a moralidade humana, "a representação dos valores sociais e as necessidades afetivas dos sujeitos, inerentes aos conflitos morais enfrentados no cotidiano" (ARANTES, 2003, p. 111).
Lind (2000), no entanto, destaca a importância de Kohlberg para o estudo e a pesquisa do conceito de moralidade, pois ele contribui para redimensionar o conceito adiante da mera conformidade à norma e transformou a moralidade em um tema de pesquisa científica. Além disso, estabeleceu as bases para a mensuração objetiva das competências morais.
Método
O estudo realizado teve um caráter exploratório, pois visou proporcionar uma maior familiaridade com o problema, com a ideia de torná-lo mais explícito e construir hipóteses, propiciando assim uma nova visão acerca do problema pesquisado e estudado (GIL, 1996). Pautou-se principalmente na abordagem quantitativa, para ampliar a compreensão sobre a influência dos jogos eletrônicos na competência do juízo moral de adolescentes.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética na Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina por envolver alunos do ensino médio (Processo no 054/08).
No segundo semestre de 2007, a coleta foi realizada na Escola Técnica do Vale do Itajaí (Etevi), uma escola de ensino médio que compartilha o mesmo espaço físico da Universidade Regional de Blumenau (Furb), localizada na cidade de Blumenau em Santa Catarina.
Amostragem
Realizou-se o estudo com base em uma amostra por conveniência composta por alunos de três turmas do segundo ano do ensino médio da Etevi. Essa aplicação foi realizada no mês de agosto de 2007. A amostra foi composta por 72 sujeitos: 61% do sexo feminino (n = 44) e 39% do sexo masculino (n = 28). A idade média foi de 15,6 anos, com desvio padrão de 0,63.
Instrumentos
Na coleta de dados, utilizaram-se um questionário para identificação do perfil dos sujeitos e o teste de juízo moral (moral judgement test – MJT). O questionário abordou aspectos relacionados ao perfil como sexo e idade, além de questões relacionadas à interação com os jogos eletrônicos: se jogavam, quanto tempo costumavam jogar por semana, tipo de jogo preferido e se conversavam com outras pessoas sobre os jogos.
O teste aplicado foi desenvolvido por George Lind (2000) e traduzido e validado para o Brasil por Bataglia (2001). Esse teste não tem função diagnóstica ou seletiva, foi elaborado para uso em pesquisas e projetos de avaliação.
O MJT tem como objetivo acessar a competência de juízo moral de sujeitos, e sua formulação foi baseada em Jean Piaget e Lawrence Kohlberg, cuja intenção é mostrar que os aspectos do comportamento moral podem ser vistos em conjunto (BATAGLIA, 2001). Nesse sentido, o objetivo de Lind (2000, p. 400) para proposição do MJT foi "construir um teste para verificar e aprimorar a teoria e a prática do desenvolvimento moral, mais do que criar um teste psicométrico".
No MJT, ao serem confrontados com dilemas morais, os sujeitos são convidados a avaliar os prós e os contras. Os prós são expressos em seis argumentos, a partir dos quais o sujeito assinala o grau de concordância com base na escala proposta que vai de -3 a +3, em que -3 significa forte discordância, e +3, forte concordância. Do mesmo modo, os contras são expressos em seis argumentos avaliados de acordo com a mesma escala de concordância.
De modo geral, o julgamento é feito por meio da seleção de uma alternativa, contemplando argumentos, e estes correspondem a escores. Com base nesses escores, calcula-se o índice de competência que varia de 0 a 100 graus. Quanto mais alto for o índice obtido pelo sujeito, maior será a sua competência de juízo moral (BATAGLIA, 2001).
Desse modo, no MJT são apresentados dois dilemas, construídos com base na descrição de duas histórias, nas quais o personagem é colocado diante do dilema e sua decisão entra em conflito com regras de conduta social e pessoal (BATAGLIA, 2001).
No Brasil, o teste foi adaptado à realidade cultural e social e recebeu mais um dilema. Assim, temos os seguintes dilemas
• Dilema dos operários: aborda o arrombamento do escritório da empresa que trabalham para verificarem se os operários estão tendo suas conversas ouvidas.
• Dilema médico: trata da aceitação do pedido de uma paciente em fase terminal de câncer para aumentar a dose de analgésico, o que resultaria em sua morte.
• Decisão do juiz: transcorre sobre a possibilidade de um juiz dar permissão ao serviço secreto para torturar uma mulher que se sabe ser uma das líderes do grupo que planeja um ataque terrorista a um trem para matar duzentas pessoas. A tortura teria como obter informações para evitar o ataque.
Procedimentos
Antes da aplicação do questionário, realizou-se um pré-teste, no qual quatro adolescentes foram convidados a responder ao questionário e ao teste. Em seguida, foram questionados sobre a compreensão das questões e as dificuldades para responder. Com base nas respostas obtidas, fizeram-se algumas adequações relacionadas à linguagem e à organização das questões.
A participação dos sujeitos foi autorizada pelos pais e responsáveis, por meio do envio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual foi assinado e devolvido.
O questionário foi aplicado no formato impresso durante o período de aula. A aplicação envolveu uma breve explanação sobre a pesquisa e o convite aos alunos para responder. Aplicaram-se 84 questionários e testes, dos quais 75 foram respondidos e 72 considerados na análise, tendo em vista que alguns questionários apresentavam problemas no preenchimento ou respostas repetidas.
Procedimentos de análise de dados
Com base nos resultados obtidos no teste, fez-se o cruzamento com as informações coletadas no questionário para identificação do perfil, utilizando testes estatísticos com o apoio do software EpiData Analysis.
A relação entre o escore obtido no MJT foi relacionado à variável de jogar ou não e ao fato de os sujeitos conversarem ou não com os adultos, aplicando o teste de Mann-Whitney, por termos uma variável de desfecho contínua e uma de exposição dicotômica. Outra análise considerou os resultados no teste (variável contínua) e o tempo dedicado aos jogos eletrônicos (variável politômica), e utilizou-se o teste Kluskal Wallis para obter o valor p.
Resultados
Salienta-se que os resultados são apresentados por dilema. Essa opção foi definida com base na orientação de Bataglia (2001), responsável pela validação do teste no Brasil. Segundo essa autora, devido aos baixos escores totais obtidos no Brasil, em relação a outros países, havia baixo desempenho no dilema 2, provavelmente por aspectos culturais e relacionados à temática trabalhada. Assim, acrescentou-se o terceiro dilema, e indica-se a demonstração do resultado dos três isoladamente.
Para definir os testes a serem utilizados, verificamos se os dados obtidos a partir da amostra seguiam uma distribuição normal. Para tanto, calculou-se o coeficiente de variabilidade. Esse coeficiente foi superior a 50% tanto no escore geral dos dilemas quanto naquele considerado isoladamente, o que indicou que a amostra de dados da categoria de desfecho é assimétrica.
Os escores obtidos nos dilemas aplicados nos sujeitos seguiram a previsão indicada por Bataglia (2010), ou seja, os menores valores, do intervalo interquartil e da mediana, foram encontrados no dilema 2, e os maiores valores foram associados ao dilema 3, conforme mostra a Tabela 1.
Dilemas Percentil 25 Mediana Percentil 75 Geral 13,65 20,00 30,65 Dilema 1 24,48 36,15 53,33 Dilema 2 14,68 27,45 40,43 Dilema 3 29,15 42,55 63,55
As primeiras categorias analisadas verificaram a associação entre o resultado obtido no teste e o fato de os sujeitos jogarem ou não jogos eletrônicos. A partir disso, temos os seguintes resultados que apresentam o escore geral, incluindo as respostas obtidas nos três dilemas e o escore por dilema:
A maior parte dos sujeitos do estudo são jogadores, ou seja, 66,6% (n = 48), e 33,4% indicaram que não utilizam jogos eletrônicos (n = 24). Com base nisso e considerando os resultados obtidos no MJT descritos na Tabela 2, podem-se observar diferenças nos escores entre os sujeitos jogadores e não jogadores, porém essas diferenças não são estatisticamente significativas, nem regulares. No escore total do MJT, os sujeitos não jogadores tiveram um desempenho superior; no dilema 1, o intervalo interquartil também foi superior, porém o valor da mediana foi menor; no dilema 2, o desempenho dos não jogadores foi superior na mediana; e no p75 e no dilema 3, o desempenho dos não jogadores foi menor em p25 e na mediana.
Os dados referentes à associação das duas categorias, ao serem submetidos à análise estatística que revelou o valor p, indicaram que não podemos associar o fato de os sujeitos serem jogadores ou não ao maior ou menor desempenho no MJT.
Outra análise realizada considerou apenas os sujeitos jogadores (n = 48) e o fato de eles conversarem ou não com outras pessoas sobre os jogos eletrônicos. A questão relacionada a essa variável foi respondida por 45 sujeitos jogadores, dos quais 64,4% afirmaram conversar com outras pessoas sobre os jogos (n = 29) e 35,6% indicaram não conversar (n = 16). Os dados obtidos por esses sujeitos no MJT são apresentados na Tabela 3.
Os escores obtidos pelos sujeitos que afirmaram conversar com outras pessoas sobre os jogos eletrônicos foram superiores em todos os dilemas, com exceção do dilema 2, porém o valor p revela que essa diferença não é significativa.
No que se refere à frequência com que os sujeitos do estudo jogam (71 sujeitos responderam a essa questão), observamos, com base no questionário aplicado, que a maioria (aproximadamente 65,7%) joga de vez em quando ou não joga, como podemos observar na Tabela 4.
Além da frequência, investigamos o tempo dedicado aos jogos eletrônicos. Essa questão não foi respondida por 17 sujeitos, por isso os dados apresentados correspondem a n = 55. Além disso, 24 assinalaram não jogar.
Com base na Tabela 5, não é possível identificar uma regularidade em relação ao tempo dedicado aos jogos e o desempenho no MJT. Considerando a mediana, no escore total dos dilemas, o maior desempenho refere-se aos sujeitos que jogam de 1 a 3 horas por dia (21,9) e o menor nos que jogam de 1 a 3 horas por semana ou menos de 1 hora por dia (15,1). No dilema 1, o maior desempenho (52,4) é identificado em quem joga de 4 a 5 horas por dia, e o menor (30,2), em quem joga mais de 5 horas. No dilema 2, o maior desempenho (40,2) foi relacionado ao grupo que joga de 1 a 3 horas por semana, e o menor (20,4), ao grupo que joga de 3 a 5 horas por semana. Por fim, no dilema 3, temos o maior desempenho associado ao grupo que joga de 3 a 5 horas por semana e menos de uma hora por dia, e o menor refere-se ao grupo que joga de 1 a 3 horas por dia.
Além dos dados descritos na Tabela 5, o valor p indica que as diferenças encontradas entre os diferentes grupos organizados pelas categorias de tempo dedicado aos jogos não são significativas.
Discussão
Com base nos resultados obtidos, podemos observar que os jogos eletrônicos não interferem decisivamente sobre o juízo moral dos sujeitos, tanto ao considerarmos o valor p como pela irregularidade encontrada na maior parte das categorias e associações realizadas. Esse fato reforça a ideia de que o jogo constitui-se apenas como mais um elemento que contribui com os processos de subjetivação, mas que este não pode ser considerado determinante das qualidades morais de um sujeito, tendo em vista a importância que as relações familiares, afetivas, cognitivas e sociais têm sobre a constituição de um sujeito.
Antes de qualquer coisa, é preciso conhecer os jogos eletrônicos e o papel que as regras, a violência e as cenas sangrentas representam para o jogador, bem como contextualizar e conhecer o ambiente no qual vive o sujeito-jogador. Quando se estuda a relação que os jovens estabelecem com os jogos eletrônicos, é preciso ouvi-los e fugir de inferências simplistas.
De acordo com Jones (2004), dados de um estudo realizado mostram que, se um jogador tiver que escolher entre um jogo sangrento que não desafia e um sem violência que o faz, geralmente preferirá a segunda opção, pois o jovem prefere o desafio ao sangue. Isso se justifica, pois a forma de jogar é o elemento mais importante e envolve a dificuldade, as estratégias, a complexidade, e, em seguida, vêm o ambiente e a aparência do mundo virtual.
Em nosso estudo, não identificamos diferenças consistentes entre o juízo moral dos sujeitos jogadores e não jogadores, pois, em alguns dilemas, o desempenho dos sujeitos jogadores foi superior aos sujeitos não jogadores, e, em outros, tivemos um resultado oposto. De modo geral, os sujeitos não jogadores tiveram desempenho um pouco superior, porém essa diferença não foi significativa como se pôde observar. Dessa forma, não podemos afirmar que os sujeitos não jogadores possuem um juízo moral superior e são mais competentes em sua aplicação.
A diferença mais regular encontrada nos resultados do MJT foi obtida ao compararmos os sujeitos jogadores que conversam ou não com outras pessoas sobre os jogos eletrônicos. Os sujeitos que conversavam tiveram um escore superior àqueles que não conversaram, entretanto essa diferença não foi significativa.
Nesse sentido, destaca-se que, na fase do realismo moral, esse diálogo é fundamental quando se dá com outro adulto, pois é ele quem reforça os deveres e valores que existem em si e são obrigatórios (PIAGET, 1994). Apesar de os sujeitos de nosso estudo não estarem nessa fase do desenvolvimento moral, o fato de conversarem sobre os jogos com outras pessoas de algum modo pode influir sobre a capacidade de tomar decisões e emitir juízo morais. Além disso, tal fato reforça que as regras e leis do cotidiano diferem-se do que ocorre nos jogos, já que muitos comportamentos aceitos e autorizados no virtual não podem ser transpostos para o cotidiano.
Entre as questões preocupantes que abordamos em relação aos jogos e à competência do juízo moral, está o tempo que jovens e adultos utilizam para jogar. Nesse sentido, preocupa-nos a imersão por longos períodos nesses ambientes virtuais dos jogos, vivenciando regras, conteúdos amorais e experiências contraditórias àquelas aceitas pela nossa sociedade.
Apesar da preocupação em relação ao tempo de exposição aos jogos eletrônicos, nos resultados obtidos, não foi possível associar o tempo ao melhor ou pior desempenho no MJT, e salienta-se que 65,3% dos sujeitos não eram jogadores ou jogavam de vez em quando. Os resultados descritos não revelaram regularidade, e categorias de tempo próximas tiveram os maiores e os menores escores. Assim, em alguns dilemas, quanto mais tempo os sujeitos jogavam, melhor era o desempenho no MJT, e, em outros, contrariamente, quanto mais tempo, pior era o desempenho.
Outra questão relevante presente nos jogos eletrônicos é a aparente maior autonomia que os jogos oferecem aos jogadores, a qual pode ter reflexos sobre a construção da competência moral. Os jogos criariam espaços para o exercício livre da autonomia, a qual se refere à possibilidade de tomar decisões e realizar ações seguindo a sua própria lei e autogovernar-se (PIAGET, 1994; LA TAILLE, 2006).
De acordo com Subrahmanyam et al. (2000), vários estudos apontam que a interação dos jovens com os jogos eletrônicos interfere na sua relação com a figura de autoridade, o que recebe influência do tipo de atividade desenvolvida pelo jovem no computador e do tempo que ele fica em frente ao mesmo jogo. Tendo em vista que esses estudos não identificam mudanças no relacionamento social e familiar de jovens que não passam tempo excessivo jogando, como 30 horas por semana, devemos considerar que o tempo de exposição pode ter influência sobre o comportamento dos jovens, ou seja, o problema não é o jogo, mas os excessos relacionados a ele.
Nessa perspectiva, a exposição excessiva relaciona-se a resultados que revelam uma maior tendência, por parte dos jogadores, a assumir mais comportamentos agressivos e insensibilidade à violência. Entretanto, o estudo realizado não revelou associação estatisticamente significativa entre o tempo dedicado aos jogos eletrônicos e a competência do juízo moral.
De outro modo, não podemos desconsiderar que a criança até os 8 anos de idade tem uma moralidade heterônoma, segundo Piaget (1994), o que torna a influência do adulto marcante para determinar o que é certo ou errado. Por isso, a mediação de adultos e o diálogo sobre as temáticas abordadas nos jogos tornam-se muito importantes para favorecer o desenvolvimento de uma postura ética. Esse aspecto é reforçado pelos dados da pesquisa que revelaram melhores índices entre os jovens que conversavam com adultos a respeito dos jogos eletrônicos.
Observamos que, quando se fala dos efeitos nocivos dos jogos eletrônicos violentos, não se consideram a necessidade de direcionamento e de mediação do adulto e os limites de que um sujeito precisa para se desenvolver, mas apenas o papel da fantasia. As crianças precisam de limites, de alguém que lhes diga até que ponto podem ir, por quantas horas podem jogar. Esses aspectos evidenciam que a falta de limites estabelecidos pelos pais possa ser o grande problema, que pode tanto estar relacionado ao tempo que a criança fica em frente ao computador quanto aos comportamentos agressivos apresentados no dia a dia.
Aspectos relacionados à falta de limites são facilmente identificados nas escolas, onde professores lidam com crianças e adolescentes sem limites e desrespeitosos, como um reflexo das facilidades para realização de seus desejos e evitamento da frustração. Assim, desconsidera-se que a frustração é necessária para que o ser humano conheça seus limites e aprenda a lidar com eles.
Considerações finais
Os resultados obtidos revelaram que não é possível associar o melhor ou pior desempenho quanto à competência do juízo moral ao fato de jogar ou não jogos eletrônicos. Mesmo apontando para esse resultado, o estudo não teve a intenção de afirmar se o jogo eletrônico é bom ou ruim, ou seja, não se pretendia reforçar a frequente visão maniqueísta com que diferentes teóricos e pesquisadores se deparam sobre ser bom ou ruim o ato de jogar jogos eletrônicos. Essa visão não foi colocada em questão, por considerar-se que o jogo eletrônico não é um agente autômato que tem o poder de influir sobre outros sujeitos, como uma entidade do bem ou do mal. Os jogos referem-se a uma tecnologia humana que se soma a tantas outras e que não pode ser analisada sem considerar o sujeito autônomo que a conduz e interage como essa tecnologia de forma construtiva, ativa e criativa e o contexto no qual ele está inserido.
Apesar de o estudo ter sido feito em uma amostra restrita e específica, ele contribui com o questionamento da postura encontrada em alguns estudos e veiculada em algumas reportagens que retomam a crença em teorias já abandonadas na psicologia que tomam o ser humano como uma tábula rasa ou folha em branco. Essas teorias sustentavam que o ambiente seria capaz de imprimir suas marcas, ou seja, o jogo imprimiria a marca da violência nos jovens, tornando-os violentos, sem levar em consideração o fato de que a constituição de um sujeito é um fenômeno complexo que envolve muitas variáveis, que vão desde os aspectos biológicos e genéticos até o ambiente no qual ele vive.
Quando nos referimos aqui ao ambiente que cerca o sujeito, entendemos que ele envolve a família, a escola, os grupos sociais, as amizades, os conflitos vividos, as perdas, as conquistas, as crenças religiosas, os aspectos culturais e econômicos, entre muitos outros. Assim, reforça-se a ideia de que estamos diante de um fenômeno complexo e que é difícil aceitar o fato de que, se os jovens jogarem um jogo violento, tornar-se-ão violentos.
Considerando esses aspectos, em nosso estudo, uma das limitações foi não ter sido explorado o contexto social e familiar dos sujeitos por se tratar de um estudo exploratório. E por isso as contribuições têm a função de discutir e questionar algumas conclusões simplistas que estão presentes principalmente no senso comum e são veiculadas na mídia de massa.
Sobretudo é fundamental avançar nos estudos sobre os modos de operar e os reflexos que a interação com os jogos eletrônicos tem sobre o desenvolvimento dos sujeitos, bem como suas funções e contribuições. Este trabalho, mais que constatações, procurou trazer alguns elementos para discussão e problematização, visando ampliar a compreensão sobre os jogos eletrônicos e os aspectos morais.
Referências
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Endereço para correspondência
Contato
Daniela Karine Ramos
e-mail: dadaniela@gmail.com
Tramitação
Recebido em agosto de 2010
Aceito em janeiro de 2012